USO DE ESTRATÉGIAS DE APRENDIZAGEM E SUAS RELAÇÕES COM AS METAS DE REALIZAÇÃO Souza, Isabel Cristina de Universidade Estadual de Londrina Guimarães, Sueli Édi 1 Universidade Estadual de Londrina 1 jsgj@uel.br Resumo: O aprendizado eficaz envolve o uso de estratégias de aprendizagem, assim como o controle de variáveis psicológicas pelo próprio aluno. A motivação para as atividades de aprendizagem pode ser compreendida a partir das metas assumidas pelos estudantes em situações escolares. A adoção de metas explica as razões do envolvimento pessoal em uma tarefa, funcionando como um programa mental, que influencia o foco de atenção, o esforço e a seleção de estratégias eficazes. Um estudante pode realizar uma atividade para ser reconhecido como o melhor ou para evitar ser considerado incapaz, configurando-se aí a adoção da meta ego ou de performance; o envolvimento pode ser para conseguir o sucesso com o emprego de esforço mínimo, meta de alienação acadêmica ou de evitação de trabalho; ou, ainda, a principal intenção é aprender, obter conhecimento, melhoria, progresso intelectual, a meta aprender. O presente estudo teve como objetivo avaliar os componentes motivacionais e a adoção de estratégias de aprendizagem de 109 alunos, em relação a uma disciplina específica, de um curso superior em Teologia, na região norte do estado do Paraná. Procurou-se, além disso, relacionar a adoção de metas aprender e alienação acadêmica ou evitação de trabalho com uso de estratégias de aprendizagem, cognitivas e metacognitivas. Com base em itens validados, disponíveis na literatura da área, foi elaborado um questionário com 50 itens, em escala Likert, e os dados obtidos foram submetidos à análise fatorial, correlação e análises de variância. Descobriu-se que os alunos participantes adotaram mais a meta aprender e relataram o uso estratégias de aprendizagem de profundidade. Os resultados são discutidos em termos de suas implicações educacionais e de contribuição para as interações no contexto investigado. Palavras-chave: Motivação no ensino superior; Teoria do Processamento da Informação; Estratégias de Aprendizagem.
1751 Estudiosos cognitivistas (BZUNECK, 2004a) recorrem à metáfora do processamento da informação para explicar com as pessoas aprendem, assimilam e transformam as informações que recebem do meio ambiente. Tendo como base a analogia entre a mente humana e o funcionamento de um computador, os psicólogos cognitivistas que defendem essa abordagem concebem o ser humano como um processador de informações. A teoria de processamento da informação não só identifica como os seres humanos obtêm, transformam, armazenam e aplicam as informações, mas também, explica o papel das estratégias de aprendizagem na aquisição, retenção e utilização do conhecimento (BZUNECK, 2004ª; WOOLFOLK, 2000). As estratégias de aprendizagem Estratégias de aprendizagem são ações mentais, comportamentos com os quais o estudante se envolve durante a aprendizagem, com o objetivo de influenciar o processo de codificação e assim facilitar a aquisição e a recuperação das informações armazenadas na memória de longa duração (WEINSTEIN E MAYER, 1986). Podem ser definidas também como técnicas ou métodos que os estudantes utilizam para obter e aprender uma dada informação. Elas pertencem à categoria do conhecimento processual, ou seja, representam o saber como fazer, como estudar, como aprender (BZUNECK, 2004). As estratégias são também intencionais, ou seja, são orientadas para um objetivo, que é um resultado de aprendizagem de qualidade. Entretanto, elas supõem esforço e aplicação da vontade, pois exigem o investimento de certos recursos mentais e tempo. Algumas estratégias cobram mais esforço do que outras e, por isso, seu emprego sempre supõe motivação (BORUCHOVITCH, 1999). Embora a literatura apresente inúmeras classificações das estratégias de aprendizagem, aqui assumimos a de Pintrich (1989), que as agrupou em três grandes categorias: estratégias cognitivas, metacognitivas e de gerenciamento de recursos. A categoria cognitiva inclui estratégias relacionadas com a aprendizagem ou codificação que o aluno faz de um conteúdo, bem como estratégias para facilitar a recuperação da informação armazenada na memória. As estratégias metacognitivas envolvem planejamento, regulação, monitoramento e modificação de processos cognitivos. As estratégias de gerenciamento de recursos referem-se às que um aluno utiliza para controlar os recursos como tempo, esforço, apoio externo, entre outros, que influenciam a qualidade e a quantidade de seu envolvimento na tarefa.
1752 Teoria de metas de realização As metas de realização explicam as razões pelas quais um estudante almeja um determinado resultado ou por que irá envolver-se nas atividades. Enfim, explica os comportamentos do individuo para executar determinada tarefa ou perseguir certo objetivo de curto ou longo prazo (BZUNECK, 2004). Um aspecto característico destas metas é que elas devem ser vistas não como simples objetivo a ser alcançado, mas uma espécie de programa mental composto de processos específicos, pensamentos, propósitos, percepções, crenças, atribuições e conceitos que conduzem a resultados também de natureza cognitiva, afetiva e comportamental. Além disso, as metas gozam de certa estabilidade, mas podem ser alteradas em função das condições do ambiente de sala de aula. (DWECK & ELLIOT, 1988). Nas duas últimas décadas, as investigações têm proposto três metas de realização: meta aprender, meta performance e meta de alienação acadêmica ou de evitação do trabalho. Neste estudo focalizamos a primeira e a última meta, por observarmos nos alunos investigados características comportamentais de sua adoção. Nos alunos orientados à meta aprender, os pensamentos, comportamentos e as reações afetivas são bem definidos. Para estes alunos os resultados positivos derivam do próprio esforço, um fator interno sob seu controle. Para eles o sucesso é a melhora em conhecimentos e habilidades, em dominar sempre mais conteúdos com inovação e criatividade. O êxito dá origem a orgulho e satisfação, e os erros e fracassos são entendidos como elementos informativos presentes no processo de aprendizagem (BZUNECK,2004b). Para Bzuneck, (2004b), um aluno sob a orientação da meta alienação acadêmica não tem por objetivo nem aumentar sua competência nem demonstrar capacidade, mas sim executar as tarefas escolares com o mínimo de esforço. Daí a sua denominação de evitação do trabalho. Os alunos com tal meta simplesmente não querem investir esforço e, qualquer que seja o resultado, garantem sua auto-estima em áreas ou atividades fora da sala de aula ou da escola. Estudos citados pelo autor relatam que alunos orientados sob esta meta, apresentam pouco uso de estratégias eficazes de aprendizagem, não mostram atitude positiva com a aprendizagem e preferem tarefas fáceis em relação às tarefas mais
1753 desafiadoras. As pesquisas têm indicado correlações negativas entre a meta aprender e a meta de alienação (ARCHER, 1994; DUDA E NICHOLLS, 1992; NICHOLLS, PATASHNICK E NOLEN, 1985, apud BZUNECK, 2004b). Relacionando as estratégias de aprendizagem com a teoria de metas constata-se que os alunos que adotam a meta aprender querem conquistar o conhecimento, melhorar suas habilidades e progredir. Para tanto, sabem que necessitam se esforçar, acreditam que o sucesso depende deles, isto é, pode ser controlado. Encaram, pois, o insucesso, os erros e fracasso, como sinais informativos para se esforçarem mais ou para que adotem novas estratégias com as quais possam dar conta dos desafios. Estes estudantes gostam de tarefas desafiadoras e utilizam estratégias de aprendizagem cognitivas e metacognitivas para alcançarem suas metas (BZUNECK, 2004b). Em contraste, os alunos direcionados à meta de alienação acadêmica ou de evitação de trabalho, não investem esforço e preferem tarefas que possam ser completadas facilmente, em curto prazo, ou que simplesmente não exijam trabalho duro. Além de adotarem a lei do mínimo esforço, estudos relatam que estes alunos apresentam pouco uso de estratégias eficazes (BZUNECK, 2004b). O trabalho com alunos do curso superior em Teologia permitiu observar uma diversidade de envolvimentos com as atividades do curso, queixas freqüentes acerca das exigências no decorrer das disciplinas e resultados de desempenho abaixo das expectativas. O acesso à literatura motivacional suscitou a investigação acerca dos componentes motivacionais desses alunos. Mais especificamente, o presente estudo teve como principais objetivos: Identificar fatores motivacionais em termos de orientação a metas de realização aprender e de evitação de trabalho; descobrir as estratégias de aprendizagem (de superfície ou de profundidade) que os alunos utilizam na disciplina de Teologia Dogmática e relacioná-las com a adoção de metas de realização; conhecer o gerenciamento de recursos executados pelos estudantes. Participantes/Procedimentos Participaram do estudo 109 alunos (103 homens e 6 mulheres), do primeiro ao quarto ano do curso de Teologia de uma instituição de ensino superior do norte do Paraná,
1754 sendo 28 alunos do primeiro ano, 33 alunos do segundo ano, 31 alunos do terceiro ano e 17 alunos do quarto ano. A idade dos estudantes variou de 18 a 45 anos. Instrumentos Com base na literatura, foi elaborado um questionário de 50 itens em escala tipo Likert de cinco pontos, sendo 24 itens destinados à avaliação das metas aprender e evitação do trabalho pelos alunos. Um segundo conjunto de itens foi elaborado para avaliar o uso de estratégias de aprendizagem, de superfície, de profundidade e de gerenciamento de recursos. Antes da aplicação para os participantes da pesquisa, o instrumento foi testado com 28 alunos do curso de Pedagogia, chegando-se na redação definitiva. O instrumento foi aplicado para os alunos de Teologia em sala de aula, com a autorização dos professores. Resultados Os resultados da análise do instrumento de avaliação das metas indicaram a existência de 2 fatores, explicando 62,05% da variação dos dados. Ao Fator 1, agruparamse os itens relativos à meta de alienação acadêmica, com α de Cronbach de 0,79. Os itens referentes à meta aprender compuseram o Fator 2 com α de Cronbach de 0,76. Em relação a avaliação das estratégias a análise fatorial exploratória indicou 8 fatores aos quais se agruparam os itens de avaliação das estratégias. No entanto, optou-se por aceitar dois fatores com auto-valor mais alto e de relevância teórica. O grau de consistência interna dos itens de avaliação das estratégias de superfície (α de Cronbach) foi de 0,75 e 0,83 para os itens de avaliação das estratégias de profundidade. O valor do α de Cronbach para os itens que avaliaram as estratégias de recursos foi de 0,50. Este resultado pode estar relacionado ao baixo número de itens. Sugere-se que o número de itens seja ampliado em trabalhos sucessivos, favorecendo o fortalecimento da escala. Relações entre os escores das diversas medidas. Análise de variância foi empregada para comparação entre as variáveis estudadas. Na comparação entre variáveis demográficas (faixa etária, gênero, instituição escolar, série
1755 e categoria dos seminaristas, diocesanos ou religiosos) e o desempenho na avaliação do uso de estratégias de aprendizagem, não foram encontradas diferenças estatisticamente significativas. Em outra linha de análise, foi buscada a correlação entre as variáveis meta aprender e alienação acadêmica para verificar se os construtos avaliados seriam distintos e exclusivos. Encontrou-se uma correlação negativa e significativa entre as duas variáveis, sendo este resultado é coerente com a literatura. Buscou-se também identificar a relação entre a adoção de metas e o uso de estratégias de aprendizagem. Os resultados demonstram uma correlação positiva e significativa entre a adoção da meta aprender e o uso de estratégias de profundidade, bem como entre as estratégias de superfície e a adoção da meta alienação. Já a correlação entre a meta alienação e o uso de estratégias de profundidade foi negativa e significativa. Entre a meta aprender as estratégias de superfície foi encontrada correlação baixa e não significativa. Discussão e considerações finais Os resultados indicaram, de modo geral, uma tendência para a adoção da meta aprender, a julgar pelas médias grupais de cada série. Este dado é positivo, pois, alunos com esta orientação buscam sempre melhorar seus conhecimentos e habilidades e não se deixam abater pelos insucessos, procurando dominar mais conhecimento com empenho e esforço (BZUNECK, 2005b). Encontrou-se uma correlação negativa e significativa entre a meta aprender e meta alienação, este resultado é coerente com a literatura reforçando a premissa de que a meta alienação e a meta aprender são constructos distintos e exclusivos. Na relação entre as metas adotadas e o uso de estratégias de aprendizagem (de superfície ou de profundidade) os resultados indicaram que os estudantes obtiveram médias superiores na avaliação da meta aprender e relataram utilizar estratégias de profundidade. Um dos problemas que deu origem a este trabalho foi a constatação informal, mediante conversas em reuniões de professores e com os alunos em sala de aula, do desconhecimento de estratégias de aprendizagem e a preocupação com o fator nota/aprovação e não com a verdadeira aprendizagem por parte de um grande número de alunos. Portanto, ainda que os
1756 estudantes do curso de Teologia tenham manifestado tendências para o uso de estratégias de profundidade, pode ocorrer que estes estudantes pratiquem somente algumas estratégias que aprenderam ao longo do tempo, nas séries anteriores, e que não seriam as mais elaboradas. A partir dos resultados da pesquisa, podemos extrair algumas conseqüências educacionais para professores e alunos do curso superior. Havia, no início deste estudo, a crença de que os alunos apresentavam baixa motivação, bem como dificuldades respeito ao uso de estratégias de aprendizagem, o que culminava com queixas dos professores e justificativas por parte dos alunos. Contudo, os alunos apresentaram altos escores, tanto nos aspectos motivacionais, quanto ao uso de estratégias de aprendizagem de profundidade. Retomando o problema inicial deste estudo (o uso das estratégias de aprendizagem e a relação destas estratégias com as metas de realização adotadas pelos alunos), fica evidente a relação significativa entre a meta aprender adotada pelos alunos e o uso de estratégias de aprendizagem. Conforme Bzuneck (2004b) esclarece, a meta aprender por si só não garante o êxito acadêmico, conhecer estratégias de aprendizagem, mas não ter motivação para usálas também se torna inútil. É preciso que o professor, utilizando metodologias adequadas, promova a meta aprender em seus alunos e os oriente a aplicar esforço em estratégias de aprendizagem de profundidade, garantindo dessa forma resultados de qualidade na vida acadêmica de seus alunos (BZUNECK, 2004b; PINTRICH, 1989). Assim, destaca-se o grande desafio do professor no sentido de pensar em como desenvolver a meta aprender em sala de aula (AMES, 1992; GUIMARÃES, 2004). Isto se realizará somente se for ampliada a discussão quanto ao nível de exigência das tarefas escolares e a proposição de desafios que efetivamente levem o aluno a pensar e a aprender a aprender. Os professores e a própria escola devem passar a mensagem de que suas metas são altas, porém atingíveis, o que provocará no aluno, a criação de expectativas de que devem aplicar esforço nas atividades escolares, utilizando-se de estratégias eficazes de aprendizagem (BZUNECK, 2001). É importante considerar ainda que, a partir da tomada de consciência da necessidade de promover a meta aprender em todos os alunos, os professores devem dispor, inclusive, uma parte de seu tempo de sala de aula para ensinar seus alunos como devem estudar a sua disciplina, mostrando e treinando técnicas como fazer resumos, paráfrases, levantar
1757 questões para si mesmo, entre outras. Para realizar tal tarefa, o professor deve estar informado sobre a teoria de processamento da informação (BZUNECK, 2004a), de forma que possibilite aos alunos, através do ensino de estratégias de aprendizagem, assegurar a passagem das informações inicialmente recebidas na memória de curto prazo para a memória de longo prazo, promovendo assim uma aprendizagem efetiva e significativa. Os alunos devem ser conscientizados de que o único meio para se armazenar e recuperar mais tarde uma informação importante é fazer uso das diversas estratégias de aprendizagem. Boruchovitch (2004) recorda que apenas conhecer as estratégias de aprendizagem não garante o sucesso acadêmico. É necessário que os alunos compreendam como e quando usá-las. REFERÊNCIAS AMES, C. Classrooms: goals, structures, and student motivation. Journal of Educational Psychology, Washington, v. 84, n. 3, p. 261-271, Sept. 1992. BORUCHOVITH, E. Estratégias de aprendizagem e desempenho escolar: considerações para a prática educacional. Psicologia: Reflexão e Crítica, Porto Alegre, v. 12, n. 2, p. 361-376, 1999. BZUNECK, J. A. O esforço nas aprendizagem escolares: mais do que um problema motivacional do aluno. Revista Educação e Ensino USF, v. 6, n. 1, p. 7-18, 2001.. Aprendizagem por processamento da informação: uma visão construtivista. In: BORUCHOVITH, E.; BZUNECK, J. A. (Org.). Aprendizagem: processos psicológicos e o contexto social na escola. Petrópolis: Vozes, 2004a, p. 17-54.. A motivação do aluno: aspectos introdutórios. In: BORUCHOVITH, E.; BZUNECK, J. A. (Org.). A motivação do aluno: contribuições da psicologia contemporânea Petrópolis: Vozes, 2004b. p. 9-36.
1758. A motivação do aluno orientados a metas de realização. In: BORUCHOVITH, E.; BZUNECK, J. A. (Org.). A motivação do aluno: contribuições da psicologia contemporânea Petrópolis: Vozes, 2004b, p. 58-77. GUIMARÃES, S. E. R. A organização da escola e da sala de aula como determinante da motivação intrínseca e da meta aprender. In: BORUCHOVITH, E.; BZUNECK, J. A. (Org.). A motivação do aluno: contribuições da psicologia contemporânea Petrópolis: Vozes, 2004, p.78-95. KLINE, P. An easy guide to factor analysis. New York: Routledge, 1994. 194 p. PINTRICH, P. R. The dinamic interplay student motivation and cognition in the college classroom. In: MAEHR, M. L.; AMES, C. (Ed.). Advances in motivation and achievement. Greewich, Conn.: JAI Press, 1989. v. 6, p. 117-160. WEINSTEIN, C. E.; E MAYER, R. E. The teaching of learning strategies. In: M.C. Wittrock (Ed.). Handbook of research on teaching. New York: McMillan, 1986, p. 315-327. WOOLFOLK, A. E. Psicologia da educação. Porto alegre: Artes Médicas, 2000.