Música, celular e juventude na perspectiva do educador musical: um estudo a partir da mídia impressa



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XVII ENCONTRO NACIONAL DA ABEM DIVERSIDADE MUSICAL E COMPROMISSO SOCIAL O PAPEL DA EDUCAÇÃO MUSICAL SÃO PAULO, 08 A 11 DE OUTUBRO DE 2008 IMPRIMIR FECHAR 1 Música, celular e juventude na perspectiva do educador musical: um estudo a partir da mídia impressa Adriana Bozzetto bozzetto@portoweb.com.br Universidade Federal do Rio Grande do Sul Resumo. Esta pesquisa investigou, a partir da construção de um corpus documental composto por propagandas, notícias e reportagens da telefonia celular veiculados pelos meios impressos da mídia como jornais, folhetos e revistas, de que maneiras os jovens se relacionam com as possibilidades musicais oferecidas pelos aparelhos celulares. Entre essas possibilidades, os jovens encontram formas de compor, escutar, gravar, procurar músicas, além de identificar chamadas de amigos ou pessoas de suas relações através das músicas dos celulares. Para o educador musical, o foco de interesse está na relação que acontece com o público jovem e seus aparelhos celulares, ou seja, os usos cotidianos, a maneira de ouvir, selecionar e levar essas músicas para qualquer lugar. Conforme o material analisado, os jovens aprendem com essa tecnologia a manusear, escolher, compartilhar com seus pares e tornar públicas suas identidades musicais, mostrando a importância que a música ocupa em sua vida cotidiana. A discussão desse tema abre possibilidades para a área de educação musical pensar mais a respeito dos fenômenos efêmeros presentes na vida cotidiana, especialmente aqueles vinculados ao público jovem. Como suporte teórico, trago autores como Steinberg (2001), Sarlo (2004), Oksman e Turtiainen (2004), Monteiro (2005) e Nicolaci-da-Costa (2006) para uma maior compreensão dos materiais analisados. Esse trabalho pretende proporcionar uma maior reflexão sobre uma, entre tantas tecnologias, que estão à disposição dos jovens, contribuindo com sua formação musical. Palavras-chave: música, celular, jovens Introdução Ouvir sons de celulares por todas as partes, em qualquer lugar, tornou-se uma prática cotidiana desde o final da década de 90. Esses aparelhos, devido a sua mobilidade, passaram a ocupar múltiplos cenários, dentre eles as ruas, parques, ônibus, reuniões, shoppings, salas de cinema, de concertos, e tantos outros espaços públicos ou privados. As chamadas dos celulares passaram a vir, na maioria das vezes, com algum toque musical, o ringtone - um toque sonoro feito pelo telefone celular quando alguém está recebendo uma ligação. Esse trabalho teve como objetivo analisar relações entre música, celular e juventude, considerando que o público jovem é um dos maiores grupos consumidores da música que vem nos celulares. Afinal, que toques musicais são esses? O que revelam? Que aspectos musicais a mídia impressa tem salientado na divulgação dos celulares? De que forma o celular estaria se transformando em um instrumento musical? Ao pretender responder essas questões o que esteve em discussão são as maneiras como os jovens se relacionam com essas possibilidades

2 tecnológicas, o que escolhem para tocar no seu celular, o que inventam e compartilham de música em sua vida cotidiana. Entre essas possibilidades, os jovens encontram formas de compor, escutar, gravar, procurar músicas, além de identificar chamadas de amigos ou pessoas de suas relações através das músicas dos celulares. Considero importante salientar que não esteve em foco investigar o aparelho celular e suas múltiplas funções no aspecto tecnológico, mas analisar, a partir da mídia impressa, relações que os jovens constroem com a música através desse objeto. Nesta comunicação, enfatizo a construção metodológica do trabalho, mostrando alguns resultados a partir da análise do corpus documental selecionado para a pesquisa. A discussão desse tema abre possibilidades para a área de educação musical pensar mais a respeito dos fenômenos efêmeros presentes na vida cotidiana. Como suporte teórico, trago autores como Steinberg (2001), Sarlo (2004), Oksman e Turtiainen (2004), Monteiro (2005) e Nicolaci-da- Costa (2006) para uma maior compreensão dos materiais analisados. A construção teórico-metodológica O interesse por esse tema músicas do celular nasceu de uma experiência docente com um aluno particular de piano, apresentada como relato de experiência no XII Encontro Anual da ABEM em Florianópolis/SC, no ano de 2003 (ver Bozzetto, 2003). A partir dessa experiência, problematizada no Grupo de Estudos e Pesquisa Cotidiano e Educação Musical 1, surgiu outro olhar sobre o mesmo tema: o que dizem as notícias, reportagens e propagandas que circulam na mídia impressa sobre essa relação entre música e celular? Com a contribuição de colegas do grupo, de interessados no tema 2 e da professora coordenadora, a captura por esses impressos começou a crescer. O corpus documental, composto por propagandas, notícias e reportagens da telefonia celular veiculados pelos meios impressos da mídia como jornais, folhetos e revistas, do período de 1997 a 2007, inclui mais de 300 impressos que foram organizados em ordem cronológica em três cadernos, com as seguintes categorias: 1) propagandas impressas, 2) notícias das operadoras telefônicas e 3) reportagens de revistas e jornais. Alguns impressos não puderam ser identificados em sua origem e data, por terem sido encontrados soltos. Além 1 Grupo de pesquisa coordenado pela Dra. Jusamara Souza, no Programa de Pós-Graduação em Música da UFRGS. 2 Agradeço em especial a Luiz Alberto Souza pela seleção de numerosos impressos que enriqueceram o corpus documental dessa pesquisa.

3 do material publicado aqui no Brasil, também foram encontradas propagandas, reportagens e notícias de outros países. No entanto, a delimitação do tema músicas do celular especificamente com um público jovem deu-se a partir da leitura de reportagens e propagandas que, especialmente a partir de 2004, enfatizavam esse consumidor. Em uma reportagem intitulada Me chama, me chama, Rocha (2004) sintetiza um dos principais interesses dos jovens, qual seja, a mania de personalizar o toque de seus celulares com hits musicais. Nessa reportagem, há depoimentos de artistas locais, compositores, músicos, profissionais das mais diversas áreas e, também, a polêmica de quem é a favor ou contra as músicas do celular. Em diversos trechos da reportagem, discute-se gosto musical e identidades musicais. A possibilidade de trabalhar com materiais impressos encontra suporte na análise de conteúdo que, segundo Chizzotti (1995, p. 98), é uma técnica que se aplica à análise de textos escritos ou de qualquer comunicação (oral, visual, gestual) reduzida a um texto ou documento. Para Badin (apud Chizzotti, 1995), a análise de conteúdo é um conjunto de técnicas de análise de comunicação onde podemos encontrar informações sobre o comportamento humano a partir de uma fonte documental. Sobre os significados da comunicação móvel na vida cotidiana entre jovens na Finlândia, Oksman e Turtiainen (2004) contam que o telefone móvel já é algo natural na rotina dos jovens finlandeses. Os autores constataram que os jovens consideram que o domínio das destrezas tecnológicas e comunicativas da telefonia móvel é uma exigência da sociedade da informação (Oksman e Rautiainen, 2004, p. 25, tradução minha), reforçando a visão de que, muito além de ser um modismo, o celular já faz parte da vida cotidiana das pessoas. Nicolaci-da-Costa (2006), em sua pesquisa com jovens da classe média carioca, buscou compreender como os entrevistados usam seus celulares e como se sentem em relação a esse uso (NICOLACI-DA-COSTA, 2006, p. 59). A autora revela que os entrevistados precisam estar com o telefone celular sempre por perto, pronto para receber ou fazer contato com alguém. Nesse sentido, Sarlo (2004, p. 101) enfatiza que as culturas urbanas são uma mistura dinâmica, um espaço varrido pelos ventos dos meios de massa. Assim, por mais efêmero que o fenômeno celular e seus toques musicais possam parecer, o que está em jogo são suas possibilidades de uso, manuseio e exploração pelos jovens. Propagandas, reportagens e entrevistas mostram que as operadoras estão atentas a esses consumidores, produzindo e divulgando aparelhos que tenham acesso à internet, que permitam personalizar o toque

musical, jogar, baixar músicas e imprimir a cara do seu dono, desde que possa, também, ser mudada com facilidade. 4 Alguns resultados O material analisado mostra os jovens como dos maiores consumidores de celulares. Uma empresa brasileira revela que tem seu foco no público jovem por serem os primeiros a usar os serviços mais inovadores (ver Moherdaui, 2003). Embora as reportagens apontem para o constante crescimento de vendas de celulares e ringtones para esse público, o celular e seus recursos de multimídia também é um produto aceito em outras faixas etárias. Os aparelhos celulares se tornaram múltiplos, podendo tocar MP3 3, fotografar, transmitir programas de TV, oferecer jogos e a possibilidade de personalizar os toques musicais, além de falar. No entanto, nesses toques não está presente apenas uma chamada. Ela vem e vai com música, de todos os tipos, estilos e gêneros. Segundo apontam diversas reportagens, a venda de trechos de músicas para uso como campainha passou a ser um dos serviços mais populares da telefonia celular. Além disso: Os toques de celular, baixados aos milhões das operadoras e de sites da Internet, ilustram bem como a revolução digital chegou à música. A evolução da tecnologia nos telefones móveis, que permite substituir a velha campainha pela gravação original de uma canção, credencia os fabricantes desses aparelhos a correrem atrás de sua fatia no mercado de eletrônicos (NIECKEL; MUZELL, 2005, p. 04). Dentre outras transformações, o material impresso coletado enfatiza o celular como um tocador de músicas, uma de suas funções mais cotidianas. Nesse contexto, as propagandas começaram a mostrar o celular ultrapassando sua função inicial de aparelho telefônico móvel. Em uma propaganda impressa (fonte não identificada), o celular aparece ao lado de instrumentos de sopro, percussão e cordas, com a vantagem de já sair tocando um repertório com mais de 50 músicas. De aparelho telefônico móvel, o celular passa a estar lado a lado com instrumentos tradicionais e ocupar a função de tocar música, tal como um instrumento musical. No material impresso coletado, a música que faz parte dos celulares evoluiu das breves campainhas de trechos musicais dos mais diversos gêneros para músicas reconhecíveis em sua 3 MP3 (ou MPEG-3) é a sigla usada para referir ao um formato de compactação de áudio. Esse avanço tecnológico foi importante para reduzir o tamanho dos arquivos de música, facilitando a troca e armazenamento desses arquivos.

5 totalidade, ofertando o download de músicas pela internet e até mesmo composições de ringtones para personalizar as chamadas telefônicas. As propagandas divulgam o celular como um produto que proporciona música em qualquer lugar incluindo ringtones personalizáveis como, por exemplo, 35 tipos de campainha (inclusive musicais, com acordes do clássico ao samba) 4, hinos de times de futebol 5, sons como timbres 6 de animais, músicas preferidas dos clientes, etc. De acordo com Rocha (2004, p. 10), escolher uma música para o celular é muito mais do que definir a campainha. Os jovens retratados nas reportagens impressas têm a chance de exibir no aparelho celular seu gosto musical e, também, de personalizar um aparelho importante para a sua imagem enquanto grupo. No mundo dos iguais, do brim preto das calças às tiras brancas do tênis, da mochila de duas alças ao boné de baseball, do carro 1.0 ao monovolume, o toque musical personalizado do celular pode fazer toda a diferença no meio da turma, no canto do bar, no centro da dança (PIRES, 2004, p. 13). Mas, que diferença é essa? Pelas reportagens e propagandas destinadas ao público jovem, o uso do celular personalizado constitui, também, identidade de pertença ao mundo jovem, que, em algumas palavras, significa ter um aparelho celular com múltiplas funções e que apresente recursos para baixar e reproduzir músicas, comunicar e namorar através do novo instrumento musical e suas músicas (e artistas) do momento, estar por dentro do que acontece neste mundo juvenil e ser mais um que pode pertencer ao fenômeno do momento. Conforme enfatiza Rubens (2004): Mais que qualquer outro grupo social, são eles [os jovens] que abraçam a tecnologia com maior entusiasmo. Numa época em que os celulares deixaram de ser meros telefones para se tornar engenhocas de caráter multimídia, capazes de gravar e enviar imagens e até baixar músicas da internet, os adolescentes assumiram o papel de desbravadores (RUBENS, 2004, p. 78). Conseqüências para a educação musical 4 Propaganda de um fabricante (Revista Veja, 1998). 5 Anunciado por uma operadora com a frase Agora seus adversários vão ter que tocar o hino do seu time para falar com você (Revista Veja, 2001). 6 A imagem impressa mostra um jovem pendurado no galho de uma árvore para personalizar um toque do seu celular na tentativa de gravar o som de um tigre. A frase da propaganda explica: Fui gravar o toque do meu chefe e já volto (Revista OI, 2003).

6 As músicas que tocam no aparelho celular assumem outro papel quando deixamos de ver esse fenômeno como algo banal dando um novo olhar ao que habita o lugar comum. Trabalhar com fenômenos do cotidiano pode significar, segundo Tedesco (1999, p. 23), a possibilidade de priorizar o efêmero, o contingente, o fragmento, o relativo, o múltiplo, o sujeito etc., em vez do permanente (...). Para o educador musical, o foco de interesse deve ser a relação que acontece com as pessoas e esses aparatos, os usos cotidianos, a maneira de ouvir, selecionar e levar essas músicas para qualquer lugar. Conforme os exemplos trazidos, os jovens aprendem com essa tecnologia a manusear, escolher, compartilhar com seus pares e tornar públicas suas identidades musicais, mostrando a importância que a música ocupa em sua vida cotidiana. As músicas que circulam no repertório dos aparelhos celulares são indicadoras de formação de identidades musicais não apenas do próprio usuário, mas do grupo social do qual participa. Mas, como os jovens fazem para se apropriarem dessas músicas? De acordo com uma propaganda impressa 7, uma operadora oferece um serviço que escuta e reconhece a música que você quiser, não importando onde ela esteja tocando. Se o cliente gosta de uma música, mas não sabe de qual artista é, a operadora manda as informações da música, na hora, pra tela do celular do cliente. Além disso, a imagem impressa ensina, passo a passo, como o usuário pode obter esse serviço. O material analisado mostra que para o público jovem o aparelho celular tornou-se muito mais que um telefone, virando um item definidor de sua personalidade e do grupo social ao qual pertencem. Nesse sentido, Steinberg (2001, p. 22) revela que o conhecimento da mídia vem a ser não um raro acréscimo a um currículo tradicional, mas uma prática básica necessária para negociar a identidade do indivíduo, valores. Assim, a música que carregam em seu instrumento portátil é indicadora do mundo que o jovem pertence ou que ele deseja pertencer, ao criarem maneiras próprias de se comunicarem usando seus aparelhos celulares. Para a área de Educação Musical, o desafio encontra-se em como problematizar essas vivências musicais cotidianas, geradoras de formação musical e tão presentes na vida dos jovens. Referências BOZZETTO, Adriana. Músicas do celular. In: ENCONTRO ANUAL DA ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE EDUCAÇÃO MUSICAL, 12, Anais... Florianópolis: ABEM, 2003. 7 O impresso ao qual me refiro foi encontrado numa correspondência.

7 CHIZZOTTI, Antonio. Pesquisa em ciências humanas e sociais. 2.ed. São Paulo: Cortez, 1995. KINCHELOE, Joe L.; STEINBERG, Shirley R. (Orgs.). Cultura Infantil: a construção corporativa da infância. Tradução George Eduardo Japiassú Bricio. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001. MOHERDAUI, Bel. Falar para quê? Veja, São Paulo, p. 105, dez. 2003. MONTEIRO, Solange Castellano Fernandes. Sons e imagens culturais nos currículos praticados: a invasão do celular no cotidiano das escolas. Portal Rio Mídia, Centro Internacional de Referência em Mídias para Crianças e Adolescentes. Disponível em: http://www.multirio.rj.gov.br/portal/riomidia. Acesso em: 26 jun. 2005. NICOLACI-DA-COSTA, Ana Maria. Jovens e celulares: a cultura do atalho e da sociabilidade instantânea. In: ROCHA, Everardo; ALMEIDA, Maria Isabel M. de; EUGENIO, Fernanda (Orgs.). Comunicação, consumo e espaço urbano: novas sensibilidades nas culturas jovens. Rio de Janeiro: Mauad Ed., 2006, p. 53-70. NIECKEL, Bianka; MUZELL, Rodrigo. Música digital em toda parte. Jornal Zero Hora, Porto Alegre, 12 mar., 2005. Reportagem Especial, p. 04-05. OKSMAN, Virpi; TURTIAINEN, Jussi. Mobile communication as a social stage: meanings of mobile communication in everyday life among teenagers in Finland. New Media & Society, London, Vol. 6, No. 3, p. 319-339, 2004. Disponível em: http://nms.sagepub.com/cgi/content. Acesso em: 14 jun. 2008. PIRES, Luiz Zini. Perdidos na multidão. Jornal Zero Hora, Porto Alegre, 14 mar., 2004. Donna ZH, p. 12-13. ROCHA, Patrícia. Me chama, me chama. Jornal Zero Hora, Porto Alegre, 14 mar., 2004. Donna ZH, p. 10-13. RUBENS, Pedro. Eles não vivem sem celular. Veja Edição Especial Jovens, São Paulo, n. 32, p. 76-79, jun. 2004. SARLO, Beatriz. Cenas da vida pós-moderna: intelectuais, arte e videocultura na Argentina. Tradução Sérgio Alcides. 3.ed. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2004. TEDESCO, João Carlos. Paradigmas do cotidiano: introdução à constituição de um campo de análise social. Santa Cruz do Sul: EDUNISC, 1999.