A RESPONSABILIDADE DO FORNECEDOR PELO VÍCIO E DEFEITO DO PRODUTO E DO SERVIÇO



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Transcrição:

A RESPONSABILIDADE DO FORNECEDOR PELO VÍCIO E DEFEITO DO PRODUTO E DO SERVIÇO SUMÁRIO Daiane Pizzatto Kayser 1 Eduardo Erivelton Campos 2 Introdução. 1 Direito do consumidor brasileiro; 1.1 Princípios básicos do Código de Defesa do Consumidor; 1.1.1 Vulnerabilidade do consumidor; 1.1.2 Informação; 1.1.3 Segurança; 1.1.4 Equilíbrio nas relações; 1.1.5 Reparação integral; 1.1.6 Solidariedade; 1.1.7 Interpretação mais favorável ao consumidor; 1.1.8 Boa-fé objetiva; 1.1.9 Eqüidade; 1.1.10 Acesso à Justiça; 2 Relação jurídica de consumo; 2.1 Consumidor; 2.2 Fornecedor; 2.3 Produto e Serviço; 3 Responsabilidade Civil do fornecedor nas relações de consumo; 3.1 Conceito de Responsabilidade Civil; 3.2 Pressupostos da Responsabilidade Civil; 3.3 Espécies de Responsabilidade Civil; 3.4 Efeitos da Responsabilidade Civil; 3.5 Responsabilidade do Fornecedor pelo Fato do Produto e do Serviço; 3.6 Responsabilidade do Fornecedor pelo Vício do Produto e do Serviço; 3.6.1 Responsabilidade pelo Vício do Produto; 3.6.2 Responsabilidade pelo Vício de Serviço; 3.7 Excludentes de Responsabilidade. Considerações Finais. Referência das fontes citadas. RESUMO O presente trabalho tem como objeto de estudo o Código de Defesa do Consumidor positivado no ordenamento jurídico brasileiro pela Lei n.º 8078, de 11 de setembro de 1.990, oportunidade em que o legislador traçou um grande marco às relações consumeristas no país. Situa-se a norma em seu fundamento constitucional advindo da Constituição Federal de 1988, que em seus artigos 5º, inciso XXXII, 170, inciso V, e artigo 48 do ADCT, pois contemplam o Direito do consumidor. Parte-se, inicialmente, da descrição da norma infraconstitucional denominada pela doutrina como um microssistema emanado de efeitos às relações entre fornecedores e consumidores. Destacam-se os princípios positivados por este microssistema normativo, relatando a sua imposição do oferecimento, pelo fornecedor, de qualidade e segurança no oferecimento de produtos e serviços, sob pena de ser responsabilizado civilmente, obrigando-se à composição de eventual prejuízo causado ao consumidor, com o intuito de recompor o equilíbrio entre as partes. Palavras-chave: Direito do consumidor. Princípios. Responsabilidade Civil. Vício e Defeito. Produto. Serviço. 1 Acadêmica do Curso de Direito da Universidade do Vale do Itajaí UNIVALI. e-mail: daianekayser@hotmail.com. 2 Especialista em Direito do Trabalho pela UNIVALI. Professor da graduação da UNIVALI. Advogado. e-mail: ducampos@univali.br. 534

INTRODUÇÃO O presente trabalho tem como objetivo geral o estudo do Código de Defesa do Consumidor e a Responsabilidade Civil a ele relacionada. A análise pauta-se na investigação da legislação infraconstitucional positivada no ordenamento jurídico brasileiro pela Lei n.º 8.078, de 11 de setembro de 1.990. Constituem objetivos específicos da presente pesquisa: proceder ao estudo dos princípios traçados pelo Código de Defesa do Consumidor, da dimensão jurídico-política por ele envolvida, elencando-se os conceitos operacionais legais contidos na norma, para discutir e analisar a questão que envolve a responsabilidade civil objetiva e subjetiva. A pesquisa tem como principal enfoque a discussão pautada nas relações consumeristas geradoras de responsabilização civil no Estado Social de Direito. Para tanto, examinar-se-ão as relações entre fornecedor e consumidor, já que o ordenamento jurídico estabelece que as condutas geradoras de prejuízo nas relações de consumo, ensejam, por certo, a responsabilidade do causador do dano, com o fito de recompor o equilíbrio atingido pelos danos sofridos, sejam estes patrimoniais ou extrapatrimoniais. Os elementos necessários à sustentação da formulação geral estabelecida, ou seja, a análise da posição doutrinária e jurisprudencial dominante acerca da responsabilidade do fornecedor pelo fato do produto e do serviço, assim como da responsabilidade do fornecedor por vício do produto e do serviço segundo a Lei nº. 8.078/90 se configuram através da efetivação da própria norma, possibilitada pelos seus próprios dispositivos protetivos. De um modo geral, buscar-se-á proceder a uma investigação descritiva em torno das relações de consumo, contextualizando-se brevemente a noção acerca do surgimento do Código de Defesa do Consumidor no Brasil, demonstrando-se o seu fundamento constitucional e descrevendo-se a principiologia trazida pelo próprio Código, por ser ela a mola mestra da norma. A partir de tal premissa, então, idealizou-se a consecução do presente trabalho, levando-se em conta a seguinte pergunta de pesquisa: Qual a posição doutrinária e jurisprudencial sobre a responsabilidade do fornecedor pelo fato do 535

produto e do serviço e qual a responsabilidade do fornecedor por vício do produto e do serviço, segundo a Lei nº. 8.078/90? No caso de responsabilidade do fornecedor pelo fato do produto e do serviço, a responsabilidade do fabricante é objetiva, independentemente de averiguação de culpa; Para que o problema central deste trabalho possa ser analisado em seu contexto próprio, apresentar-se-ão, primeiramente, os fundamentos necessários à discussão alicerçada do tema. Na primeira parte do trabalho tratar-se-á da questão que envolve o advento do Código de Defesa do Consumidor, contextualizando-o e caracterizando-o através da descrição dos princípios básicos aplicáveis às relações de consumo e positivados na Lei n. 8.078/90. Já na segunda, discutirá especificamente a relação jurídica de consumo, descrevendo-se os conceitos operacionais das seguintes categorias: consumidor, fornecedor, produto e serviço. Por fim, a terceira parte busca tingir a questão central do estudo, discutindo a responsabilidade civil decorrente das relações consumeristas, sob o pálio do Código de Defesa do Consumidor. 1 DIREITO DO CONSUMIDOR BRASILEIRO A relação de consumo no Brasil teve origem, segundo Grinover 3, nas relações dos direitos básicos do consumidor trazida na Resolução 39/248, de 09 de abril de 1985. Assevera Grinover 4 que a maior influência sofrida pelo Código veio, sem dúvida, do Projet de Code de la Consommation, redigido pelo sob a presidência do 3 GRINOVER, Ada Pellegrini, at atii. Código de Defesa do Consumidor comentado pelos autores do anteprojeto. 10 ed. Rio de janeiro: Forense Universitária. 2011. p. 07-08. 4 GRINOVER, Ada Pellegrini, at atii. Código de Defesa do Consumidor comentado pelos autores do anteprojeto.p. 07-08. 536

professor Jean Calais-Auloy. Porém, as leis gerais da Espanha, de Portugal, do México e de Quebec, também foram de grande importância. Neste passo, o Direito, como ciência dinâmica que é, adequou-se à nova realidade. Aos poucos se cria a consciência de que o consumidor está desprotegido e necessita do Estado uma resposta legal. Com o advento da Constituição Federal de 1.988 reconhece-se o consumidor como a parte mais fraca e desprotegida nas relações de massa com os fornecedores, de modo que a Constituição preconiza a necessidade da instituição de legislação específica para tutelar estas relações, quando o constituinte insere no texto constitucional com destaque de direito fundamental, em seu inciso 5.º, inciso XXXII: O Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor. Destaca Silva 5 que a Constituição foi tímida ao dispor sobre a proteção dos consumidores, mas em seguida comenta: Realça a importância, contudo, sua inserção entre os direitos fundamentais, com o que se erigem os consumidores à categoria de titulares de direitos constitucionais fundamentais. Conjugue-se isso com a consideração do art. 170, V, que eleva a defesa do consumidor à condição de princípio da ordem econômica. Tudo somado sente-se o relevante efeito de legitimar as medidas de intervenção estatal necessárias a assegurar a proteção prevista. A partir da vigência da lei consumerista em 11 de março de 1.991, as relações de consumo entendidas como aquelas existentes entre fornecedores e consumidores, passaram a ter a regência da Lei n.º 8.078/90, consoante determinou o legislador constituinte de 1.988. Para interpretar de forma coerente o Código de Defesa do Consumidor, o intérprete deve se ater aos princípios por ele positivados, que se abordará a seguir. 1.1 Princípios básicos do código de defesa do consumidor Antes de se abordar os princípios específicos do Código de Defesa do Consumidor, tratar-se-á de conceituar brevemente a categoria princípio. A palavra 5 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 28 ed. São Paulo: Malheiros, 2006. p.262. 537

princípio é muito utilizada em várias áreas do saber humano. Tanto a Política, a Filosofia, a Teologia e muitas outras têm utilizado da categoria princípio para estruturarem um sistema de conhecimento acerca do objeto sob investigação. Sendo possível, desta forma, afirmar Espíndola 6 que princípio: Designa a estruturação de um sistema de idéias, pensamentos ou normas por uma idéia mestra, por um pensamento chave, por uma baliza normativa, donde todas as demais idéias, pensamentos, ou normas derivam, se reconduzem e se subordinam. Na ciência jurídica a palavra princípio é utilizada por Espíndola 7 : [...] ora para designar a formulação dogmática de conceitos estruturados por sobre o direito positivo, ora para designar determinado tipo de normas jurídicas e ora para estabelecer postulados teóricos, as proposições jurídicas construídas independentemente de uma ordem jurídica concreta ou de institutos de direito ou normas legais vigentes. Na atualidade os princípios são dotados de plena normatividade e o Código de Defesa do Consumidor está permeado de uma série de normas principiológicas específicas, aplicando-se também princípios mais amplos, como a razoabilidade e a proporcionalidade. Exemplifica-se Braga Neto 8 como princípio voltado à proteção do consumidor, a Política Nacional das relações de Consumo que : Tem como objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo. 6 ESPÍNDOLA, Ruy Samuel. Conceito de princípios constitucionais: elementos teóricos pra uma formulação dogmática constitucionalmente adequada. 1. ed. São Paulo : RT, 1999. p.48. 7 ESPÍNDOLA, Ruy Samuel. Conceito de princípios constitucionais: elementos teóricos pra uma formulação dogmática constitucionalmente adequada. p.49. 8 BRAGA NETO, Felipe Peixoto. Manual de Direito do Consumidor à luz da jurisprudência do STJ. 2. ed. Salvador: Edições Juspodivm, 2007. p.39. 538

Não se pretende aqui esgotar à questão principiológica voltada à proteção do consumidor, por ser demasiadamente ampla, mas apenas traçar de forma sucinta os princípios basilares voltados às relações consumeristas, iniciandose pelo princípio da vulnerabilidade do consumidor. 1.1.1 Vulnerabilidade do consumidor Henry Ford 9 CDC comentado pelos autores dos anteprojetos. o consumidor é a parte mais fraca da economia; e nenhuma corrente pode ser mais forte do que seu elo mais fraco. O artigo 4º da Política Nacional de Relações de Consumo, trata da política nacional das relações consumeristas e apresenta os princípios que norteiam e fundamentam o sistema, de forma que vale transcrevê-lo para após discorrer sobre os princípios norteadores, Nunes 10 : Art. 4º A política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo, atendidos os seguintes princípios: I reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo; II ação governamental no sentido de proteger efetivamente o consumidor: por iniciativa direta; por incentivos à criação e desenvolvimento de associações representativas: pela presença do Estado no mercado de consumo; pela garantia dos produtos e serviços com padrões adequados de qualidade, segurança, durabilidade e desempenho; III harmonização dos interesses dos participantes das relações de consumo e compatibilização da proteção do consumidor com a necessidade de desenvolvimento econômico e tecnológico, de modo a viabilizar os princípios nos quais se funda a ordem econômica (art. 170, da Constituição Federal), sempre com base na boa-fé e equilíbrio nas relações entre consumidores e fornecedores; 9 GRINOVER, Ada Pellegrini, at atii. Código de Defesa do Consumidor comentado pelos autores do anteprojeto.p.45. 10 NUNES, Luiz Antonio Rizzato. Comentários código de defesa do consumidor. 2 ed. São Paulo: Saraiva, 2005. p.103. 539

IV educação e informação de fornecedores e consumidores, quanto aos seus direitos e deveres, com vistas à melhoria do mercado de consumo; quanto aos seus direitos e deveres, com vistas à melhoria do mercado de consumo; V incentivo à criação pelos fornecedores de meios eficazes de controle de qualidade e segurança de produtos e serviços, assim como de mecanismos alternativos de solução de conflitos de consumo; VI coibição e repressão eficientes de todos os abusos praticados no mercado de consumo, inclusive a concorrência desleal e a utilização indevida de inventos e criações industriais das marcas e nomes comerciais e signos distintivos, que possam causar prejuízos aos consumidores; VII - racionalização e melhoria dos servi;os públicos; VIII - estudo constante das modificações do mercado de consumo. Verifica-se, então, através do inciso I, do artigo 4º, acima transcrito, que o consumidor é considerado a parte mais fraca nas relações jurídicas consumeristas. E como o Código de Defesa do Consumidor prima pelo equilíbrio nas relações que normatiza, o reconhecimento desta vulnerabilidade atende ao princípio constitucional da isonomia, entendida como a equiparação detodos que estejam submetidos a uma dada ordem jurídica no que se refere ao respeito, ao gozo e à fruição de direitos, assim como a sujeição a deveres. Comenta Braga Neto 11 A vulnerabilidade do consumidor é a inspiração da criação do Código de Defesa do Consumidor, tendo dado o norte para atingir-se a recomposição do equilíbrio tão freqüentemente desigual entre fornecedor e consumidor. A vulnerabilidade do consumidor se pauta em dois aspectos, sendo um de ordem técnica e outro de viés econômico. Ao comentar estes aspectos, Nunes 12, destaca: O primeiro aspecto ligado aos meios de produção, cujo conhecimento é monopólio do fornecedor. E quando se fala em meios de produção não se está apenas referindo aos aspectos técnicos e administrativos para a fabricação de produtos e prestação 11 BRAGA NETO, Felipe Peixoto. Manual de Direito do Consumidor à luz da jurisprudência do STJ. p.43. 12 NUNES, Luiz Antonio Rizzato. Comentários código de defesa do consumidor. p.538. 540

de serviços que o fornecedor detém, mas também ao elemento fundamental da decisão: é o fornecedor que escolhe o que, quando e de que maneira produzir, de sorte que o consumidor está à mercê daquilo que é produzido. [...] O segundo aspecto, o econômico, diz respeito à maior capacidade econômica que, via de regra, o fornecedor tem em relação ao consumidor. É o fato que haverá consumidores individuais com boa capacidade econômica e às vezes até superior à de pequenos fornecedores. Mas esta é a exceção da regra geral. Esta vulnerabilidade, então, se reflete na hiposuficiência do consumidor, que não possui o conhecimento necessário acerca do produto que adquire, assim como, não raras vezes, é carente economicamente. Por conta disto, na interpretação dos contratos sob a regência da lei consumerista, há que se levar em conta o princípio sob comente, já que o consumidor muitas vezes se submete a contratos tipicamente de adesão. 1.1.2 Informação A informação é primordial nas relações de consumo e sua ausência ou defeito é capaz de gerar responsabilidade ao fornecedor, que tem o dever de fazer chegar de forma acessível ao consumidor, as informações acerca do produto ou serviço. A omissão de informação por parte do fornecedor pode eventualmente caracterizar publicidade enganosa. Araújo Filho 13 estabelece em seu artigo 6, inciso III: Que o consumidor tem direito a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade e preço, bem como sobre os riscos que apresentam. Comenta, Araújo Filho 14 ao referir-se aos produtos e serviços colocados no mercado de consumo, o artigo 8. da lei em comento obriga os fornecedores, em qualquer hipótese, a dar as informações necessárias e adequadas a seu respeito. 13 ARAÚJO FILHO, Luiz Paulo da Silva. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor: direito processual. São Paulo: Saraiva, 2002. p.3. 541

O Código de Defesa do Consumidor 15 estabelece em seu artigo 30, 31 e 66: Art. 30. Toda a informação ou publicidade, suficientemente precisa, veiculada por qualquer forma ou meio de comunicação com relação a produtos e serviços oferecidos ou apresentados, obriga o fornecedor que fizer veicular ou dela se utilizar e integra o contrato que vier a ser celebrada. Art. 31. A oferta e apresentação de produtos e serviços devem assegurar informações corretas, claras, precisas, ostensivas e em língua portuguesa sobre suas características, qualidades, quantidades, composição, preço, garantia, prazos de validade e origem, entre outros dados, bem como sobre os riscos que apresentam à saúde e segurança dos consumidores. Art. 66. Fazer afirmação falsa ou enganosa, ou omitir informações relevante sobre a natureza, característica, quantidade, segurança, desempenho, durabilidade, preço ou garantia de produtos ou serviços... Assim, os fornecedores, em qualquer hipótese, são obrigados a dar as informações necessárias e adequadas respeito dos produtos e serviços colocados à venda. 1.1.3 Segurança Compete ao fornecedor disponibilizar produtos que ofereçam plena segurança aos consumidores, ou seja, não somente os produtos, mas também os serviços disponibilizados devem dispor de segurança suficiente de forma a não causar danos ao consumidor. Nunes 16 possui diversos dispositivos acerca da segurança. O primeiro, positivado no artigo 6, dispõe sobre os direitos basilares do consumidor abriga: 14 ARAÚJO FILHO, Luiz Paulo da Silva. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor: direito processual. p.27. 15 BRASIL. Código de defesa do consumidor. Lei nº 8078, 11 de setembro de 1990. Dispõe sobre a proteção do consumidor e dá outras providências. Disponível em < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8078.htm>. Acesso em: 10 dez. 2012. 16 NUNES, Luiz Antonio Rizzato. Comentários código de defesa do consumidor. p.141. 542

Proteção à vida, saúde e segurança contra os riscos provocados por práticas no fornecimento de produtos e serviços considerados perigosos e nocivos. Referido dispositivo, porém, deve ser conjugado com o disposto no artigo 8, que determina: os produtos e serviços colocados no mercado de consumo não acarretarão risco à saúde ou segurança dos consumidores, exceto os considerados normais e previsíveis em decorrência de sua fruição, [...] Verifica-se, assim, a necessidade de se analisar a o que é risco normal e previsível no que tange à natureza e fruição do produto e serviço. Este dispositivo acaba de certa forma protegendo o fornecedor que disponibiliza ao mercado determinados produtos que oferecem certo grau de risco se não forem utilizados de forma adequada, ou ainda que seja nocivo à saúde, citando-se como exemplo a comercialização cigarros, gasolina, fósforo, entre outros. Disto resulta que a exposição a eventual risco na utilização de produtos ou serviços está atrelada a adequada informação ao consumidor. 1.1.4 Equilíbrio nas relações É fundamental nas relações consumeristas o equilíbrio entre as partes, pois sua inobservância pode levar à anulação de um negócio jurídico ou de cláusula contratual específica. O advento do Código de Defesa do Consumidor e necessidade da existência de equilíbrio nas relações de consumo muda substancialmente a noção de contrato. Acerca disto, comenta Marques 17 : [...] o direito contratual sofreu uma profunda renovação. As duas transformações devem-se umas aos fatos, como, por exemplo, o incremento da vida contratual, cada vez mais estandardizada, a mudança de uma economia agrária em economia industrial e capitalista, concentradora de riquezas e poder, e a criação de uma sociedade de consumo; outras devem-se à intervenção dos poderes públicos, chamados a corrigir e a dirigir as forças econômicas sociais, resultando na institucionalização dos contratos e na intervenção legislativa neste campo antes reservado à autonomia da 17 MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor. 5 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2006. p.267. 543

vontade.segundo a nova visão do direito, o contrato não pode mais ser considerado somente como um campo livre e exclusivo para a vontade criadora dos indivíduos. Hoje, a função social do contrato, como instrumento basilar para o movimento das riquezas e para a realização dos legítimos interesses dos indivíduos, exigem que o contrato siga um regramento legal rigoroso. A nova teoria contratual fornecerá o embasamento teórico para a edição de normas cogentes, que traçarão o novo conceito e os novos limites da autonomia da vontade, com o fim de que o contrato cumpra a sua nova função social. O Código de Defesa do Consumidor, como norma cogente que é, integra o ordenamento jurídico brasileiro exatamente para dar o tom à nova teoria contratual, cumprindo sua função social, através de uma principiologia que intenta o equilíbrio, também denominada de equivalência, apresentando-se como um postulado fundamental aos contratos consumeristas. Vale ressaltar ainda, o disposto no artigo 51, inciso IV e 1, III, do Código de Defesa do Consumidor, que repudia as cláusulas abusivas e incompatíveis com os princípios da boa-fé e que possuam o intuito de colocar o consumidor em desvantagem na relação contratual. Ao dispor Grinover 18 : São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas a fornecimento de produtos e serviços que: [...] estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé e eqüidade. Ensina ainda Braga Neto 19 Também denominado de princípio do equilíbrio material entre as prestações, ou princípio da equivalência, mostra-se como um relevante princípio da atualidade, aplicável não somente nas relações de consumo, mas nas relações contratuais gerais. 1.1.5 Reparação integral 18 GRINOVER, Ada Pellegrini, at atii. Código de Defesa do Consumidor comentado pelos autores do anteprojeto p.398. 19 BRAGA NETO, Felipe Peixoto. Manual de Direito do Consumidor à luz da jurisprudência do STJ. p.49. 544

O princípio da reparação integral diz respeito a eventuais danos causados ao consumidor. Como a própria semântica da categoria sugere com o vocábulo integral, ele abrange integralmente, ou efetivamente, a totalidade dos danos causados. O Código de Defesa do Consumidor prestigia o princípio da reparação integral quando expressa, em seu artigo 6, inciso VI: a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos. Chama a atenção no dispositivo a importância dada pelo legislador à prevenção, por ser questão de grande relevo, já que tradicionalmente o direito centraliza a proteção na tutela repressiva e não preventiva, de suma importância à todos os jurisdicionados. 1.1.6 Solidariedade Outra questão de relevo a destacar-se é a solidariedade no que tange à responsabilidade por danos causados aos consumidores, ou seja, a necessidade de o fabricante, o produtor, o construtor, nacional ou estrangeiro, importador e fornecedor dos serviços respondem pelos vícios ou fatos concernentes ao produto ou serviço, conforme previsto nos artigos 12 e 14 do CDC 20. Responsabilidade solidária, quer dizer, que, havendo mais de um causador, os danos eventualmente existentes, devem ser ressarcidos por todos, de forma solidária, competindo à vítima a opção de promover ação de reparação contra um, ou todos os aqueles que participaram para disponibilizar o produto ou o serviço ao mercado consumerista. O Código de Defesa do Consumidor assevera em seu artigo 7 : Tendo mais um autor a ofensa, todos responderão solidariamente pela reparação dos danos previstos nas normas de consumo. 20 BRASIL. Código de defesa do consumidor. 545

Também em seu artigo 25, 1 º, estatui o mesmo código: Havendo mais de um responsável pela causação do dano, todos responderão solidariamente pela reparação prevista nesta e nas seções anteriores. Estatui ainda o Código de Defesa do Consumidor, em seu artigo 18, que os fornecedores de produtos de consumo duráveis ou não duráveis respondem solidariamente pelos vícios de qualidade ou quantidade que os tornem impróprios ou inadequados ao consumo [...]. O artigo referido, no mesmo sentido, responsabiliza o fornecedor em decorrência de informações publicitárias, em casa de haver contraste entre o produto ou serviço disponibilizados e os anúncios a eles concernentes. No mesmo diapasão, acerca dos vícios de qualidade, determina o artigo 19 do Código, ao dispor: Os fornecedores respondem solidariamente pelos vícios de quantidade do produto [...] Ainda sobre a solidariedade, extrai-se do artigo 34 do Código regente: o fornecedor do produto ou serviço é solidariamente responsável pelos atos de seus prepostos ou representantes autônomos. Verifica-se, assim, que o Código de Defesa do Consumidor, visa à máxima eficácia na aplicabilidade das normas que dispõe, ao inserir o instituto da solidariedade em seu texto. Apesar de que a solidariedade, no direito brasileiro, em se tratando de reparação de danos, é regra estabelecida pelo próprio Código Civil em seus artigos 186 e 927 do Código Civil de 2002. 1.1.7 Interpretação mais favorável ao consumidor Pode-se destacar como dispositivo fundamental do Código de Defesa do Consumidor aquele positivado em seu artigo 47, que estatui: As cláusulas contratuais serão interpretadas de maneira mais favorável ao consumidor. Referida vantagem direcionada ao consumidor, como já se comentou neste trabalho, por ser o partícipe considerado vulnerável nas relações de consumo. 546

Ao comentar acerca da interpretação de cláusulas contratuais consumeristas,silva 21 destaca: Quando uma determinada cláusula contratual comportar mais de uma interpretação, o juiz deve adotar aquela cujo sentido e alcance forem mais favoráveis ao consumidor, independentemente do fato de o contrato ser ou não de adesão (art. 54). Presume-se ter sido o fornecedor, profissional e parte presumivelmente mais forte, a pessoa quem mais influenciou na elaboração das cláusulas contratuais e quem podia de fato ter evitado termos obscuros, haveis a ensejar dúbias interpretações. Através desta interpretação pró-consumidor, mesmo que este tenha anuído conscientemente à cláusula contratual estabelecida que o coloque em desvantagem em relação ao fornecedor, se é abusiva a estipulação e contrária às normas de proteção ao consumidor, a autonomia não prevalecerá. 1.1.8 Boa-fé objetiva Segundo Marques 22 A boa-fé se trata de um antigo princípio geral de direito, advindo do direito natural, e na atualidade, é de extrema relevância no direito contratual, por ser o verdadeiro condutor das relações consumeristas no direito brasileiro. Sobre a boa fé objetiva Braga Neto 23 ensina que: é o dever imposto a quem quer que tome parte da relação negocial, de agir com lealdade e cooperação, abstendo-se de condutas que possam esvaziar as legítimas expectativas da outra parte. As funções do princípio da boa-fé objetiva na teoria contratual, da seguinte forma Marques 24 : 21 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo p.181. 22 MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor. p.215. 23 BRAGA NETO, Felipe Peixoto. Manual de Direito do Consumidor à luz da jurisprudência do STJ. p.53. 24 MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor. p.215. 547

1) como fonte de novos deveres especiais de conduta durante o vínculo contratual, os chamados deveres anexos; 2) como causa limitadora do exercício, antes lícito, hoje abusivo, dos direitos subjetivos; e 3) na contração interpretação dos contratos. A primeira função é uma função criadora, [...] seja como de novos deveres [...] de conduta anexos aos deveres de prestação contratual, como o dever de informar, de cuidado e de cooperação; seja como fonte de responsabilidade por ato lícito [...], ao impor riscos profissionais novos e agora indisponíveis por contrato. A segunda função é uma função limitadora [...], seja reduzindo a liberdade de atuação dos parceiros contratuais ao definir algumas condutas e cláusulas como abusivas, seja controlando a transferência dos riscos profissionais e libertando o devedor em face da não razoabilidade de outra conduta [...]. A terceira é a função interpretadora, pois a melhor linha de interpretação de um contrato ou de uma relação de consumo deve ser a do princípio da boa-fé, que permite uma visão total e real sobre o contrato em exame. Boa-fé é cooperação e respeito, é conduta esperada e leal, tutelada em todas as relações sociais. Agir com lealdade, então, é dever de boa-fé, sem causar lesão ou desvantagem ao consumidor em busca do cumprimento do objetivo contratual, direcionado na efetiva realização dos interesses das partes contratantes. 1.1.9 Eqüidade A equidade não é, por certo, um princípio apenas voltado às relações de consumo, embora assuma relevante feição nestas relações. Trata-se da procura pela justiça no caso real, à busca pelo equilíbrio nas relações de consumo. O equilíbrio necessário às tratativas consumeristas torna a equidade de suma importância no sistema de proteção ao consumidor. Ao tratar das cláusulas consideradas abusivas, o artigo 51 do Código de Defesa do Consumidor apregoa: São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativa s ao fornecimento de produtos e serviços que: [...] IV estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou equidade. Neste dispositivo, vale dizer que o rol elencado não é exaustivo, mais meramente exemplificativo. Isto porque o vocábulo entre outras empregado no 548

caput deixa aberta a possibilidade de existência de inúmeras situações não expressas nos incisos do artigo, de forma que qualquer cláusula contratual que contrarie a principiologia adotada pelo Código de Defesa do Consumidor e pela própria Constituição de República, podem ser consideradas abusivas se desrespeitarem a eqüidade. Como já se disse anteriormente, o Código de Defesa do Consumidor traz considerável inovação à autonomia da vontade há muito aplicada aos contratos. Acerca da proibição de cláusulas abusivas e do princípio da eqüidade, colhe-se da doutrina de Marques 25 : O Poder Judiciário declarará a nulidade absoluta destas cláusulas, a pedido do consumidor, de suas entidades de proteção, do Ministério Público e mesmo, incidentalmente, ex officio. A vontade das partes manifestada livremente no contrato não é mais o fator decisivo para o direito, pois as normas do Código instituem novos valores superiores, como o equilíbrio e a boa-fé nas relações de consumo. Formado o vínculo contratual de consumo, o novo direito dos contratos opta por proteger não só a vontade das partes, mas também os legítimos interesses e expectativas dos consumidores. O princípio da eqüidade, do equilíbrio contratual é cogente. A lei brasileira, como veremos, não exige que a cláusula abusiva tenha sido incluída no contrato por abuso do poderio econômico do fornecedor, como exige a lei francesa ao contrário, o CDC sanciona e afasta apenas o resultado, o desequilíbrio, não exige um ato reprovável do fornecedor, se é abusiva, o resultado é contrário à ordem pública, contrário às novas normas de ordem pública de proteção do CDC, e a autonomia da vontade não prevalecerá. Não se pode negar que o princípio da equidade abre de forma considerável ao interprete o poder de beneficiar o consumidor, em busca da proteção apregoada em todo o Código de Defesa do Consumidor brasileiro. Nada disso seria efetivo, porém, sem que o consumidor não tivesse acesso à ordem jurídica justa, e, por conta disto, tratar-se-á no tópico seguinte do princípio do acesso à justiça. 1.1.10 Acesso à Justiça 25 MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor. p.218. 549

Os ditames do Código de Defesa do Consumidor não se tratam de mera retórica. Por isto, o seu próprio texto busca eficácia social através das normas que impõe. Diante disso, Silva 26 preconiza em seu artigo 83: Para a defesa dos direitos e interesses protegidos por este código, são admissíveis todas as espécies de ações capazes de propiciar sua adequada e efetiva tutela. Em sua obra Código de Defesa do Consumidor anotado Silva 27 : A facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímel a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias da experiência. A principiologia existente no Código de Defesa do Consumidor é de suma relevância e do estudo realizado percebe-se que os princípios estão logicamente imbricados, de forma que um decorre do outro, formando um todo harmônico. 2 RELAÇÃO JURÍDICA DE CONSUMO Por relação jurídica de consumo, pela ótica do Código de Defesa do Consumidor, entende-se toda a relação jurídico-obrigacional que une um consumidor a um fornecedor, tendo como objeto o fornecimento de um produto ou da prestação de um serviço. 2.1 Consumidor Questão de relevo a se abordar no presente trabalho e a conceituação de consumidor, visto que esta conceituação é o verdadeiro pilar que sustenta a tutela protetiva concebida pelo Código de Defesa do Consumidor. Portanto, tratar-se-á de descrever o conceito de consumidor stricto sensu, ou seja, aquele visualizado como o destinatário final nas relações consumeristas. 26 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo p.874. 27 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo p.321. 550

O legislador brasileiro tratou de expressar na própria norma o conceito de consumidor, tratando-se, portanto, de um conceito operacional legal, constante do artigo 2º do Código de regência que dispõe: Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final. Este é o conceito objetivo de consumidor,segundo Grinover 28. Vale dizer também que o mesmo artigo, em seu parágrafo único, trata das pessoas equiparadas a consumidor, ao asseverar: Equipara-se a consumidor a coletividade de pessoas, ainda que indetermináveis, que haja intervindo nas relações de consumo. Destaca-se na norma consumerista um dos pressupostos necessários à configuração de consumidor, que é verbalizado pelas expressões destinatário final. Ao comentar esta questão, elucida Braga Neto 29 : Percebe-se que a legislação brasileira, tendo optado por definir a figura do consumidor, limitou sua configuração àqueles que adquirem o produto ou serviços como destinatários finais. Não é consumidor, assim, quem adquire o produto como etapa na cadeia de produção, como a empresa que compra cola para inserir no processo produtivo de calçados que fabrica. Não é fácil nem simples definir o que seja destinatário final [...]. Nunes 30 explica o problema do uso do termo destinatário final : Está relacionado a um caso específico: o daquela pessoa que adquire produto ou serviço como destinatária final. Mas que usará tal bem como típico de produção. Por exemplo, o usineiro que compra uma usina para a produção de álcool. Não resta dúvida de que ele será destinatário final do produto (a usina); contudo pode ser considerado consumidor. Relativamente à equiparação ao consumidor trata o Código do Consumidor, respectivamente, em seus artigos 17 e 29, ao disporem: para efeitos desta Seção, 28 GRINOVER, Ada Pellegrini, at atii. Código de Defesa do Consumidor comentado pelos autores do anteprojeto. p.20. 29 BRAGA NETO, Felipe Peixoto. Manual de Direito do Consumidor à luz da jurisprudência do STJ. p.68. 30 NUNES, Luiz Antonio Rizzato. Comentários código de defesa do consumidor. p.88. 551

equiparam-se aos consumidores todas as vítimas do evento. e Para os fins deste capítulo e do seguinte, equiparam-se aos consumidores todas as pessoas determináveis ou não, expostas às práticas nele previstas. Relevante quanto ao disposto no artigo 17 acima transcrito, Grinover 31 é a exemplificação dos autores do anteprojeto do Código em comento, senão veja-se: PROPAGAÇÃO DO DANO Com bastante freqüência, os danos causados por vícios de qualidade e qualidade dos bens ou dos serviços não afetam apenas o consumidor, mas terceiros, estranhos à relação jurídica de consumo. Entre os exemplos mais sugestivos de propagação dos danos materiais ou pessoais, lembramos as hipóteses de acidente de trânsito, do uso de agrotóxicos ou fertilizantes, coma a conseqüente contaminação dos rios, ou da construção civil, quando há comprometimento dos prédios vizinhos. Em todos esses casos, o Código assegura o ressarcimento dos danos causados a terceiros que, para todos os efeitos legais, se equiparam aos consumidores. Destaca-se ainda que após o advento do Código de Defesa do Consumidor duas correntes doutrinárias se firmaram que tange ao conceito de consumidor, e, portanto, tratam do campo de incidência do próprio código. Estas teorias são comentadas por Braga Neto 32 da seguinte forma: A partir do surgimento do CDC, e com o aprofundamento das discussões, esboçou-se na doutrina com reflexos jurisprudenciais uma disputa entre os maximalistas e os minimalistas (finalistas). Os primeiros diziam que a aplicação do CDC deveria ser mais ampla possível, incluindo as pessoas jurídicas e os empresários, que deveriam se beneficiar com a nova lei de consumo. Os segundos, também chamados finalistas, diziam que a interpretação, para preservar o espírito do código, deveria proteger os efetivamente mais fracos, sob pela de banalizar o CDC e esvaziar o seu alcance. Esta segunda é considerada, digamos assim, a opção politicamente correta, e conta com o apoio de considerável parcela dos chamados consumeristas. 31 GRINOVER, Ada Pellegrini, at atii. Código de Defesa do Consumidor comentado pelos autores do anteprojeto.p.162. 32 BRAGA NETO, Felipe Peixoto. Manual de Direito do Consumidor à luz da jurisprudência do STJ. p.68. 552

O Artigo 51, inciso I do Código de Defesa do Consumidor, explica sobre a limitação da responsabilidade, nas relações de consumo entre o fornecedor e o consumidor pessoa jurídica: Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que: I - impossibilitem, exonerem ou atenuem a responsabilidade do fornecedor por vício de qualquer natureza dos produtos e serviços ou impliquem renúncia ou disposição de direitos. Nas relações de consumo entre o fornecedor e o consumidor-pessoa jurídica, a indenização poderá ser limitada. Em situação justificáveis; [...] Entende-se então que a pessoa jurídica para ser destinatário final, tem que adquirir o produto ou serviço, para seu uso próprio e não com finalidade de produzir outros produtos ou serviços. Porém, a teoria minimalista não possui o condão de limitar a incidência de aplicação da lei consumerista na medida em que os operadores jurídicos têm ampliado consideravelmente o conceito de destinatário final descrito pelo artigo 2º da lei de regência. Muito se poderia escrever acerca da categoria consumidor, mas, por conta da longa trajetória que ainda se necessita trilhar para chegar à questão central do presente trabalho acadêmico, encerra-se este tópico afirmando-se que o tema não se esgota no que se destacou acima. 2.2 Fornecedor O fornecedor também é objeto de definição do código consumerista, quando em seu artigo 3º, estatui: Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividades de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços. 553

Acerca do conceito de fornecedor, destaca-se a relevância da habitualidade, consoante escreve o doutrinador Braga Neto 33. Sem habitualidade no desempenho da atividade dificilmente teremos a figura do fornecedor. Não há como negar que a lei consumerista é de fato muito abrangente ao tipificar o fornecedor ao abarcar em sua abrangência as pessoas físicas ou jurídicas, nacional ou estrangeira, os entes despersonalizados, abrangidos todos aqueles que se ocupam de desenvolver atividades de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação e exportação, distribuição ou comercialização de produtos e os prestadores de serviços. gênero: Vale dizer, mais uma vez valendo-se da obra de Nunes 34, que fornecedor é Do qual fabricante, produtor, construtor, importador e comerciante são espécies. Ver-se-á que quando a lei consumerista quer que todos sejam obrigados e/ou responsabilizados, usa o termo fornecedor. Quando quer designar algum ente específico, utiliza-se de termo designativo particular: fabricante, produtor, comerciante, etc. Seguindo-se a proposta que se idealizou para o presente trabalho, passa-se no tópico a seguir, a traçar os conceitos legais de produto e serviço. 2.3 Produto e Serviço Como as relações de consumo são relações jurídicas de interesse que comportam dois pólos consubstanciados no consumidor e o no fornecedor, há que se abordar o objeto destas relações que é, pela disciplina do Código, o produto ou o serviço. Valendo dizer que estes objetos nada mais são do que bens. O Código de Defesa do Consumidor, seguindo a lógica e coerência adotadas ao longo do seu texto, trata também de conceituar as categorias produto e serviço. 33 BRAGA NETO, Felipe Peixoto. Manual de Direito do Consumidor à luz da jurisprudência do STJ.p.69. 34 NUNES, Luiz Antonio Rizzato. Comentários código de defesa do consumidor.p.104. 554

Neste passo, serviço encontra-se assim conceituado no artigo 3º, 1º: Produto é qualquer bem, móvel ou imóvel, material ou imaterial. Afirma Nunes 35 sobre o conceito legal de produto que: [...] é universal nos dias atuais e está estreitamente ligado à idéia de bem, resultado da produção no mercado de consumo das sociedades capitalistas contemporâneas. É vantajoso seu uso, pois o conceito passa a valer no meio jurídico e já era usado por todos os demais agentes do mercado (econômico, financeiro, de comunicação, etc). Acerca da conceituação de serviço, colhe-se também do artigo 3º do Código de Defesa Consumidor, em seu artigo 3º, 2º, que dispõe: serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes de relações trabalhistas. A enumeração dos objetos abarcados pela definição de serviços é meramente exemplificativa, segundo Nunes 36 por conta do vocábulo qualquer, pode-se incluir no rol, categorias de serviços não contempladas na norma. Desta forma, segue-se o trabalho após comentarmos sobre a relação de consumo, que une o fornecedor a um consumidor, ao fornecimento de um produto ou prestação de serviço, veremos agora a responsabilidade do fornecedor. 3 RESPONSABILIDADE CIVIL DO FORNECEDOR NAS RELAÇÕES DE CONSUMO Em principio, toda atividade que acarreta um prejuízo gera responsabilidade ou dever de indenizar. Haverá, às vezes, excludentes, que inviabilizam a indenização. 35 NUNES, Luiz Antonio Rizzato. Comentários código de defesa do consumidor. p.105. 36 NUNES, Luiz Antonio Rizzato. Comentários código de defesa do consumidor.p.109. 555

O termo responsabilidade, segundo Venosa 37, é utilizado em qualquer situação na qual alguma pessoa, natural ou jurídica, deva arcar com as conseqüências de um ato, fato, ou negócio danoso. Para Serpa Lopes apud Diniz 38, a responsabilidade civil surge: [...] a todo instante surge o problema da responsabilidade civil, pois cada atentado sofrido pelo homem, relativamente à sua pessoa ou ao seu patrimônio, constitui um desequilíbrio de ordem moral ou patrimonial, tornando imprescindível a criação de soluções ou remédios que nem sempre se apresentam facilmente, implicando indagações maiores que sanem tais lesões, pois o direito não poderá tolerar que ofensas fiquem sem reparação. Quem deverá ressarcir esses danos? Como se operará a recomposição do statu quo ante e a indenização do dano? Essa é a temática da responsabilidade civil. Salienta-se que o estudo da responsabilidade civil compreende todo o conjunto de princípios e normas que conduzem a obrigação de indenizar. 3.1 Conceito de Responsabilidade Civil Entende-se que a responsabilidade não é uma obrigação, mas um dever que decorre do não cumprimento de uma obrigação e que causou um ato danoso a outrem. Segundo Venosa 39 : Toda atividade que acarreta um prejuízo gera responsabilidade ou dever de indenizar. Haverá, por vezes, excludentes, que impedem a indenização. O termo responsabilidade é utilizado em qualquer situação na qual alguma pessoa, natural ou jurídica, deva arcar com as conseqüências de um ato, fato, ou negocio danoso. Sob essa noção, toda atividade humana, portanto, pode acarretar o dever de indenizar. 37 VENOSA, Sílvio de Sálvio. Direito civil: responsabilidade civil. 7 ed. São Paulo: Atlas, 2007. p.1. 38 SERPA LOPES apud DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: responsabilidade civil. 7 ed. São Paulo: Saraiva, 2007, vol. 7. p.3. 39 VENOSA, Sílvio de Sálvio. Direito civil: responsabilidade civil. p.1. 556

Para Noronha apud Venosa 40 : a responsabilidade civil é sempre uma obrigação de reparar danos: danos causados à pessoa ou ao patrimônio de outrem, ou danos causados a interesses coletivos, ou transindividuais, sejam difusos, sejam coletivos strictu sensu. A responsabilidade civil é uma aplicação de medidas que obriguem uma pessoa a reparar dano moral ou patrimonial causado a terceiros, em razão de ato por ela mesma praticado, por pessoa por quem ela responde, por alguma coisa a ela pertencente ou de simples imposição legal. 3.2 Pressupostos da Responsabilidade Civil A responsabilidade civil requer a existência de uma ação, comissiva ou omissiva. Neste sentido, elucida Diniz 41, à luz do Código Civil brasileiro: Ter-se-á ato ilícito se a ação contrariar dever geral previsto no ordenamento jurídico, integrando-se na seara da responsabilidade extracontratual (CC,arts. 186 e 927), e se ela não cumprir obrigação assumida, caso em que se configura a responsabilidade contratual (CC, art. 389). Mas o dever de reparar pode deslocar-se para aquele que procede de acordo com a lei, hipótese em que se desvincula o ressarcimento do dano da idéia de culpa, deslocando a responsabilidade nela fundada para o risco. A responsabilidade civil também requer a ocorrência de um dano moral ou patrimonial causado à vítima por ato do agente ou de terceiro por que o responde, ou por um fato de animal ou coisa a ele vinculada. não pode haver responsabilidade civil sem dano, que deve ser certo, a um bem ou interesse jurídico, sendo necessária a prova real e concreta dessa lesão. Responsabilidade não pode existir sem a relação de causalidade entre o dano e a ação que o provocou, Diniz 42 : 40 NORONHA apud VENOSA, Sílvio de Sálvio. Direito civil: responsabilidade civil. p.5. 41 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: responsabilidade civil. p.37. 42 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: responsabilidade civil. p.107-108. 557

O vínculo entre o prejuízo e a ação designa-se nexo causal, de modo que o fato lesivo deverá ser oriundo da ação, diretamente ou como sua conseqüência previsível. Tal nexo representa, portanto, uma relação necessária entre o evento danoso e a ação que o produziu, de tal sorte que esta é considerada como sua causa. Todavia, não será necessário que o dano resulte apenas imediatamente do fato que o produziu. Bastará que se verifique que o dano não ocorreria se o fato não tivesse acontecido. Este poderá não ser a causa imediata, mas se for condição para a produção do dano do agente responderá pela consequência. Fixado esse entendimento, têm-se como pressupostos ou elementos básicos da responsabilidade civil: a conduta humana, o dano e o nexo de causalidade. 3.3 Espécies de Responsabilidade Civil A responsabilidade civil pode apresentar-se sob diferentes espécies: quanto ao seu fato gerador, em relação ao seu fundamento e relativamente ao agente. A primeira segundo Diniz 43 se refere ao seu fato gerador: Hipótese em que se terá a responsabilidade contratual, se oriunda de inexecução de negócio jurídico bilateral ou unilateral. Resulta, portanto, de ilícito contratual, ou seja, de falta de adimplemento ou da mora no cumprimento de qualquer obrigação. É uma infração a um dever especial estabelecido pela vontade dos contraentes, por isso decorre de relação obrigacional preexistente e pressupõe capacidade para contratar. Defende Venosa 44 que a: [...] distinção entre responsabilidade contratual e extracontratual, a responsabilidade extracontratual tem maior relevância para o exame da conduta culposa. Se há contrato, o exame da culpa inicia-se pela verificação da conduta do agente cotejada com o que ele se obrigou no contrato. [...] Não havendo contrato, a responsabilidade extracontratual. 43 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: responsabilidade civil. p.127. 44 VENOSA, Sílvio de Sálvio. Direito civil: teoria geral das obrigações e teoria geral dos contratos. 4 ed. São Paulo: Atlas, 2004.p.490. 558

A segunda relaciona-se ao seu fundamento, Diniz 45 apresentará como: caso em que se (1) Responsabilidade Subjetiva, se encontrar sua justificativa na culpa ou dolo por ação ou omissão, lesiva a determinada pessoa (RT, 583:145, 591:237, 607: 117, 621:93). Desse modo, a prova da culpa do agente será necessária para que surja o dever de reparar. (2) Responsabilidade Objetiva, se fundada no risco, que explica essa responsabilidade no fato de haver o agente causado a vítima ou a seus bens (RF, 284:274; RT, 579:135, 611:275, 620:197). É irrelevante a conduta culposa ou dolosa do causador do dano, uma vez que bastará a existência do nexo causal entre o prejuízo sofrido pela vítima e a ação do agente para que surja o dever de indenizar. A terceira relativamente ao agente, segundo Diniz 46 é: À pessoa que pratica a ação, de forma direta, se proveniente da própria pessoa imputada o agente responderá, então, por ato próprio e de maneira indireta ou complexa, se promana de ato de terceiro (RT, 646:89, 641:132, 566:104, 494:92; RTJ, 62:108), com o qual o agente tem vínculo legal de responsabilidade, de fato de animal (RT, 535:111, 589:109) e de coisas inanimadas sob sua guarda. Assim, o fato gerador é uma infração a um dever estabelecido entre a vontade das partes sendo causado por dolo ou culpa, ação ou omissão de forma direta ou indireta. 3.4 Efeitos da Responsabilidade Civil Se caracterizar a responsabilidade, o agente deverá ressarcir o prejuízo experimentado pela vítima. Desse modo, fácil é perceber que o primordial efeito da responsabilidade civil é a reparação do dano, que o ordenamento jurídico impõe ao agente. A responsabilidade civil tem, essencialmente, uma função reparadora ou indenizatória. 45 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: responsabilidade civil. p.128. 46 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: responsabilidade civil. p.128. 559