Fibromialgia. Princípios práticos que auxiliam na indicação e no ajuste do tratamento medicamentoso. reumatologia

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Transcrição:

Princípios práticos que auxiliam na indicação e no ajuste do tratamento medicamentoso reumatologia Rafael Mendonça da Silva Chakr Ricardo Machado Xavier Do Serviço de Reumatologia do Departamento de Medicina Interna da Faculdade de Medicina do Hospital de Clínicas de Porto Alegre Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Resumo A fibromialgia (FM) é uma síndrome de dor difusa crônica acompanhada de sintomas somáticos, tais como fadiga, transtornos do humor, do sono e da cognição. Em uma abordagem prática do paciente com FM, além das medidas não farmacológicas, cada sintoma pode ser tratado com medicamento específico. O objetivo deste artigo é prover revisão atualizada da literatura sobre os principais medicamentos atualmente disponíveis no Brasil para o tratamento da FM em adultos. O sucesso terapêutico da FM depende, essencialmente, do uso racional de medicamentos voltados para os sintomas refratários às medidas não farmacológicas. Summary Fibromyalgia (FM) is the chronic widespread pain syndrome associated with fatigue, mood, sleep and cognitive disorders. Besides non-pharmacological approach, each symptom should be treated with a specific drug. The goal of this study is to provide up-to-date literature review on main aspects of adult FM drugs available for use in Brazil. Treatment success in FM depends essentially on using drugs based on symptoms that are not responsive to non-pharmacological approach. Introdução A fibromialgia (FM) é uma síndrome de dor difusa crônica acompanhada de sintomas somáticos, como fadiga, transtornos do humor, do sono e da cognição (1). Está presente em 2,5% a 5% da população, sendo predominante em mulheres (10 mulheres para um homem), com pico de incidência entre os 30 e 50 anos de idade (2, 3). O surgimento da síndrome está uniformemente associado a fatores genéticos e ambientais, como polimorfismos da COMT (catecol-o-metil transferase) e tabagismo (4, 5). O principal fenômeno fisiopatológico da FM é a sensibilização central, caracterizada pela atenuação das vias nociceptivas inibitórias descendentes e favorecimento das vias pró-nociceptivas ascendentes (ver figura) (6). Esse desequilíbrio nociceptivo manifesta-se por alodinia (dor ao leve toque da pele) e hiperalgesia (dor amplificada), presentes na FM. O diagnóstico pode ser feito a partir dos critérios de classificação do Colégio Americano de Reumatologia (Tabela 1) (7, 8). A FM pode afetar a qualidade de vida e a capacidade funcional dos indivíduos de forma mais intensa do que artropatias inflamatórias como artrite reumatoide e espondiloartrites (9). Além disso, a FM aumenta custos e utilização de recursos em saúde (10). Para que esses prejuízos sejam minimizados, recomenda-se educação do paciente e família, exercício físico, psicoterapia e farmacoterapia. A associação dessas intervenções Unitermos: Fibromialgia; tratamento; terapia; medicamentos. Keywords: Fibromyalgia; treatment; therapy; drugs. 23

Figura 1: Desequilíbrio nociceptivo observado na sensibilização central. Adaptado de Russell & Larson (6). NGF: fator de crescimento neuronal; SP: substância P; EAA: aminoácidos excitatórios; PG: prostaglandinas; 5HT: serotonina; NE: noradrenalina; DA: dopamina; EO: opioides endógenos. TABELA 1: Critérios de classificação de fibromialgia do Colégio Americano de Reumatologia Critérios de 1990 Critérios de 2010 Dor nos quatro quadrantes do corpo Dor há pelo menos três meses Presença de pelo menos 11 de 18 pontos dolorosos* Uma das duas condições: a. IDD 7 e EGS 5 b. IDD 3-6 e EGS 9 Sintomas há pelo menos três meses Outras causas de dor excluídas Outras causas de dor excluídas IDD: índice de dor difusa; EGS: escala de gravidade de sintomas. * Occipital, cervical baixo, trapézio, supraespinhoso, segunda costela, epicôndilo lateral, glúteo, trocanter maior e joelho bilateralmente. Índice de dor difusa (0-19): mandíbula, cintura escapular, braço, antebraço/mão, quadril, coxa e perna/pé bilateralmente, coluna dorsal, coluna lombar, pescoço, tórax, abdome; escala de gravidade de sintomas (0-12): soma das gravidades (0 = nunca, 1 = de vez em quando, 2 = quase sempre, 3 = sempre) de fadiga, despertar de sono não restaurador, sintomas cognitivos e sintomas somáticos em geral na última semana. Pontos-chave: > É recomendável a utilização do questionário de impacto da fibromialgia (FIQ); > É ferramenta auxiliar no reconhecimento dos domínios mais limitantes da síndrome; > O FIQ é um instrumento validado para avaliar a gravidade dos sintomas da FM. farmacológicas e não farmacológicas oferece os melhores resultados terapêuticos (1). Em uma abordagem prática do paciente com FM, além das medidas não farmacológicas, cada sintoma pode ser tratado com medicamento específico (Tabela 2) (11). Além da dor, depressão, ansiedade, sono não reparador, fadiga, rigidez matinal, síndromes funcionais da bexiga e do intestino, parestesias, percepção de edema, prurido, disautonomia, entre outros, compõem a miríade de expressões clínicas da FM (8). Diante dessa variedade de sintomas e de condições associadas, é recomendável a utilização do questionário de impacto da fibromialgia (FIQ) como ferramenta auxiliar no reconhecimento dos domínios mais limitantes da síndrome. O FIQ é um instrumento validado para avaliar a gravidade dos sintomas da FM e medir a resposta terapêutica tanto em pesquisa quanto na prática assistencial (12). Consiste de perguntas sobre capacidade funcional e laboral, impacto global e sintomas específicos da síndrome (Tabela 3) (13). Sua pontuação varia de 0 a 100, sendo considerados com maior impacto os pacientes com pontuação acima de 70. Como medida de resposta terapêutica, a menor variação clinicamente significativa do FIQ é de 14% (14). Com o entendimento do funcionamento anômalo das vias nociceptivas na sensibilização central (ver figura), novos medicamentos puderam ser aprovados para uso assistencial, aumentando as chances de sucesso do controle sintomático. O objetivo deste artigo é prover revisão atualizada da literatura sobre 24

TABELA 2: Abordagem farmacológica da FM por sintoma Sintomas Medicamentos Fadiga Amitriptilina, 10-75mg/dia, preferencialmente à noite Duloxetina, 30-120mg/dia, preferencialmente pela manhã ou a cada 12 horas Fluoxetina, 20-80mg/dia, preferencialmente pela manhã Insônia Amitriptilina, 10-75mg/dia, preferencialmente à noite Ciclobenzaprina, 5-30mg/dia, preferencialmente à noite Pramipexol, 0,125-0,5mg/dia, antes de dormir Pregabalina, 150-450mg/dia, à noite ou a cada 12 horas Zolpidem, 10mg/dia, antes de dormir Blues (tristeza) Amitriptilina, 10-75mg/dia, preferencialmente à noite Duloxetina, 30-120mg/dia, preferencialmente pela manhã ou a cada 12 horas Fluoxetina, 20-80mg/dia, preferencialmente pela manhã Rigidez Ciclobenzaprina, 5-30mg/dia, preferencialmente à noite Ow! (Dor) Amitriptilina, 10-75mg/dia, preferencialmente à noite Duloxetina, 30-120mg/dia, preferencialmente pela manhã ou a cada 12 horas Fluoxetina, 20-80mg/dia, preferencialmente pela manhã Gabapentina, 1.200-1.400mg/dia, a cada 8 horas Paracetamol, 500-3.000mg/dia, até a cada 8 horas Pregabalina, 150-450mg/dia, à noite ou a cada 12 horas Tramadol, 50-300mg/dia, até a cada 8 horas Adaptado de Boomershine & Crofford (11). Antidepressivos tricíclicos (ATs; amitriptilina e nortriptilina, 10 a 75mg/dia), inibidores da monoaminoxidase (IMAOs; moclobemida, 300 a 600mg/dia), inibidores seletivos da recaptação da serotonina (ISRSs; fluoxetina, 20 a 80mg/dia) e inibidores da recaptação de serotonina e noradrenalina (IRSNs; duloxetina, 30 a 120mg/dia) são os tipos de antidepressivos mais estudados na FM. os principais medicamentos atualmente disponíveis no Brasil para o tratamento da FM em adultos. Métodos Foi realizada busca no PubMed/Medline e no Cochrane por meta-análises e ensaios clínicos randomizados (ECRs) dos últimos 10 anos sobre o tratamento medicamentoso da FM em adultos. Foram selecionados os estudos que abordavam medicamentos recomendados pelo Consenso Brasileiro de Tratamento da Fibromialgia (1). Resultados Antidepressivos Antidepressivos tricíclicos (ATs; amitriptilina e nortriptilina, 10 a 75mg/dia), inibidores da monoaminoxidase (IMAOs; moclobemida, 300 a 600mg/dia), inibidores seletivos da recaptação da serotonina (ISRSs; fluoxetina, 20 a 80mg/dia) e inibidores da recaptação de serotonina e noradrenalina (IRSNs; duloxetina, 30 a 120mg/dia) são os tipos de antidepressivos mais estudados na FM. Em 2009, Häuser et al. publicaram meta- -análise de ECRs, com o objetivo de avaliar a eficácia dos antidepressivos no tratamento da FM. O estudo incluiu 18 ECRs, com um total de 1.427 participantes, e demonstrou melhora substancial em dor, fadiga, humor depressivo, distúrbios do sono e qualidade de vida. O tamanho de efeito na redução da dor foi considerado grande para ATs, médio para IMAOs e pequeno para ISRSs e IRSNs (15). Em ECRs com cruzamento entre os grupos houve benefício medido pelo FIQ de fluoxetina e amitriptilina em relação ao placebo, e a melhora foi ainda mais acentuada 25

TABELA 3: Questionário de impacto da fibromialgia* 1. Com que frequência você consegue: a. Fazer compras (0, 1, 2 ou 3) b. Lavar roupa (0, 1, 2 ou 3) c. Cozinhar (0, 1, 2 ou 3) Nos últimos sete dias: 2. Em quantos dias você se sentiu bem? (0, 1, 2, 3, 4, 5, 6 ou 7) 3. Por causa da fibromialgia, você deixou de trabalhar? (0, 1, 2, 3, 4, 5, 6 ou 7) 4. Quanto a fibromialgia interferiu na capacidade de fazer seu serviço? (0 a 10) d. Lavar louça (0, 1, 2 ou 3) 5. Quanta dor você sentiu? (0 a 10) e. Limpar a casa (0, 1, 2 ou 3) 6. Você sentiu cansaço? (0 a 10) f. Arrumar a cama (0, 1, 2 ou 3) 7. Como você se sentiu ao se levantar de manhã? (0 a 10) g. Andar vários quarteirões (0, 1, 2 ou 3) 8. Você sentiu rigidez? (0 a 10) h. Visitar parentes ou amigos (0, 1, 2 ou 3) 9. Você se sentiu nervoso/a ou ansioso/a? (0 a 10) i. Cuidar do quintal ou do jardim (0, 1, 2 ou 3) 10. Você se sentiu deprimido/a ou desanimado/a? (0 a 10) j. Dirigir carro ou andar de ônibus (0, 1, 2 ou 3) Adaptado de Marques, Santos et al. (13). * Na questão 1 calcula-se a média de pontos dos itens marcados: M1. Na questão 2 utiliza-se o valor correspondente à resposta, segundo a regra: 0 = 7, 1 = 6, 2 = 5, 3 = 4, 4 = 3, 5 = 2, 6 = 1, 7 = 0 (Q2). Na questão 3 utiliza-se o valor direto da resposta: Q3. Nas questões 4 a 10 utiliza-se o valor direto da resposta: Q4 a Q10. A pontuação final é dada pela fórmula: (M1 x 3,33) + (Q2 x 1,43) + (Q3 x 1,43) + Q4 + Q5 + Q6 + Q7 + Q8 + Q9 + Q10. quando ambos os medicamentos foram associados (16). Esses resultados devem ser interpretados com cautela, devido a limitações do desenho do estudo. Em 2010, Häuser et al. publicaram outra meta-análise de ECRs, com o objetivo de comparar eficácia e segurança da duloxetina, do milnaciprano (IRSN; não disponível no Brasil) e da pregabalina (anticonvulsivante alfa-2-ligante) no tratamento da FM. Em um total de 17 ECRs, demonstrou-se que os três medicamentos foram superiores ao placebo após seis meses, exceto a duloxetina para fadiga, o milnaciprano para distúrbios do sono e a pregabalina para humor deprimido. Perdas de seguimento devido a eventos adversos foram semelhantes. Em comparações indiretas, a duloxetina e a pregabalina foram superiores ao milnaciprano na atenuação da dor e de distúrbios do sono, a duloxetina foi superior ao milnaciprano e à pregabalina na redução do humor deprimido e o milnaciprano e a pregabalina foram superiores à duloxetina na melhora da fadiga. Houve risco aumentado de náusea e cefaleia com a duloxetina e o milnaciprano, e de diarreia com a duloxetina (17). Em 2011, Häuser et al. publicaram resultado de meta-análise de ECRs controlados por placebo, com o objetivo de comparar a eficácia da amitriptilina, da duloxetina e do milnaciprano. Com um total de 10 estudos de amitriptilina (612 participantes), quatro de duloxetina (1.411 participantes) e cinco de milnaciprano (4.129 participantes), os três medicamentos foram superiores ao placebo, exceto a amitriptilina para qualidade de vida, a duloxetina para fadiga e o milnaciprano para distúrbios do sono. Em comparações indiretas ajustadas, a amitriptilina foi superior à duloxetina e ao milnaciprano na melhora da dor, em distúrbios do sono, fadiga e na qualidade de vida; a duloxetina foi superior ao milnaciprano na melhora da dor, em distúrbios do sono e na qualidade de vida; e o milnaciprano foi superior à duloxetina na melhora da fadiga. Entretanto, a qualidade metodológica foi considerada deficiente para a amitriptilina, prejudicando tais resultados comparativos (18). Em 2012, Häuser et al. publicaram meta- -análise de ECRs, com o objetivo de analisar a eficácia e os malefícios dos antidepressivos em FM. Com 35 ECRs, esse estudo demonstrou que poucos pacientes apresentam relação risco-benefício muito favorável com antidepressivos, havendo melhora pequena ou moderada da dor, fadiga, sono e qualidade de vida, com várias perdas de seguimento por falha ou evento adverso (19). 26

Os IMAOs apresentaram benefício na dor e na contagem de pontos dolorosos em meta-análise de ECR recente; no entanto, tais efeitos devem ser vistos com restrições, já que apenas dois estudos pequenos foram incluídos (20). Em outra revisão sistemática, publicada em 2013, Häuser et al. analisaram os resultados de 10 ECRs, que compararam IRSNs com placebo. Nessa meta-análise, a duloxetina e o milnaciprano apresentaram benefício em relação ao placebo na melhora da dor. As melhoras observadas na fadiga e na qualidade de vida não foram consideradas clinicamente relevantes. Não houve diferença estatisticamente significativa no padrão de sono entre duloxetina, milnaciprano e placebo. Apesar de haver mais perdas de seguimento devido a eventos adversos com a duloxetina e o milnaciprano, quando comparados ao placebo, não houve diferença significativa quanto aos eventos adversos graves. Os eventos adversos mais comuns foram náusea, boca seca, constipação, cefaleia, sonolência e insônia (21). Anticonvulsivantes Os alfa-2-ligantes (moduladores do canal de cálcio alfa-2-delta) são o tipo de anticonvulsivante mais estudado na FM (pregabalina, 150 a 450mg/dia; gabapentina, 1.200 a 2.400mg/dia). Em meta-análise realizada por Tzellos et al., publicada em 2010, comparações indiretas de doses diferentes de pregabalina em três ECRs demonstraram aparente superioridade da dose de 450mg/dia sobre a de 300mg/dia, mas não com a de 600mg/dia. Essa aparente contradição sugere que tais resultados sejam interpretados de forma cautelosa. Recentemente, Uceyler et al. publicaram meta-análise com oito ECRs, para avaliar benefícios e malefícios dos anticonvulsivantes na FM. O único anticonvulsivante com evidências suficientes para embasar as conclusões foi a pregabalina. O número necessário para tratar (NNT) com pregabalina e melhorar a dor foi 12 (IC 95%: 9-21). Não houve redução de fadiga em relação ao placebo, mas foi observado discreto benefício adicional no sono. O NNT com pregabalina para malefício foi 13 (IC 95%: 9-23), sendo a tontura o evento adverso mais frequente. Não houve diferença de eventos adversos graves entre a pregabalina e o placebo (22). Em ECRs para comparar eficácia e segurança de duas posologias de pregabalina (uma dose noturna e duas doses diárias), Nasser et al. não encontraram diferença a favor nem contra um dos esquemas de administração (23). A gabapentina foi estudada na FM em ECR controlado por placebo de 12 semanas de duração, com 150 participantes. A gabapentina foi superior ao placebo no desfecho principal do estudo (questionário de dor) e também no impacto da síndrome (FIQ) (24). Analgésicos Quando usados de forma contínua, o paracetamol (acetaminofeno) e o tramadol foram bem tolerados e apresentaram benefício no controle da dor, no FIQ e na qualidade de vida de pacientes com FM (25, 26). Relaxantes musculares A ciclobenzaprina (5 a 30mg/dia) é medicamento tricíclico sem efeito antidepressivo significativo e usualmente empregado como relaxante muscular. Em 2004, Tofferi et al. publicaram meta-análise de ECRs controlados por placebo com o objetivo de revisar a eficácia da ciclobenzaprina na FM. Com cinco ECRs, esse estudo calculou OR 3,0 (IC 95%: 1,6-5,6) para melhora sintomática, principalmente do sono e da dor, que melhoraram nas primeiras semanas de acompanhamento, ao passo que a fadiga e a contagem de pontos dolorosos não apresentaram melhora significativa (27). Em um ECR controlado por placebo com 36 participantes, posterior a essa meta-análise, a ciclobenzaprina melhorou a dor, o dolorimento, a fadiga, os sintomas depressivos e o padrão eletroencefalográfico do sono após oito semanas (28). Antiparkinsonianos O pramipexol (0,125 a 0,5mg/dia) foi estudado em ECR controlado por placebo de 14 semanas de duração, com 60 pacientes. Houve melhora significativa da dor, da fadiga, da capacidade funcional e do estado global, e os principais eventos adversos foram ansiedade transitória e perda de peso (29). Essa é uma evidência limitada de benefício, e seu uso na FM deve ser balizado por outros fatores, como a associação com distúrbios do sono e síndrome de pernas inquietas (1). Quando usados de forma contínua, o paracetamol (acetaminofeno) e o tramadol foram bem tolerados e apresentaram benefício no controle da dor, no FIQ e na qualidade de vida de pacientes com FM. 27

Pontos-chave: > A escolha do medicamento deve ser feita considerando-se sintomas predominantes; > Recomenda-se começar o tratamento medicamentoso com monoterapia; > Pode-se realizar associação de medicamentos, para a melhora dos sintomas limitantes. Indutores do sono O zolpidem (10mg/dia) melhorou os distúrbios do sono na FM, mas esse resultado deve ser interpretado com cautela, devido à escassez de estudos semelhantes (30). O clonazepam não apresentou evidências suficientes para uma conclusão sobre seus efeitos na FM em revisão sistemática recente (31). Medicamentos sem benefício direto na fibromialgia Glicocorticoides e anti-inflamatórios não esteroidais não produzem melhora dos sintomas da FM, exceto quando há síndromes dolorosas regionais que respondem a esses agentes e, quando atenuadas, podem amenizar a dor difusa da FM (1, 32-34). Perspectivas de pesquisa A vitamina D tem sido estudada no tratamento da fibromialgia, porém os resultados conflitantes dos poucos ECRs disponíveis não permitem um posicionamento sobre o seu uso (35). O antidepressivo trazodona foi estudado em ensaio clínico aberto de 12 semanas, com 66 pacientes, havendo benefício no sono, FIQ, em escores de depressão e ansiedade e na dor (36). A naltrexona, um antagonista central de receptores de opioides, em baixa dose (4,5mg/ dia), mostrou melhora significativa na dor da FM, quando comparada ao placebo (37). Em ECR piloto, a quetiapina, um antipsicótico de segunda geração, mostrou-se benéfica no sono e humor dos pacientes com FM, quando utilizada em associação ao tratamento inicial (38). Em ECR multicêntrico e controlado por placebo, com 120 participantes, acompanhados por 18 meses, baixas doses de hormônio do crescimento associado ao tratamento inicial (por seis ou 12 meses) reduziram a dor de forma sustentada (39). A suplementação com creatina melhorou o desempenho muscular de indivíduos com FM em ECR controlado por placebo de 16 semanas (40). Princípios do tratamento medicamentoso da FM Os princípios práticos do tratamento medicamentoso da FM aqui expostos são embasados em recomendações de sociedades de Reumatologia e na opinião dos autores (1, 43). A escolha do medicamento deve ser feita considerando-se sintomas predominantes, perfil de eventos adversos, custos, experiência com o uso e preferência do paciente. Devido aos frequentes eventos adversos, recomenda-se começar o tratamento medicamentoso com monoterapia. A dose inicial dos medicamentos deve ser a menor possível, com aumento gradual, conforme a tolerância, até o controle do sintoma ou a dose máxima recomendada. Antes de progredir no tratamento medicamentoso da FM, o médico deve verificar se as medidas não medicamentosas estão otimizadas. Em casos refratários, recomenda-se buscar causas associadas dos sintomas, como doenças autoimunes sistêmicas, hipotireoidismo, neoplasias e infecções crônicas. Pode-se realizar associação de medicamentos, para a melhora dos sintomas limitantes. As associações mais empregadas são: baixas doses de IRSN (duloxetina) pela manhã e alfa-2-ligante (pregabalina, gabapentina) à noite; baixas doses de ISRS (fluoxetina) ou de IRSN (duloxetina) pela manhã e AT (amitriptilina, nortriptilina) à noite. Limitações Por ser uma revisão narrativa da literatura, nosso artigo não se propõe a responder a uma pergunta científica sobre o tratamento medicamentoso da FM, mas sim a discorrer sobre as principais evidências científicas disponíveis até o momento sobre o assunto. Conclusão Antidepressivos, anticonvulsivantes, analgésicos e relaxantes musculares estão entre as principais classes de fármacos atualmente disponíveis para uso no Brasil. O sucesso terapêutico da FM depende, essencialmente, do uso racional de medicamentos voltados para os sintomas refratários às medidas não farmacológicas. 28

Referências 1. HEYMANN, R.E.; PAIVA, E.S. et al. Brazilian consensus on the treatment of fibromyalgia. Rev. Bras. Reumatol., 50(1): 56-66, 2010. 2. ASSUMPÇÃO, A.; CAVALCANTE, A.B. et al. Prevalence of fibromyalgia in a low socioeconomic status population. BMC Musculoskelet Disord., 10: 64, 2009. 3. CARMONA, L.; BALLINA, J. et al. The burden of musculoskeletal diseases in the general population of Spain: Results from a national survey. Ann. Rheum. Dis., 60(11): 1040-5, 2001. 4. CHOI, C.J.; KNUTSEN, R. et al. The association between incident self-reported fibromyalgia and nonpsychiatric factors: 25-years follow-up of the Adventist Health Study. J. Pain, 11(10): 994-1003, 2010. 5. OLIVER, J.E. & SILMAN, A.J. What epidemiology has told us about risk factors and aetiopathogenesis in rheumatic diseases. Arthritis Res. Ther., 11(3): 223, 2009. 6. RUSSELL, I.J. & LARSON, A.A. Neurophysiopathogenesis of fibromyalgia syndrome: A unified hypothesis. Rheum. Dis. Clin. North Am., 35(2): 421-35, 2009. 7. WOLFE, F.; SMYTHE, H.A. et al. The American College of Rheumatology 1990 criteria for the classification of fibromyalgia. Report of the Multicenter Criteria Committee. Arthritis Rheum., 33(2): 160-72, 1990. 8. WOLFE, F.; CLAUW, D.J. et al. The American College of Rheumatology preliminary diagnostic criteria for fibromyalgia and measurement of symptom severity. Arthritis Care Res (Hoboken), 62(5): 600-10, 2010. 9. OVAYOLU, N.; OVAYOLU, O. & KARADAG, G. Health-related quality of life in ankylosing spondylitis, fibromyalgia syndrome, and rheumatoid arthritis: A comparison with a selected sample of healthy individuals. Clin. Rheumatol., 30(5): 655-64, 2011. 10. SILVERMAN, S.; DUKES, E.M. et al. The economic burden of fibromyalgia: Comparative analysis with rheumatoid arthritis. Curr. Med. Res. Opin., 25(4): 829-40, 2009. Obs.: As 33 referências restantes que compõem este artigo se encontram na Redação, à disposição dos interessados. Endereço para correspondência: Rafael Mendonça da Silva Chakr Rua Ramiro Barcelos, 2350/Sala 645 90035-903 Porto Alegre-RS rafaelchakr@gmail.com 29