DESIGN E EVENTOS FEIRÍSTICOS:



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Transcrição:

Ano 01 Cláudio Lima FERREIRA Melissa Ramos da Silva OLIVEIRA n. 02 DESIGN E EVENTOS FEIRÍSTICOS: A LÓGICA DO MARKETING URBANO NA CIDADE MILÃO p.12-20 Instituto de Engenharia Arquitetura e Design INSEAD Centro Universitário Nossa Senhora do Patrocínio CEUNSP Salto-SP P. 1 1

DESIGN E EVENTOS FEIRÍSTICOS: A LÓGICA DO MARKETING URBANO NA CIDADE MILÃO CLAUDIO LIMA FERREIRA Arquiteto pela Universidade Paulista (UNIP), mestre em Urbanismo pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUCCAMP) e doutorando do Instituto de Artes - UNICAMP. Coordenador do Curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Anhembi Morumbi e professor do Centro Universitário Nossa Senhora do Patrocínio (CEUNSP/Salto). E-mail: claudiol.f@uol.com.br. MELISSA RAMOS DA SILVA OLIVEIRA Arquiteta pela UNESP-Bauru, especialista em Patrimônio Arquitetônico Teoria e Projeto pela PUC- Campinas, mestre em Dinâmica Territorial e Análise Ambiental pelo IG/UNICAMP, doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Geografia da UNICAMP. Coordenadora e professora dos Cursos de Arquitetura e Urbanismo e Decoração e Design do Centro Universitário Nossa Senhora do Patrocínio (CEUNSP/Salto). E-mail: melinerso@yahoo.com.br. Resumo Este artigo se propõe a analisar as estratégias de (re)criação ou consolidação da imagem da cidade de Milão como mercadoria, principalmente no que se refere sobre a valorização de espaços urbanos da cidade a partir da apropriação do design e dos eventos feirísticos. A tradição dos eventos feirísticos, cuja importância econômica e comercial prevalece mais de meio século em Milão, associado à imagem de centro do design e da moda, constituem componentes relevantes na (re) construção da identidade territorial milanêsa e nas decisões sobre o planejamento estratégico. A criação do pavilhão Fiera Milano para a realização de feiras faz parte da idéia de evitar que a cidade se torne antiquada e superada, proporcionando a inserção de sua imagem no novo milênio como símbolo de modernidade e inovação urbanística. A alteração no espaço é estratégico para a atração de investimentos e aumento de lucros para os empreendedores e os diversos setores envolvidos. Palavras chave: Design, Milão, eventos feirísticos, Fiera Milano, marketing urbano P. 12 12

DESIGN AND EVENT FAIR: THE LOGIC OF THE URBAN MARKETING IN MILAN Abstract This article analyzes the strategies that produce and consolidate the city of Milan s image as merchandise, mainly in reference to the increase of valorization of the urban spaces through association with event fair and design. The tradition of the event fair, whose economic and commercial importance persist more than fifty years in Milan, associated to the image of design and fashion center, constitutes relevant elements in the reconstruction of Milanese territorial identity and in the decisions of strategic planning. The creation of the Fiera Milano s pavilion as a place of event fair, is one way to prevent that the city becomes "obsolete and surpassed" and then, create a new image as symbol of modernity and urban innovation. So, the space s transformations are strategical to attract investments and increase the profits for the enterprisers and the all involved sectors. Key words: Design, Milão, event fairs, Fiera Milano, urban marketing A atual competição entre as cidades, embasada pela economia global, enfatiza a produção e difusão de imagens que são configuradas para a (re) criação ou consolidação da cidade como mercadoria. As estratégias de alteração dos espaços de Milão, por meio do design e dos eventos feirísticos, são utilizadas com o objetivo de acumular distinção e capital simbólico, por meio de parcerias entre o poder público local e grandes empresas ligadas ao setor de serviços. A produção, difusão e venda da imagem constituem instrumentos da política de marketing urbano consolidado pelos governos urbanos, sobretudo nas últimas décadas. Para a materialização dessas estratégias houve a consolidação da Fiera Milano spa, que é uma fundação i especializada na organização de eventos feirísticos (gerencia as obras/projetos, organiza o uso do espaço, o marketing e os serviços das feiras). Ademais, foi a responsável pelas diretrizes de construção do pavilhão feirístico da Fiera Milano, bem como o gerenciador do projeto para a construção (refuncionalização) de um espaço polifuncional na área da antiga feira, situada no centro da cidade, denominado Fiera Milano City. Além dessas ações, a fundação também expande a sua área de atuação participando como consultora e, principalmente, vendendo a sua marca para espaços feirísticos em outros países, por exemplo o projeto de implementação da Feira Brasil no município de Guarulhos-SP (Brasil), obtendo assim uma renda de monopólio sobre a imagem e marca Fiera Milano. A Fiera Milano spa lidera o mercado de feiras, eventos e congressos na Itália. Na atualidade, a Feira já se constitui como a segunda maior empresa do setor no mundo, com cerca de 44% de seu P. 13 13

capital no mercado. Em média, ocorrem cerca de 70 feiras por ano no Centro de Exposições Fiera Milano, a maioria voltada para operadores profissionais, com 30 mil expositores. Como aconteceu com muitos empreendimentos feirísticos no mundo, a Fundação Fiera Milano estava, na última década, numa condição muito insatisfatória em termos de retorno de lucro. No entanto, nos últimos anos deu uma guinada fazendo uma reviravolta na maneira de trabalhar, passando a não só explorar a locação dos espaços de exposição, mas principalmente os serviços paralelos os eventos. A Feira propicia a obtenção da renda monopolista, por meio do espaço, assim como do patenteamento da marca Fiera Milano. David Harvey (2001, p. 224) considera que para a renda monopolista se materializar, é preciso encontrar algum modo de conservar únicos e particulares as mercadorias ou os lugares mantendo a vantagem monopolista numa economia mercantil e, freqüentemente, muito competitiva. Para manter o monopólio e, conseqüentemente, um poder monopolista sobre produtos e áreas, é necessário adquirir mecanismos de proteção de marcas, símbolos, patentes ou acordo de licenciamento. O mesmo mecanismo tem sido utilizado em relação à mercadoria cidade. Trata-se de uma nova lógica de apropriação e domínio do espaço que se reproduz reordenando e redirecionando a produção e o consumo do espaço. Os principais centros feirísticos internacionais como Madri, Berlim, Lisboa, Londres, Amsterdan, Bruxelas e Barcelona estão acompanhando o desenvolvimento da cidade de Milão, que nos últimos anos está se destacando como a cidade de maior importância para a realização de feiras e eventos. Para esta materialização como pólo feirístico mundial, o poder público local e as corporações financiadoras têm direcionado suas estratégias de planejamento urbano e arquitetônico para a construção de marcos referenciais que possibilitem a visibilidade e difusão da imagem de principal centro feirístico mundial. Na cidade de Milão, condições de oferta de equipamentos e instalações de maior capacidade estão sendo criadas a partir da parceria público-privada que tem investido pesadamente na construção de recintos feirísticos dotados de infra-estrutura e em estratégias de reestruturação urbana com o propósito de gerar diferenciais sobre a melhoria das ofertas de serviços. Na atualidade, existem dois grandes empreendimentos em Milão que propõem alterações no espaço para interesses imobiliários: o pavilhão feirístico Fiera Milano, inaugurado em 2005, e o projeto de refuncionalização da área central onde funcionava antigamente as feiras, denominado Feira Milano City (em projeto), que prevê espaço destinado à exposição, mostras e estudo da moda e do design italiano. As propostas para evitar que a cidade se torne antiquada e superada formam as estratégias usadas para a expansão e reprodução do capital, por meio da incorporação e (re)valorização de áreas. Aplicadas sob o rótulo de recuperação paisagística estas estratégias de valorização são P. 14 14

utilizadas tanto nas áreas degradadas (projeto de refuncionalização Fiera Milano City) como também nas áreas denominadas de vazios urbanos (pavilhão Fiera Milano). O pólo feirístico milanês demonstra a associação do capital imobiliário e do capital financeiro formando conglomerados que atuam na reprodução do espaço, alterando a morfologia e o conteúdo que propiciam novas formas de territorialização na reprodução ampliada do capital. O pavilhão Feirístico Fiera Milano é um caso emblemático desse processo. Sua implementação teve como objetivo evidenciar, na cidade e no país, um espaço expositivo de nível internacional, nos campos urbanísticos, arquitetônicos, através da apropriação e difusão do design, assim, criando um monopólio ou oligopólio capaz de competir com as maiores feiras do mundo. A construção do pavilhão feirístico em Milão iniciou-se a partir da parceria da Prefeitura de Milão com a junta diretiva da Fiera Milano spa, cujo objetivo consistiu na transferência da tradicional sede de exposições feirísticas ii situada a apenas dois quilômetros da Plazza Del Duomo para uma área fora da área central de Milão. O empreendimento, que foi oficialmente inaugurado no dia 31 de março de 2005, teve um investimento de 750 milhões de euros, dos quais, 100 milhões foram destinados à compra do terreno e 650 milhões aos custos de construção. A construção do moderno pavilhão feirístico Fiera Milano tem servido de palco para a exposição dos mais variados serviços e produtos do setor ferial, possibilitando que a cidade consolide sua imagem e adquira potencial competitivo em novos ramos. O pavilhão feirístico milanês (Fiera Milano) está localizado no Distrito de Rho-Pero, situado a oito quilômetros do centro de Milão, entre os principais cruzamentos das redes ferroviárias e rodoviárias e nas proximidades do aeroporto internacional de Malpensa. Para complementar as estratégias de desenvolvimento imobiliário do empreendimento e do entorno foi essencial a construção de uma nova linha de metrô, chamada Rho Fieram, que interliga o pavilhão feirístico ao centro da cidade. Nos períodos de férias de verão, em que o pavilhão fica fechado e na há exposições, essa linha é pouco utilizada, visto que praticamente não há passageiros para esse destino. Assim, as lojas, bares ou serviços localizados nessa estação ficam fechados por falta de público, como demonstra a figura 01. Esse fato demonstra o poder e a importância desse empreendimento, que construiu e implantou uma infra-estrura para ser utilizada apenas em períodos determinados do ano, sem questionar o custo dessa ociosidade temporária. P. 15 15

Figura 01. Metrô Rho Fieram Fiera Milano Foto: Melissa R. S. Oliveira, 2007 Implantado numa área de 530.000 m 2 (onde anteriormente funcionava a empresa AGIP, refinaria e distribuição de GPL), essa estrutura espacial estratégica alterou o espaço e viabilizou uma logística que possibilitou uma maior fluidez de pessoas, mercadorias e capitais. A localização foi uma condição essencial para que o empreendimento tivesse sucesso, principalmente, para os investidores capitalistas que visam auferir renda monopolista ao local e entorno. Dessa maneira, a construção de um edifício com grandes áreas de exposição proporcionou a alteração do espaço, a valorização de uma área e o aumento do preço da terra. O interesse dos empreendedores imobiliários sobre a valorização da área é evidenciada quando justificam que o complexo feirístico tem uma grande importância urbanística, pois tem como função recuperar uma vasta área abandonada do subúrbio, ocupada durante muitos anos por uma refinaria de petróleo. O arquiteto Massimiliano Fuksas, autor do projeto, declara que esta área deixou de ser apenas periferia para tornar-se paisagem. Essa prática espacial mostra a construção de marcos de distinção para a valorização de áreas, enfatizando o consumo de imagens que garantam a lógica de reprodução ampliada do capital imobiliário, viabilizado pela moda, design e eventos feirísticos. Arquitetonicamente, o novo pavilhão foi construído para ser o marco de distinção do local, ou seja, é difundido como imagem e monumento urbano. Para a realização do projeto arquitetônico e inserção da primeira marca do empreendimento foi contratado Massimiliano Fuksas, um dos mais reconhecidos arquitetos da atualidade. O pavilhão feirístico atraiu grandes investimentos financeiros, comerciais e serviços. Foi concebido com racionalidade e disciplinaridade para o uso mercantil do espaço. Para tal, utilizou tecnologias avançadas e concepções arquitetônicas capazes de possibilitar a configuração de um espaço flexível de alocações de provisões e recursos, adaptáveis ao movimento de circulação de pessoas, ou seja, dinâmica requerida ao processo de (re)produção, acumulação do capital, além de viabilizar uma marca espacial, uma imagem. P. 16 16

O pavilhão feirístico, arquitetonicamente, é considerado um espetáculo a ser visitado pois, além de espaços destinados a exposições, o edifício inclui centros de serviços (sala de imprensa, secretaria lingüística, banco, correio, guarda-malas, farmácia, agência de viagens, centro de fotocópias e fax) e de convenções (nove salas modulares em dois pavimentos e auditório), oito gigantescos pavilhões, 64 salas de reuniões, 20 restaurantes, 57 bares, lanchonetes e cafés. Externamente, há espaço de 60 mil metros quadrados para exibições ao ar livre, estacionamento para mais de 20 mil visitantes, além de garagens especiais (para expositores e caminhões) e heliporto. Ao projeto estão sendo acrescentados dois hotéis, uma galeria comercial com 200 lojas e setores de recreação e cultura. Por enquanto, tudo isso funciona somente nos períodos de eventos feirísticos. Além da marca Fuksas, sobrenome do renomado arquiteto inserida a imagem do empreendimento, também criou-se dois novos símbolos denominados de vulcão e vela (ou véu) os quais tornaram ainda mais singular o pavilhão feirístico. O primeiro é o vulcão, também chamado de Logo, porque seu desenho foi incorporado ao logotipo da feira, sendo formado por uma estrutura de aço e vidro, com 37 metros de altura, conforme pode ser observado na figura 02. O segundo símbolo é uma onda de aço e vidro, de 1,3 metros de extensão e 45,5 mil metros quadrados de superfície, que se desenvolve em formas livres e sinuosas como uma vela ao vento, refletindo as variações de altura das fachadas dos edifícios laterais. A largura de 31,57 metros aumenta para 40,59 metros, nas entradas leste e oeste. A altura, que varia entre 16 e 23 metros, desce em mergulho até o solo, em alguns pontos formando crateras, como se observa na figura 03. Principais símbolos da obra, o vulcão e a vela são deformações plásticas compostas de um complexo sistema de concavidades e convexidades, a qual se contrapõem as linearidades dos pavilhões, criando espaços vazios fluidos que impactam a percepção. Figura 02. Cobertura em forma de vulcão Fiera Milano Foto: Melissa R. S. Oliveira, 2007 P. 17 17

Figura 03. Cobertura em forma de vela Fiera Milano Foto: Melissa R. S. Oliveira, 2007 O vidro e o aço nos revestimentos das fachadas e das grandes aberturas das edificações proporcionam ao ambiente um aspecto dinâmico e cenográfico. O vazio é exaltado pela forma, vertentes anônimas e volumes expressivos. Guy Debord (1997) mostra como a aparência fictícia constrói os limites entre o falso e o verdadeiro, por meio de belos monumentos, onde os indivíduos são meros espectadores unidimensionais, ou seja, um espaço homogeneizado para seu uso com uma arquitetura. As intervenções arquitetônicas e urbanísticas financiadas e implementadas pelo poder público-privado têm um fim específico, o cenográfico, estrategicamente pensado para atrair o olhar e o lucro voltado para a cidade. A estrutura colossal do edifício está embasada na concepção de marco de distinção, usada para consolidar a imagem de Milão como centro do design mundial. A concepção arquitetônica e urbanística concebida pelo pavilhão feirístico milanês, marcado por volumetria inusitada, bem como pelo materiais utilizados, constituíram-se em elementos importantes para a consolidação de uma imagem de singular. Como afirma Guy Debord (1997: 33): o espetáculo é o capital em tal grau de acumulação que se tornou imagem. Assim, a concepção dos espaços das feiras, geradora de sociabilidade, é totalmente simulada e confinada em um novo espaço capaz de acelerar o processo de reprodução do capital. O edifício da Fiera Milano evidencia a inovação e a monumentalidade. Construir marcos de distinção para a difusão e venda de cenários projetados para um espetáculo na cidade, produzido para uma platéia específica e elitizada, tem como objetivo a valorização de áreas e defesa dos interesses de grandes empreendedores em especial os que investem no setor imobiliário. Conclusão A imagem das cidades pode ser estrategicamente (re)criada pelo poder público local, juntamente com corporações, para que promovam desejos de consumo a partir da valorização do P. 18 18

local e, conseqüentemente, gerem altas taxas de lucro para seus investidores, principalmente pela elevação do capital imobiliário. Milão, visando consolidar a imagem de centro da moda e do design, produz e reproduz novos (re)arranjos espaciais, com a logística pautada em uma infra-estrutura urbana eficaz e moderna, com a implementação de um transporte funcional aeroportos, ferrovias e rodovias, para atingir uma cobertura ampla dos fluxos de capital, mercadorias, comunicação e signos. A sinergia dos meios de deslocamento e a consolidação de novos espaços urbanos em Milão estão visando à questão de valorização do espaço e aumento do preço da terra. A consolidação de Milão em cidade-mercadoria vem indicar que o processo de mercantilização do espaço atinge outro patamar, produto do desenvolvimento do mundo da mercadoria, da realização do capitalismo e do processo de globalização. Assim, a cidade de Milão mostra a importância cada vez maior do espaço no capitalismo e, sobretudo, a orientação e estratégia para a conquista do espaço por meio de imagens que são postas em circulação num mercado mundial, evidenciando a produção, o consumo e a competitividade global. BIBLIOGRAFIA ARANTES, O. Urbanismo em fim de linha e outros estudos sobre o colapso da modernização arquitetônica. São Paulo: Edusp, 1998.. O lugar da arquitetura depois dos modernos. São Paulo: Edusp, 1995.. Uma estratégia fatal: a cultura nas novas gestões urbanas. In: ARANTES, O.; VAINER, C.B. e MARICATO, E. (orgs.). A cidade do pensamento único: desmanchando consensos. Petrópolis, Vozes, 2000, p.11-74. BENKO, Georges. Economia, espaço e globalização na aurora do século XXI. 3 a ed. São Paulo: Hucitec/Annablume, 2002. BORJA, J. La ciudad mundial. In: MEYER, R. (org.). Memória, encontro, século XXI. São Paulo: Ed. Viva o Centro, 1994, p.11-16.. Politicas para la ciudad europea de hoy. In: DE FORN, M. & BORJA, J. (dirs.). Barcelona y el sistema urbano europeo. Barcelona: Ayuntamiento de Barcelona. 1990. As cidades e o planejamento estratégico. Uma reflexão européia e latino-americana. In: FISCHER, T. (org.). Gestão contemporânea. Cidades estratégicas e organizações locais. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1996. BORJA, J. e CASTELLS, M. As cidades como atores políticos. Revista Novos Estudos, São Paulo: Cebrap, n. 45, p.152-166, jul. 1996.. Local y global. La gestión de las ciudades en la era de la información. Madrid : United Nations for Human Settlements/Taurus/Pensamiento, 1997. DEBORD, G. A sociedade do espetáculo. Rio de Janeiro: Contraponto, 1997. P. 19 19

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