ELIMÁRCIA AGUIAR LEITE AMORES CONTEMPORÂNEOS: UMA ARQUEGENEALOGIA DO DISPOSITIVO AMOROSO EM DIÁLOGOS DE FILMES HOLLYWOODIANOS

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Transcrição:

ELIMÁRCIA AGUIAR LEITE AMORES CONTEMPORÂNEOS: UMA ARQUEGENEALOGIA DO DISPOSITIVO AMOROSO EM DIÁLOGOS DE FILMES HOLLYWOODIANOS Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação Strictu Sensu em Psicologia da Universidade Católica de Brasília, como requisito para obtenção do Título de Mestre em Saúde e Desenvolvimento Humano. Orientador: Profª Drª Ondina Pena Pereira Brasília 2009

SUMÁRIO INTRODUÇÃO... 10 1 SOBRE O AMOR ROMÂNTICO... 14 2 SOBRE A ARQUEGENEALOGIA DO DISPOSITIVO AMOROSO... 25 2.1 Uma análise do discurso amoroso... 30 3 CINEMA COMO FORMA DE LINGUAGEM... 37 3.1 Cinema, amor e contemporaneidade... 40 4 SOBRE OS RECORTES DOS FILMES HOLLYWOODIANOS... 45 5 O DISPOSITIVO AMOROSO EM DIÁLOGOS DE FILMES HOLLYWOODIANOS... 48 CONCLUSÃO... 75 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS... 79 FILMOGRAFIA... 83 ANEXOS... 85 Anexo 1 - Filme 1 - Eu, meu irmão e nossa namorada (Peter Hedges, 2007)... 85 Anexo 2 - Filme 2 - Fatal (Isabel Coixet, 2008)... 97 Anexo 3 - Filme 3 - Vida de casado (Ira Sachs, 2007)... 106 Anexo 4 - Filme 4 - À prova de fogo (Alex Kendrick, 2008)... 126 Anexo 5 - Filme 5 - Sex and the city - O filme (Michael Patrick King, 2008)... 142 Anexo 6 - Filme 6 - Vestida para casar (Anne Fletcher, 2008)... 154 Anexo 7 - Filme 7 - Banquete do amor (Robert Benton, 2007)... 162 Anexo 8 - Filme 8 - Foi apenas um Sonho (Sam Mendes, 2008)... 177 Anexo 9 - Filme 9 - Jogo do amor em Las Vegas (Tom Vaughan, 2008)... 186 Anexo 10 - Filme 10 - Crepúsculo (Catherine Hardwicke, 2008)... 203

75 CONCLUSÃO A análise feita dos discursos amorosos a partir dos filmes demonstra que esses se estabelecem de forma a atender as demandas que eles próprios engendram. Assim, observei que esses discursos, ao se construírem enquanto dispositivo, acabam por gerar exigências de adequação, de uma normatividade que compreende o que vem a ser, enquanto ideal, um sujeito amoroso em nossa contemporaneidade. Os filmes, ao idealizarem uma realização amorosa, figurada por todas as linhas de subjetivação que investiguei neste trabalho, acabam por colocar a sexualidade como fator dissociado do amor, como obstáculo a uma vivência que só pode acontecer se houver fidelidade. A normatividade discursiva dos filmes expressa, intensamente, como um sujeito deve se portar para ser sujeito amoroso, e isso inclui regras de conduta sexual. Neste sentido, o estudo do dispositivo amoroso, aqui realizado, vai ao encontro da dinâmica do dispositivo da sexualidade, pois também implica no fenômeno de compulsão em falar sobre o amor e mais ainda, na construção de uma vida que exclui o social em detrimento da normatividade exigida daquele que vem a ser o sujeito amoroso. Essa normatividade sobre os sujeitos amorosos reforça também a produção de indivíduos mais assujeitados e consequentemente à enunciação constante da manutenção do amor e felicidade por meio da idéia da monogamia, que constato através das análises, como compulsória. Fundamentar minha pesquisa a partir do método arquegenealógico foi de suma importância para construir ao longo dos capítulos e da análise a estrutura pela qual dá-se a regularidade enunciativa com que um dispositivo pode surgir e dar forma a um discurso, tão repetidas vezes encarado como sem origem e naturalizado como o amor. Encarar a tarefa de desconstruir ou elaborar questionamentos acerca do amor romântico foi desafiador, porque propor uma desconstrução deste tema implica como bem pontuou Kipnis, ir contra o amor, e quem se põe contra o amor? A tarefa

76 foi desafiadora principalmente porque o discurso amoroso vem sempre carregado pela idéia de algo inerente a nós humanos ou sinônimo do sagrado, tal qual o filme A Prova de Fogo nos fala com todas as letras. Entretanto, a base teórica de Foucault me permitiu circular para além da gênese de seu conceito e ir ao encontro do que por meio dos filmes temos e vemos cotidianamente serem reproduzidos em nossos discursos. Mas não só a reprodução ficou evidente, ao analisar os filmes, mas a maneira completamente contraditória e irregular com que os discursos sobre o amor foram enunciados pelos personagens principais e como essa contradição foi colocada, ironicamente, como algo simples e linear, ou seja, um sujeito que idealiza, um sujeito que se vê diante de obstáculos para alcançar essa idealização, que se transforma para vencer esse obstáculo e que chega a um final que não necessariamente é o idealizado no início. Mas, ao enredo isso não importa, porque no sorriso, na sedução da cena final dos protagonistas, não há como não ser feliz diante do amor alcançado. Ao procurar saber de onde se origina a busca pela vontade de verdade e de construir saberes acerca do amor, compreendi que os filmes analisados e o posicionamento dos psicólogos dos artigos escolhidos encontravam-se sempre com a perspectiva circular e de constatação do amor enquanto verdade dada e enquanto algo que precisa ser necessariamente trabalhado, como condição imprescindível para se chegar a tão sonhada felicidade monogâmica. Mesmo no filme que busca desconstruir tal verdade como no caso de Foi Apenas Um sonho, encontramos a necessidade dos sujeitos de permanecer na norma ou ser aprovado por ela. Tentei então, demonstrar como um dispositivo organiza, produz e provoca a apreensão de uma gama de conhecimentos e de saberes para a constituição do sujeito amoroso. Procurei caracterizar, especialmente, como esse dispositivo promove, incita e fabrica suas linhas de subjetivação, de modo que o sujeito amoroso seja convidado a falar de si e a estabelecer uma relação reflexiva consigo mesmo. As linhas de subjetividade criam mecanismos pelos quais o sujeito pode efetuar um processo de objetivação de si mesmo e de sua modalidade amorosa, a partir da visibilidade que tem de si e de sua função enquanto sujeito amoroso.

77 Fazer o recorte dos filmes nesta perspectiva não foi tarefa fácil, uma vez que a grande maioria se utiliza dessas formas de subjetivação. Vejam, só entre o ano de 2007 e 2008 foram lançados cerca de 1.100 filmes do gênero romance produzidos em Hollywood, uma média de 45 filmes por mês. Não há como deixar de lado tal discursividade que enche as salas de cinema de espectadores sedentos de entretenimento. Mais importante ainda é concluir que tal volume implica na reprodução maciça de enredos incorporados aos corpos por meio do dispositivo que aqui me propus a analisar e que se traduz pela lógica abordada em nossa análise de que para ser feliz é preciso sim buscar, romper barreiras, transformar-se, adequar-se. Os sujeitos amorosos enunciados nos filmes reificam o caráter normativo de como devemos nos portar diante do mundo e principalmente diante de um mundo em que o ethos é da subjetivação de si e da privatização de todos os espaços em que circulam esses sujeitos. Entretanto, não desconsiderei o fato de que, para realizar essa volta para si mesmo, o sujeito amoroso usa, inúmeras vezes, dos saberes e da normatividade elaborados e historicamente construídos pelo dispositivo amoroso. Penso que, assim como os saberes e a normatividade articulada por esse dispositivo são históricos, o mesmo se pode dizer dos modos de subjetivação por ele propostos. A maneira de se organizar, vigiar e enunciar do sujeito amoroso é contingente. As linhas de subjetivação constituem seus sujeitos a partir de uma objetivação de si e da normatividade que convida os sujeitos a falarem de si seja para comprová-la, ou para adequar-se ou para escapar dela. A dinâmica do dispositivo é então um movimento que ao mesmo tempo produz, dá sentido e contribui a essa normatividade amorosa. Diante da análise da constituição do dispositivo amoroso, posso concluir também que algumas psicologias - que em sua visibilidade e empoderamento dado por meio da ostensiva expansão do mercado de auto-ajuda, da crescente demanda governamental que justifica o investimento público na pesquisa psicológica, na crescente confiança das grandes instituições (comerciais, sociais e militares) - reforçam seu caráter de intenso compromisso normativo, ficando os sujeitos que

78 delas se assistem reféns de dois tipos de discursos: os que desinteressadamente expõem o que parece ser, e aqueles que sutilmente receitam o que é desejável. Em função disso, penso que uma forma de contribuição deste trabalho à psicologia seria, primeiro, a compreensão de que esse par romântico, dado suas implicações de gênero, se torna muitas vezes um modelo a ser socialmente e subjetivamente seguido. Compreendo que a análise clínica deve atentar-se aos modelos que vêm sendo reproduzidos também dentro dos consultórios que tendem a enquadrar os sujeitos a partir dessas referências, não observando que as mesmas são fator de sofrimento e adoecimento psíquicos. Segundo, compreender o lugar de poder que ocupa o psicólogo na manutenção e transformação desse sujeito diante da sua construção de um ideal amoroso.