DESENVOLVIMENTISMO X ORTODOXIA CONVERGÊNICAS ENTRE 2003/2011 Cézar Medeiros Dr. em Economia pelo IE-UFRJ Abril/2011
2 Convergências entre a ortodoxia e o desenvolvimentismo vêm experimentando transformações gradativas entre 2003/2011. Durante a primeira fase do Governo Lula, entre 2003-2005, a política macroeconômica ortodoxa foi predominante em relação a retomada do crescimento devido às necessidades de impedir o recrudescimento da inflação, minimizar a vulnerabilidade externa e os desequilíbrios das contas públicas herdados do Governo anterior. Mesmo assim o Governo Lula deu início à implementação de políticas de inclusão social tais como os programas de inclusão social via transferência de renda: Bolsa Família, Segurança Alimentar, Luz para Todos, PRONAF, microcrédito, bancarização, etc., que criaram pré-requisitos para expansão do mercado interno. Entre 2006-2008 observa-se uma inflexão orientada para o crescimento: a equipe econômica do presidente Lula foi modificada e passou a contar com maior participação do segmento desenvolvimentista no processo da tomada de decisões, porém, ainda assim de forma subordinada à política econômica ortodoxa liderada pelo Banco Central. Já a partir de 2006, o desenvolvimentismo começa a ganhar força e são implantadas: políticas de valorização do salário mínimo, de política industrial e tecnológica (PITCE Política Industrial, Tecnológica e de Comércio Exterior), de programas de investimentos em infraestrutura (PAC Programa de Aceleração do Crescimento) e, posteriormente, do lançamento da END Estratégia Nacional de Defesa com forte viés industrial e tecnológico. Mesmo assim ainda foi predominante a ortodoxia com o forte argumento revestido da necessidade absoluta de preservação do poder aquisitivo das classes trabalhadoras. Em outras palavras: nestes dois primeiros períodos, a manutenção do poder aquisitivo, particularmente das classes E, D e parcela da C, sintetiza a convergência entre as duas equipes ou duas linhas de pensamento econômico. Quer dizer: conter a inflação para evitar a queda dos rendimentos dos trabalhadores, principalmente das famílias de menor
3 capacidade para manter seus níveis mínimos de consumo, foi predominante nos primeiros anos do Governo Lula. No entanto, diante dos impactos sobre o Brasil, resultantes da crise internacional, particularmente nos Estados Unidos, Europa e Japão, entre 2008-2010, políticas anti-cíclicas adotadas pelo Governo, conduziram a avanços no processo de convergências entre a ortodoxia e o desenvolvimentismo. O desenvolvimentismo ganha maior força através do fortalecimento das posições defendidas pelos Ministérios da Fazenda e do Planejamento no que diz respeito aos gastos fiscais e a redução, mesmo que tardia da taxa de juros SELIC e dos depósitos compulsórios. Neste período, verificaram-se avanços da abordagem desenvolvimentistas e novas convergências são observadas sem prejuízo da manutenção do emprego e do poder de consumo das classes de menores rendimentos, quanto das classes A e B. Entre outras medidas adotadas, entre 2008-2010, devem ser ressaltadas: desonerações fiscais para setores dinâmicos, como automóveis bens duráveis, materiais de construção civil; elevação dos gastos públicos, principalmente em projetos de infraestrutura contemplados pelo PAC; uso intensivo dos Bancos Oficiais, particularmente via reforços do orçamento do BNDES, pelo Tesouro Nacional, para implementação de prioridades de investimentos em projetos de infraestrutura e naquelas atividades contempladas pela nova política industrial (PDP Política de Desenvolvimento Produtivo); fortalecimento Banco do Brasil e da Caixa Econômica Federal, que foram convocados, inclusive, para adquirir carteiras de empréstimos de bancos menores. Além disso, as empresas estatais, tais como Eletrobrás, outras empresas do setor elétrico e, principalmente, a Petrobrás e suas subsidiárias, foram significativamente apoiadas para acelerar seus planos de investimentos. A partir de 2009 o governo lançou ousado programa de habitação (Minha Casa Minha Vida), dinamizou o PAC, criou o PSI Programa de Sustentação Industrial pelo BNDES e, como já mencionado manteve a atuação mais flexível do Banco Central.
4 No final de 2010, quando o Banco Central passou a adotar medidas macroprudenciais através da combinação dos instrumentos de política monetária (juros, depósitos compulsórios, fixação de prazos para empréstimos ao consumo e novas exigências de capital das instituições financeiras). As medidas adotadas, durante os 100 primeiros dias do Governo Dilma, fortalecem, portanto, as convergências entre o desenvolvimentismo e a ortodoxia. De um lado, são implementados cortes superiores a R$ 50 bilhões no orçamento de gastos correntes, mas foram preservados e aprofundados as prioridades sociais, tais como o Bolsa Família, o PRONAF, entre outros, bem como os programas prioritários de investimentos estratégicos, particularmente os projetos dos PACs. Do outro lado, o último relatório do Banco Central (30/03/2011) e o comunicado da reunião de abril do COPOM, realizada entre 12 e 13 de abril, anunciam importantes mudanças metodológicas para controlar a inflação: meta de 5,6% para a expansão do IPCA em 2011 de modo a viabilizar níveis mínimos de crescimento econômico, entre 4% e 4,5% ao ano, e manutenção do nível de emprego. Além disso, o Banco Central vem indicando que agregará ao boletim focus informações de setores produtivos, de analistas de maior reputação acadêmica e, principalmente, de seus próprios indicadores sobre o comportamento de importantes variáveis que tem maior impacto sobre o nível de preços internos, inclusive, aquelas que sofrem forte influência do mercado internacional na estrutura de produção e de consumo no Brasil, como as commodities e os alimentos. O Banco Central, a partir de Tombini, está sinalizando, portanto, que pode ultrapassar mais uma etapa de aprendizado e, gradativamente, mas de modo firme e trasnparente, aprofundará a factível compatibilização entre controle da inflação, o crescimento da produção e do nível de emprego. Neste contexto, cabe sugerir, que o Banco Central procure aperfeiçoar seus mecanismos de acompanhamento setorial. Além dos seus ótimos estudos e
5 projeções sobre o comportamento da demanda, o Banco Central, através da sua Diretoria de Estudos Especiais, em parceria com o IPEA, o BNDES, o Banco do Brasil e a Caixa Econômica Federal, mas contando, também, com a colaboração de segmentos das classes produtoras (CNI, CNA, CNICC, etc.) e de institutos representativos do meio acadêmico (FGV, etc.), poderá aprofundar estudos de oferta por setor e, com mesmo grau de qualidade, efetivar projeções capazes de identificar, precocemente, setores que apresentarão possíveis esgotamentos da capacidade instalada, o que possibilitará, ao Governo, como um todo, promover investimentos setoriais, seja através de estímulos fiscais e creditícios, seja flexibilizando, seletivamente, depósitos compulsórios. Em poucas palavras: o BACEN começa a reservar espaço para políticas de crescimento e o governo procura aprimorar e otimizar a programação orçamentária. É necessário chamar a atenção, contudo, que compatibilizar a expansão do nível de emprego, do poder aquisitivo das classes de menor renda, de aumentos reais do salário e da renda disponível contemplados no modelo de estruturação de um amplo mercado interno de massas, e, ao mesmo tempo cumprir as metas de controle da inflação, exigem significativas elevações da produtividade do trabalho através de ousadas metas para educação e para maior qualificação profissional; incrementos substanciais da produtividade do capital via novo e progressista sistema tributário, assim políticas industriais e de desenvolvimento tecnológico; da produtividade sistêmica, ou redução dos custos - Brasil, através da aceleração dos projetos de infraestrutura (logística rodovias, ferrovias, aquavias, portos, aeroportos, energia, comunicações, saneamento básico, etc.). Em síntese, quanto maior a convergência entre o desenvolvimentismo e a ortodoxia, maior a garantia de que o Brasil sustentará o novo ciclo de desenvolvimento em curso desde 2004 crescimento econômico acompanhado de maior competitividade da estrutura produtiva e da estruturação de uma ampla sociedade de classe média via aumento do poder aquisitivo das classes E, D e C.