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Transcrição:

PROBLEMAS URINÁRIOS Introdução Os problemas urinários não são raros nos doentes em cuidados paliativos. A sua avaliação e o seu tratamento devem enquadrar-se no estado clínico dos doentes, no seu prognóstico e nos objectivos gerais de tratamento para cada doente. Alguns desses problemas podem ser potencialmente fatais, como as hemorragias ou a insuficiência renal obstructiva, e podem agravar bruscamente o estado do doente e necessitar de reavaliação dos objectivos do tratamento. Algumas intervenções têm o potencial de prolongar a vida dos doentes, como colocar uma sonda de nefrostomia num doente com insuficiência renal obstructiva, mas, por outro lado, isso pode prolongar um estado penoso que o doente pode não querer manter. Por isso, estas decisões devem envolver os doentes, sendo determinante a sua vontade depois de a sua situação, as opções disponíveis e as suas consequências terem sido discutidas e esclarecidas todas as dúvidas que cada doente possa ter. Incontinência urinária No cancro avançado a incontinência urinária ocorre por perda de urina pela uretra ou por fístula. A incontinência uretral pode ser total, por extravasamento, de urgência ou de esforço [1,2]. A incontinência uretral total está associada à incompetência do esfíncter. Tem como causas mais frequentes a invasão tumoral directa, intervenções cirúrgicas e perda da enervação por dano medular ou de raiz nervosa. A incontinência por défice neurológico diagnostica-se pela existência de outras anormalidades sugestivas de dano medular ou de raiz nervosa. As causas da incontinência uretral total são geralmente irreversíveis no cancro avançado, podendo ser necessário o uso definitivo de algália. A incontinência por extravasamento é a perda involuntária de pequenas quantidades de urina associada a uma bexiga distendida. Associa-se muitas vezes a sintomas de retenção urinária. A bexiga é palpável excepto quando há grande obesidade, massas abdominais ou pélvicas, ascite de grande 1

Problemas urinários volume ou linfedema envolvendo a parede abdominal inferior. As causas deste tipo de incontinência são as causas de retenção urinária (ver abaixo). O tratamento imediato é a algaliação e o definitivo depende da causa e do estado do doente. A urgência com incontinência associa-se a uma musculatura da bexiga intacta, mas irritável, sendo a força do detrusor excessiva em relação à tonicidade do esfíncter uretral [1]. A urgência é súbita e há perda urinária, mas não total. As causas incluem tumores intrínsecos e extrínsecos que produzem irritação da parede da bexiga, particularmente na região do trígono e do colo vesical. Pode ser causada por inflamação devida a irradiação, fármacos (ex. ciclofosfamida) ou infecções. Pode ainda relacionarse com alterações neurológicas. O tratamento, no caso das infecções, faz-se com antibióticos. Nas outras situações usam-se os anticolinérgicos como a oxibutinina 2.5 a 5.0 mg oral 3 a 4 x/d. As alternativas são os antidepressivos (ex. amitriptilina 25-50 mg à noite) ou antiespasmódicos (ex. flavoxato 100-200 mg, oral, 3 a 4x/d). A incontinência de esforço consiste na perda involuntária de urina com o aumento da pressão intraabdominal provocada pela tosse, pelo riso, etc. Associa-se a uma fraca resistência uretral. Podem tentar-se os antidepressivos tricíclicos, como a imipramina. Se não resultarem, pode ser necessária a algaliação. Insuficiência renal obstrutiva A anúria implica geralmente obstrução do tracto urinário ao nível do colo da bexiga, da uretra, obstrução de ambos os ureteres ou de um uréter se o rim contralateral não estiver funcionante por qualquer motivo. A maioria dos doentes que desenvolve retenção urinária aguda teve sintomas obstrutivos mais ligeiros e habitualmente progressivos como hesitação, diminuição do jacto de urina, incapacidade de esvaziar a bexiga satisfatoriamente, aumento da frequência urinária, nictúria, incontinência e infecção do tracto urinário. Uma história de instrumentação uretral, traumatismo ou infecção sugerem estenose uretral. Os 2

opióides na prática têm pouca influência na função vesical excepto quando combinados com outro problema [1]. Os anticolinérgicos, como as fenotiazinas, o haloperidol, anti-histamínicos e antidepressivos tricíclicos, usados com frequência em doentes com cancro avançado, podem causar ou contribuir para a retenção urinária. A bexiga é geralmente palpável, excepto nos casos referidos atrás, e o doente está geralmente com dor e inquieto; num doente com alterações cognitivas a agitação pode ser a única manifestação. Deve observar-se o meato urinário para excluir estenose e palpar todo o comprimento da uretra procurando cicatrizes, enduração ou tumor. O toque rectal deve fazer-se para excluir um possível aumento do tamanho da próstata e impacção de fezes. A retenção urinária resolvese com algaliação ou, se esta não for possível, com a inserção de um cateter suprapúbico. Depois, a situação deve ser estudada e resolvida definitivamente se possível. Quando a retenção se deve a anticolinérgicos, estes devem ser suspensos ou reduzidos. No entanto, muitas vezes não é possível fazê-lo e, neste caso, pode tratar-se farmacologicamente. As alternativas são os antagonistas-α ou anticolinesterases. Os antagonistas-α são: prazosina 0,5-1,0 mg 2 a 3x/d; tansulosina 0,4 mg 1x/d; ou terazosina 1-10mg à noite. Estes fármacos causam hipotensão. A alternativa a estes fármacos são as anticolinesterases como a distigmina 5mg oral de manhã [3]. Se a retenção é provocada pela hipertrofia benigna da próstata podem usar-se também os antagonistas-α. A insuficiência renal aguda secundária a obstrução bilateral dos ureteres é um problema comum nos doentes com cancro avançado. Cerca de ¾ dos casos são causados por tumores pélvicos: nas mulheres o mais comum é o do colo do útero, e no homem é o da próstata. O exame físico pode revelar massa ou dor no flanco, com uma bexiga não distendida. Os exames laboratoriais revelam geralmente elevação da creatinina e do potássio. A ecografia permite visualizar os rins e o grau de obstrução, pelo que é o primeiro exame a realizar. A solução da insuficiência renal obstructiva depende em certa medida da doença subjacente e dos meios locais disponíveis. A nefrostomia percutânea com controlo ecográfico é provavelmente o método mais utilizado; havendo recuperação da função renal e se o doente regressar a uma vida razoavelmente activa pode considerar-se a internalização do tubo de 3

Problemas urinários nefrostomia. Podem também utilizar-se próteses endoluminais introduzidas com controlo citoscópio. A decisão de intervir na insuficiência renal obstrutiva resultante da progressão da doença maligna subjacente depende do estado anterior do doente, estado mental, deterioração física e do seu desejo. Após a desobstrução pode estabelecer-se uma diurese pós-obstructiva (>200 ml/hora). Esta é geralmente autolimitada, mas os electrólitos e a função renal devem ser monitorizadas e se o doente não é capaz de repor as perdas hídricas entericamente, tem de se fazer suporte endovenoso. Hematúria A detecção do local de hemorragia pode muitas vezes ser determinado pela história. A hematúria deve ser diferenciada de hemorragia uretral que se manifesta geralmente por sangue no meato ou pintas de sangue nos lençóis ou na roupa interior. O sangue vivo tem geralmente origem na próstata ou na bexiga, enquanto o sangue mais escuro habitualmente provém do tracto urinário superior. A hematúria inicial (que é seguida de urina clara) indica que a hemorragia se origina distalmente ao colo da bexiga ou à próstata. A hematúria total implica que o sangue vem dos rins, ureteres ou bexiga. A hematúria terminal (sangue sobretudo no fim da micção) indica um processo na região do colo da bexiga ou da uretra prostática [4]. Como métodos de imagem para investigar a causa da hematúria pode usar-se a ecografia, a TAC, a pielografia IV e a cistoscopia. Em cuidados paliativos a ecografia é geralmente o método inicial. A pielografia IV permite avaliar a estrutura do tracto urinário superior e a função. A cistoscopia pode ser empregue em algumas situações e ser usada, eventualmente, no mesmo acto para o tratamento, porém, é um método invasivo e deve ser seleccionado cuidadosamente. A hematúria macroscópica é assustadora para os doentes. Pode não causar sintomas ou, se envolver a produção de coágulos, pode causar retenção urinária aguda. Os doentes com hematúria devem ser aconselhados a evitar grandes esforços e a aumentar a ingestão de líquidos, se o estado do doente o permitir, para diluir o sangue e assim diminuir a probabilidade da formação de coágulos. Se houver retenção urinária por coágulos é necessário usar uma algália 22 ou 24 (as mais finas dificilmente 4

permitirão a drenagem dos coágulos) e fazer lavagem com soro fisiológico até não saírem mais coágulos. Depois pode usar-se uma algália de 3 vias com irrigação vesical contínua com 1 L cada 3 a 4 horas [5] para evitar a formação de novos coágulos; em alguns casos o débito de irrigação tem de ser maior. Se a hematúria tem origem na bexiga, pode tentar-se o ácido ε-aminocapróico por via oral, parentérica (ver Urgências) ou intravesical. Por via intravesical adicionam-se 200 mg a cada litro de soro fisiológico e aplica-se como irrigação contínua da bexiga [4]. O ácido ε-aminocapróico pode formar coágulos grandes e duros que podem ser difíceis de expulsar e, se a hemorragia for do tracto urinário superior, pode provocar obstrução dos ureteres. Se a causa for tumoral, como um tumor vesical, a radioterapia pode controlar a hemorragia. Fístulas A maioria das fístulas vesicovaginais resultam de neoplasias ginecológicas ou do seu tratamento. O sintoma característico é a perda de urina pela vagina. A fístula pode ser identificada por exame pélvico quando é grande. Uma forma de confirmar a existência da fístula é colocar uma compressa na vagina e encher a bexiga com azul-de-metileno. Os tampões vaginais podem controlar as perdas de urina. Se houver doença pélvica extensa sem possibilidade de tratamento cirúrgico, pode ser necessária uma derivação urinária cirúrgica, mas mais frequentemente procede-se a nefrostomia percutânea bilateral. Algálias As algálias destinam-se habitualmente à drenagem contínua de urina em doentes com retenção ou incontinência urinária. Podem também ser usadas para avaliar o grau de esvaziamento da bexiga, irrigação da bexiga ou para medir o débito urinário horário. A maioria das algálias são de látex ou de silicone. As de látex associam-se mais frequentemente a incrustações no seu interior e podem causar estenoses uretrais. As algálias de silicone não irritam a 5

Problemas urinários uretra o que permite que permaneçam inseridas por mais tempo (2 a 3 meses). As algálias têm um canal para drenar a urina e outro para encher o balão que impede a sua deslocação. O balão deve ser preenchido com água estéril e não com soro fisiológico que cristaliza, podendo impedir o esvaziamento. Um factor importante na escolha da algália é o tamanho. O sistema mais utilizado é a escala French (ou Charriere) em que cada número equivale a 0.33 mm. Na maioria das situações usam-se as algálias de 16 a 18 F. Algálias mais pequenas tendem a dobrar na uretra durante a introdução ou a obstruir. Quando é impossível introduzir a algália para drenar uma bexiga distendida, pode usar-se um sistema de drenagem suprapúbica. As perdas de urina entre a algália e o meato resultam de algálias demasiado largas ou com um balão muito grande, do bloqueio da algália ou de contracções involuntárias da bexiga [6]. Quando estas perdas acontecem não se deve substituir a algália por uma de maior calibre na tentativa de vedar as perdas porque isto pode agravá-las por aumentar o estímulo para os espasmos. Por vezes retirar parte do líquido do balão diminui as perdas. A imipramina pode também reduzir os espasmos vesicais e assim as perdas. Quando há bloqueio da algália, esta deve ser substituída. As algálias não devem ser mudadas por rotina. No entanto, em alguns casos pode verificar-se o bloqueio da algália com regularidade, necessitando de substituição. Nestes casos é razoável substituir a algália com regularidade a intervalos individualizados tendo em conta as mudanças obrigatórias anteriores, para prevenir os bloqueios [7] Pode também considerar-se a mudança de rotina nos doentes que estão em casa para evitar as mudanças de urgência [7]. Cateteres suprapúbicos Nos doentes que necessitam de drenagem da bexiga os cateteres suprapúbicos têm vantagens potenciais em relação às algálias que incluem menor risco de infecção, risco reduzido de traumatismo 6

uretral, capacidade de tentar micção normal sem necessidade de recateterização e menor interferência com a actividade sexual [8]. Colectores urinários Os colectores urinários são uma alternativa em doentes com incontinência em alguns homens. A maioria dos estudos mostra uma menor incidência de bacteriúria, mas não todos [8]. Em doentes com demência não há diferença significativa. Os doentes referem que os colectores são mais confortáveis e menos dolorosos. Outra vantagem é a de causarem menos traumatismo uretral. No entanto, não são uma boa opção em homens com pénis pequenos ou com ulceração da pele. Os colectores urinários podem causar feridas e cicatrizes no pénis. Actualmente não há sistemas de drenagem externa para mulheres. Infecções associadas às algálias e aos cateteres suprapúbicos As infecções associadas às algálias são as infecções associadas aos cuidados médicos mais frequentes. A melhor maneira de as evitar é reduzir ao mínimo o número de algaliações e retirar as algálias logo que seja possível [9]. Menos de ¼ dos doentes com bacteriúria associada à algália desenvolvem sintomas de infecção do tracto urinário [8]. O mau cheiro e a urina turva, muitas vezes interpretados como requerendo tratamento com antibióticos em doentes com bacteriúria, não devem ser usados por si sós para determinar a presença de infecção, mesmo que o seu aparecimento seja recente porque nem todos os doentes com infecção têm urina com mau cheiro e nem toda a urina com mau cheiro é indicativa de infecção. A maioria dos sinais e sintomas de infecção em doentes cateterizados com bacteriúria são inespecíficos. Os sintomas que devem levar a obter uma cultura bacteriológica e iniciar antibióticos são a sensibilidade costovertebral, arrepios ou o início de delirium [8]. Nos doentes com lesões medulares 7

Problemas urinários os sinais e sintomas sugestivos de infecção são desconforto ou dor ao nível dos rins ou bexiga, febre, aumento da espasticidade, hiperreflexia autonómica, mal-estar, letargia ou sensação de desconforto [10]. Quando os sinais e os sintomas indicados acima indicam um provável infecção é necessário colher uma amostra de urina para exame bacteriológico. O cateter deve ser substituído e a cultura de urina deve ser colhida de uma amostra do novo cateter antes do início do antibiótico [8]. O diagnóstico pode fazer-se quando as culturas revelam > 1000 colónias por ml e há mais de uma espécie bacteriana [9]. Recomenda-se que a duração do tratamento nos doentes em que a resolução de sintomas for rápida seja de 7 dias e de 10 a 14 dias nos doentes que tiverem uma resposta retardada, independentemente de o cateter se manter ou não [8]. Referências 1. Norman RW. Genitourinary disorders in palliative medicine. Em Doyle D, Hanks GW, Macdonald N eds. Oxford Textbook of Palliative Care. Oxford: Oxford University Press, 2ªed. 1998:667-676. 2. McGregor J. Genitourinary symptoms. In Palliative Medicine: a case-based manual. Neil MacDonald ed. Oxford: Oxford University Press. 1999:108-122. 3. Twycross R. Urinary symptoms. Em Symptom management in advanced cancer. Twycross R ed. Oxon: Radclicliffe Medical Press 2ª ed. 1997:222-231. 4. Hirshberg SJ, Greenberg RE. Urologic issues of palliative care. Em Principles and Practice of Supportive Oncology. Berger AM, Portenoy RK, Weissman DE eds. Philadelphia: Lippincott Raven Publishers. 1998:371-383. 5. Twycross R. Heamatogical symptoms. Em Symptom management in advanced cancer. Twycross R ed. Oxon: Radclicliffe Medical Press 2ª ed. 1997:232-245. 6. Belfield PW. Urinary catheters. BMJ 1988;296:836-837. 7. Brechtelsbauer DA. Care with an indwelling urinary catheter. Postg Med 1992;92:127-132. 8

8. Hooton TM, Bradley SF, Cardenas DD, et al. Diagnosis, prevention, and treatment of catheterassociated urinary tract infection in adults: 2009 International Clinical Practice Guidelines from the Infectious Diseases Society of America. 9. Kumar S, Dave A, Wolf B, Lerma EV. Urinary tract infections. Disease-a-Month 2015;61:45 59. 10. National Institute on Disability and Rehabilitation Research Consensus Statement. The prevention and management of urinary tract infections among people with spinal cord injuries. J Am Paraplegia Soc 1992;15:194-207, 9