Fratura-luxação bilateral de calcâneo: relato de caso raro

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Transcrição:

DOI: https://doi.org/10.30795/scijfootankle.2018.v12.754 RELTO DE CSO Fratura-luxação bilateral de calcâneo: relato de caso raro ilateral fracture-dislocation of the calcaneus: a rare case report Mahmoud eerens bdul Ghani 1, Rui dos Santos arroco 1, runo Rodrigues de Miranda 1, Letícia Zaccaria Prates de Oliveira 1 1. Faculdade de Medicina do C, Santo ndré, SP, rasil. RESUMO O calcâneo é o osso do tarso mais fraturado, contudo a fratura-luxação bloqueda do calcâneo é uma condição rara, devido à estabilidade óssea e ligamentar entre o calcâneo, o tálus e o cuboide. Relatamos o caso de uma paciente com fratura-luxação bilateral do calcâneo, com características únicas na literatura: ambas expostas, com luxação bilateral dos fibulares, além de apresentar a interposição bilateral do tendão flexor longo do hálux nos focos de fratura. Uma revisão da literatura identificou apenas 19 casos dessa fratura-luxação já descritos, nenhum deles com a combinação de lesões encontradas neste relato. fratura do calcâneo pode exibir ampla variedade de lesões associadas que requerem um diagnóstico e um tratamento adequado. Nível de Evidência V; Estudos Terapêuticos; Opinião de Especialista. Descritores: Fratura-luxação; Calcâneo/cirurgia; rticulação talocalcânea; Procedimentos cirúrgicos minimamente invasivos. bstract The calcaneus is the most commonly fractured tarsal bone. However, locked fracture-dislocation of the calcaneus is a rare condition because of the bone and ligament stability between the calcaneus, talus, and cuboid. We report the unique features of a case of bilateral fracture-dislocation of the calcaneus, including open fractures, bilateral fibular dislocation, and bilateral interposition of the flexor hallucis longus tendon at the fracture site. literature review identified only 19 cases of locked fracture-dislocation, but none of these cases involved the combination of injuries observed in this case. Fracture of the calcaneus may be associated with a variety of injuries requiring proper diagnosis and treatment. Level of Evidence V; Therapeutic Studies; Expert Opinion. Keywords: Fracture-dislocation; Calcaneus/surgery; Subtalar joint; Minimally invasive surgical procedures. Como citar esse artigo: Ghani M, arroco RS, Miranda R, Oliveira LZP. Fratura-luxac a o bilateral de calcâneo: relato de caso raro. Sci J Foot nkle. 2018;12(2):164-9. INTRODUÇÃO O calcâneo é o osso do tarso mais fraturado, compreendendo cerca de 2% das fraturas (1). fratura do calcâneo engloba um grupo heterogêneo de gravidade de lesões, geralmente associadas a grande morbidade e a variados tipos de lesões. fratura-luxação bloqueada do calcâneo, no entanto, compreende uma lesão rara, devido à estabilidade geométrica óssea e pela ação dos fortes ligamentos que unem o calcâneo ao tálus e ao cuboide (2). Uma revisão da literatura realizada por Fransen et al. (2), em 2010, identificou apenas 19 casos dessa lesão já descritos. Em algumas fraturas de calcâneo, o fragmento superolateral permanece como parte da parede lateral. Esse fragmento remanescente e a tuberosidade posterior luxam Trabalho realizado na Faculdade de Medicina do C, Santo ndré, SP, rasil. Correspondência: Rui dos Santos arroco. Rua fonso ra s, 817 Vila Nova Conceic a o. CEP: 04511-011 Sa o Paulo, SP, rasil. E-mail: ruibarroco@uol.com.br Conflito de interesse: na o ha. Fonte de financiamento: na o ha. Data do Recebimento: 28/02/2018. Data de ceite: 12/04/2018. Online em: 25/05/2018. Copyright 2018 SciJFootnkle 164 Sci J Foot nkle. 2018;12(2):164-9

lateralmente mantendo um contato ou proximidade com o maléolo lateral levando a um bloqueio desses fragmentos (1). Essa lesão, descrita em 1936 por Merle D ubigne et al. (3) (apud Fransen, 2010) como fratura-luxação do calcâneo, pode estar associada a diversas lesões, como luxação dos tendões fibulares, lesão ligamentar com inclinação do tálus, fratura por impactação da fíbula e interposição tendínea no foco de fratura (1,4). Relatamos o caso de uma paciente com fratura-luxação bilateral do calcâneo, com características raras na literatura: ambas as fraturas foram expostas, apresentaram luxação bilateral dos fibulares e interposição bilateral do tendão flexor longo do hálux nos focos de fratura. RELTO DE CSO Este trabalho foi submetido ao Comitê de Ética com registro na Plataforma rasil sob o número do CE: 77403717.2.0000.0082. Nós relatamos um caso de uma mulher de 42 anos, com história de queda de 15 metros de altura após uma tentativa de suicídio. Inicialmente a paciente foi atendida pela equipe de atendimento pré-hospitalar. Foi admitida em nosso serviço pranchada, com colar cervical, Glasgow 15, hemodinamicamente estável e com queixa de dor importante em região lombar, deformidade do joelho esquerdo além de dor, edema e deformidade bilateral dos pés com lesões cortocontusas na face medial de ambos os retropés associados a sangramento ativo. Não apresentava deficit neurovascular dos membros inferiores. pós a estabilização clínica, a paciente foi submetida à limpeza e ao desbridamento da fratura exposta mais fixação externa transarticular para estabilização provisória da fratura do planalto e dos calcâneos para controle de danos (Figura 1). s radiografias de admissão mostraram fratura-explosão de L3 e L4, fratura-luxação do planalto tibial esquerdo e fratura- -luxação exposta bilateral dos calcâneos (Figuras 2 e 3). pós medidas inicias do controle de danos, foi solicitado uma avaliação à equipe de cirurgia do pé e tornozelo a qual realizou um melhor exame físico e solicitou novos exames para planejamento cirúrgico das lesões da paciente. Esta apresentava alargamento e achatamento do retropé bilateral, tendões fibulares palpáveis fora da sua região habitual, não percebidos na admissão da paciente, e discreta atitude em flexão do hálux bilateral sugerindo um encarceramento do flexor longo do hálux. Tomografia Computadorizada de ambos os tornozelos identificou uma fratura intra-articular bilateral do calcâneo com deslocamento subtalar de um fragmento lateral em direção à fíbula, promovendo um impacto nesse osso (Figura 4). s fraturas foram classificadas como Sanders III, de acordo com a classificação tomográfica de Sanders. Figura 1. Imagens do pé da paciente após procedimento de urgência.. Direito.. Esquerdo. Sci J Foot nkle. 2018;12(2):164-9 165

Figura 2. Radiografias de entrada evidenciando fratura dos calcâneos, com lateralização do corpo sob a fíbula, sinal do duplo contorno da radiografia em perfil.. Direito.. Esquerdo. Figura 3. Radiografia P do pé mostrando o desvio em varo no tálus na pinça tibio-társica por lesão ligamentar grave. Enquanto era esperado a melhora das condições de pele da região dos calcâneos, a paciente foi submetida à osteossíntese do planalto tibial e da coluna lombar. Foi solicitado à equipe do trauma a retirada da fixação externa dos tornozelos pelo grupo do pé para realização de ressonãncia magnética (RM), evitando assim interferência nas imagens. RM dos calcâneos foi realizada para avaliação complementar das lesões de partes moles, confirmando a luxação bilateral dos tendões fibulares, a lesão ligamentar lateral e a interposição bilateral do tendão flexor longo do hálux (Figura 5). pós ter sido operada e liberada pela equipe da coluna e do joelho, a paciente apresentou quadro de infecção urinária sendo contraindicado a osteossíntese dos calcâneos. Logo depois de apresentar melhora das condições de pele de ambos os tornozelos e de ter alta da infectologia, a paciente foi submetida ao procedimento cirúrgico definitivo dos calcâneos, 19 dias após o trauma. Foi realizada a correção do impacto subfibular, a redução da luxação dos tendões fibulares e a redução da luxação subtalar. Diante da gravidade do quadro e do perfil da paciente, a equipe cirúrgica optou por uma minivia lateral e pela fixação com fios de Kirschner, sem intuito de redução anatômica devido à cominuição da fratura e ao tempo de trauma. equipe, em consenso com a paciente, optou por não mobilizar o flexor do hálux, não fazendo sua liberação para evitar o aumento do tempo cirúrgico e a morbidade da cirurgia. paciente permaneceu imobilizada com bota gessada e sem carga com acompanhamento semanal por 12 semanas, quando os fios de Kirschner foram retirados após ser observada a consolidação total das fraturas e a fusão da subtalar (Figura 6). Foi inciada imediatamente fisioterapia para ganho de amplitude de movimento e carga pro- 166 Sci J Foot nkle. 2018;12(2):164-9

Figura 4. Imagens da Tomografia Computadorizada em corte coronal evidenciando luxação do corpo do calcâneo lateralmente sob a fíbula.. Direito.. Esquerdo. Figura 5. Imagem da RM mostrando luxação dos tendões fibulares.. Direito.. Esquerdo. gressiva. Não houve complicações de infecção de ferida operatória. tualmente, após 18 meses de pós-operatório, a paciente apresenta-se com marcha indolor porém com deformidade em checkrein no pé esquerdo. O score OFS foi de 76 pontos após um ano. DISCUSSÃO s lesões definidas como fraturas-luxações do calcâneo envolvem um fragmento não deslocado do sustentáculo e um fragmento posterolateral desviado em direção à fíbula como mostrado neste caso. Em geral, a associação com a Sci J Foot nkle. 2018;12(2):164-9 167

Figura 6. Imagem da RM mostrando interposição do tendão flexor longo do hálux no foco da fratura abaixo do sustentáculo do tálus. Seta branca.. Direito.. Esquerdo. ruptura do complexo ligamentar lateral, como identificado na paciente, ou fratura do maléolo lateral, promove uma inclinação talar em varo, essa lesão foi descrita no trabalho de Ebraheim et al. (5) (Figura 3). O mecanismo aceito para essas lesões é o de carga axial, comum em quedas de altura, associado à inversão do tálus com o pé em posição pronada (2). Esse tipo de lesão teve seu primeiro registro em 1936 por Merle D ubigne e desde então foram descritas apenas pequenas séries de casos (3). Clinicamente, a primeira sugestão de uma fratura-luxação de calcâneo é a luxação dos tendões fibulares palpáveis fora da sua posição normal (1), fenômeno também encontrado na paciente em questão. lém de evidenciar a fratura e a perda da congruência subtalar, as radiografias podem demonstrar uma inclinação talar anormal em varo (1,2). O achado deste caso levantou a suspeita de lesões ligamentares graves associadas que ocasionaram perda da congruência articular. Esses achados radiográficos, associados à palpação dos tendões fibulares fora da goteira posterior da fíbula, fogem do padrão clássico das fraturas de calcâneo e a conjução dos achados clínicos e radiográficos não usuais devem levar o ortopedista a suspeitar de uma fratura de maior gravidade com maior potencial de complicações. Kim e erkowitz (6) ressaltaram a importância de se identificar a fratura-luxação do calcâneo através de uma simples radiografia lateral de tornozelo. Eles descreveram uma variação do sinal do duplo contorno de Sanders na radiografia lateral do tornozelo que corresponderia à sobreposição no calcâneo decorrente da elevação de sua parede lateral e seu deslocamento em direção à fíbula, o que facilitaria o diagnóstico. Demonstrando a importância do estudo por tomografia, Randall e Ferretti (7), em 2004, descreveram um caso de luxação lateral subtalar em que a fratura do calcâneo só foi claramente evidenciada pela TC. Esse fato é comum, sendo verdade para diversas fraturas intra-articulares em outras regiões do corpo e, se a TC estiver disponível, deve ser sempre solicitada como ferramenta complementar para o diagnóstico e o planejamento cirúrgico. iga e Thomine (8) descreveram quatro casos dessa fratura com fragmento desviado posterolateralmente sob a fíbula, sugerindo a necessidade de tratamento cirúrgico nesse tipo de lesão, uma vez que dois dos seus pacientes, que foram tratados conservadoramente, evoluíram com maus resultados. indicação cirúrgica nos parece imperativa devido à perda da congruência articular, mas também pela possibilidade de lesões de partes moles associadas. maioria das descrições são de luxação lateral, um único caso foi descrito com luxação medial por nglen et al. (4) e envolveu uma lesão até então não encontrada por outros autores, a interposição do tendão flexor longo do hálux. 168 Sci J Foot nkle. 2018;12(2):164-9

Essa lesão tendínea pode evoluir com a deformidade em checkrein devido ao encarceramento do tendão, fato observado no seguimento da nossa paciente e que pode interferir negativamente na marcha ao causar dor durante o desprendimento do hálux (Figura 6). Mallik et al. (9) descreveram um caso incomum de fratura-luxação de calcâneo com interposição do feixe neurovascular medial, enfatizando que essa é uma complicação rara, que requer atenção especial quando uma fratura de calcâneo estiver associada à ausência de pulso ou deficit neurológico. penas no trabalho de Carr (10), a fratura-luxação bloqueada do calcâneo teve como lesão associada a fratura do calcâneo contralateral que, no entanto, não foi enquadrada como fratura-luxação. Descrevemos neste relato um caso bilateral de fratura-luxação bloqueada de calcâneo com graves lesões de partes moles. Esse fato intefere diretamente no pós-operatório e no prognóstico da fratura, pois retardada o início da marcha, aumenta a chance de complicações e de reabilitação tardia da paciente. Conclusão fratura-luxação do calcâneo é uma lesão rara com uma ampla variedade de lesões associadas que precisam ser prontamente identificadas. Sinais clínicos como a luxação dos fibulares, o sinal do duplo contorno na radiografia em perfil e a inclinação anormal do tálus na pinça são importantes ferramentas para que se suspeite desse raro padrão de lesão, possibilitando o diagnóstico e o tratamento correto da lesão óssea e de partes moles. Contribuição de utores: Cada autor contribuiu individual e significativamente para o desenvolvimento deste artigo: RS (https://orcid.org/0000-0002- 2870-2261)* concebeu e planejou as atividades que levaram ao estudo, participou do processo de revisa o, aprovou a versa o final; MG (https://orcid. org/0000-0003-0007-5574)* concebeu e planejou as atividades que levaram ao estudo, realizac.o das cirurgias, interpretou resultados do trabalho, Revisa o da literatura, redac a o do artigo, participou do processo de revisa o, aprovou a versa o final; RM (https://orcid.org/0000-0002-5306-2972)* realizac a o das cirurgias, participou do processo de revisc a o, aprovou a versa o final; LZPO (https://orcid.org/0000-0001-5849-5841)* realizac a o das cirurgias, participou do processo de revisa o, aprovou a versa o final. *ORCID (Open Researcher and Contributor ID). REFERÊNCIS 1. Sanders RW, Clare MP. Fractures of calcaneus. In: Rockwood and Green s fractures in adults. 8th ed. Philadelphia: Lippincott Raven; 2016. Cap. 61, p. 2639-89. 2. Fransen S, Poeze M, Verbruggen JPM, rink PRG.Injury Extra 2010; 41:13-6. 3. d ubigne MR. Fracture isolee de la petite apophyse du calcaneum traitee par osteosynthese (Raport de M. Wilmoth). Mem cad Chir 1936;62:1155. 4. nglen JO. Case report: irreducible fracture of the calcaneus due to the flexor hallucis longus interposition. J Orthop Trauma. 1996;10(4):285-8. 5. Ebraheim N, Elgafy H, Sabry FF, Tao S. Calcaneus fractures with subluxation of the posterior facet. surgical indication. Clin Orthop Relat Res. 2000;(377):210-6. 6. Kim DH, erkowitz MJ. Double density sign variant in fracture dislocation of the calcaneus: clinical tip. Foot nkle Int. 2012; 33(6):524-5. 7. Randall D, Ferretti J. Lateral subtalar joint dislocation: a case with calcaneal fracture. J m Podiatr Med ssoc. 2004; 94(1):65-9. 8. iga N, Thomine JM. La fracture-luxation du calcanium. propos de 4 observations. Rev Chir Orthop Reparatrice ppar Mot. 1977;63(2):191-202. 9. Mallik R, Chase MD, Lee PC, Whitelaw GP. Calcaneal fracturedislocation with entrapment of the medial neurovascular bundle: a case report. Foot nkle. 1993;14(7):411-3. 10. Carr J. Varus of the talus in the ankle mortise secondary to a calcaneus fracture: a case report. Clin Orthop Relat Res. 1991;(263):206-9. Sci J Foot nkle. 2018;12(2):164-9 169

Metodologia Científica da Scientific Journal of the Foot & nkle 6 módulos ssista online: www.scijfootankle.com Módulo I Pesquisa bibliográfica na área da saúde: Fontes de informação em Saúde Palestrante: ibliotecária Camila Gomes da Rocha gostini Módulo II Ferramentas de escrita: Mendeley, End Note e demais ferramentas para organização de um trabalho científico Palestrante: ibliotecária Camila Gamba Módulo III Formato dos trabalhos e como escolher o mais adequado: Desenhos de estudos Palestrante: Prof. Dra. na Luiza Cabrera Martimbianco Módulo IV nálise estatística em pesquisa: Tipos de dados e apresentação (classificação dos dados; distribuição; resumo dos dados; apresentação; estatística descritiva; definindo normalidade de dados contínuos; testes paramétricos e não paramétricos) Palestrante: Fisioterapeuta Henry Dan Kiyomoto Módulo V Escrita científica: Escrevendo um artigo científico (Estruturação: pontos básicos / Resumo - abstract / Regras éticas / Fatores que interferem na probabilidade de aceitação) Palestrante: Prof. Dr. Maurício Rocha e Silva Módulo VI Suporte financeiro para pesquisa: FPESP e Sistema de poio a Gestão (SGe) Palestrante: Profª Marina Caldeira POIO RELIZÇÃO