O MÍNIMO EXISTENCIAL VERSUS A RESERVA DO POSSÍVEL

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Transcrição:

RESUMO O MÍNIMO EXISTENCIAL VERSUS A RESERVA DO POSSÍVEL LEITE, Emerson Scuzziatto. 1 GUEDES, Rafael Felipe de Olveira. 2 MUNARO, Marcos Vinícius Tombini. 3 Diante da escassez de recursos que não permitem a efetividade plena de direitos e garantias, bem como a indisponibilidade de mecanismos que autorizem sua concessão sem, contudo, comprometer a eficácia de tais direitos a toda coletividade, surge-se a ideia da reserva do possível, que se justifica no argumento de que garantir determinados direitos muitas vezes é algo acima do que é possível garantir. Ocorre que, de outro modo, faz-se necessária uma análise cautelosa, pois existe uma parcela mínima de direitos elementares a sociedade que não devem ser suprimidos ainda sob o argumento de que encontram-se acima do possível, devendo analisar pormenorizadamente quais são os direitos mínimos tutelados a fim de que estes, não sejam tão somente formalmente garantidos, mas que possuam efetividade material, uma vez que trata-se de um direito mínimo a sua existência digna, sendo que, tais direitos devem ser garantidos de forma satisfatória independentemente de previsão legal para sua obtenção, uma vez que, fundamenta na própria existência humana digna não podendo assim, haver óbice a sua efetividade. PALAVRAS-CHAVE: Mínimo Existencial, Reserva do Possível, Direito Fundamental Mínimo. 1 INTRODUÇÃO O conceito de reserva do possível surge na Alemanha em meados de 1960 em um caso emblemático em que estudantes não admitidos nos cursos de medicina buscaram o ingressar fundamentando-se no artigo 12 da lei fundamental alemã, que garantia livre escolha de trabalho, oficio ou profissão. Assim, o tribunal alemão entendeu desarrazoado exigir, diante das limitações estatais, o acesso de todos ao referido curso, sob plena de comprometer a eficácia dos direitos sociais, entendendo tal exigência encontrar-se acima do possível. Ocorre que, hodiernamente, tal conceito destoa de sua origem, utilizando-se tão somente a escassez de recursos e não a viabilidade da pretensão deduzida, fazendo-se necessário uma 1 Acadêmico do 9º Período do curso de Direito do Centro Universitário Fundação Assis Gurgacz Cascavel/PR. E-mail: emersonscuzziatto@gmail.com. 2 Acadêmico do 9º Período do curso de Direito do Centro Universitário Fundação Assis Gurgacz Cascavel/PR. E-mail: rafa.guedes@live.com. 3 Advogado. Docente orientador do Centro Universitário da Fundação Assis Gurgaz. Mestrando em Direito Processual Civil e Cidadania no programa de Mestrado da UNIPAR Universidade Paranense. Email: marcosmunaro@hotmail.com. 129

interpretação cautelosa, devendo o estado ao menos garantir uma parcela mínima destes direitos, garantindo ainda que de forma contida uma vida digna a cada indivíduo, garantindo, portanto, o mínimo existencial de cada indivíduo. Tal conceito consiste em um núcleo essencial que vem relativizar a teoria da reserva do possível. Trata-se de um conjunto de direitos sociais mínimos que são essenciais a vida humana e que, portanto, não podem sofres restrições pelo estado, nem mesmo ao argumento da escassez financeira. Em que pese o ordenamento jurídico pátrio não dispor o que consiste em conteúdo essencial, é de se afirmar que se encontra intrínseco ao princípio de dignidade da pessoa humana, sendo um direito mínimo, fundamental que não pode ser suprimido para que a vida seja exercida com dignidade. 2 REFERENCIAL TEÓRICO OU FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA O tema a ser abordado no presente trabalho tem relação com as situações de restrição aos direitos fundamentais, razão pela qual se afigura importante apresentar as teorias construídas pela doutrina acerca da legitimidade de tais restrições. A teoria interna preconiza a inexistência de restrições legítimas a direitos fundamentais, considerando como limites conceituais ou limites imanentes as eventuais delimitações traçadas pela norma jurídica a esses direitos. Assim, se uma determinada ação ofende valores não protegidos pela norma, tal ação não poderá ser tachada de restrição, já que respeitou os limites imanentes do direito fundamental. Se ultrapassar esses limites, não será simplesmente uma restrição a direito fundamental, mas sim, violação. Os direitos sociais, ou de segunda dimensão, são direitos através do Estado, por concederem ao indivíduo direito a prestações materiais estatais, como saúde, trabalho, educação, liberdades sociais, entre outros. 130

Ocorre, porém, que diversos fatores contribuem para distanciamento da pretensão normativa da atual Constituição brasileira acerca dos direitos prestacionais e a transformação operada efetivamente na vida daqueles que se encontram sobre o seu manto protetor. Explica Machado (2008), que, de um lado os poderes públicos não se preocupam ou não conseguem implementar as políticas públicas referentes aos direitos fundamentais sociais de forma satisfatória. Sendo que os motivos para tal problema vão desde os objetivos eleitoreiros até a incapacidade técnica. Além de que, uma sociedade desprovida de serviços públicos essenciais, como saúde e educação, facilita sobremaneira a perpetuação do poder. Por outro lado, continua o autor, a sociedade, carente de tais prestações, não poderá exercer de modo pleno uma cidadania democrática e participativa. Afinal, de nada adianta garantir formalmente a participação efetiva do cidadão se ele não possui educação mínima necessária para percepção da conjuntura política do local onde vive nem para a manifestação de suas ideias no seio da comunidade da qual faz parte. Observa-se que, afora todos os limites jurídicos impostos a efetividade dos direitos de segunda dimensão outros elementos, não propriamente jurídicos, poderão exercer considerável influência sobre a construção da eficácia jurídica das normas de direito fundamental veiculadoras dos direitos sociais. 2.1 O MÍNIMO EXISTENCIAL Weber (2013) nos ensina que a dignidade da pessoa humana como preceito ético e fundamento constitucional necessita não só que o Estado respeite e dê proteção, mas que garanta a efetivação dos direitos dela decorrentes. Toda a pessoa é sujeito de direitos e deveres, devendo ser tratada como tal. Quando falamos de um "mínimo existencial", do ponto de vista jurídico, tratamos de algo ligado intrinsicamente à realização dos direitos fundamentais, os quais representam a concretização do princípio da dignidade da pessoa humana, um dos fundamentos previstos em nossa Magna Carta. Nos explica Barcellos (2002), que o mínimo existencial diz respeito ao conjunto de situações materiais indispensáveis à existência humana digna, aspectos fundamentais em um Estado que se 131

pretende, de um lado, democrático, demandando a participação dos indivíduos nas deliberações públicas, e, de outro, liberal, deixando a cargo de cada um seu próprio desenvolvimento. Na mesma linha de pensamento, Weber (2013) nos diz que não é possível fixar de forma abstrata o conteúdo desse mínimo existencial, pois suas exigências tendem a variar conforme as condições econômicas, culturais e sociais de um povo. Entretanto, alguns parâmetros são reconhecidos quanto ao que é necessário para uma vida digna, como os direitos sociais de saúde, educação e habitação estão entre eles. Portanto, pode-se afirmar que o conteúdo do mínimo existencial é constituído basicamente pelos direitos fundamentais sociais, principalmente de prestações materiais que visam garantir uma vida digna. 2.2 A RESERVA DO POSSÍVEL Caliendo (2008) explica que a reserva do possível é entendida como limite ao poder do Estado de concretizar efetivamente direitos fundamentais a prestações, originando na doutrina constitucionalista alemã, na limitação de acesso ao ensino universitário de um estudante. Nesse caso, a Corte Constitucional Alemã entendeu existirem limitações fáticas para o atendimento de todas as demandas de acesso a um direito. Em razão do crescimento expressivo dos direitos fundamentais, a escassez de recursos estatais também aumentou em velocidade similar. Dessa forma, a reserva do possível tem origem: limitando a efetivação dos direitos fundamentais prestacionais, como os direitos sociais. Nas palavras de Stiborski (2014), a teoria da reserva do possível emerge como um modo de balizar a atuação do Estado no âmbito da efetivação de direitos sociais e fundamentais, afastando o direito constitucional de interesse privado e prezando pelo direito da maioria. É um elemento externo, que tem o condão de limitar ou até restringir o acesso dos titulares a um direito fundamental social específico, em razão da limitação orçamentária do Estado. Na mesma toada, Canotilho (2002) coloca a efetivação dos direitos sociais, econômicos e culturais dentro de uma "reserva do possível" e aponta a sua dependência dos recursos econômicos. 132

Dessa forma, explica Souza (2013) que se faz mister realizar uma análise entre as possibilidades do ente público versus a urgência da pretensão pleiteada, sob pena de, caso seja feita uma escolha de modo incorreto, gerará uma grave lesão à economia pública ou ferirá direitos garantidos constitucionalmente que consagram a dignidade da pessoa humana. A Reserva do Possível, então, invoca-se na impossibilidade de o Estado, através de prestações positivas, garantir de modo pleno a efetivação de todos os direitos fundamentais sociais, sob pena de grave prejuízo ao erário público e, em razão disso, à sociedade como um todo. 3 CONSIDERAÇÕES FINAIS A busca pela garantia de direitos mínimos e essenciais a existência digna sempre foi objeto de grandes conflitos ao longo da história, e a busca pelo reconhecimento de tais garantias fez com que paulatinamente determinados direitos fossem reconhecidos como intrínsecos a própria existência do homem. Ocorre que, não basta apenas uma tipificação formal, mas exigindo uma verdadeira e eficaz aplicação. Assim, o Estado, por seus gestores muitas vezes utiliza-se de artifícios técnicos para justificar a não aplicação de tais direitos, afirmando tratar-se de normas programáticas e que garantir determinados direitos de forma plena excederia a reserva do possível, ante a limitação de recursos para efetivá-los. No entanto, quando tal violação ir ao encontro a ideia de dignidade humana não poderá ter como óbice tais justificativas, sendo dever do estado garantir o mínimo existencial a estes indivíduos, determinando uma atuação ativa do Estado, devendo, portanto o judiciário ponderar a situação concreta sob o alicerce dos direitos fundamentais, para que assim, garanta a todo e qualquer individuo o exercício pleno do direito a uma vida digna. REFERÊNCIAS 133

BARCELLOS, Ana Paula de. O mínimo existencial e algumas fundamentações. Rio de Janeiro: Editora Renovar, 2002. CALIENDO, Paulo. Reserva do possível, direitos fundamentais e tributação. In: SARLET, Ingo Wolfgang; TIMM, Luciano Benetti (Org.). Direitos Fundamentais, orçamento e reserva do possível. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008. CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 5 ed. Portugal: Livraria Almedina, 2002. MACHADO, Ivja Neves Rabêlo. Reserva do possível, mínimo existencial e direitos prestacionais. In: IusPedia. 09 maio. 2008. Disponível em: <http://www.iuspedia.com.br>. Acesso em: 12 ago. 2017 SOUZA, Lucas Daniel Ferreira de. Reserva do possível e o mínimo existencial: embate entre direitos fundamentais e limitações orçamentárias. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, XVI, n. 116, set 2013. Disponível em: <http://www.ambitojuridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=13621>. Acesso em: 10 ago. 2017. STIBORSKI, Bruno Prange. Reserva do possível: Origem, conceito e ordens. In: Jusbrasil, 2014. Disponível em: <https://bstiborski.jusbrasil.com.br/artigos/197458820/reserva-do-possivel-origemconceito-e-ordens>. Acesso em: 12 ago. 17. WEBER, Thadeu. A ideia de um "mínimo existencial" de J. Rawls. Kriterion, Belo Horizonte, v. 54, n. 127, p. 197-210, Junho, 2013. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=s0100-512x2013000100011&lng=en&nrm=iso>. Acesso em: 12 ago. 2017. 134