OCUPAÇÃO RESIDENCIAL CLANDESTINA E SUA REGULARIZAÇÃO



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Transcrição:

OCUPAÇÃO RESIDENCIAL CLANDESTINA E SUA REGULARIZAÇÃO Célio Maciel RESUMO : Este trabalho faz um panorama de como o Brasil trata a questão do direito à habitação, de acordo com os Tratados e Convenções Internacionais de que é signatário, além de abordar a previsão Constitucional e infra-constitucional sobre o assunto, podendo mostrar ao leitor instrumentos jurídicos e políticos de planejamento urbanístico e a intersecção entre o direito de propriedade e a função social da mesma. Palavras Chaves : Direito à habitação, Ocupação clandestina, Estatuto da Cidade, direito de propriedade, Função social da propriedade Coordenador do curso de Gestão Imobiliária da Faculdade do Guarujá, professor de Direito Imobiliário e Mercado Imobiliário no curso de Gestão Imobiliária da Faculdade do Guarujá, Mestrando em Direito Ambiental pela Unisantos, Advogado especialista em Direito Empresarial pela FGV, Vicepresidente da Associação dos Advogados de Guarujá.

1 SUMÁRIO I.- INTRODUÇÃO...03 II.- DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS...04 III.- PACTO SOCIAL DOS DIREITOS ECONÔMICOS, SOCIAIS E CULTURAIS...04 IV.- CONVENÇÃO INTERNACIONAL SOBRE A ELIMINAÇÃO DE TODAS AS FORMAS DE DISCRIMINAÇÃO RACIAL...05 V.- CONVENÇÃO SOBRE A ELIMINAÇÃO DE TODAS AS FORMAS DE DISCRIMINAÇÃO CONTRA A MULHER...05 VI.- CONVENÇÃO SOBRE OS DIREITOS DA CRIANÇA (1989)...06 VII.- CONVENÇÃO AMERICANA DE DIREITOS HUMANOS...06 Pacto de San José da Costa Rica. VIII.- AGENDA 21 (1992) Rio de Janeiro Brasil...06 Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento. IX.- AGENDA HABITAT (1996) Istambul...07 X.- CONSTITUIÇÃO FEDERAL (1988)...08 XI.- DIREITO DE PROPRIEDADE x FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE...09 XII.- INSTRUMENTOS JURÍDICOS E POLÍTICOS DE ATUAÇÃO URBANÍSTICA...10 XIII.- USUCAPIÃO URBANO x CONCESSÃO DE DIREITO REAL DE USO...12

2 XIV.- PLANO DIRETOR...13 XV.- DEVERES DOS PODERES PÚBLICOS...14 XVI.- A CIDADE ATUAL...15 XVII.- BIBLIOGRAFIA...18

3 OCUPAÇÃO RESIDENCIAL CLANDESTINA E SUA REGULARIZAÇÃO I.- INTRODUÇÃO Assistimos diariamente o crescimento desordenado e desigual nas grandes cidades. O adensamento se faz remetendo as famílias carentes e da baixa ou nenhuma renda às periferias urbanas. Os direitos de moradia, de habitação, condições de saúde e dignidade encontram amparo jurídico nos textos das declarações e pactos internacionais, além da Constituição Federal brasileira de 1988 e de várias leis regulamentares, sem que os poderes públicos se importem decisivamente para a erradicação do problema. Acrescenta-se à inércia do Poder Público, o fato de que a falta de habitação com um mínimo de dignidade repercute diretamente no uso excessivo e ilimitado dos equipamentos públicos, em decorrência do excesso de poluição, criminalidade, violência, falta de higiene, saúde, proliferação de consumo de drogas lícitas e ilícitas, onerando o Estado direta e indiretamente. O desequilíbrio psicosocial da humanidade tem grande parcela de causa original na falta de moradia adequada à população, o que por certo poderia ser minimizado através de uma política de controle do uso do solo urbano e de uma política de assentamento racional e justo do homem nas cidades. Os órgãos públicos, através de políticas equivocadas burocratizam os processos de licenciamentos urbanísticos e ambientais, dificultando e onerando os únicos que poderiam, em curto espaço de tempo, suprir a demanda habitacional com competência e sem custos para o Estado. É preciso organizar a cidade.

4 II.- DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS De acordo com o artigo terceiro da Declaração Universal de Direitos Humanos (1948), toda pessoa tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal, prescrevendo ainda, em seu artigo vigésimo quinto (XXV), o direito a um padrão de vida capaz de assegurar a si e à sua família saúde e bem estar, incluindo alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos e os serviços sociais indispensáveis *. CULTURAIS III.- PACTO SOCIAL DOS DIREITOS ECONÔMICOS, SOCIAIS E Também o Pacto Social dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, de 1966, prescreve que os Estados-Partes, signatários portanto das normas ali postas, reconhecem o direito à moradia adequada, assim como uma melhoria contínua de suas condições de vida, denotando a nítida preocupação com o local onde o cidadão manterá sua família, e as condições em que as manterá. No artigo 12 do Pacto há expresso reconhecimento do direito à saúde física e mental, prevendo ainda, no ítem 2, que os Estados-partes devem adotar medidas para a melhoria do meio ambiente, e de prevenção e o tratamento das doenças epidêmicas, endêmicas, profissionais e outras, bem como a luta contra essas doenças. * art. III - Toda pessoa tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal. art. XXV 1.- Toda pessoa tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar a si e a sua família saúde e bem estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos e os serviços sociais indispensáveis... art. 11 - item 1 Os Estados partes no presente Pacto reconhecem o direito de toda pessoa a um nível adequado para si próprio e para sua família, inclusive à alimentação, vestimenta e moradia adequada, assim como uma melhoria contínua de suas condições de vida. Os Estados-partes tomarão medidas apropriadas para assegurar a consecução desse direito, reconhecendo nesse sentido a importância da cooperação internacional fundada no livre consentimento.

5 IV.- CONVENÇÃO INTERNACIONAL SOBRE A ELIMINAÇÃO DE TODAS AS FORMAS DE DISCRIMINAÇÃO RACIAL Já a Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial, de 1965, determina que, em consonância com as obrigações fundamentais enunciadas em seu artigo 2, os signatários daquele instrumento (Estados-Partes) se comprometem a proibir e a eliminar a discriminação racial em todas as suas formas e a garantir o direito de cada um à igualdade perante a lei, sem distinção de raça, cor ou de origem nacional ou étnica, no gozo dos direitos elencados no artigo V, dentre eles o direito à moradia, conforme item III da letra e. V.- CONVENÇÃO SOBRE A ELIMINAÇÃO DE TODAS AS FORMAS DE DISCRIMINAÇÃO CONTRA A MULHER O subitem h do item 2 do artigo 14 da Convenção sobre a Eliminação de todas as Formas de Discriminação contra a Mulher, de 1979, assegura que todas as mulheres, em condições de igualdade em relação aos homens, participem no desenvolvimento rural e dele se beneficiem, e que deverão gozar de condições de vida adequadas, em particular nas esferas de habitação, de serviços sanitários, da eletricidade e do abastecimento de água, do transporte e das comunicações. Art.V De conformidade com as obrigações fundamentais enunciadas no artigo 2, os Estados Partes comprometem-se a proibir e a eliminar a discriminação racial em todas as suas formas e a garantir o direito de cada um à igualdade perante a lei sem distinção de raça, de cor ou de origem nacional ou étnica, principalmente no gozo dos seguintes direitos:... e.- direitos econômicos, sociais e culturais, principalmente:... III.- direito à moradia; IV.- direito à saúde pública, a tratamento médico, à previdência social e aos demais serviços sociais. Art.14... 2.Os Estados adotarão todas as medidas apropriadas para eliminar a discriminação contra a mulher nas zonas rurais a fim de assegurar, em condições de igualdade entre homens e mulheres, que elas participem no desenvolvimento rural e dele se beneficiem, em particular assegurar-lhes-ão o direito de :... h.- gozar de condições de vida adequadas, particularmente nas esferas de habitação, dos serviços sanitários, da eletricidade e do abastecimento de água, do transporte e das comunicações.

6 VI.- CONVENÇÃO SOBRE OS DIREITOS DA CRIANÇA (1989) Também a Convenção sobre os Direitos da Criança, em 1989, se preocupa com a habitação, determinando que os Estados Partes adotarão medidas apropriadas a fim de ajudar os pais e outras pessoas responsáveis pela criança a tornar efetivo esse direito **. VII.- CONVENÇÃO AMERICANA DE DIREITOS HUMANOS Pacto de San José da Costa Rica. O Pacto de San José da Costa Rica, de 1969, no artigo 26, diz que os Estados Partes se comprometem a adotar as providências, tanto no âmbito interno, como mediante cooperação internacional, especialmente econômica e técnica, a fim de conseguir progressivamente a plena efetividade dos direitos que decorrem das normas econômicas e sociais, demonstrando claramente a preocupação com os problemas sociais dos habitantes dos Países signatários, como vestuário, educação, saúde, habitação e transporte, dentre outros, não obstante o reconhecimento da existência de normas sobre o assunto, mas preocupados a realização de políticas públicas que lhes traduzam em efetividade. VIII.- AGENDA 21 (1992) Rio de Janeiro Brasil Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento. Ao tratar dos assentamentos humanos em seu capítulo 7, dispõe a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento, no Brasil, na Cidade do Rio de Janeiro, em 1992, no documento denominado AGENDA 21, o seguinte sobre o direito à moradia : ** art.27.... 3.- Os Estados Partes, de acordo com as condições nacionais e dentro de suas possibilidades, adotarão medidas apropriadas a fim de ajudar os pais e outras pessoas responsáveis pela criança a tornar efetivo esse direito e, caso necessário proporcionarão assistência material e programas de apoio, especialmente no que diz respeito à nutrição, ao vestuário e à habitação.

7 Item 6.- O acesso a uma habitação sadia e segura, é essencial para o bem-estar econômico, social, psicológico e físico da pessoa humana e deve ser parte fundamental das ações nacional e internacional. A agenda 21 ao tratar em seu capítulo 7 da promoção do desenvolvimento sustentável dos assentamentos humanos, estabelece o oferecimento de habitação adequada para todos como um programa para melhorar as condições de vida e de trabalho de todas as pessoas, em especial dos pobres de áreas urbanas e rurais. Traz ainda o artigo 7.6, que o acesso à habitação segura e saudável é essencial para o bem estar físico, psicológico, social e econômico das pessoas, se preocupando e alertando aos dirigentes das Nações, que não só o acesso à moradia deve ser implementado, mas também que ela seja segura e saudável, sob pena de desequilíbrio do estado emocional e psicológico do indivíduo e de toda a sociedade. De acordo com o artigo 7.8 o objetivo do programa é oferecer habitação adequada a populações em rápido crescimento e aos pobres atualmente carentes tanto nas áreas rurais como urbanas, por meio de uma abordagem que possibilite o desenvolvimento e a melhoria de condições de moradia ambientalmente saudáveis. IX.- AGENDA HABITAT (1996) Istambul É reconhecido que o acesso à habitação sadia e segura e aos serviços básicos é essencial para o estado físico, psicológico, social e o bem estar econômico das pessoas, e deve ser parte fundamental de nossas urgentes ações para mais de 1 bilhão de pessoas vivendo sem condições dignas de vida (par.3 o.) par. 39.- Nós reafirmamos nosso compromisso para a plena e progressiva realização do direito à moradia, provido por instrumentos internacionais. Neste contexto, nós reconhecemos a obrigação dos Governos de capacitar as pessoas para obter habitação e proteger e melhorar as moradias e vizinhanças. Nós Art.7.6.- o acesso a habitação segura e saudável é essencial para o bem estar físico, psicológico, social e econômico das pessoas, devendo ser parte fundamental das atividades nacionais e internacionais.

8 nos comprometemos com a meta de melhorar as condições de vida e de trabalho numa base sustentável e eqüitativa, pelo qual todos terão adequada habitação sadia, segura, protegida, acessível, e disponível e que inclui serviços básicos, facilidades e amenidades, e o gozo de liberdade frente a disseminações de moradia e segurança legal de posse. Nós devemos implementar e promover este objetivo de maneira plenamente consistente com as normas de direitos humanos. De acordo com o parágrafo 60 da Agenda Habitat Adequada Habitação significa: 1.- adequada privacidade, adequado espaço, acesso físico, adequada segurança incluindo a garantia de posse, durabilidade e estabilidade da estrutura física, adequada iluminação, aquecimento e ventilação; 2.- adequada infra-estrutura básica, fornecimento de água, saneamento e tratamento de resíduos, apropriada qualidade ambiental e de saúde, adequada localização com relação ao trabalho e serviços básicos; e 3.- que todos esses componentes tenham um custo acessível para todos. X.- CONSTITUIÇÃO FEDERAL (1988) A Constituição da República Federativa do Brasil, de 1988, no capítulo que trata dos direitos sociais (capítulo II do Título II), reconhece como direito social do cidadão brasileiro, o direito à moradia, além de outros, no artigo sexto, em cumprimento a todos as Convenções e Tratados Internacionais dos quais o Estado Brasileiro é parte. Objetivando regular a repartição de competências entre os entes federativos, no que respeita às políticas de implementação dos direitos sociais previstos na Carta, o item oitavo do artigo trinta, diz ser de competência dos Municípios promover no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano. Art. 6 o. São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.

9 O Capítulo II do Título VII da Constituição Federal, trata da Política Urbana, ratificando, em seu artigo 182, por exemplo, que a política de desenvolvimento urbano será executada pelo Município, remetendo à lei ordinária o papel de fixar diretrizes, com o objetivo de ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem estar de seus habitantes. Estabelece ainda o artigo 182, no parágrafo primeiro, que o Plano-Diretor é o instrumento básico da política de desenvolvimento urbana, e que é obrigatório para cidades com mais de 20.000 (vinte mil) habitantes, devendo ser aprovado pela Câmara Municipal. Já no parágrafo segundo, o Constituinte se preocupa em afirmar que a propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no Plano-Diretor. XI.- DIREITO DE PROPRIEDADE x FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE A Constituição Federal de 1988 consagra o direito de propriedade, ao cuidar dos direitos individuais. Entretanto, ao mesmo tempo enfatiza que a propriedade cumprirá sua função social, haja vista não ser absoluto o direito de propriedade, sem quaisquer pautas ou condicionamentos. É necessário que a propriedade tenha plena utilização, para que as políticas públicas de minoração dos problemas sociais de habitação, saúde e segurança possam ser implantadas livremente. Já não se mostra admissível que sob a alegação de cumprimento ao direito de propriedade, os proprietários de imóveis urbanos emperrem o crescimento reordenação da cidade. Uma questão de fundamental importância é o embate entre o direito de propriedade e a função social da propriedade; ambos de previsão constitucional, entretanto, por vezes, caminhando em lados opostos. BANDEIRA DE MELLO, faz distinção entre propriedade e direito de propriedade: Convém desde logo observar que não se deve confundir liberdade e propriedade com direito de liberdade e direito de propriedade. Estes últimos são expressões daqueles, porém, tal como admitimos em dado sistema normativo. Por BANDEIRA DE MELLO, Celso Antonio. ELEMENTOS DE DIREITO ADMINISTRATIVO. 1983, p.164

10 isso, rigorosamente falando, não há limitações administrativas ao direito de liberdade e ao direito de propriedade é a brilhante observação de Alessi uma vez que estas simplesmente integram o desenho do próprio perfil do direito. São elas, na verdade, a fisionomia normativa dele. Há, isto sim, limitações à liberdade e à propriedade. De um lado o interesse dos proprietários de imóveis, que por vários motivos não podem ou não pretendem dar uso a seus imóveis, ainda que localizados em regiões urbanas de grande adensamento populacional ou de interesse habitacional; de outro lado temos a necessidade de reestruturação da cidade, sendo mister a ocupação e destinação de tais imóveis como moradia às camadas carentes, ocasionando, constantemente a ocupação clandestina ou irregular. XII.- INSTRUMENTOS JURÍDICOS E POLÍTICOS DE ATUAÇÃO URBANÍSTICA Regulamentando o artigo 182 da Constituição Federal de 1988, o Congresso Nacional, no uso das atribuições que lhe compete, fez editar a Lei 10.257 de 10.07.2001, denominada Estatuto da Cidade, fixando diretrizes com o objetivo de ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem estar de seus habitantes. Cabe-nos destacar os dispositivos do Estatuto da Cidade que definem os instrumentos jurídicos e políticos de atuação urbanística: Art. 4 o. Para os fins desta Lei, serão utilizados, entre outros instrumentos : I.- Planos nacionais, regionais e estaduais de ordenação do território e de desenvolvimento econômico e social; II.- Planejamento das regiões metropolitanas, aglomerações urbanas e micro-regiões; III.- planejamento municipal, em especial: a) plano diretor; b) disciplina do parcelamento, do uso e da ocupação do solo; c) zoneamento ambiental; d) plano plurianual; e) diretrizes orçamentárias e orçamento anual; f) gestão orçamentária participativa; g) planos, programas e projetos setoriais; h) planos de desenvolvimento econômico e social;

11 IV institutos tributários e financeiros; a) imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana IPTU; b) contribuição de melhoria; c) incentivos e benefícios fiscais e financeiros; V.- Institutos Jurídicos e políticos: a) Desapropriação; b) servidão administrativa; c) limitações administrativas; d) tombamento de imóveis ou de mobiliário urbano; e) instituição de unidades de conservação; f) instituição de zonas especiais de interesse social; g) concessão de direito real de uso; h) concessão de uso especial para fins de moradia; i) parcelamento, edificação ou utilização compulsórios; j) usucapião especial de imóvel urbano; l) direito de superfície; m) direito de preempção; n) outorga onerosa do direito de construir e de alteração de uso; o) transferência do direito de construir; p) operações urbanas consorciadas; q) regularização fundiária; r) assistência técnica e jurídica gratuita para as comunidades e grupos sociais menos favorecidos; s) referendo popular e plebiscito; Entre estes instrumentos, alguns são já de larga utilização anterior, como a desapropriação, a instituição de servidão administrativa, as limitações administrativas e o tombamento, podendo aqui se incluir também o direito real de uso, lembrando que o parágrafo 2 o. deste mesmo artigo da Lei 10.257001 acrescentou ao que já era previsto no Decreto-lei 271 de 1967, a possibilidade de que a concessão do direito real de uso de imóveis públicos seja contratada coletivamente nos casos de programas e projetos habitacionais de interesse social, desenvolvidos por órgão ou entidades da Administração Pública com atuação específica nessa área. Já a concessão de uso especial para fins de moradia deveria ser disciplinada pelos artigos 15 a 20 do Estatuto da Cidade, mas foram vetados, tendo o Presidente

12 da República já no próprio veto mencionado que trataria do instrumento através de Medida provisória. A Medida Provisória 2.220 de 04.09.2001 dispõe sobre a concessão de uso especial de que trata o par. 1 o. do art. 183 da Constituição e cria o Conselho Nacional de Desenvolvimento Urbano (CNDU). Dentre os problemas jurídicos da disciplina da concessão de uso especial para fins de moradia, podemos destacar, no que respeita ao mérito, a imprescritibilidade do bem público, não sendo possível a aquisição do domínio de bens públicos pelo decurso de lapso temporal. Também podemos destacar um vício formal quanto ao instituto da concessão de uso especial, editado através da Medida Provisória 2.220 de 2001, vez que ausentes os requisitos de relevância e urgência. O veto oposto pelo Presidente da República aos artigos 15 a 20 do Estatuto da Cidade, que justamente introduziam e regulamentavam a concessão especial de uso especial para fins de moradia, ainda está para ser apreciado pelo Congresso Nacional. XIII.- USUCAPIÃO URBANO x CONCESSÃO DE DIREITO REAL DE USO. O artigo 183 da Constituição Federal de 1988, estabelece que o possuidor de área urbana de até duzentos e cinqüenta metros quadrados, por cinco anos ininterruptamente e sem oposição, utilizando-a para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio, a propriedade, desde que não seja titular de outro imóvel urbano ou rural. Trata-se, segundo GASPARINI ***, da usucapião pro morare, aplicável às propriedades imobiliárias privadas, pois conforme as regras dos artigos 183, parágrafo 3 o. e 191, parágrafo único da Constituição Federal, os bens públicos náo podem ser adquiridos por usucapião. Justamente a titulariedade da área destinada é que distingue entre a usucapião definida pelo art. 183 caput da Constituição Federal e a concessão de uso especial de moradia, definida através da Medida Provisória 2.220 de 04.09.2001, em regulamentação ao disposto no parágrafo primeiro do mencionado *** GASPARINI, Diógenes. O ESTATUTO DA CIDADE. São Paulo: NDJ. 2002, p.74.

13 artigo 183, ou seja, se a área for de propriedade pública não pode ser objeto de usucapião, conforme salientado pelo parágrafo terceiro do artigo 183, cabendo a transmissão através do instituto da concessão especial de uso para moradia, já quanto à propriedade privada, de particulares, aplica-se o disposto no caput do artigo. Necessário se faz acrescentar que através da usucapião transfere-se ao usuário o domínio sobre a propriedade, enquanto que, através da concessão especial de uso para moradia, apenas a posse é transmitida. XIV.- PLANO DIRETOR Principal instrumento de política urbana municipal, o plano diretor tem como princípios fundamentais norteadores os da cidadania e dignidade da pessoa humana, da soberania popular e da igualdade. Através do Plano Diretor, o município pode organizar a cidade, estabelecer os limites de ocupação urbana, delimitar as áreas de interesse social (ZEIS), podendo a partir de então aplicar os demais instrumentos políticos e jurídicos colocados à disposição pelo Estatuto da Cidade, em regulamentação à Constituição Federal de 1988. É obrigatória a elaboração do Plano Diretor para as cidades com mais de 20 mil habitantes, conforme previsão Constitucional (art.182, par.1 o.) além daquelas determinadas pelo Estatuto da Cidade em seu artigo 41 : I com mais de vinte mil habitantes; II Integrantes de regiões metropolitanas e aglomerações urbanas; III onde o Poder Público municipal pretenda utilizar os instrumentos previstos no par. 4 o. do art. 182 da Constituição Federal; IV integrantes de áreas de especial interesse turístico; V inseridas na área de influência de empreendimentos ou atividades com significativo impacto ambiental de âmbito regional ou nacional. Podemos ainda mencionar que pela Constituição do Estado de São Paulo, (art. 181, par. 1 o.) os planos diretores são obrigatórios para todos os municípios, devendo considerar a totalidade se seus territórios.

14 Segundo LOPES MEIRELLES, plano diretor é o complexo de normas legais e diretrizes técnicas para o desenvolvimento global e constante do Município, sob os aspectos físico, social, econômico e administrativo, desejado pela comunidade local. O município com base no princípio do desenvolvimento sustentável, deve instituir o plano diretor, como plano de desenvolvimento urbano, de modo a romper com a lógica de exclusão e segregação social, deve ter como metas efetivar a cidadania, eliminar a pobreza e o apartheid social, contendo, para tingir essas metas, instrumentos e programas voltados a conferir condições dignas de vida nas regiões carentes da cidade, como modo de propiciar o exercício do direito à cidade para a maioria da população urbana, pobre e marginalizada que vive nas cidades. XV.- DEVERES DOS PODERES PÚBLICOS Dentre alguns deveres dos Poderes Públicos, objetivando a regular organização urbana, podemos destacar como os mais importantes : União instituir lei federal de desenvolvimento urbano de modo a constituir uma política urbana nacional e instituir sistema descentralizado de política habitacional, compreendendo os instrumentos, planos e programas de habitação de interesse social; Estados constituir um sistema estadual de habitação compreendendo organismos, instrumentos, planos e programas habitacionais, em especial para as áreas metropolitanas; constituir juizados especiais e varas especializadas nas áreas metropolitanas para conciliação e julgamento de assuntos urbanos de grande complexidade; Municípios constituir um sistema municipal de habitação e instituir o plano diretor, com instrumentos voltados a efetivar o direito à cidade, por conseqüência o direito à moradia da população que vive nas cidades, em estado de pobreza e miséria nas favelas, nos bairros de periferia e cortiços. LOPES MEIRELLES, Hely. DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO. 6 a. ed. 3 a. tiragem. São Paulo : Malheiros. 1993, p.393 SAULE JUNIOR, Nelson. O DIREITO À MORADIA COMO RESPONSABILIDADE DO ESTADO BRASILEIRO. In DIREITO À CIDADE. (Coordenador). São Paulo : Max Limonad. 1999, p.118.

15 XVI.- A CIDADE ATUAL Embora se possa constatar a existência das diretrizes destinadas à realização de uma política de desenvolvimento urbanístico, não se pode notar um significativo ordenamento e planejamento eficaz das cidades até então. O que se pode perceber é que, entre 40% e 70 % da população urbana nas grandes cidades dos países em desenvolvimento estão vivendo ilegalmente, sendo que tais índices chegam a 80 % em alguns casos. A ilegalidade vai desde a ocupação clandestina de áreas públicas ou particulares, áreas de risco, de proteção ambiental e outras até o parcelamento irregular do solo (loteamentos clandestinos). Diante deste quadro notamos, lamentavelmente, o endurecimento, morosidade e burocratização dos poderes públicos (União Estados e Municípios) na aprovação e licenciamento de empreendimentos habitacionais particulares, obrigando, através de legislação ultrapassada, grande parcela de contribuição financeira particular para urbanização das áreas de sua propriedade, efetivando previamente, por exemplo : a) a elaboração de estudos e projetos; b) a aprovação nos órgãos competentes; c) o pagamento de emolumentos altíssimos às Prefeituras; d) o pagamento de emolumentos altíssimos para registro nos cartórios competentes; e) colocação de aterros, de grande dificuldade nas regiões litorâneas, ante a impossibilidade de retirada de terras sem autorização ambiental (quase impossível); f) terraplanagem dos terrenos e ruas; g) colocação de guias, sarjetas, esgoto, coleta de águas pluviais, rede de água potável; postes de iluminação nas vias públicas; pavimentação das vias públicas; h) doação das vias públicas ao município (30 % da área bruta) i) destinação de áreas públicas doando-as ao Município para construção de escolas, creches, praças, etc... (10 a 15 % da área bruta); j) obedecer recuos frontais, nos fundos e laterais de todos os lotes para construção de residências unifamiliares (casas) e coletivas (edifícios);

16 para tão somente após a efetiva realização de todos estes itens, passar a poder vender ou alienar de alguma outra forma, as unidades habitacionais (terrenos ou casas) que, se destinados a camada carente da população, deverão contar com financiamento próprio do empreendedor a longo prazo, arcando ainda com despesas de publicidade e corretagem. Pois bem, nenhum empreendedor, atualmente, tem saúde financeira ou disposição para tais investimentos prévios, haja vista que a possibilidade de lucro é ínfima, mormente considerando-se o índice de inadimplência, diante do desemprego e da morosidade da Justiça, se necessário o ajuizamento de ação de cobrança ou retomada do imóvel. Com o advento da Lei das Cooperativas (5.764/71), os empreendedores vislumbraram a possibilidade de voltar a investir em loteamentos e residenciais habitacionais populares, tendo em vista a possibilidade de minorar os custos, posto que, através de adesões os cooperados passariam a contribuir para o sucesso do empreendimento, adquirindo a área, pagando as custas de projetos, aprovações, etc... Entretanto, através de várias intervenções do Ministério Público, o Poder Judiciário passou a entender que o sistema de cooperativas habitacionais seria uma forma de empresários fraudar a Lei 6766 de 19.12.1979, podendo compromissar (vender) as unidades habitacionais antes de concluídos os serviços urbanos previstos e obrigatórios em referida LEI DE PARCELAMENTO DO SOLO. (6766/79). A realização de tais empreendimentos pelos sistema de cooperativas habitacionais, ainda que sob a administração de empresários, desoneraria o Poder Público de urbanização posterior de áreas ocupadas clandestinamente (favelas, loteamentos irregulares, etc...), podendo os órgãos públicos obrigar os particulares à urbanização da cidade conforme definido em Plano-Diretor. Não é o que acontece atualmente. O que se nota é que é cada vez maior o índice de invasões de terrenos desocupados, formando núcleos carentes (favelas), sem quaisquer condições de habitabilidade ou moradia. Ato contínuo, o próprio Poder Público, através de seus concessionários de serviços, passa a dotar o local de infra-estrutura subsidiada (energia elétrica, abastecimento de água, esgoto, etc..).

17 Uma vez instalado o núcleo habitacional, à margem da lei, vê-se a Poder Público instado à regularização, não obstante possa ter eventualmente negado ao proprietário da área uma aprovação para ali instalar um loteamento regular. Como se pode notar facilmente, há verdadeiro equívoco na aplicação das políticas públicas de urbanismo e desenvolvimento. É certo que se deve proteger a propriedade, não se esquecendo, entretanto, do cidadão. É certo que se deve preservar o meio ambiente, mas não se pode esquecer que o meio ambiente compreende toda forma de vida, principalmente o ser humano, e a preservação do meio ambiente envolve o amadurecimento do conceito de sustentabilidade, sem a qual fatalmente continuarão as políticas públicas constantemente andando um passo atrás da realidade.

18 XVII.- BIBLIOGRAFIA 1.- BANDEIRA DE MELLO, Celso Antonio. ELEMENTOS DE DIREITO ADMINISTRATIVO. 1 a. ed. 3a. tiragem. São Paulo: RT. 1983. 2002. 2.- GASPARINI, Diógenes. O ESTATUTO DA CIDADE. São Paulo: NDJ. 3.- LOPES MEIRELLES, Hely. DIREITO MUNICIPAL BRASILEIRO. 6 a. ed. 3 a. tiragem. São Paulo : Malheiros. 1993. 4.- SAULE JUNIOR, Nelson. O DIREITO À MORADIA COMO RESPONSABILIDADE DO ESTADO BRASILEIRO. In DIREITO À CIDADE. (Coordenador). São Paulo : Max Limonad. 1999.