Número 2 Setembro/2015

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Transcrição:

Número 2 Setembro/2015 Equipe responsável: Eduardo Zylberstajn (coordenador) Alison Oliveira Bruno Oliva Danilo Igliori Raone Costa Ricardo Carvalho Sergio Castelani

E sta segunda edição do Boletim FipeZap é publicada em um momento crítico da economia brasileira. A queda na atividade, a rápida deterioração do mercado de trabalho e a piora nas condições do financiamento alimentam as preocupações com a saúde e sustentabilidade do mercado imobiliário. O cenário torna-se ainda mais complexo em decorrência das dificuldades políticas e da consequente perda de confiança dos agentes econômicos. É importante lembrar, entretanto, que não se trata apenas de uma crise do setor, mas sim de uma crise macroeconômica ampla que também afeta o setor imobiliário. Ao mesmo tempo, como discutido nas próximas páginas, características particulares do mercado imobiliário somadas ao crescimento e dinamismo que o setor viveu na última década potencializaram fragilidades importantes que ganham destaque nesses tempos mais difíceis. Uma importante diferença em relação às crises passadas é que atualmente o país dispõe de mais dados e indicadores para compreender o que aconteceu e o que pode acontecer no curto, médio e longo prazos (apesar de ainda estarmos muito Variação real do Índice FipeZap (Venda) longe do ideal nesse aspecto). 10% 16% 21% 19% 7% 7% -5% 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015* 0% Nos primeiros sete meses de 2015, o preço anunciado do m 2 para venda subiu 1,5% na média das 20 cidades que compõem o Índice FipeZap. Com uma inflação que se aproxima de 7% no mesmo período, os preços dos imóveis acumulam queda de 5% em termos reais no ano. Isso significa que os preços de hoje já voltaram ao patamar do início de 2013 se levarmos em conta a inflação. (*) Até julho Notas: Para 2008, o período considerado é jan/2008 a jan/2009; Até 2009, média ponderada de São Paulo e Rio de Janeiro; em 2010, média ponderada inclui também Belo Horizonte. Para a variação real, considera-se a inflação medida pelo IPCA (IBGE). Na primeira edição do Boletim FipeZap, argumentamos que 2015 marcava o fim do ciclo de expansão de preços e o início de um período de queda nos valores de mercado dos imóveis no Brasil. Essa edição do Boletim aprofunda essa análise, tendo como objetivo entender qual poderá ser o tamanho da correção de preços que devemos observar. Adicionalmente, propomos uma breve reflexão sobre o papel do crédito na dinâmica dos preços dos imóveis. 2

Crédito imobiliário A demanda por imóveis residenciais sofre o impacto de diversos fatores. No entanto, três são usualmente relacionados como principais determinantes para o seu comportamento agregado: (i) demografia; (ii) renda das famílias e (iii) crédito imobiliário. Se, por um lado, características demográficas costumam variar pouco em intervalos curtos de tempo, renda e crédito, por outro lado, têm maior volatilidade e mudam significativamente nas diferentes fases do ciclo econômico. Os dados mais recentes do mercado de trabalho mostram uma clara deterioração do Taxa de juros do financiamento imobiliário emprego e do poder aquisitivo da (Taxa média para pessoas físicas; %) população, o que por si só já teria 11 10.7% potencial para afetar negativamente a dinâmica do mercado imobiliário. Reforçando essa trajetória, a conjuntura 10 econômica atual apresenta significativa deterioração das condições de crédito, 9 incluindo o crédito imobiliário. Até pouco tempo abundante e 8 relativamente barato, o financiamento imobiliário ficou hoje significativamente 7.6% 7 mais caro (ver gráfico acima) e mais Mar-11 Mar-12 Mar-13 Mar-14 Mar-15 escasso. Em virtude disso, o governo Fonte: Banco Central do Brasil tem adotado medidas com o objetivo de facilitar a concessão de novos financiamentos, como o aumento da linha Pró-Cotista do FGTS e a liberação de parte dos depósitos compulsórios da Poupança. Essas medidas pontuais, porém, parecem ter efeito limitado na sustentabilidade do sistema. Além disso, ao mesmo tempo e em direção oposta, a Câmara dos Deputados aprovou recentemente um projeto de lei que igualará as remunerações dos saldos do FGTS (de 3% ao ano além da T.R.) à da Poupança. Aqui, cabe uma primeira reflexão. Por que a Poupança rende 6,17% a.a. + T.R.? A correção monetária à remuneração das contas de Poupança (hoje representada pela T.R.) foi feita nos anos 1960, quando a inflação começou a ser um problema mais sério no país. Antes disso, a remuneração era fixa em 6% a cada ano. Mas afinal, desde quando? A resposta costuma surpreender: desde quando foi criada a Poupança no Brasil, em 1861 1. A definição da remuneração de 6% ao ano foi feita, portanto, pelo Imperador Dom Pedro II, há 154 anos. O fato da regra que rege a remuneração das cadernetas de popança ser antiga não é, em si, um problema. Mas é desnecessário dizer o quanto o Brasil mudou no último século e meio. É consenso entre os mais acostumados ao mundo das finanças que a Poupança tem sido, do ponto de vista financeiro, um péssimo 1 O decreto original está disponível em http://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1824-1899/decreto-2723-12-janeiro-1861-556013-publicacaooriginal-75580-pe.html 3

negócio para os poupadores. Mesmo se não considerarmos a alta inflação desse ano - que muito provavelmente ultrapassará 9% os rendimentos da poupança mal têm conseguido servir como correção inflacionária dos valores aplicados. De fato, na média dos últimos 5 anos a inflação ficou em pouco mais de 6,0% ao ano, que é justamente a correção proposta por nosso antigo imperador. No mesmo período, a taxa Selic média foi de quase 10% a.a. e atualmente se encontra acima de 14% ao ano. Trocando em miúdos: em geral, quem deixa seus recursos nas cadernetas de poupança perde dinheiro. E esse público é, em sua maior parte, composto pelas famílias com menor renda. Por outro lado, é justamente essa perda que sustenta o financiamento imobiliário no Brasil. Em qualquer lugar do mundo, a viabilidade de um sistema de financiamento imobiliário depende de juros baixos e segurança institucional. Tal segurança foi conquistada com as mudanças institucionais (notadamente o patrimônio de afetação e a alienação fiduciária) implementadas a partir de 1997. Já os juros relativamente mais baixos, no Brasil, só são viáveis por conta justamente da baixa remuneração da Poupança: Desde a década de 1960, 65% do saldo das cadernetas deve ser destinado ao crédito habitacional. Sem alternativa, os bancos então adicionam alguns pontos percentuais de spread e emprestam os recursos para os compradores de imóveis. Há dois problemas com esse modelo: primeiro, os recursos da poupança têm liquidez diária, mas os financiamentos imobiliários são de longo prazo (atualmente de 29 anos em média); segundo, são as famílias menos favorecidas que subsidiam a compra financiada de imóveis. Ou seja, há descasamento da maturação entre os recursos captados pelos bancos (de curto prazo) e a sua destinação ao financiamento imobiliário (longo prazo), o que é uma fonte de risco adicional ao sistema. Além disso, o sistema torna-se regressivo do ponto de vista da redistribuição da riqueza nacional: os pequenos poupadores transferem riqueza aos compradores de imóveis. No caso do FGTS, também utilizado para o crédito habitacional, o problema é ainda maior: a remuneração das contas dos trabalhadores é de 3% ao ano além da T.R., tornando o subsídio que os trabalhadores têm de fornecer à sociedade ainda maior. Essa questão ganha relevância no momento atual do Brasil porque estamos convivendo com juros elevados, inflação e aumento do desemprego. Ou seja, não só o número de saques do FGTS deve aumentar como mais famílias brasileiras precisarão sacar suas aplicações da caderneta de poupança. Por fim, mesmo de um ponto de vista puramente financeiro, o incentivo atual para migrar recursos depositados na Poupança para outras aplicações financeiras é muito maior do que no passado em virtude do aumento da Selic. Por isso a CAIXA, principal instituição financeira nos financiamentos imobiliários, reviu sua política para concessão de novos empréstimos em 2015. Até abril, a família que quisesse adquirir um imóvel no mercado secundário podia financiar até 80% do valor da aquisição. Atualmente, esse percentual não pode ultrapassar 50% quando a compra é de um imóvel usado. Além disso, a taxa de juros média dos financiamentos (considerando todos os bancos) vem subindo desde 2013. As novas regras da CAIXA não impactaram os financiamentos de imóveis novos e não foram seguidas por outros bancos até o momento. De todo modo, essas mudanças chamaram atenção para o fato de que o crédito imobiliário pode passar por um período de crescimento baixo ou até mesmo retração se as condições adversas na economia se mantiverem por um período prolongado de tempo. Não há solução simples para a questão: de um lado, temos um esquema de subsídios que faz pouco sentido do ponto de 4

vista econômico; de outro, temos um setor muito importante para a economia brasileira que depende desse esquema para continuar se expandindo. Resolver essa questão requer criatividade, muito estudo e muita habilidade política para tratar de um assunto que impacta profundamente os preços dos imóveis e, portanto, as condições de moradia de todos os cidadãos. O gráfico abaixo ilustra a grande correlação existente entre o estoque de crédito habitacional e os preços dos imóveis no Brasil, medida pelo Índice FipeZap. As linhas representam as variações das duas medidas na comparação com o mesmo mês do ano anterior e parecem apontar que a variação dos preços segue a evolução do estoque de crédito, ao menos no período analisado. É importante notar que o ritmo atual dos preços de venda (que em julho/2015 registraram alta de 4% na comparação com julho/2014) ainda não deve ter sofrido influência do novo cenário dos financiamentos, uma vez que as mudanças recentes ainda não impactaram de forma significativa a evolução do estoque de crédito 2. Ou seja, a queda real nos preços até o momento ainda não parece ter relação com os efeitos do aperto recente do crédito imobiliário. Índice FipeZap e Crédito imobiliário (Variação anual) 60% 35% 55% 50% 45% 40% 35% Crédito imobiliário (estoque) Índice FipeZap (venda) 30% 25% 20% 15% 30% 10% 25% 5% 20% 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 Fontes: FipeZap e Banco Central do Brasil Nota: Até abr/2009, o Índice FipeZap de Venda é a média ponderada de São Paulo e Rio de Janeiro; até jul/2010, inclui Belo Horizonte e até mai/2012 é o Índice FipeZap Composto (7 cidades). A partir desse ponto considera-se o Índice FipeZap Ampliado (20 cidades). 0% 2 Vale notar que a concessão de crédito imobiliário vinha mostrando algum crescimento antes da medida (com validade a partir de maio); de janeiro a abril de 2015 as concessões mostraram aumento de 11% com relação ao mesmo período de 2014. Já entre maio e julho, ou seja após a adoção das alterações nos critério de financiamento da CAIXA, as concessões de crédito imobiliário apresentaram queda média de 26,7% sobre o mesmo período de 2014. Ou seja, embora essa alteração ainda não tenha influenciado de forma significativa o estoque de crédito, há evidencias de que tenha afetado o fluxo de novos financiamentos. 5

Rentabilidade do aluguel (rental yield) A seção anterior focou em um dos principais fundamentos da demanda por imóveis. A análise do comportamento da oferta, por sua vez, envolve outros fatores. Lembramos, por exemplo, que o mercado se divide entre imóveis novos (mercado primário) e imóveis usados (mercado secundário). A oferta de novos imóveis depende da disponibilidade de terrenos, da regulamentação do uso da terra (plano diretor das cidades, por exemplo) e da estrutura da cadeia produtiva, apenas para citar alguns fatores. A oferta de imóveis no mercado secundário também depende de muitos fatores (inclusive da construção de imóveis novos), mas um aspecto essencial, bastante ligado às condições de crédito da economia, é o custo de oportunidade que a propriedade do bem imóvel impõe ao seu dono. Esse custo aumenta quando aumentam os juros, já que o proprietário se vê cada vez mais atraído a transformar sua riqueza imobilizada em recursos líquidos que rendam mais com os juros. Desta forma, é de fundamental importância acompanhar a rentabilidade do aluguel, isto é, o quanto um imóvel gera de resultados financeiros, para então comparar esse rendimento com investimentos alternativos. Essa rentabilidade é calculada através da divisão do valor recebido com a locação do imóvel pelo valor de venda do mesmo. Para obter a rentabilidade em termos anuais, multiplica-se essa razão por 12 (já que o aluguel normalmente é um valor mensal). Rentabilidade do aluguel vs. taxa de juros (% a.a.) Brasil 10% Como explicado na edição anterior do Boletim FipeZap, o retorno que um investidor tem com aluguéis é uma informação importante não somente para quem investe em imóveis, mas para todas as famílias. Afinal, a família pode escolher entre ocupar um domicílio próprio ou alugar um imóvel. Assim, a comparação da rentabilidade do aluguel com a taxa de juros da economia ajuda a compreender o que deve acontecer com os preços dos imóveis. 8% 6% 4% 2% 0% Taxa de juros reais (tendência) Rentabilidade do aluguel Taxa de juros reais 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 5.1% 4.7% Fontes: FipeZap, BM&F Bovespa e Banco Central Se a rentabilidade da locação está baixa em relação aos juros reais, podemos esperar dois movimentos não excludentes: (i) mais famílias migrarão para o aluguel na região (principalmente entre as novas famílias que chegam à região) e (ii) os investidores vão preferir vender seus imóveis e aplicar o dinheiro em alguma alternativa mais rentável. Esses movimentos fazem com que o preço de venda caia em relação ao preço de aluguel, até que a taxa de retorno com a locação volte a um patamar mais razoável na comparação com a taxa de juros dos investimentos alternativos. 6

Por outro lado, se a rentabilidade do aluguel está alta, os movimentos se invertem e a taxa de retorno do aluguel deve cair ao longo do tempo, fazendo com que o preço da venda aumente em relação ao de locação. Fica claro, portanto, que o principal fator estrutural que determina os movimentos da rentabilidade do aluguel é a taxa de juros da economia. O gráfico da página anterior mostra a evolução das taxas de juros reais no Brasil e da rentabilidade média do aluguel segundo o Índice FipeZap. Há duas curvas de juros reais: a curva pontilhada, bastante volátil, é a medida da taxa ao final de cada mês, calculada como a taxa de juros nominal de um ano descontada da expectativa de inflação para os próximos 12 meses. Já a curva cheia é a tendência dessa curva 3. Como o mercado imobiliário é um mercado bastante inercial, entendemos ser mais apropriado comparar o retorno médio do aluguel com a tendência dos juros reais. Em julho/2015 essa tendência indicava uma taxa de 5,1% ao ano; já o valor efetivamente medido estava em 7,7% ao ano. É importante destacar que, se os juros efetivos permanecerem neste patamar por muito tempo, o juro tendencial deverá convergir para um nível mais elevado, com efeitos no mercado imobiliário. A queda na rentabilidade do aluguel observada para o Brasil entre 2008 e 2013 parece estar bem associada à tendência de queda nos juros reais que o país experimentou no período. Nesses 6 anos, o retorno médio com locação ficou cerca de 1 ponto percentual acima da tendência dos juros reais. Atualmente, porém, a diferença é negativa em -0,4 p.p.; caso a comparação seja feita com a taxa de juros reais registrada em julho/2015, de 7,7%, a diferença é ainda maior: -3%. Para retomar a diferença média de 2008-2013, os preços de venda devem se reduzir em média 23% em relação ao preço de locação. Algumas considerações sobre esse percentual: (i) esse ajuste não se dá necessariamente no preço de venda, sendo possível algum aumento no preço de locação 4 ; (ii) o ajuste não se dá de forma abrupta e, finalmente, (iii) pode-se sempre esperar que o aumento nos juros não deve ser permanente e que as taxas possam se estabilizar em patamar inferior. Nesse último caso, a rentabilidade do aluguel não teria que subir todo o 1,5 p.p. para retomar a diferença média observada anteriormente. 3 Utilizamos como referência para os juros reais a tendência da taxa de juros reais. Essa tendência foi calculada utilizando um filtro HP para o período exibido no gráfico. 4 Cabe destacar, entretanto, que a dinâmica atual é de queda dos preços de aluguel (medido pelo Índice FipeZap de Locação), ou seja, é improvável que o ajuste no rental yield aconteça via aumento de preço de locação, ao menos no curto prazo. 7

Variação anual (%) Boletim FipeZap #2 Setembro/2015 As seções anteriores mostraram a importância da taxa de juros e da variação do estoque de crédito imobiliário no Brasil para a trajetória dos preços dos imóveis medida pelo Índice FipeZap. Utilizando essas e outras variáveis, como a evolução da oferta total de lançamentos e a massa salarial, apresentaremos nessa seção um modelo simples de projeção para os próximos meses para a variação anual do Índice FipeZap. A premissa básica do modelo é a de que o comportamento dos preços a cada mês é função do que ocorreu recentemente com a oferta de novos imóveis, com a renda formal da população, do nível da taxa de juros real e com o crescimento recente do crédito habitacional. Com a utilização de ferramentas estatísticas foram encontradas relações quantitativas entre as dinâmicas do Índice FipeZap e de seus determinantes. Com base nessas relações encontradas e em cenários futuros para as variáveis relevantes, é possível projetar o comportamento do preço dos imóveis para os próximos meses. 5 Como usual nesse tipo de exercício, a projeção trabalha com a hipótese de que a relação entre as variáveis no passado irá se manter no futuro, ao menos no horizonte de projeção. Essa é uma hipótese simplificadora, pois mudanças estruturais podem ter impacto nessas relações, especialmente se entrarmos em uma dinâmica diferente do que o Índice FipeZap já mostrou no passado 6. Considerando essas premissas, o Índice FipeZap deve mostrar comportamento parecido com o do gráfico abaixo. Projeção: Variação anual do Índice FipeZap 15 10 5 0-5 2.5% -0.6% 0.9% -3.4% -4.8% -6.2% -10 Jun/2013 Dec/2013 Jun/2014 Dec/2014 Jun/2015 Dec/2015 Jun/2016 Fonte: FipeZap Nota: As linhas pontilhadas exibem o intervalo de dois desvios-padrão acima e abaixo da projeção do modelo econométrico. 5 A metodologia completa da modelagem econométrica utilizada para a projeção do Índice FipeZap está disponível em www.fipe.org.br. 6 Por exemplo, o Índice FipeZap nunca entrou em terreno negativo, e podemos argumentar que por conta da resistência dos proprietários em reduzir nominalmente seus preços é possível que as relações entre as variáveis econômicas e o índice FipeZap diminua de intensidade em um momento de queda de preços. Esse tipo de conjectura parece lógica, mas sem ter acompanhado outros períodos de queda do Índice FipeZap fica difícil sabermos até que ponto isso é verdadeiro 8

O resultado da projeção sugere que, por conta do que observamos com essas variáveis recentemente, o Índice FipeZap deve continuar caminhando abaixo da inflação nos próximos meses. No final do ano de 2015, a variação nominal dos preços será de cerca de 1% (vale notar que não podemos sequer excluir a hipótese de queda nominal do índice em 2015, pois tal cenário encontra-se dentro do intervalo de confiança de 2 desvios padrões do centro da projeção). Para junho/2016, a projeção indica persistência na trajetória, podendo levar o índice ao terreno negativo pela primeira vez em sua série histórica (iniciada em 2008). Todas as variáveis utilizadas na modelagem estão contribuindo para a queda do indicador: o crescimento do crédito imobiliário está em queda, o volume de imóveis novos ofertados ainda não mostrou sinais de retração, a massa salarial está em queda e os juros reais estão em alta. Em síntese, as seções anteriores mostraram o seguinte: O modelo de crédito habitacional do Brasil terá dificuldades sérias para se sustentar em cenários como o atual, com altas taxas de juros reais. A consequência e manifestação dessa condição é a desaceleração na concessão de novos financiamentos dos últimos meses, que ainda não está refletida inteiramente no preço médio dos imóveis. O ajuste no preço médio dos imóveis vem ocorrendo de forma gradual, sendo que a variação (nominal) esperada para 2015 é próxima de zero; para 2016, com as condições econômicas do presente, espera-se queda nominal. Com isso, os preços (em termos reais) voltariam para níveis de 2011 ao final do ano que vem. Uma análise mais detalhada da evolução dos preços de imóveis no país mostra, porém, que o ajuste de preços já se aprofundou em muitas regiões do Brasil. Apesar do preço médio mostrar uma trajetória gradual e ainda ter aumento (pequeno) em 2015, já é possível observar queda nominal de preços em 5 das 25 cidades para as quais há índice construído 7. Adicionalmente, mesmo nas outras 20 cidades que a Fipe e o ZAP acompanham, diversos bairros apresentaram queda no valor do metro quadrado anunciado. Considerando as três cidades com maior peso no cálculo do Índice FipeZap, foram observadas quedas nominais de preço em 28% dos bairros monitorados 8 - São Paulo (17%), Belo Horizonte (34%) e Rio de Janeiro (35%). Os gráficos exibidos nas páginas finais deste boletim mostram todos esses bairros para essas três capitais. Além de diferenças nas condições locais de oferta e demanda, notamos que inflação alta e mudanças nas regras que regem os mercados não são incorporadas de forma uniforme pelos agentes. A percepção e adaptação dos compradores e vendedores às novas condições ocorre em diferentes velocidades e, por isso, 7 Brasília, Niterói, Curitiba, Osasco e Guarulhos. 8 Para garantir a robustez e representatividade das informações, foram apenas considerados bairros que apresentaram um número significativo de anúncios coletados em dezembro de 2014 e em julho de 2015. 9

não causa surpresa que tenhamos um aumento da assimetria dos movimentos de preços. Vemos, ao mesmo tempo, bairros com elevada queda de preço como Realengo (RJ), Jaçanã (SP) e Jaraguá (BH) e regiões que ainda mostram fôlego com aumentos expressivos nos preços anunciados, como Madureira (RJ, com 11,6% de aumento), Itaquera (SP, 9,5%) e Barreiro (BH, 8,6%). Esses números evidenciam a complexidade que envolve qualquer análise do mercado imobiliário. O fato de esperarmos uma queda real no preço médio dos imóveis no Brasil não é suficiente para se concluir que a compra de um imóvel deve ser evitada hoje a qualquer custo. Parte cada vez maior dos participantes do mercado irá perceber e se adequar às novas condições. Adicionalmente, notamos que em um quadro de incerteza crescente o investimento em imóveis tende a ser visto como uma opção de menor risco para alguns investidores em busca de diversificação. Ressaltamos ainda, que o mercado imobiliário hoje dispõe de mais e melhores informações, sendo essa uma condição essencial para que compradores e vendedores tomem as melhores decisões. Bairros com variação negativa em 2015: São Paulo Fonte: Índice FipeZap 10

Bairros com variação negativa em 2015: Rio de Janeiro Fonte: Índice FipeZap 11

Bairros com variação negativa em 2015: Belo Horizonte Fonte: Índice FipeZap 12

Mais informações: www.fipezap.com.br Contato: fipezap@fipe.org.br 13