A MERCANTILIZAÇÃO DA SAÚDE E A POLÍTICA DE SAÚDE BRASILEIRA: a funcionalidade da saúde suplementar



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Transcrição:

A MERCANTILIZAÇÃO DA SAÚDE E A POLÍTICA DE SAÚDE BRASILEIRA: a funcionalidade da saúde suplementar Maria Valéria Costa Correia 1 Valéria Coêlho Omena 2 RESUMO: O trabalho trata da tendência crescente da privatização da Saúde pública brasileira. Aborda a inter-relação dos setores público e privado por dentro do Sistema Único de Saúde (SUS) e como a ampliação do mercado de planos privados de saúde estão em consonância com a mercantilização e o desmonte do SUS. Palavras-chave: Mercantilização, Privatização, Saúde Suplementar. ABSTRACT: The work deals with the growing trend of public health's privatization in Brazil. Addresses the interrelationship of public and private sectors within the Unified Health System (SUS) and as the expansion of the market for private health plans are in line with the commodification and disassemble the SUS. Keywords: Commodification, Privatisation, supplementary health 1 Doutora. Universidade Federal de Alagoas - UFAL. Email: correia.mariavaleria@gmail.com 2 Mestre. Universidade Federal de Alagoas - UFAL.

1 INTRODUÇÃO A saúde se constitui como um dos setores em se disputa no mercado. Segundo Aciole (2006), a sua capitalização se expressa na venda da saúde como mercadoria, como um produto disponível para consumo na perspectiva médico assistencial individual (idem. p. 244). Este mercado é representado pelo Sistema Suplementar, composto por [...] uma complexa organização que reúne as chamadas operadoras de planos de saúde, conjunto de organizações diversas como as empresas de seguro-saúde, as medicinas de grupo, as cooperativas de trabalho médico, os hospitais empresa e as autogestões, surgidas em diferentes momentos históricos (ibidem). Correia (2012) aponta que as mudanças mais recentes ocorridas no campo da saúde estão em consonância com as propostas de ajuste estrutural propugnadas pelos organismos financeiros internacionais, que têm como eixo a atuação do Estado em conjunto com o setor privado. Desta forma, se expressa a opção por um Estado essencialmente regulador das relações contratuais ou das concessões aos agentes não estatais de atividades de interesse de relevância pública - entes privados ou Organizações Sociais (Costa, 1998), apontando para um padrão flexível de destinação de recursos estatais no mix público-privado (idem, p.61). A proposta do grande capital é privatizar e assistencializar a seguridade (MOTA, 1995, p.227). Desta forma, não casualmente, o setor empresarial se dirige a atender demandas nas áreas da Previdência Social e da Saúde, enquanto o terceiro setor dirige-se fundamentalmente à assistência (MONTAÑO, 2001, 22). Laurell (1996 apud CORREIA, 2005) destaca que todas as medidas de privatização se combinam com a permanência das instituições públicas de saúde, porque a privatização só acontece nas atividades rentáveis de saúde, ficando o restante a cargo do setor público. Este trabalho trata da tendência crescente da privatização da saúde pública brasileira. Aborda como a inter-relação dos setores público e privado por dentro do SUS e a ampliação do mercado da saúde suplementar estão em consonância com a mercantilização e o desmonte do SUS. 2 DESENVOLVIMENTO

A contrarreforma 3 implementada no Brasil a partir da segunda metade da década de 1995, em consonância com as recomendações do Banco Mundial, aponta a necessidade de limitação das funções do Estado - que não deveria mais responsabilizar-se pela execução direta das políticas sociais, mas, apenas, coordená-las e financiá-las - e o fortalecimento do setor privado na oferta de serviços de saúde (CORREIA, 2005 e 2012). Nesta perspectiva, Correia (2012) afirma que o setor privado da saúde tem se expandido no livre mercado e por dentro do SUS. Na atualidade, está em curso um processo avassalador de mercantilização e privatização da saúde com forte apoio estatal. A expansão do setor privado por dentro do SUS é o que denominamos de privatização. Ela vem se dando de duas formas: através da compra de serviços privados de saúde complementares aos serviços públicos e, mais recentemente, através do repasse da gestão do SUS para entidades privadas e/ou de direito privado, por meio dos denominados novos modelos de gestão (CORREIA, 2012). Esta autora afirma que a complementariedade do setor privado ao setor público, assegurada legalmente, foi invertida. Chama a atenção que a brecha constitucional que estabelece a complementariedade do setor privado ao setor público mediante contrato de direito público ou convênio (Artigo nº 199, 1º da CF/1988), quando as disponibilidades do SUS forem insuficientes para garantir a cobertura assistencial à população de uma determinada área (arts. 24 a 26 da Lei n.º 8080/1990), permitiu a ampliação dos serviços privados de saúde por dentro do SUS, principalmente nas áreas mais lucrativas - média e alta complexidade -, distorcendo esta complementaridade na prática (CORREIA, 2012). A complementariedade está invertida, pois se estima que de cerca de 60% dos recursos públicos da Saúde são alocados na rede privada, através de convênios/compra de serviços privados de média e alta complexidade. Ressalta-se que o Movimento da Reforma Sanitária brasileira sempre defendeu a estatização progressiva (CORREIA, 2012). A segunda forma tem se dado pelo repasse da gestão do SUS para outras modalidades de gestão não estatais, através dos contratos de gestão e parcerias, mediante transferências de recursos públicos, viabilizadas pelas Organizações Sociais (OSs), criadas em 1998, pela Lei 9.637/98; pelas Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP), criadas em 1999 pela Lei Federal n.º 9.790; pelas Fundações Estatais de Direito 3 Denominam-se contrarreformas pelo seu caráter regressivo do ponto de vista da classe trabalhadora. Behring (2003) utiliza este termo para tratar do processo de "desestruturação do Estado e perda de direitos no Brasil a partir da década de 1990.

Privado (Projeto de Lei Complementar nº 92/2007); e pela Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (EBSERH), criada pela Lei 12.550/2011 4. O modelo que mais tem sido implementado na área de Saúde, nos estados e municípios, é o das Organizações Sociais, devido à sua total imunidade aos controles próprios do regular funcionamento da coisa pública e ao Controle Social. O progressivo aumento de repasse de recursos públicos para as OSs demonstra que o argumento de que a privatização traz o enxugamento de gastos públicos é um engodo. Com a adoção das OSs em São Paulo, por exemplo, a contrapartida de recursos públicos entre 2006 e 2009 aumentou em 114%, no mesmo período o orçamento do estado cresceu 47%, ou seja, as despesas do estado de São Paulo com a terceirização da Saúde cresceram mais que o dobro do aumento do orçamento público 5. Embora os defensores da privatização da Saúde argumentem que o processo de privatização seja necessário para reduzir os gastos públicos Possas (1996) contrapõe-se a este argumento, declarando que o aumento da privatização exigiria maiores e não menores gastos públicos, tendo em vista que os prestadores de serviços privados, em muitos países da América Latina, são altamente subsidiados pelo governo, sem a esperada contrapartida de maior eficiência ou melhor qualidade dos serviços. Nestes termos, a autora enfatiza que, o setor privado depende das transferências diretas e indiretas de recursos públicos para sobreviverem num mercado restrito e altamente concentrado, as políticas de privatização tendem a requerer mais e não menos gastos públicos (POSSAS, 1996, p.56). No livre mercado, esta expansão se revela no crescimento do Sistema de Saúde Suplementar, resultante da universalização excludente, em que os trabalhadores melhores remunerados vêm, cada vez mais, comprando estes serviços (Correia, 2007). Desde os anos 1980 a compra de serviços privados de saúde passou a ser pauta de reivindicação dos sindicatos dos trabalhadores nas negociações com o empresariado. Para Elias (2000, p.223), o crescimento vertiginoso do setor privado de saúde, aprofunda cada vez mais a divisão do Sistema de Saúde, supostamente entre pobres e ricos, e a transformação das necessidades de Saúde em mercadoria. 4 Ver em CORREIA, 2011. 5 Para o bem da Saúde pública dos paulistanos, Haddad precisa abrir a caixa-preta das OSs. Publicado em 30 de outubro de 2012. Por Conceição Lemes. Disponível em < http://www.viomundo.com.br/denuncias/para-obem-da-saude-publica-dos-paulistanos-haddad-precisa-abrir-a-caixa-preta-das-oss.html> Acesso em 30 de outubro de 2012.

O mercado de saúde tem crescido demasiadamente nos últimos anos. Segundo dados da Agência Nacional de Saúde ANS, até o final setembro de 2012 o número total de operadoras de planos de saúde era de 1.338, com no total de beneficiários 67.100.742 6. Quanto ao crescimento da receita de contra prestações das operadoras de planos privados de saúde ao longo dos últimos anos vem crescendo vertiginosamente, segundo a ANS, [...] de 2001 a 2007, a receita total do setor de planos privados de saúde passou de cerca de 23 bilhões para acima de 47 bilhões de reais, dos quais mais de 97% referem-se às operadoras médico-hospitalares 7, já em 2011 este valor informado foi de 84.487.639.242 8. Nas últimas duas décadas, identifica-se um marco nos determinantes do desenvolvimento e consolidação do setor privado de planos e seguros de saúde, mas especificamente a partir de 1998, quando a Saúde Suplementar passou a ser regulada pela Lei nº 9.656/1998, introduzindo novas pautas no mercado como a ampliação de cobertura assistencial, o ressarcimento ao SUS, o registro das operadoras, o acompanhamento de preços pelo governo, a obrigatoriedade da comprovação de solvência, reservas técnicas, a permissão para a atuação de empresas de capital estrangeiro, dentre outras. E em 2000, com a Lei 9.961/2000 que cria a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), para regulamentar e fiscalizar o setor, baseando-se no Art. 174 da Constituição Federal/1988 que define o papel do Estado enquanto agente normativo e regulador da atividade econômica. Desde 2007 o governo vem ampliando o Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde que amplia a cobertura mínima para os beneficiários de planos de saúde [...], o que significa que o governo vem desde então indicando a cobertura mínima obrigatória para cada segmentação de planos de saúde instalados no Brasil, desde o atendimento ambulatorial, ao hospitalar, destacando a cobertura dos planos de saúde com ou sem obstetrícia, que tem sido contratado pelo consumidor brasileiro. O governo afirma que a lógica desta obrigatoriedade na cobertura mínima não é voltada para o pagamento e sim para a cobertura, definindo também as normas para cada procedimento as segmentações de planos de saúde que devem ou não cobri-lo. 6 Sendo 48.660.705 beneficiários em planos privados de assistência médica com ou sem odontologia com e 18.440.037 beneficiários em planos privados exclusivamente odontológicos estes números sobem para usuários. Dados disponíveis em < http://www.ans.gov.br/materiais-para-pesquisas/perfil-do-setor/dados-gerais > acesso em 14 de abril de 2013. 7 Dados disponíveis em <http://bvsms.saude.gov.br/bvs/periodicos/ans/ans_inform_2008.pdf> Acesso em 14 de abril de 2013 8 Dados disponíveis em < http://www.ans.gov.br/materiais-para-pesquisas/perfil-do-setor/dados-gerais > acesso em 14 de abril de 2013

Até dezembro de 2011 foram aprovados cerca de 200 novos procedimentos cobertos pelos planos de saúde em funcionamento no país, que incluem exames, tratamentos, ampliação do número de consultas com nutricionista e terapeuta ocupacional e novos tipos de cirurgia por vídeo, inclusive a cirurgia bariátrica (para a redução de estômago). Embora a CF de 1988 estabeleça o setor privado como complementar ao SUS, o que supostamente significaria o segmento suplementar desoneraria o SUS financeiramente e promoveria a diminuição da demanda por serviços aos serviços estatais. Estudos comprovam que isso não acontece, pelo contrário, conforme Nishijima; Cyrillo e Biasoto Jr. (2010), as operadoras de plano de saúde embora sejam detentoras da maior parte da infraestrutura de diagnose no Brasil, não possuem esta mesma cobertura estrutural para atender a demanda de alta complexidade, possibilitando assim, a utilização dos serviços públicos de saúde pelos usuários que possuem plano privado de saúde sem a devida reposição financeira ao SUS, e consequentemente, uma desigualdade tanto do uso (considerando a ampliação dos planos de saúde populares pelos indivíduos da chamada classe C, como pela cobertura destes planos no tocante a rede de serviços de diagnósticos, e a utilização do serviço público para o tratamento), caracterizando a desigualdade de uso entre usuários exclusivos do SUS e usuários dos dois sistemas de Saúde, quanto pelo financiamento e oferta de serviços de saúde e o modelo de regulação vigente. 3 CONCLUSÃO Na trilha da privatização e mercantilização da Saúde em curso o governo federal anuncia um conjunto de medidas para favorecer ainda mais o setor privado da saúde, além de reduzir os impostos que incidem sobre este setor, deverá oferecer financiamentos públicos para a melhoria dos serviços hospitalares privados 9. Com estas medidas o Estado responde prontamente às demandas do setor privado por redução de impostos, maior financiamento para melhoria da infraestrutura hospitalar e a solução da dívida das Santas Casas. 9 Elio Gaspari, Um pacote de veneno para a Saúde, Folha de São Paulo, publicado em 03 de março de 2013. Disponível em <http://www1.folha.uol.com.br/fsp/poder/96631-um-pacote-de-veneno-para-a-saude.shtml> Acesso em 03 de março de 2013.

Caso estas medidas anunciadas se concretizem, 10 a privatização não se dará mais de forma mascarada, travestida de modernização da gestão, como no caso dos novos modelos de gestão: Organizações Sociais (OSs), Fundações Estatais de Direito Privado (FEDPs) e Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (EBSERH). Ou mesmo na forma da complementariedade invertida em que em vez da rede privada ser complementar à pública, tem absorvido cerca de 60% dos recursos públicos destinados aos procedimentos de alta e média complexidade, através de convênios e contratação de serviços da rede privada pelo SUS. O fundo público tende a, cada vez mais, ser alocado no setor privado da saúde em detrimento da ampliação do setor público, como foi defendido pelo Movimento da Reforma Sanitária nos anos de 1980, e como está registrado no Relatório da 8ª Conferência Nacional de Saúde: progressiva estatização do setor. As referidas medidas que beneficiam os planos privados são anunciadas poucos meses depois da venda de 90% da AMIL, maior operadora de planos privados de Saúde do Brasil, para a empresa norte-americana United Health, e do anuncio do seu fundador, Edson Godoy Bueno, um dos maiores bilionários brasileiros, da meta destes planos atingirem 50% da população brasileira, ou seja, duplicar a sua cobertura para 100 milhões de brasileiros. A estratégia anunciada pela United Health para o Brasil é crescer entre o público de baixa renda. Ao contrário do assegurado legalmente na Constituição de 1988 e nas leis orgânicas da Saúde, em vez de acesso universal aos serviços de Saúde, consagra-se o processo de universalização excludente em que ao tempo em que o acesso a estes serviços foi garantido a todos legalmente, absorvendo os desempregados e os trabalhadores do setor informal e, simultaneamente, os trabalhadores melhores remunerados foram impulsionados à compra de serviços no mercado privado devido à precariedade e a baixa qualidade dos serviços públicos de Saúde. Assim, houve um crescimento no número de usuários de planos de saúde de 34,5 milhões, em 2000, para 47,8 milhões, em 2011. O Brasil é o 2º mercado mundial de seguros privados perdendo apenas para os Estados Unidos da América (ANDREAZZI, 2012). Segue-se o recomendado pelo Banco Mundial: cabe ao Estado coordenar e financiar as políticas sociais, não mais executá-las diretamente, e fortalecer o setor privado na oferta de serviços de saúde. 10 O Ministro da Saúde negou estas medidas na reunião do Conselho Nacional de Saúde, 14 de abril de 2013, mas ressaltou a integração da Saúde suplementar com o SUS.

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