Procedimentos de manutenção do tópico em diálogos simétricos

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O TÓPICO EM TEXTOS FALADOS E ESCRITOS Paulo de Tarso Galembeck (UEL)

Transcrição:

Procedimentos de manutenção do tópico em diálogos simétricos Paulo de Tarso Galembeck Universidade Estadual de Londrina (UEL) Centro de Letras e Ciências Humanas (CLCH) Caixa Postal 6001 86051-970 Londrina PR Brasil ptgal@uel.br Abstract. This paper discusses the procedures used for the topic maintenance in the symmetrical interaction. The text is composed by two parts: in the first, is presented the concept of anaphora or correference, and are showed its two principal modalities, the total anaphora and the partial one. The second part deals with the anaphoric terms and its role in the topic expansion. Keywords. Spoken language; dialogue; topic; anaphora. Resumo. Este trabalho discute os procedimentos usados para a manutenção do tópico na interação simétrica. O texto compõe-se de duas partes: na primeira, expõe-se o conceito de anáfora ou correferência e suas duas formas principais, a anáfora total e a parcial. A segunda trata dos termos anafóricos e de seu papel no desenvolvimento do tópico. Palavras-chave. Língua falada; diálogo; tópico; anáfora. 1. Preliminares Este trabalho trata da presença de termos anafóricos em diálogos simétricos, com a finalidade de discutir o papel desses termos na manutenção do tópico conversacional. A exposição compõe-se de duas partes: na primeira expõe-se o conceito de anáfora e apresentam-se suas duas formas principais, a anáfora total (correferência em sentido estrito) e a parcial (anáfora associativa). O córpus do trabalho é constituído pelos inquéritos n os 333 e 343, pertencentes ao arquivo do Projeto NURC/SP e estão publicados em Castilho e Preti, 1987. 2. Anáfora 2.1 Conceito de anáfora Bechara, 2002: 49, define antitaxe ou substituição como uma propriedade segundo a qual uma unidade presente na cadeia falada (de modo real ou virtual) pode ser retomada ou antecipada por outra unidade ou por zero. O citado Autor ainda Estudos Lingüísticos XXXIV, p. 1176-1181, 2005. [ 1176 / 1181 ]

acrescenta que pode haver a retomada ou substituição de apenas parte de uma dada unidade. Bechara cita, como exemplo característico de antitaxe e, os pronomes que representam lexemas (palavras ou grupos de palavras). Incluem-se nesse grupo os chamados pronomes neutros (isto, isso, aquilo), que representam um lexema virtual, nos casos em que se referem a um fato, uma circunstância, uma situação. A retomada de um lexema é o caso mais representativo da antitaxe, mas não é o único, já que ainda segundo o citado Autor essa propriedade possui uma amplitude muito maior. Com efeito, essa propriedade está presente em todos os estratos gramaticais (1) e se manifesta tanto desde os âmbitos da oração e do texto (é o caso de sim ou não, ou ainda, de um pronome, que condensam uma resposta), até o nível dos componentes do sintagma (é o caso do apagamento de preposições, como em mesa de madeira e (de) metal ). O texto também menciona duas modalidades de antitaxe: o material, em que o elemento substituto tem a mesma função do substituído (por exemplo, o apagamento de preposições ou, ainda, do sufixo adverbial, em fria e secamente ), e a funcional, caracteriza por um papel definido no plano da interação. A anáfora nominal (retomada de um referente já citado), possui uma dimensão material (verificável sobretudo no apagamento dos sujeitos idênticos), mas é antes funcional, já que a retomada do referente está ligada à expansão do tópico. 2.2 Modalidades da anáfora Já se disse anteriormente que a feição mais característica de antitaxe é a retomada de um lexema já citado no texto. E, seguramente, a forma prototípica da retomada de lexema é a relação de correferência, assim entendida a reapresentação de um referente já inserido no texto, mediante o uso de elementos lexicais ou gramaticais. É o procedimento conhecido por anáfora ou correferência, o qual, de acordo com Vilela, 1995:355 e ss. compreende três tipos de relações de referência: - identidade total de referência (por exemplo, entre Maria e ela); - identidade parcial de referência (entre casa e telhado ou muro); - relação hiperonímica (entre atacantes e time de futebol, numa referência às posições dos jogadores). A relação hiperonímica, na maioria dos casos, efetua uma relação de identidade total de referência, de modo que existem duas modalidades de relações de correferência, a identidade total e a parcial. Como assinala Vilela, op. cit: 356, a identidade parcial é conhecida como anáfora associativa, e sua inserção nos casos de correferência decorre do fato de os conceitos estarem estruturados de modo complexo. Com efeito, a correferência não se limita aos casos de identidade total, pois são igualmente correferenciais as relações entre o todo e as partes, ou entre conceitos afins. A identidade parcial é denominada por Halliday e Hasan, 1976: cap. 2, colocação ou contigüidade, como tal entendido o uso de termos pertencentes ao mesmo campo significativo. O exemplo a seguir evidencia o papel exercido por ambas as modalidades de correferência na retomada do tópico. Estudos Lingüísticos XXXIV, p. 1176-1181, 2005. [ 1177 / 1181 ]

(01) (As informantes discutem a questão da qualidade na programação da TV e L1 cita o exemplo de Marília Medalha, cantora dos festivais da década de 60.) L1 aí a Marília então... ahn... eh cantou lindamente... e mais do que cantar eu acho que a Marília tem um força dramática muito grande o que faz (com) que se suponha nela... uma atriz e é tão raro... que o ator nosso tenha esses dois predicados... saiba interpretar::... e tenha uma boa VOZ:: e conhecimentos musicais... que eu:: disse a ela que ela ah ela ainda não se conhecia ela ainda não tinha se percorrido porque ela ainda poderia ser... a estrela de um grande musical.. por causa da força interpretativa dela... que não é comum... não é? Nós temos às vezes grandes cantores popula::res... mas que não sabem interpretar às vezes não sabem nem sequer dizer::... as palavras se perdem... e ela não ela::... ela interpreta magnificamente... (NURC/SP, 333, l. 588-602) (As correferências totais estão assinaladas com um traço, enquanto as parciais são marcadas com dois traços). Verifica-se que as duas modalidades de anáfora já mencionadas participam diferentemente da retomada do tópico: os anafóricos que retomam diretamente o subtópico (correferentes totais, como Marília, ela) assinalam as boas qualidades interpretativas da referida cantora, enquanto a anáfora indireta (correferência) expande o tópico pela adução de dados que permitiu inserir o tópico em andamento no universo cognitivo-conceitual dos interlocutores. Com isso, fica evidente que a construção do tópico é um processo multiforme e dinâmico, que é efetuado em várias dimensões, pois não se confunde com a retomada do mesmo referente, em sentido estrito. Com o emprego dos termos relacionados, cria-se o espaço comum partilhado pelos interlocutores, e se estabelecem, de modo efetivo, condições para uma troca entre os participantes do diálogo. Veja-se também o texto a seguir: (02) L2 metrô?... L1 está meio atrasado né?... já devia ter muito tempo... L2 está tendo boa aceitação né?... em geral eu nunca andei de metrô aqui sabe? Doc. ah:: vale a pena... L2 é me disseram que va::le L1 porque ele ainda não está... trabalhando bem né? ou seja ele está funcionando mas... acho que a:: causa básica dele é transporte em massa... (correto?) é um meio de transporte que... não causa trânsito... não causa congestionamento o metrô... funciona diferentemente de vários ônibus né? (não é) um ônibus atrás do outro... mas é um transporte RÁPIDO... é uma... das opções de transporte... (agora) para você... transportar a massa... BEM você não pode ter uma linha só... você tem que ter várias Estudos Lingüísticos XXXIV, p. 1176-1181, 2005. [ 1178 / 1181 ]

L2 L1 L2 L1 linhas para cobrir toda a área de São Paulo e distribuir né? uhn uhn então você pega a massa da... periferia joga para o centro... e devolve essa massa de novo para a periferia... ( ) de manhã... para a tarde né? uhn uhn numa linha só não cobre isso... porque você veja... metrô é um transporte em linha reta né?... então:: você tem que ter coisas (conexando) o início e fim da linha... porque você não consegue concentrar uma massa num ponto que seria o início da linha e:: depois soltar essa massa noutro ponto e tudo bem... você tem que ter uma malha uma rede... de tal maneira que isso fique... mais discretizado né? (NURC/SP, 343 l. 330-359) O tópico do segmento anterior (metrô) é retomado por meio de reiterações, do pronome ele e da elipse ou omissão de um termo já mencionado ( esta meio atrasado... já devia ter muito tempo). Esses são os casos de correferencialidade estrita, e por meio deles se expande diretamente o tópico. Mas há que se levar em conta, também, os termos associados (correferencialidade em sentido amplo), que criam os efeitos, ocorre a interação do tópico ou subtópico em andamento com outros tópicos já discutidos e o próprio conhecimento partilhado pelos interlocutores. Cria-se, pois, uma implicação entre as informações novas e as velhas, e ela permite atribuir relevância aos assuntos discutidos e reforçar os assuntos tratados. Esse reforço, aliás, não ocorre de forma aleatória, já que ele possibilita a inserção das informações no universo partilhado pelos interlocutores. Lembre-se, a esse respeito, que os termos anafóricos não retomam o referente em si, mas recuperam o referente já inserido no espaço mental dos interlocutores. Os anafóricos de ambas as modalidades contribuem igualmente para o estabelecimento e manutenção da coerência conversacional. Esse fato ocorre porque, na conversação, a coerência obedece a processos de ordem cognitiva e, assim muitas vezes se torna difícil detectar as marcas lingüísticas e discursivas dessa coerência, pois, ela geralmente não se dá com base nas marcas, mas na relação entre os referentes: daí a importância que a noção de tópico e dos desenvolvimentos dos tópicos na conversação (Fávero, 1999: p. 69). A conversação constitui, essencialmente, uma interação centrada, no sentido que há um tópico sempre em evidência, e essa evidenciação é realizada sobretudo pelos elementos anafóricos. Predominam, no córpus, as ocorrências em que os anafóricos (totais) são representados por reiterações, elipse e pelo pronome ele: esses anafóricos correspondem a, respectivamente, 41%, 23% e 21% dos casos levantados. Esse predomínio é devido, inicialmente, ao fato de os demais anafóricos (sobretudo sinônimos, hipônimos e hiperônimos) serem mais próprios do discurso formal, no qual há uma consciência maior dos meios expressivos utilizados. Os três tipos de anafóricos citados são, pois, aqueles que mais de perto se ligam às especificidades do discurso falado, que planejado Estudos Lingüísticos XXXIV, p. 1176-1181, 2005. [ 1179 / 1181 ]

localmente, no momento de sua execução. Além disso, as reiterações constituem recursos eficazes para manter o tópico sempre em evidencia, para mostrar que o assunto em pauta está suficientemente claro. As demais formas de anafóricos totais apresentam uma porcentagem bastante reduzida, correspondendo, no conjunto, a 15% das ocorrências. Vejam-se alguns exemplos: - sinônimos: (03) (A informante trata da linguagem na TV.) L1 e:: uma vez:: que::... nós estamos aqui dando um depoimento sobre esse aspecto das linguagem... eu já enfoquei na nas minhas crônicas da Folha... a pedra no caminho que é a:: a pronúncia tão diferente... e mesmo... a maneira de falar as singularidades que tem cada região... do país... e e e que... como isso constitui uma Pedra no caminho quando é passado em termos de arte cênica... (Inq. 333, l. 65-72) Cabe lembrar que a relação de sinonímia (só se estabelece e define num dado contexto discursivo e só pode ser compreendida dento desse contexto. Nesse sentido, pode-se afirmar que a equivalência semântica entre dois termos não é dado prévio (como fazem supor as listas de sinônimos), mas constitui uma relação que se atualiza a partir dos dados contextuais, sobretudo os fornecidos pelos demais termos anafóricos. - nome genérico: (04) (A informante discute as potencialidades da TV) L1 comecei a prestar atenção naquela tela pequena... vi... não só que já se fazia muita coisa boa e também muita coisa ruim é claro... mas:: vi também todas as possibilidades... que aquele veículo... ensejava e que estavam ali latentes para serem aproveitados... - hiperônimo: (Inq. 333, l. 17-21) (05) L1 acho e acho--agora então bato numa tecla que eu sempre bati--acho que a televisão brasileira... irá encontrar do ponto de vista ficcional... irá encontrar o seu caminho... é através da tão malfadada telenovela... porque a telenovela... como é feita aqui é um gênero nosso... um gênero... que o estrangeiro... o estrangeiro... de bom nível intelec/intelectual que chega ao Brasil... se enamora das boas novelas bem entendido então Gabriela... (Inq. 333, l. 381-389) O emprego desses procedimentos, como já se disse, é próprio do discurso formal, planejado previamente, de modo que a presença desses elementos anafóricos é reduzida. Estudos Lingüísticos XXXIV, p. 1176-1181, 2005. [ 1180 / 1181 ]

3. Comentários conclusivos A discussão dos exemplos apresentados mostra que as duas modalidades de correferência (o total e a parcial) estão igualmente ligadas à construção do tópico, já que ambas possibilitam a expansão do assunto e a inserção das informações do universo cognitivo-conceitual dos interlocutores. Ambas, ademais, evidenciam que a construção do tópico é um processo dinâmico e multiforme, caracterizado pela atribuição contínua de relevância ao assunto em questão. Referências BECHARA, Evanildo. Moderna gramática portuguesa. 37. ed. ver. Rio de Janeiro: Lucerna, 2002. CASTILHO, Ataliba Teixeira de e PRETI, Dino. A linguagem falada culta na cidade de São Paulo. v. II Diálogos entre dois informantes. São Paulo: T. A. Queiroz/FAPESP, 1987. FÁVERO, Leonor Lopes. Coerência e coesão textuais. 7. ed. São Paulo: Ática, 1999. HALLIDAY, M. A. K. e HASAN, R. Cohesion in English. London: Longman, 1976. SPERBER, Dan e WILSON, Deidre. Relevance. Communication and cognitions. Cambridge, Massachussets: Harvard University Press, 1986. VILELA, Mário. Gramática da língua portuguesa. Coimbra: Almedina, 1995. Estudos Lingüísticos XXXIV, p. 1176-1181, 2005. [ 1181 / 1181 ]