BILINGUISMO PARAGUAIO E SUA RELAÇÃO SOCIOCOMUNICATIVA

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Transcrição:

BILINGUISMO PARAGUAIO E SUA RELAÇÃO SOCIOCOMUNICATIVA José Rodrigues de Mesquita Neto 1 RESUMO: Objetivamos verificar em que contextos comunicativos a população paraguaia usa o espanhol e/ou o guarani, além disso, verificaremos se há um imperialismo do idioma do colonizador sob a língua do colonizado. Desse modo, partimos da seguinte pergunta: em que contextos sociocomunicativos os paraguaios utilizam o guarani e/ou o espanhol? Temos como hipótese básica que o país se caracteriza como bilíngue, no entanto o idioma do colonizador apaga a língua do colonizado em alguns contextos, principalmente os chamados formais. Para a realização dessa pesquisa, utilizamos teóricos como Lam (2001), Mello (2010) e Velázquez (2013) que abordam o conceito de bilinguismo e, exclusivamente, o paraguaio, respectivamente. Realizamos um trabalho de campo do tipo descritivo-explicativo. Observamos que a sociedade paraguaia é efetivamente bilíngue, no entanto, nos contextos trabalhados existe uma língua dominante, o espanhol. PALAVRAS-CHAVE: Bilinguismo, Guarani, Espanhol. RESUMEN: Objetivamos verificar en qué contextos comunicativos la población paraguaya usa el español y/o el guaraní, además, verificaremos si hay un imperialismo del idioma del colonizador bajo la lengua del colonizado. De ese modo, partimos de la siguiente pregunta: en qué contextos sociocomunicativos los paraguayos utilizan el guaraní y/o el español? Tenemos como hipótesis básica que el país se caracteriza como bilingüe, sin embargo el idioma del colonizador borra la lengua del colonizado en algunos contextos, principalmente los llamados formales. Para la realización de esa investigación, utilizamos teóricos como Lam (2001), Mello (2010) y Velázquez (2013) que 1 Mestre em Linguística Espanhola pela UNISAL; Vínculo profissional ou acadêmico: Professor do Departamento de Letras Estrangeiras da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte; E-mail para contato: rodriguesmesquita@gmail.com. Revista Lampejo - vol. 6 nº 2 199

abordan el concepto de bilingüismo y, exclusivamente, el paraguayo, respectivamente. Realizamos un trabajo de campo del tipo descriptivo-explicativo. Observamos que la sociedad paraguaya es efectivamente bilingüe, pero, en los contextos analizados hay una lengua dominante, el español. PALABRAS-CLAVE: Bilingüismo, Guaraní, Español. 1 INTRODUÇÃO Falar mais de um idioma está cada vez mais evidente na sociedade mundial, seja por falantes nativos de países bilíngues ou plurilíngues ou através de uma aprendizagem formal. A maior parte das comunidades de fala é multilíngue, com cerca da metade da população mundial (ROMAINE, 2003). Muitos são os países que possuem mais de uma língua oficial. Para o nosso trabalho, focaremos na realidade paraguaia, onde o guarani e o espanhol são considerados idiomas oficiais e são ensinados na educação regular desse país desde séries iniciais. Partimos do conceito de Lam (2001) sobre o bilinguismo em que considera bilíngue aquele que tem a competência de se comunicar em duas línguas. A escolha pela temática se deu, inicialmente, pelas poucas pesquisas existentes dentro da realidade paraguaia, além disso, como professor de espanhol fui instigado a conhecer mais sobe a cultura linguística desse país, visto que tenho uma relação estreita com o mesmo. Ademais, quanto mais conhecemos da cultura do outro, mais nos aproximamos da nossa. Partimos das seguintes perguntas: em que contextos sociocomunicativos os paraguaios utilizam o guarani e/ou o espanhol? Há um predomínio do idioma do colonizador sob o do colonizado? Temos como hipótese básica que o país se caracteriza como bilíngue, no entanto o idioma do colonizador apaga a língua do colonizado em alguns contextos, principalmente os chamados formais. Assim, temos como objetivo geral verificar em que contextos comunicativos a população paraguaia usa um idioma e/ou o outro. Já nossos objetivos específicos são: a) verificar se há um imperialismo do idioma do colonizador sob o idioma do colonizado, e b) determinar os contextos em que se utilizam cada um dos idiomas. Para dar suporte teórico, apoiamo-nos na definição de Lam (2001) sobre o conceito de bilinguismo, Mello (2010) que trata sobre o ensino bilíngue e Velázquez (2013) que fala exclusivamente do bilinguismo paraguaio. Revista Lampejo - vol. 6 nº 2 200

Para a realização desse trabalho, entrevistamos 100 pessoas pelas ruas de San Lorenzo e Assunção (cidades paraguaias) com a finalidade de verificar se as pessoas faziam uso de ambas as línguas e saber em que situações (formais, informais e religiosas) a população usa um idioma e/ou outro. Além disso, realizamos uma entrevista com uma professora de guarani. Esse artigo está dividido em quatro partes principais: na primeira, contextualizamos a colonização paraguaia e sua relação com as línguas faladas atualmente no país, na segunda, trazemos o conceito de bilinguismo e trataremos sobre o ensino bilíngue em diversos contextos, na terceira, expomos como se deu nossa metodologia e, por fim, apresentamos nossos resultados. 2 BREVE HISTÓRIA DA COLONIZAÇÃO PARAGUAIA E SUA RELAÇÃO LINGUÍSTICA Não temos a intenção de prolongar, nem nos adentrarmos aos fatores relacionados à colonização, só queremos falar brevemente sobre esse processo, pois julgamos importante para a compreensão do bilinguismo existente hoje no Paraguai. Muitos falam em um espanhol mais puro e julgam o espanhol falado na península como o original, no entanto sabemos que cada povo tem seu modo de falar. Os países da América colonizados pela Espanha não são diferentes, possuem suas características que os definem e os transformam no que são, e o Paraguai traz, de sua origem o seu idioma indígena: o guarani. Em 1530, teve início a colonização espanhola, segundo alguns autores, quando os espanhóis chegaram ao Novo Mundo havia mais de 2 mil variedades dialetais que faziam parte de mais de 150 famílias linguísticas. Sem dúvidas, essa diversidade linguística constituía para os desbravadores espanhóis um obstáculo para o trabalho de evangelização. Assim, os missionários se dedicaram a aprender as línguas indígenas locais para realizarem seus trabalhos, porém logo perceberam a necessidade e a conveniência de adotarem uma língua em comum que pudesse servir a todos os grupos indígenas, nesse caso o guarani. Os missionários se dedicaram (...) a adotar uma língua auxiliar, entre as nativas, que pudesse servir a todos os grupos indígenas que apresentavam afinidades de índole linguística e sociocultural. (ALEZA; ENGUITA, 2010, p.27, TRADUÇÃO NOSSA 2 ). 2 Todas as traduções realizadas no artigo são de responsabilidade do autor. Revista Lampejo - vol. 6 nº 2 201

Um fato inquestionável é que a língua de Cervantes ao entrar no Novo Mundo começou imediatamente a se adaptar diante das novas circunstâncias ambientais, as novas formas de vida e as novas necessidades que surgiam para quem a falava. Se toda língua viva evolui sem parar como condição inseparável do seu funcionamento (A. Alonso, 1976b: 50), o espanhol e particularmente seu léxico enriqueceu extraordinariamente na América. A este particular modo de evolução que impõe um meio natural desconhecido, com todas as consequências que de tal condicionamento derivam. (ALEZA; ENGUITA, 2010, p.30, grifos do autor). A linguagem que trouxeram os conquistadores tinha limitações de vocabulário para enfrentar o espetáculo surpreendente que se oferecia diante dos olhos, costumes e formas de vida totalmente diferentes dos usos peninsulares. Por este motivo, muito do vocabulário indígena foi sendo utilizado pelos espanhóis e aderidos ao idioma do colonizador. A grande família linguística tupi-guarani era originariamente falada por agricultores guerreiros que viviam entre os rios Paraná e Paraguai. Quando chegaram os espanhóis abarcava a atual república do Paraguai, as províncias argentinas mais próximas como Corrientes, Entre Ríos, Santa Fe e Misiones e, também, estava por boa parte da costa brasileira. Não obstante, atualmente só constitui, de forma unificada, o Paraguai com o guarani - sendo considerada língua popular e nacional - e em algumas regiões do Brasil e Argentina. paraguaia. Na próxima seção trataremos de definir o termo bilinguismo e como ele se dá na realidade 3 BILINGUISMO Sabemos que cada vez mais cresce o número de falantes bilíngues e que existem milhares de países com essa característica. Atualmente os Estados Unidos é considerado bilíngue pelo número de latinos que o adentraram e passaram a residir ali. Assim, o espanhol ganhou muita importância no território norteamericano. O país possui a quinta maior população nativa que fala espanhol como língua materna, ficando atrás apenas de países cuja língua oficial é o próprio espanhol (SEDYCIAS, 2005). Já a Espanha é um país multilíngue, visto que possui 4 idiomas oficiais: galego, euskera, catalão e o espanhol. Partindo daí definiremos alguns termos: a) país monolíngue: é aquele cujos habitantes usam predominantemente um único idioma para comunicação local e internacional. A pesar dos debates existentes sobre o Brasil ser ou não um país monolíngue, visto que possui centenas de línguas Revista Lampejo - vol. 6 nº 2 202

indígenas, nós o consideramos assim, já que o português é a língua predominante na comunicação nacional; e b) país bilíngue: concordamos com a definição de Lam (2001) que nos diz que o bilinguismo é o fenômeno de competência e comunicação em duas línguas. Assim, o Paraguai pode ser considerado um país bilíngue, pois utiliza o guarani e o espanhol como línguas para comunicação nacional. Jiménez e Parra (2012) afirmam que essa definição de bilinguismo restrita ao uso de dois idiomas está incompleta e merece um novo olhar. A maioria das pessoas possui um conceito básico sobre o bilinguismo que implica no uso de dois idiomas em maior ou menor medida. No entanto, o conceito de bilinguismo, além de ser um termo pouco unívoco, é variável e tem evoluído através do tempo com grande dinamismo. Como resultado, é difícil determinar com exatidão uma definição única já que nas últimas décadas vários autores de diferentes disciplinas tentaram definir este conceito. Fatores como o aspecto linguístico, sociológico, político, cultural, psicológico e pedagógico foram levados em conta para sua definição. De igual modo, a diferenciação entre o bilinguismo referido a somente um indivíduo e sua relação com duas línguas diferentes e o bilinguismo em conexão com um grupo social que se relaciona utilizando duas línguas diferentes, é outro dos fatores considerados no momento de falar sobre bilinguismo. (JIMÉNEZ; PARRA, 2012, p.101). Além do que foi apontado por Jiménez e Parra (2012), Romaine (2003) nos diz que há o bilíngue incipiente, ou seja, aquele capaz de compreender, mas não de produzir enunciados em outra língua. Outro ponto trazido pela autora é que a terminologia bilíngue deve ser repensada já que muitos falantes conhecem algumas palavras em outras línguas, no entanto isso não o torna bilíngue. Com isso, podemos afirmar que conceituar o bilinguismo não é tarefa fácil, por isso nos restringiremos ao conceito de Lam (2001). Acrescentamos que acreditamos que o bilinguismo está relacionado com a comunicação em mais de uma língua, seja de forma oral ou escrita. O bilinguismo pode ser classificado como individual, que tem relação com a pessoa em si e as situações relacionadas com o seu bilinguismo ou social, uma sociedade que fala duas ou mais línguas. Para este trabalho nos limitaremos no segundo tipo de bilinguismo. O bilinguismo funciona de modo diferente dependendo do seu contexto social, econômico ou político. Para Mello (2010) existem muitas variações de um contexto para outro e, por isso, é importante ir além das discussões sobre o que significa educação bilíngue para investigar como os programas bilíngues funcionam num determinado contexto sócio-histórico. O contexto é um fator determinante do bilinguismo, pois ser bilíngue dentro de determinada comunidade vai depender de vários agentes socializantes tais como a escola, família, amigos, vizinhança, a sociedade maior, os meios de comunicação, etc. Revista Lampejo - vol. 6 nº 2 203

Para este trabalho nos preocupamos em verificar o uso das línguas (guarani e espanhol) nos seus diferentes espaços sociocomunicativos no Paraguai. Para Velázquez (2013, p.09), o guarani: [...] se impõe no seio familiar, privado, das emoções e dali é levado aos lugares de trabalho, aos espaços recreativos, informais. Permanece na oralidade, na comunicação cotidiana, mediática, do contato próximo e afetivo. A autora ainda nos diz que as línguas (guarani e espanhol) são usadas segundo a necessidade em espaços próprios e particulares e de acordo com quem seja o receptor. Muitos, inclusive, alternam entre uma e outra língua todo tempo (VELÁZQUEZ, 2013, p.10). A seguir apresentamos a metodologia utilizada apontando o corpus utilizado, instrumento para coleta e tratamento dos dados. 4 METODOLOGIA Para a realização desse trabalho utilizamos como metodologia um enfoque quantitativo que segundo Alvarenga (2014, p.9) seu objetivo é descrever ou explicar algo. Neste enfoque se trabalha geralmente com mostras probabilísticas (...) cujos resultados têm a possibilidade de generalizar a população em estudo, da qual se extraiu uma mostra de estudo. Assim realizamos uma entrevista com 100 participantes aleatórios nas ruas de Assunção (capital do Paraguai) e San Lorenzo (região metropolitana) com a finalidade de verificar se os informantes usam as duas línguas e em que contextos sociocomunicativos o fazem. Dividimos a entrevista em três contextos, os ditos formal, informal e religioso. Além disso, também aplicamos uma entrevista com uma professora de guarani, que chamamos de informante P, com o objetivo de verificarmos o seu ponto de vista sobre o papel do guarani na sociedade paraguaia. Optamos por entrevistar por igual o número de homens e mulheres, pois acreditamos que assim teríamos um melhor resultado sobre o uso dos idiomas segundo o gênero. Os sujeitos foram escolhidos aleatoriamente. Ficamos em pontos estratégicos e de grande movimentação, pois assim poderíamos entrevistar pessoas de diferentes classes sociais e idade. Em Assunção a entrevista foi realizada na plaza de los héroes e em San Lorenzo na plaza Cerro Corá, ambas no centro de cada cidade, onde há vários restaurantes, escolas, universidades, mercados, bancos e lojas ao seu redor. A seguir apontamos os resultados obtidos através das entrevistas. Revista Lampejo - vol. 6 nº 2 204

5 ANÁLISE DOS DADOS Iniciamos mostrando o sexo dos nossos entrevistados. Entrevistamos propositalmente 50 homens e 50 mulheres. Podemos ver que a população paraguaia entrevistada é em sua maioria bilíngue e que existem mais mulheres bilíngues que homens, porém mais homens monolíngues do guarani. Observamos que grande parte das crianças e adolescentes entende ou utiliza um vocabulário restrito do guarani, não sendo suficiente para se comunicar apenas na língua, normalmente fazem uma mistura com o espanhol. Em alguns casos, inclusive, não sabem a língua indígena. Com relação ao uso das línguas, segundo a idade, notamos que boa parte da população entrevistada sabe falar ou, pelo menos, entender o guarani e que segundo a idade vai aumentando o uso do guarani também vai ficando mais evidente. A população idosa, em sua maioria, falam ou entendem o guarani, já nas fases adulta, adolescência ou infância isso vai diminuindo, tendo uma tendência maior ao monolinguismo. Apenas 6% dos entrevistados eram monolíngues do guarani. Isso mostra a desvalorização que o idioma indígena vem sofrendo ao longo dos anos e somente nos últimos anos o país vem tentando resgatar esse idioma. O atual bilinguismo prove da simbiose de uma população monolíngue minoritária, mas dominante e socialmente vinculada a valores e normas de procedência espanhola, com uma sociedade majoritária guarani que conservou seu acervo cultural, e especialmente o linguístico. (ALEZA; ENGUITA, 2010, p.385). Com essa citação podemos verificar que o crescimento do espanhol se deve a um preconceito criado pela sociedade das classes A e B. Como nos informou a nossa informante P: O guarani é o idioma que representa o nosso povo, não pode ser perdido, porém muitos jovens já não o utilizam ou não querem utilizá-lo devido ao péssimo ensino que lhes é dado, materiais didáticos ruins e, acima de tudo, eles alegam que não precisam do guarani para se comunicar em seu país e nem em outros, pois já sabem o espanhol que para eles é mais importante. Ela ainda nos fala: Quando eu era adolescente houve realmente uma grande desvalorização do nosso idioma. As classes sociais mais altas até hoje discriminam o guarani e o associam a pessoas menos favorecidas, porém existe uma tentativa de resgatar a língua [...] o guarani é nossa cultura e não pode morrer. Com a fala da informante verificamos a desvalorização existente dentro desse mercado linguístico (BOUDIEU, 1996) pela população paraguaia ao idioma do colonizado, ao mesmo tempo, mostra como a informante é orgulhosa de ter aquele idioma como parte de sua cultura. Revista Lampejo - vol. 6 nº 2 205

O gráfico I mostra em que contextos sociocomunicavos os informantes utilizam o espanhol, o guarani ou faz uso de ambas as línguas. Separamos em três categorias: I) ambientes informais (amigos, cônjuge, irmãos e pais); II) ambiente religioso (quando fala com Deus) e, por fim, III) ambientes formais (supermercado, entrevista de emprego, restaurantes, desconhecidos e professores). Gráfico I: Contextos de uso das línguas Professores Desconhecidos Restaurantes Entrevista de emprego Supermercado Deus Amigos Cônjuge Irmãos Pais 0 10 20 30 40 50 60 70 80 90 100 Os dois Guarani Espanhol Fonte: Criação Nossa Através do gráfico observamos que em ambientes informais o uso do guarani ou das duas línguas por igual é mais frequente, assim deixando o espanhol um pouco de lado. Podemos afirmar que o guarani é utilizado para tratar com pessoas mais próximas, desse modo sendo considerado um idioma familiar. Durante muitos anos esse idioma não foi ensinado nas escolas e sim passado de pai para filho (VELÁZQUEZ, 2013). Com relação ao aspecto religioso, a maioria dos entrevistados falou que utilizavam as duas línguas. Isso deve ser um reflexo das missas que são celebradas em espanhol e não em guarani. Com relação aos ambientes formais a predominância do espanhol é inquestionável. Em alguns casos o uso do espanhol é quase absoluto, como nas entrevistas de emprego e em restaurantes. O guarani fica um pouco mais visível quando se trata de falar com professores, pois muitas vezes o professor nos obriga a falar em guarani (Informante Y). Revista Lampejo - vol. 6 nº 2 206

Segundo o Ministério da Educação (2007), apesar das duas línguas serem oficiais e faladas pelos cidadãos paraguaios, haverá uma língua comum utilizada pela maioria, assim garantindo a comunicação entre as diversas comunidades linguísticas e com a comunidade internacional. Como apontado por Aleza e Enguita (2010), no período da colonização, a língua escolhida foi o guarani. Entretanto, hoje o prestígio internacional é voltado para o espanhol. Então, podemos ver que em todos os casos existe uma língua que se impõe com relação à outra, constatamos que o espanhol é a língua mais forte dentro do Paraguai, pois é falada em todos os ambientes, além de ter mais prestígio, inclusive, nos meios impressos, como os jornais e revistas. Segundo Aleza e Enguita (2010, p.385) os censos mais recentes indicam que há um aumento de falantes de espanhol e uma queda do guarani. No entanto, o guarani tem seu espaço dentro dessa nação e o Paraguai pode ser considerado um país bilíngue. A declaração sobre os direitos das pessoas pertencentes a minorias nacionais ou étnicas, religiosas e linguísticas aprovada pela Assembleia Geral da ONU (Resolução 47/135 de 1992), mostra a necessidade de conseguir uma aplicação ainda mais eficiente dos instrumentos internacionais sobre direitos humanos no que diz respeito aos direitos das pessoas pertencentes a minorias nacionais, étnicas ou religiosas e linguísticas[...]. (CENSO 2012, p. 09, grifos do autor). A valorização da cultura de um povo é essencial para a sua existência, pois faz parte de sua história, o guarani não é melhor nem pior que o espanhol, são línguas de origens diferentes, porém pertencentes a uma mesma nação. Hoje podem ter utilidades sociocomunicativas diferenciadas dentro desse país e nos olhares alheios, porém com luta esse idioma vem ganhando espaço. CONSIDERAÇÕES FINAIS Ao longo do trabalho buscamos refletir sobre o papel que o guarani e o espanhol têm dentro da sociedade paraguaia e como a língua do colonizado se rende a língua do colonizador mesmo depois de vários anos. No passado o guarani foi muito discriminado, principalmente pela classe econômica alta. No entanto, existe uma política de resgate cultural e linguístico, assim, atualmente o guarani vem ganhando o espaço que lhe é de direito dentro da sociedade. Respondendo as nossas perguntas-problemas iniciais, existe uma predominância do espanhol em situações formais e religiosas, pois esses ambientes são, normalmente, frequentados por pessoas de poder aquisitivo mais elevado, forçando a população a utilizar esse idioma, todavia em situações informais há o predomínio do guarani. Também constatamos que apesar do guarani está Revista Lampejo - vol. 6 nº 2 207

restrito aos ambientes informais, o país pode ser considerado bilíngue, visto que a maioria da população faz uso ou entende ambos os idiomas. A compreensão da importância do bilinguismo para a preservação da cultura paraguaia é outro ponto que julgamos importante nesse trabalho, pois a língua é uma das principais marcas culturais de um povo. Os índios contam suas histórias e passam seus ensinamentos através da sua língua nativa. A reflexão sobre os usos do guarani e a relevância do bilinguismo dentro da sociedade paraguaia são pontos que devem ser analisados e trabalhados mais profundamente, assim como a inclusão dessa minoria na sociedade, respeitando seus costumes e direitos. Deixamos em aberto vários pontos que acreditamos ser importantes para futuros trabalhos dentro dessa temática e outras relacionadas. Estamos trabalhando no aprofundamento dessa pesquisa, adentrando centros periféricos das cidades, assim como realizando as entrevistas em cidades mais distantes da capital. REFERÊNCIAS ALEZA, M; ENGUITA, J.M. La lengua española en América: normas y usos actuales. Valencia, Espanha: Los autores. 2010. ALVARENGA, E.M. Metodología de la investigación cuantitativa y cualitativa. 5ª ed. A4 Diseños. Asunción - Paraguay. 2014. BOURDIEU, P. A economia das trocas linguísticas. São Paulo: Editora da USP, 1996. CENSO. III Censo nacional de población y viviendas para pueblos indígenas. Fernando de la Mora, Paraguay: Pgeec. 2013. JIMÉNEZ, J.R.; PARRA, J.F. El fenómeno del bilingüe: perspectivas y tendências en bilinguismo. Revista de la universidad de la salle, Bogotá, n. 59, p. 99 124, dez. 2012. LAM, A. Bilingualism. The Cambridge Guide to Teaching English to Speakers of Other Languages. Eds. R. Carter & D. Nunan. Cambridge: Cambridge University Press. 2001. MELLO, H. A. Educação bilíngue: uma breve discussão. Horizontes de Linguística Aplicada, Brasília, v. 9, n. 1, p. 118-140, mar., 2010. MINISTERIO DE EDUCACIÓN. El bilinguismo. 2007. Disponível em: <http://recursos.cnice.mec.es/lengua/profesores/eso3/t2/teoria_2.htm#v>. Acesso em: 10 Set. 2016 ROMAINE, S. Bilingualism. In: RITCHIE, William C.; BHATIA, Tej K. Handbook of second language acquisition. San Diego: Academic Press, 2003. p. 571-604. Revista Lampejo - vol. 6 nº 2 208

SEDYCIAS, J. O Ensino do espanhol no Brasil: passado, presente, futuro. São Paulo: Parábola Editorial, 2005. VELÁZQUEZ, I. A. El bilingüismo guaraní castellano y su incidencia en la producción escrita de los alumnos al final del primer ciclo de la EEB. 2013. 146f. Dissertação (Magíster en Escritura y Alfabetización) - Universidad Nacional de la Plata, Argentina, 2013. Revista Lampejo - vol. 6 nº 2 209