ABSCESSOS CERVICAIS Bruna Machado Köbe Lucas Sangoi Alves Luiza Machado Köbe Nédio Steffen UNITERMOS ABSCESSOS CERVICAIS; INFECÇÕES CERVICAIS; INFECÇÕES DE CABEÇA E PESCOÇO. KEYWORDS ABCESS; DEEP NECK SPACE INFECTIONS; HEAD AND NECK INFECTIONS. SUMÁRIO Os abscessos cervicais profundos originam-se de focos sépticos odontogênicos, tonsilares, parotídeos, faríngeos, dentre outras regiões cervicofaciais. Tais infeções podem ter uma rápida progressão para complicações ameaçadoras da vida. Portanto, é de suma importância seu reconhecimento e manejo adequado por médicos generalistas. SUMMARY Deep neck space infections arise from odontogenic septic focus, as well as from infections of the tonsils, parotid gland, pharynx and any other head and neck spaces. These infections may have a rapid onset and may progress to life threatening complications, therefore, it is of paramount importance that clinicians acknowledge and manage it well. INTRODUÇÃO Apesar de as infecções da região cervical ainda representarem um importante risco de morte, 1 com o advento da antibioticoterapia, dos me todos diagno sticos por imagem e com a intervenc a o ciru rgica precoce, suas taxas de mortalidade te m cai do significativamente. O conhecimento da anatomia cervicofacial, de suas fáscias e espaços é importante para o entendimento da patologia e seus meios de disseminação. 2
ANATOMIA O conhecimento dos compartimentos e espaços dentre as fáscias cervicais é fundamental para o entendimento da etiopatogenia, clínica e rotas de disseminação das infecções cervicais. A fa scia cervical e constitui da por tecido conectivo, que varia entre um tecido areolar frouxo e um tecido fibroso denso e resistente. Pode ser dividida em camada superficial e profunda. A fáscia profunda é subdividida em superficial, me dia e profunda, dispostas em três compartimentos cilíndricos que se estendem longitudinalmente da base do crânio até o mediastino. 1 Figura 1 Fáscias Cervicais ETIOLOGIA As infecc o es odontoge nicas sa o o foco inicial mais comum em adultos, respondendo por cerca de 30% dos casos, geralmente apresentando disseminac a o direta para o espac o submandibular. 1,2 Outras etiologias
frequentes são as faringites e adenotonsilites, acometendo o espaço parafaríngeo; infecc o es das gla ndulas salivares; trauma; corpo estranho; complicac o es iatroge nicas (por exemplo, de endoscopia digestiva alta) e complicac o es de infecc o es superficiais. 2,3 Abcessos cervicais são tipicamente polimicrobianos, compostos pela flora natural das muscosas de onde se originaram. Devido as suas relações anatômicas e sua proximidade, a flora da cavicade oral, da via aérea superior e de regiões dos ouvidos e dos olhos compõe o grupo de microorganismos causadores dos abcessos cervicais. O agente etiológico mais comum, isolado de abcessos cervicais, é o Streptococcus viridans, refletindo sua abundante ocorrência na cavidade oral. 1,3 A maioria dos abcessos odontogênicos contém germes orais anaeróbios como Peptostreptococcus species, Fusobacterium nucleatum, Prevoltella melaninogenica e Actinomyces species. Germes gram negativos como Staphylococcus aureus, Pseudomonas aeruginosa e produtores de beta lactamase, são causadores de abcessos cervicais, principalmente em pacientes com fatores de risco, como imunossuprimidos, portadores de diabete mellitus, portadores de infecções pós operatórias ou que tenham sofrido trauma. 1 Outros patógenos, demonstrados em estudos brasileiros como principais microorganismos envolvidos na etiologia dos abscesso cervicais profundos foram: Staphylococcus aureus e o Streptococcus sp; acometendo principalmente os espaços submandibular e parafaríngeo. 4 CLÍNICA As manifestações clínicas dos abscessos cervicais diferem de acordo com o sítio inicial de infecção. Alguns dos principais sintomas são dor de garganta, disfagia, disfonia, trismo, edema de face e/ou pescoço, eritema, drenagem de secreção purulenta na cavidade oral, sialorréia, assimetria à inspeção da orofaringe, linfadenopatias, estridor e dispnéia. A febre, a dor e o edema local são os sintomas iniciais mais comuns. 2 Deve-se coletar uma anamnese completa, considerando o sítio primário da infecção e os fatores de risco de cada paciente, como comorbidades, hospitalizações e cirurgias prévias, história recente de trauma e uso de medicações como antibióticos e imunossupressores. Ao exame físico, deve-se observar os aspectos clinicos supracitados, inspecionar as lesões e palpar a cavidade oral à procura de massas ou enrrigecimentos na mucosa. Devido a densa camada superficial da fáscia cervical profunda e seus planos musculares, uma massa flutuante pode não ser detectada nos pacientes portadores de abscesso cervical. 1
DIAGNÓSTICO A tomografia computadorizada com contraste (TC) é o exame padrão ouro para diagnóstico de abscessos cervicais. 1,2,5 Como os espaços retrofaríngeo, visceral anterior, "danger" e paravertebral se estendem ao mediastino, é essencial a inclusão de cortes do mediastino até o nível do arco aórtico para uma boa análise das imagens. Os abscessos cervicais são vistos à TC como lesões com realce periférico de contraste e centro hipodenso sem realce, correspondente a áreas de necrose, com edema de tecidos adjacentes e aparência cística ou multiloculada; permitindo sua diferenciação de massas sólidas e celulites. 2,5 O uso isolado da TC demonstra alta sensibilidade, mas não especificidade, sendo imperativa a correlação clinica para evitar cirurgias desnecessárias. 2,5 A ressonância magnética (RM) também é um exame útil para para delimitar a extensão de tecido envolvido e demonstrar complicações vasculares 1 e é especialmente útil na suspeita de osteomielite. 5 A ultrassonografia (USG) é normalmente um exame inicial e serve como uma alternativa para identificar abscessos, pois avalia se a lesão é suficientemente líquida e de loja única para ser drenada, bem como guia a aspiração das mesmas. No entanto, a USG não identificará as infecções de planos mais profundos. 5 A radiografia cervical lateral pode também servir como screening nos casos de infecção dos espaços retrofaríngeo e pré vertebral. Para a identificação do patógeno envolvido, dependendo da localização do abcesso, pode-se utilizar da análise laboratorial de punção aspirativa da lesão - que é supeior ao uso de swabs - ou bacterioscópico e cultura de tecido obtido cirurgicamente. Além disso, deve-se solicitar a hemocultura dos pacientes, rotineiramente. 5 TRATAMENTO O primeiro ponto a ser considerado no tratamento dos abscessos cervicais é a manutenção de uma via aérea permeável através de intubação orotraqueal (IOT) de pacientes com dispnéia, desvio de traquéia ou que não respondem bem a oxigenioterapia. Na impossibilidade de realizar IOT, por trismo ou dificuldades na manobra, opta-se pela realização de intubação nasotraqueal por fibroscopia ou de traqueostomia, sempre visando as medidas salvadora de vida. 1,2,6 Todos os pacientes com suspeita de abscesso cervical profundo devem ser internados para inicio de antibioticoterapia empírica endovenosa, ainda durante a investigação, com objetivo de minimizar a disseminação infecciosa nos tecidos. 1 A drenagem cirúrgica deve ser realizada somente quando o processo infeccioso estiver bem localizado e evoluído da fase de celulite; sua associação
com a antibioticoterapia precoce é essencial para um desfecho favorável dessas infecções. 1,2,5,6 A escolha da antibioticoterapia empírica depende da gravidade do caso, das condições imunológicas do paciente e do provável foco inicial infeccioso; preconizando uma boa cobertura para os germes gram positivos e anaeróbios, bem como para gram negativos no caso de paciente imunossupresso ou com fatores de risco. 1,2 O regime de antibioticoterapia de escolha para abcessos cervicais não foi avaliado em ensaios clínicos. Alguns dos esquemas mais utilizados sao listados a seguir. 1 Foco odontogênico/oral: - Penicilina G cristalina 2 a 4 MU EV, a cada 4-6horas + Metronidazol 500mg EV a cada 6-8h. - Clindamicina 600mg EV a cada 6-8h. - Ampicilina-Sulbactam 3g EV 6/6h. Foco rino/otogênico: - Ampicilina-Sulbactam 3g EV 6/6 horas. - Ceftriaxone 1g EV 1 vez ao dia + Metronidazol 500mg EV a cada 6-8h. - Ciprofloxacina 400mg EV 12/12h + Clindamicina 600mg EV a cada 6-8h. * Pacientes com fatores de risco para infecção por Staphyloccocus aureus resistente a meticiclina (MRSA) portadores de diabetes mellitus, usuários de droga endovenosa ou de regiao endêmica: - Vancomicina 15-20mg/kg EV 12/12h. *Pacientes imunossupressos: - Vancomicina 15-20mg/kg EV 12/12h + Cefepime 2g EV 12/12h + Metronidazol 500mg EV a cada 6-8h. - Vancomicina 15-20mg/kg EV 12/12h + Meropenem 1g EV 8/8h OU Imipenem 500mg EV 6/6h OU Piperacilina-tazobactam 4,5g EV 6/6h. COMPLICAÇÕES As complicações das infecções profundas de cabeça e pescoço persistem apesar das técnicas diagnósticas e utilização de antibioticoterapia associada a intervenções cirúrgicas, devido ao acometimento de estruturas vizinhas importantes. A lista a seguir demonstra algumas das complicações mais graves já descritas na literatura: - Mediastinite, pericardite, efusão pericárdica - Trombose jugular, pseudoaneurisma e ruptura carotídea, fístula aortopulmonar - Osteomielite de mandibula e coluna
- SARA, insuficiência respiratória aguda, pneumonia, embolia séptica - choque séptico, CIVD CONCLUSÃO Devido ao risco de obstrução da via aérea pelo edema e de disseminação da infecção para o mediastino, os abscessos cervicais ainda apresentam alta morbidade e seu manejo deve ser conhecido pelos médicos generalistas. A partir da suspeição desta entidade, é imperativa a internação do paciente para instituição de antibioticoterapia empírica com cobertura para os principais patógenos, simultaneamente à investigação. A localização do foco infeccioso primário poderá guiar o manejo e tratamento do paciente. Devem ser coletadas a hemocultura e a cultura da secreção, sempre que possível, para posterior antibioticoterapia específica. Para o diagnóstico e conduta adequada, é essencial a correlação da imagem por TC com contraste com a clinica do paciente. A drenagem cirúrgica é necessária na grande maioria dos casos, principalmente em pacientes com abcessos extensos, ou que não responderam ao tratamento clinico ou apesentaram piora do quadro em 24-48h. REFERÊNCIAS 1. Chow AW. Deep neck space infection. In: UpToDate. Online. 2013. Avaliable: http://www.uptodate.com/contents/deep-neck-spaceinfections?source=search_result&search=deep+neck+space+infection&selectedtitle=1%7e17 2. Universidade de São Paulo. Disciplina de Clínica Otorrinolaringológica do Hospital das Clínicas. Abcessos Cervicais. Seminários disciplina de Otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. [Internet]. Atualizado em 2005. Disponível em: http://www.otorrinousp.org.br/imagebank/seminarios/seminario_62.pdf 3. Rega AJ, Aziz SR, Ziccardi VB. Microbiology and antibiotic sensitivities of head and neck space infections of odontogenic origin. J Oral Maxillofac Surg 2006; 64:1377. 4. Suehara AB. et al. Infecções Cervicais profundas: análise de 80 casos. Rev Bras Otorrinolaringol 2008; 74(2): 253-9. 5. Chow AW. Life-threatening infections of the head and neck. Clin Infect Dis. 1992 May; 14(5):991-1002. Review. 6. Hedge A, Mohan S, Lim WE. Infections of the deep neck spaces. Singapore Med J. 2012 May; 53(5):305-11; quiz 312. Review. 7. Hyun SY, Oh HK, Ryu JY, Kim JJ, Cho JY, Kim HM. Closed suction drainage for deep neck infections. J Craniomaxillofac Surg. 2013 Nov 27. pii: S1010-5182(13)00305-3. doi: 10.1016/j.jcms.2013.11.006.