DEMODICIOSE SECUNDÁRIA AO HIPERADRENOCORTICISMO IATROGÊNICO EM CÃO: RELATO DE CASO RESUMO

Documentos relacionados
DEMODICOSE CANINA: REVISÃO DE LITERATURA

[DEMODICIOSE]

Anais do Conic-Semesp. Volume 1, Faculdade Anhanguera de Campinas - Unidade 3. ISSN

FURUNCULOSE ASSOCIADA À DEMODICOSE EM UM CANINO - RELATO DE CASO 1 FURUNCULOSIS ASSOCIATED WITH DEMODICOSE IN A CANINE

USO DO FLURALANER EM DOSE ÚNICA CONTRA DEMODICOSE CANINA USE OF FLURALANER IN A SINGLE DOSE AGAINST CANINE DEMODYCOSIS

2 Técnica Administrativa do Hospital de Clínicas Veterinárias da Faculdade de Veterinária,

FLURALANER COMO TRATAMENTO PREVENTIVO DA DEMODICOSE GENERALIZADA EM CADELA EM PROESTRO: RELATO DE CASO

Ano VI Número 11 Julho de 2008 Periódicos Semestral DEMODICIOSE CANINA

DERMATITE ALÉRGICA A PICADA DE PULGA RELATO DE CASO

PADRÃO HISTOPATOLÓGICO DE DEMODICOSE CANINA

PUBVET, Publicações em Medicina Veterinária e Zootecnia. Demodicose canina

PREVALÊNCIA E FATORES DE RISCO DAS PRINCIPAIS DERMATOPATIAS QUE AFETAM CÃES DA RAÇA BULDOGUE FRANCÊS NO NORTE DE SANTA CATARINA

HIPERADRENOCORTICISMO CANINO ADRENAL- DEPENDENTE ASSOCIADO A DIABETES MELLITUS EM CÃO - RELATO DE CASO

ALOPECIA POR DILUIÇÃO DA COR EM UMA CADELA DA RAÇA YORKSHIRE TERRIER. Introdução

Artigo Científico/Scientific Article

REVISTA SARNA DEMODÉCICA

DERMATOPATIAS PARASITÁRIAS ZOONÓTICAS EM ANIMAIS ATENDIDOS EM HOSPITAL VETERINÁRIO UNIVERSITÁRIO EM TERESINA/PIAUÍ

UNIVERSIDADE FEDERAL RURAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO DE VETERINÁRIA CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM MEDICINA VETERINÁRIA PATOLOGIA E CIÊNCIAS CLÍNICAS

DIABETES MELLITO SECUNDÁRIA A HIPERADRENOCORTICISMO EM CÃO- RELATO DE CASO

PIODERMITES DE CÃES E GATOS

Eduardo Luiz Bortoncello. Uso de doramectina no tratamento da demodiciose em cão

PIODERMITE EM UMA CADELA: UM BREVE RELATO DE CASO

Aspectos clínicos e histológicos da demodicose canina localizada e generalizada 1

PUBVET, Publicações em Medicina Veterinária e Zootecnia. Demodicose canina: relato de caso

DIAGNÓSTICO CLÍNICO E HISTOPATOLÓGICO DE NEOPLASMAS CUTÂNEOS EM CÃES E GATOS ATENDIDOS NA ROTINA CLÍNICA DO HOSPITAL VETERINÁRIO DA UNIVIÇOSA 1

Uso do fluralaner no tratamento da demodicidose canina juvenil generalizada: relato de caso

INSTITUTO DE DESENVOLVIMENTO EDUCACIONAL DO ALTO URUGUAI FACULDADES IDEAU

UTILIZAÇÃO DA FLURALANER NO TRATAMENTO DE ESCABIOSE EM CÃO: RELATO DE CASO RESUMO

e afecções bucais em cães:

sarna sarcóptica e otodécica

Lucas Nicácio Gomes Médico Veterinário UNESC Colatina-ES. Sarna Demodécica em Cães

Multiparasitismo em um canino - Relato de caso

Demodiciose canina: estudo retrospectivo dos casos atendidos no Hospital Veterinário da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro ( )

O diagnóstico. cutâneas. Neoplasias Cutâneas 30/06/2010. Neoplasias Epiteliais. Neoplasias Mesenquimais. Neoplasias de Origem Neural

FUNDAÇÃO EDUCACIONAL MIGUEL MOFARREJ FACULDADES INTEGRADAS DE OURINHOS CURSO DE MEDICINA VETERINÁRIA

Remissão de dermatopatia atópica em cão adotado

42º Congresso Bras. de Medicina Veterinária e 1º Congresso Sul-Brasileiro da ANCLIVEPA - 31/10 a 02/11 de Curitiba - PR

DISQUERATINIZAÇÕES FISIOPATOLOGIA FISIOPATOLOGIA DISQUERATINIZAÇÕES 10/05/2018. Defeitos na queratinização que alteram o aspecto superficial da pele

(LEYDIG, 1859) EM CÃES*

UNIVERSIDADE FEDERAL DE CAMPINA GRANDE CENTRO DE SAÚDE E TECNOLOGIA RURAL CAMPUS DE PATOS-PB CURSO DE MEDICINA VETERINÁRIA MONOGRAFIA

UNIVERSIDADE FEDERAL RURAL DO SEMI-ÁRIDO LEOPOLDINO JOSÉ CARDOSO ROCHA SARNA DEMODÉCICA EM CÃES : REVISÃO BIBLIOGRÁFICA

INSIGHTS DE CONHECIMENTO CLÍNICO DERMATOSES PARASITÁRIAS DEMODICIDOSE CANINA INTRODUÇÃO 20.1

PARTE II: TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO ASPECTOS CLÍNICO-PATOLÓGICOS DA DEMODICIOSE CANINA E O USO DO TRATAMENTO DE DORAMECTINA ATRAVÉS DA

Estudo de segurança do Trissulfin SID (400 mg e 1600 mg) administrado em cães adultos e filhotes pela via oral durante 21 dias consecutivos.

EXAME DE MEDICINA E CIRURGIA DE ANIMAIS DE COMPANHIA. (Junho do 2017) DERMATOLOGIA (Docente responsável: Dr. Pablo Payo)

TUMOR VENÉREO TRANSMISSÍVEL EM ÁREA PERINEAL EM UM CANINO

PAPILOMATOSE BUCAL CANINA

ESPOROTRICOSE FELINA - RELATO DE CASO SPOROTRICHOSIS IN CAT - CASE REPORT

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL FACULDADE DE VETERINÁRIA PROGRAMA DE PÓS GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS VETERINÁRIAS

EFICÁCIA DA IMPRESSÃO CUTÂNEA COM FITA DE ACETATO COMPARADA AO RASPADO CUTÂNEO PROFUNDO NA PESQUISA DE Demodex canis E Sarcoptes scabiei

SARNAS DOS ANIMAIS DOMÉSTICOS

JULIANO SANTOS GUERETZ. PREVALÊNCIA PONTUAL DE Demodex canis E DE DEMODICOSE EM PARCELA DA POPULAÇÃO CANINA, NA CIDADE DE GUARAPUAVA PARANÁ

HIPERADRENOCORTICISMO IATROGÊNICO EM CÃO: RELATO DE CASO

DERMATITE ATÓPICA CANINA 1

UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS CAMPUS JATAÍ UNIDADE JATOBÁ. Carga Horária Total Carga Horária Semestral Ano Letivo 48 hs Teórica: 32 Prática:

SARNA SARCÓPTICA EM CÃES

INDICADORES DE ESTRESSE EM GATOS 1

HIPOTIREOIDISMO CANINO METODOLOGIA DE APRENDIZAGEM

UNIVERSIDADE FEDERAL DE PELOTAS Programa de Pós-Graduação em Veterinária

7º SIMPÓSIO DE PRODUÇÃO ACADÊMICA DA FACULDADE DE CIÊNCIAS BIOLÓGICAS E DA SAÚDE HIPERADRENOCORTICISMO HIPÓFISE DEPENDENTE EM CÃO - RELATO DE CASO

EFEITOS COLATERIAS DA CORTICOTERAPIA A LONGO PRAZO EM CÃES ATÓPICOS:

BOTULISMO EM CÃES - RELATO DE CASO

LÚPUS ERITEMATOSO DISCÓIDE EM UM CANINO - RELATO DE CASO 1 DISCOID LUPUS ERYTHEMATOSUS IN A DOG - CASE REPORT

ANAIS 37ºANCLIVEPA p.0688

RELATÓRIO DO ESTÁGIO CURRICULAR SUPERVISIONADO EM MEDICINA VETERINÁRIA

Demodicose canina CANINE DEMODICOSIS

[LINFOMA EPITELIOTRÓPICO]

Bruno Gonçalves Nóbrega ESTUDO RETROSPECTIVO DE DEMODICOSE E ESCABIOSE EM CÃES ATENDIDOS NO HOSPITAL VETERINÁRIO DE AREIA PB, CAMPUS II UFPB.

Queiletielose em cão relato de caso

Silva Simões et al., Revista Brasileira de Higiene e Sanidade Animal (v.12, n.1) p jan mar (2018)

Programa Analítico de Disciplina VET375 Clínica Médica de Cães e Gatos

Palavras-chave: Cão, demodicose, sequenciamento. Keywords: Dog, demodicosis, sequencing.

ESTUDO DE NEOPLASMAS MAMÁRIOS EM CÃES 1

ESPOROTRICOSE EM FELINOS DOMÉSTICOS

Otodetes cynotis ENFERMEDADES PARASITARIAS 1 / 5

Palavras-chave: dermatopatia, ectoparasitoses, lagomorfos, prurido Keywords: skin diseases, ectoparasitosis, lagomorphs, itch. Revisão de Literatura

RELATÓRIO DE ESTÁGIO CURRICULAR SUPERVISIONADO EM MEDICINA VETERINÁRIA

Dermatite multifatorial em um canino

Universidade Federal do Paraná. Treinamento em Serviço em Medicina Veterinária. Laboratório de Patologia Clínica Veterinária

Estudo Restrospectivo da casuística...

Avaliação das subpopulações de linfócitos TCD4 +, TCD8 + e da razão TCD4 + : TCD8 + na pré, trans e pós terapia em cães com demodicidose generalizada

Estudo de segurança do Trissulfin SID (400 mg) administrado em gatos jovens e adultos pela via oral durante 21 dias consecutivos.

TESTES ALÉRGICOS INTRADÉRMICOS COMO AUXÍLIO DO DIAGNÓSTICO DA DERMATITE ATÓPICA CANINA (DAC) Introdução

FIBROADENOCARCINOMA, CARCINOSSARCOMA E LIPOMA EM CADELA RELATO DE CASO FIBROADENOCARCINOMA, CARCINOSARCOMA AND LIPOMA IN BITCH - CASE REPORT

Página 1 de 5 GABARITO - PRÁTICA QUESTÃO 1 ITEM A

As doenças de pele causadas por fungos em cães e gatos

MÉTODOS DE DIAGNÓSTICO DA LEISHMANIOSE VISCERAL CANINA

LUIZ CLAUDIO FERREIRA

Especificidade das lesões dos membros inferiores

VOLUME 05/2015 DISTÚRBIOS DE QUERATINIZAÇÃO EM CÃES E GATOS

[DERMATITE ALÉRGICA A PICADA DE PULGAS - DAPP]

[ERLICHIOSE CANINA]

Agente etiológico. Leishmania brasiliensis

[HIPERSENSIBILIDADE ALIMENTAR]

42º Congresso Bras. de Medicina Veterinária e 1º Congresso Sul-Brasileiro da ANCLIVEPA - 31/10 a 02/11 de Curitiba - PR 1

DERMATOPATIAS PARASITÁRIAS

Curso: Residência em Medicina Veterinária

Eficácia das lactonas macrocíclicas sistêmicas (ivermectina e moxidectina) na terapia da demodicidose canina generalizada

A técnica de coleta para a citologia de pele é determinada pelas características das lesões e suspeita clínica.

Transcrição:

DEMODICIOSE SECUNDÁRIA AO HIPERADRENOCORTICISMO IATROGÊNICO EM CÃO: RELATO DE CASO Carina Diniz Ramos 1 e Renata Ribeiro Novais de Carvalho 2 RESUMO A demodiciose é uma dermatopatiatambém conhecida como sarna demodécica canina, sarna folicular ou sarna vermelha. É caracterizada pela excessiva proliferação do ácaro Demodex canis na pele de cães. Acomete os animais tanto na fase jovem quanto na adulta, sendo mais comum em filhotes e animais jovens. A demodiciose se classifica em relação às lesões em localizada ou generalizada. Cães com sarna demodécica possuem uma imunodeficiência de células T, que favorece a proliferação do ácaro, levando a uma imunossupressão, que está relacionada ao desenvolvimento da doença. Essa imunossupressão também pode ser causada pelo uso de corticoides e doenças que deprimem o sistema imune como, por exemplo, o hiperadrenocorticismo. O presente estudo teve como objetivo relatar um caso de demodiciose secundária ao hiperadrenocorticismo iatrogênico em cão.o animal havia sido submetido à corticoterapiadurante longo tempo. Foi realizado o tricograma, e o diagnóstico de demodiciose foi confirmado a partir da observação do ácaro em lâmina. O teste de estimulação adrenal com ACTH evidenciou o hiperadrenocoticismoiatrogênico. O tratamento instituído foi moxidectinaassociado ao xampu de peróxido de benzoíla. A alta foi dada após dois exames parasitológicos de raspado cutâneo profundo negativoscom intervalos de três semanas. Conclui-se que a demodiciosese manifesta associada à imunossupressão, que por sua vez, pode ser ocasionadapor uma doença primária, sendo importante o diagnóstico e tratamento da doença predisponente. O tratamento com a lactonamacrocíclica, moxidectina se mostrou eficaz. Palavras-chave: Demodex canis, imunossupressão, dermatopatia parasitária. 1 Discente da Faculdade de Medicina Veterinária de Valença, do Centro de Ensino Superior de Valença (CESVA/FAA), Valença, Rio de Janeiro, Brasil. 2 MSc. docente da Faculdade de Medicina Veterinária de Valença, do Centro de Ensino Superior de Valença (CESVA/FAA), Valença, Rio de Janeiro, Brasil. Saber Digital, v. 10, n. 2, p. 82-92, 2017 82

DEMODICOSIS SECONDARY TO IATROGENIC CUSHING IN DOG: A CASE REPORT ABSTRACT The demodicosis is a skin disease also known as canine demodectic mange, follicular mange or red mange. It is characterized by excessive proliferation of Demodexcanis mites in the skin of dogs. It affects animals both in the young stage as in the adult, is more common in puppies and young animals. The demodicosis is classified in relation to the lesions localized or generalized. Dogs with demodectic mange have a T cell immunodeficiency, which favors mite proliferation, leading to immunosuppression, which is related to disease development. Such immunosuppression may also be caused by steroids and diseases that suppress the immune system like, for example, hyperadrenocorticism. This study aimed to report a case of secondary demodicosis to iatrogenic hyperadrenocorticism in dogs. The animal had been submitted to corticoterapiadurante long time. It was performed trichogram, and the diagnosis of demodicosis was confirmed from the observation of the mite blade. The dosage basal cortisol before and after application of ACTH showed the hiperadrenocoticismoiatrogênico.omoxidectin treatment was associated with shampoo benzoyl peroxide. The increase was given after two parasitological examinations shaved negative deep skin with three week intervals. It is concluded that manifests demodicosis associated with immunosuppression, which, in turn, may be caused by a primary disease, it is important to the diagnosis and treatment of the underlying disease. Treatment with lactonamacrocíclica, moxidectin is effective. Keywords:Demodexcanis, immunosuppression, parasitic skin disease. INTRODUÇÃO A demodiciose também conhecida como sarna demodécica canina, sarna folicular ou sarna vermelha é uma dermatopatia parasitária comum em filhotes, sendo caracterizada pela excessiva proliferação do ácaro Demodex canis na pele de cães (BARRIENTOS et al., 2010; PATEL; FORSYTHE, 2010). O ácaro D. canisfoi a primeira espécie da família Demodecidae descrita no cão por Leydig, em 1859 (OLIVEIRA, 2007).Esses parasitas são do tipo hospedeiro específico, se alimentam de células, sebo e debris epidérmicos e são seletivos quanto à localização, sendo encontrados nos folículos pilosos e nas glândulas sebáceas dos mamíferos e compõem a microbiota da pele de cães saudáveis (SCOTT et al., 1996; BOWMAN, 2010; FERNANDES et al., 2010; SILVA et al, 2011). Saber Digital, v. 10, n. 2, p. 82-92, 2017 83

Esse ácaro, pode ser encontrado em locais extra-cutâneos, como nos linfonodos, parede intestinal, baço, fígado, entre outros. Isto ocorre devido à drenagem linfática e sanguínea, porém os parasitas encontrados nestes locais estão mortos e degenerados (SCOTT et al., 1996). Fatores predisponentes A doença ainda é uma das principais dermatopatias (PATEL; FORSYTHE, 2010) e existem alguns fatores predisponentes para a demodiciose, como por exemplo, má nutrição, estro, parto, estresse, doenças debilitantes, fatores genéticos, imunológicos, entre outros (SCOTT et al., 1996). Segundo Scott et al. (1996) e Patel e Forsythe (2010), há uma predisposição racial da sarna demodécica nas raças Sharpei, West Highland White Terrier, Boxer, Bulldog inglês, Dinamarquês, entre outras. Influência imunitária Segundo Patel e Forsythe (2010), cães com sarna demodecica possuem uma imunodeficiência de células T, que favorece a proliferação do ácaro, causando uma imunossupressão que está relacionada ao desenvolvimento da doença. Através do teste da blastogênese linfocitária in vitro (BLIV), estudos comprovam que cães com demodiciose crônica generalizada apresentam esta imunodeficiência (SCOTT et al., 1996). A imunossupressão pode ser causada pelo uso de corticoides e doenças que deprimem o sistema imune como, por exemplo, o hiperadrenocorticismo (espontâneo ou iatrogênico), neoplasias, entre outras (GORTEL, 2006). Transmissão Os filhotes adquirem o ácaro através do contato direto com a mãe durante o aleitamento de dois a três dias após o nascimento (SANTOS et al., 2008; BOWMAN, 2010), e esses são primeiramente encontrados na face dos filhotes, enfatizando a importância do contado direto e materno.se os filhotes forem retirados por cesárea e Saber Digital, v. 10, n. 2, p. 82-92, 2017 84

alimentados fora do contato da mãe infectada, eles não adquirem o Demodex spp.,isso indica que a transmissão uterina não ocorre (SCOTT et al., 1996). Sinais clínicos A demodiciose se classifica em relação às lesões em: demodiciose localizada (DL) ou demodiciose generalizada (DG). O prognóstico e o curso dos dois tipos são diferentes (SCOTTet al., 1996). A DL apresenta-se de uma a cinco áreas de alopecia, com graus variáveis de eritema, hiperpigmentação e descamação (MEDLEAU; HNILICA, 2003, PATEL; FORSYTHE, 2010) com maior incidência em filhotes de três a seis meses de idade (MEDLEAU; HNILICA, 2003). As lesões são comumente encontradas na face (área periocular e comissuras bucais)(figura 3) (SCOTTet al., 1996), mas também podem ser encontradas em diversas áreas do corpo, no geral as lesões não são pruriginosas, a menos que ocorra infecção secundária (MEDLEAU; HNILICA, 2003). Para Scott et., al (1996) essa DL é considerada benigna e a maioria dos casos resolve-se espontaneamente. A afecção pode se tornar generalizada em 10% dos casos de cães comdemodiciose localizada (BIRCHARD; SHERDING, 1998). Figura 1. Localização das lesões da demodiciose localizada. Fonte: Scott et al. (1996). Saber Digital, v. 10, n. 2, p. 82-92, 2017 85

A DG cobre grandes áreas do corpo, e se apresenta com o envolvimento de cinco ou mais áreas de lesões localizadas que possui o envolvimento de uma região inteira do corpo. Também apresenta envolvimento completo de dois ou mais membros (Figura 4) (SCOTTet al., 1996). A DG é classificada como de inicio juvenil ou adulto, a juvenil acomete cães de três a 18 de idade. Já a DG de caráter adulto, acomete cães com idade acima de 18, com maior ocorrência em animais de idade mediana a idosos devido a imunodeficiência decorrente de uma condição primária, como por exemplo, hiperadrenocorticismo endógeno ou iatrogênico, diabetes mellitus, neoplasias, tratamentos imunossupressores ou hipotireoidismo (MEDLEAU; HNILICA, 2003). As lesões possuem grandes áreas de alopecia multifocais a regionais apresentando descamação, formação de crostas, eritema,formação de cravos, hiperpigmentação e piodermite (BIRCHARD, 1998). Figura 2. Localização das lesões da demodiciose generalizada. Fonte: Scott et al. (1996). A pododemodicose pode ocorrer como resultado da DG (SCOTTet al., 1996), e é caracterizada por prurido interdigital, dor, eritema, alopecia, hiperpigmentação, liquenificação, descamação, edema, crostas, pústulas, bolhas e exsudato (BIRCHARD, 1998). De acordo com Birchard e Sherding (1998)e Dunn (2001) a pododemodicose pode se confinar exclusivamente aos pés ou se encontrar presente em conjunto com Saber Digital, v. 10, n. 2, p. 82-92, 2017 86

uma doença mais generalizada. Esses mesmos autores afirmam que nas infestações crônicas e /ou severas, as áreas interdigitais da dobra ungueal e palmares ficam frequentemente tumefeitas. Diagnóstico O diagnóstico é feito através do raspado cutâneo e tricograma, e a confirmação se dá quando são encontrados ácaros na lâmina (SANTOS et al., 2008). Para Crivellenti e Crivellenti (2012) o diagnóstico é feito através de amostras de raspado cutâneo ou imprints com fita adesiva de acetato e confirmado após a visualização microscópica do parasita em diferentes fases de desenvolvimento.os diagnósticos diferenciais mais comuns para demodiciosesãodermatofitose, foliculite ou furunculose e a diferenciação é feita através do raspado de pele ou histopatologia (SCOTTet al., 1996). Testes laboratoriais Quando DG canina encontra-se presente, alguns testes laboratoriais são utilizados visando a identificação dedoençaspredisponentes. Perfil bioquímico sérico, urinálise e hemogramaconstituem os testes de triagem básicos. Se a anamnese, o exame físico eos testes laboratoriais de triagem indicarem uma disfunção endócrina ou disfunção interna, deve-se realizar testes mais específicos, comopor exemplo, testes de supressão com dexametasona em baixa dosagem para descartar o diagnóstico do hiperadrenocorticismo de causa natural (BIRCHARD, 1998). Tratamento É necessário diagnosticar e tratar qualquer fator predisponente(medleau; HNILICA, 2003). O tratamento é feito com xampus anti-sépticos, e parasiticidas como, por exemplo, ivermectina ou moxidectina por trinta dias e até que se obtenha pelo menos dois raspados negativos. Em casos de piodermatite secundária deve-se usar antibiótico sistêmico de longa duração por no mínimo de três a quatro semanas (MEDLEAU; HNILICA, 2003). Saber Digital, v. 10, n. 2, p. 82-92, 2017 87

Deve-se fazer, a cada três meses, exames parasitológicos cutâneos para evitar recidivas, e o animal não deverá ser usado para reprodução, sendo indicada a gonadectomia (SANTOS et al 2009). Hiperadrenocorticismo iatrogênico O hiperadrenocorticismo iatrogênico resulta da administração excessiva de glicocorticóides (NELSON; COUTO, 2001), os quais possuem efeitos antiinflamatórios e imunossupressores (PEREIRA et al., 2011), podendo ser diretamente supressivo para os linfócitos T (MADDISON; PAGE, CHURCH., 2010). O presente estudo teve como objetivo relatar um caso de demodiciose secundária ao hiperadrenocorticismo iatrogênico em cão. RELATO DE CASO Um cão, macho, da raça West Highland White Terrier, com nove anos de idade, pesando 9,800 kg, foi atendido em domicílio na cidade do Rio de Janeiro. Apresentando lesões generalizadas com alopecia, eritema, formação de crostas, hiperpigmentação e piodermite (Figura 3). Segundo a tutora, com três anos de idade o animal foi diagnosticado atópico e submetido à corticoterapia intermitente. Aos nove anos, começou a não responder ao tratamento com glicocorticóides e o veterinário começou a aumentar doses e a diminuir os intervalos de aplicação de glicocorticóides de depósito. Na consulta foi realizado o tricograma e a partir desse exame pode-se verificar as formas parasitárias adultas compatíveis com D. canis, fechando assim o diagnóstico de demodiciose. Foi solicitado hemograma completo, perfil bioquímico sérico e urinálise.também foi realizada dosagem do cortisol basal antes e depois da aplicação de ACTH, tendo como resultado cortisol basal aumentado, sendo então diagnosticado hiperadrenocoticismo iatrogênico. O tratamento instituído para demodiciose foi moxidectina 1% (0,05ml/kg) por via oral a cada três dias durante três meses e xampu de peróxido de benzoíla 2,5% a cada sete dias.foi instituído o desmame de glicocorticoide com predinisolona diária oral 0,5mg/kg por dez dias, reduzindo a dose para 0,25mg/kg por mais dez Saber Digital, v. 10, n. 2, p. 82-92, 2017 88

dias e depois a última dose em dias alternados por mais dez dias.a alta foi dada após dois examesparasitológicos de raspado cutâneo profundo (EPRCP) negativos com intervalos de três semanas. Figura 3. Lesões generalizadas no animal, com presença alopecia, hiperqueratose, hiperpigmentação e hiperemia. Fonte: Novais (2012) DISCUSSÃO O animal fazia uso continuo de corticoide o que fez com que o mesmo,desenvolvesse o hiperadrenocorticismo iatrogênico,o que condiz com o que foi relatado por Birchard (1998). Ainda de acordo com o autor citado, a imunossupressão pode induzir àdemodiciose localizada ou generalizada. Scott et al. (1996), Patel e Forsythe (2010), relatam uma predisposição racial da sarna demodécica em algumas raças, inclusive na raça West Highland White Terrier, a qual pertence o animal relatado no presente estudo. O paciente apresentava lesões generalizadas com alopecia, eritema, formação de crostas, hiperpigmentação e piodermite, condizendo com o que foi descrito por Medleau e Hnilica (2003). Foi realizado o tricograma, onde pode-se verificar a presença do ácaro adulto de D. canis, o que corrobora o que foi sugerido por Santos et al. (2008) de que esse exame permite um diagnóstico conclusivo. Já em estudo feito por Lousada (2014), o tricograma foi o método que apresentou menor sensibilidade, se comparado ao método de fita adesiva e raspagens cutâneas profundas. Crivellenti e Crivellenti Saber Digital, v. 10, n. 2, p. 82-92, 2017 89

(2012) concordam que o diagnóstico pode ser feito através de amostras de raspado cutâneo ou imprints com fita adesiva de acetato e confirmado após a visualização microscópica do parasita em diferentes fases de desenvolvimento. No hemograma verificou-se leucograma característico de um animal apresentando estresse (neutrofilia, eosinopenia e linfopenia) e no perfil bioquímico foi encontrado elevação de enzimas hepáticas (ALT e AST), ambos compatíveis com o uso de corticoterapia, também descrito no trabalho de Aptekmannet al. (2003). Delayte et al. (2006), avaliaram a eficácia de lactonas macrocíclicas (ivermectina e moxidectina) na terapia de demodiciose. A ivermectina (0,6mg/kg/dia) e a moxidectina (0,5mg/kg/cada 72 horas)foram administradas por via oral. O tempo médio para a obtenção da primeira negativação do exame parasitológico do raspado cutâneo e para a consecução da alta foram, de 90 e 130 dias para a ivermectina e de 108 e 147 dias para a moxidectina. De acordo Delayte et al. (2006), não houve diferença entre os dois protocolos de terapia quanto aos percentuais de recidiva, ou seja, lactonasmacrocíclicas mostraram-se eficazes. No presente caso, foi utilizada moxidectina 1% (0,05ml/kg por via oral a cada 72 horas) e a alta foi dada após três meses de tratamento, posteriormente àdois raspados profundos de pele negativos com intervalos de três semanas, o que condiz com o que foi relatado no trabalho de Delayte et al., (2006). No trabalho de Fukahori (2012), foi realizado o tratamento commoxidectina (de 0,5 mg/kg) por via oral e a alta foi dada com dois meses de tratamento, após três raspados de pele negativos, diferente do que foi relatado por Delayte et al. (2006). No presente estudo foi associado ao tratamento com moxidectina o banho semanal com xampu de peróxido de benzoíla 2,5%. Medleau e Hnilica (2003), também recomendam a associação de banhos semanais com peróxido de benzoíla 2,5%à outros acaricidas, confirmando o que foi instituído neste relato. Saber Digital, v. 10, n. 2, p. 82-92, 2017 90

CONCLUSÃO Conclui-se após o presente estudo, que a demodiciose se manifesta associada à imunossupressão, que por sua vez, pode ser ocasionada devido a uma doença primária, sendo importante o diagnóstico e tratamento da doença predisponente. O tratamento com lactonamacrocíclica, moxidectina, se mostrou eficaz, associado ao peroxido de benzoila, o que proporcionou um melhor resultado. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS APTEKMANN, K. P. et al. Características clínico-epidemiológicas do hiperadrenocorticismo na região de Botucatu - SP. Revista Brasileira de Investigação Veterinária e Zootecnia, v. 40, n. 1, p. 192-193, 2003. BARRIENTOS, L. et al. Association of canine juvenile generalized demodicosis with the dog leukocyte antigen system. Tissue Antigens, v. 76, p.67 70, 2010. BIRCHARD, S. J.; SHERDING, R. G. Demodicose In: Manual Saunders: clínica de pequenos animais, 1 edição, São Paulo: Editora Roca LTDA, p. 330-333, 1998. BOWMAN, D. D. Georgis Parasitologia Veterinária, 9 edição, Rio de Janeiro: Editora Elsevier, p.69, 308 e 354, 2010. CRIVELLENTI, L. Z.; CRIVELLENTI, S. B. Dermatologia In: Casos de rotina em medicina veterinária de pequenos animais, 1 edição, São Paulo: Editora MedVet, p.27-29, 2012. DELAYTE, E. H. et al. Eficácia das lactonasmacrocíclicas sistêmicas (ivermectina e moxidectina) na terapia da demodicidose canina generalizada. Revista Brasileira Medicina Veterinária e Zootecnia, v.58, n.1, p.38, 2006. FERNANDES, J. I. et al. Eficácia do nim (Azadirachta indica) no controle de Demodex canis(leydig, 1859) em cães. Revista Brasileira de Medicina Veterinária, v. 32, n. 1, p.59-63, 2010. Saber Digital, v. 10, n. 2, p. 82-92, 2017 91

FUKAHORI, F. L. P. et al. Eficácia do uso de moxidectina por via oral no tratamento de demodicose generalizada em cães: breve relato de dois casos. Revista de Medicina Veterinária, v.7, n.1, p.34, 2013. GORTEL, K. Update on canine demodicosis. Veterinary Clinic Veterinary Clinics Small Animal Practice, v.36, p.229 241, 2006. LOUSADA, R. M. S. Estudo de uma nova técnica atraumática para diagnóstico de Demodex canis e sua comparação com técnicas já utilizadas. 2014, 92p. Dissertação (Mestrado), Universidade de Lisboa, Portugal, Lisboa, 2014. MADDISON, J. E.; PAGE, S. W.; CHURCH. Glicocorticosteroides e antihistamínicos In: Farmacologia clínica de pequenos animais, Rio de Janeiro: Editora Elsevier, p.258, 2010. MEDLEAU, L.; HNILICA, K. A. Dermatites parasitárias In: Dermatologia de pequenos animais: atlas colorido e guia terapêutico, São Paulo: Editora Roca LTDA, p. 63-66, 2003. NELSON, R. W.; COUTO, C. G. Medicina interna de pequenos animais, 2 edição, Rio de Janeiro: Editora Guanabara Koogaan, p., 2001. PATEL, A.; FORSYTHE. P. Dermatologia em pequenos animais, 1 edição, Rio de Janeiro: Editora Elsevier, p. 155-156, 2010. PEREIRA, B. J. et al. Avaliação dos efeitos da terapia com prednisona em cães utilizando análises ultranossonográficas, citopatológica e histopatológica. Revista Ceres, v. 58, n.5, p.561-566, 2011. SANTOS, P.; SANTOS, V.; ZAPPA, V. Demodiciose canina. Revista Científica Eletrônica de Medicina Veterinária, v.7, n.11, periódicos semestral, 2008. Disponível em: <http://faef.revista.inf.br/imagens_arquivos/arquivos_destaque/br2nzkfhzy95uvc_ 2013-6-19-16-50-3.pdf>. Acesso em 19/10/2015. SILVA, L. V. C. et al. Infecção por Demodex canis em cães dermatologicamente sadios e com dermatopatias, procedentes região metropolitana de Recife, Estado de Pernambuco. Revista Científica Dmv, v. 5, n. 3, 2011. Saber Digital, v. 10, n. 2, p. 82-92, 2017 92