Palavras-chave: dermatopatia, ectoparasitoses, lagomorfos, prurido Keywords: skin diseases, ectoparasitosis, lagomorphs, itch. Revisão de Literatura

Transcrição

1 OCORRÊNCIA, DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL E TRATAMENTO DE SARNA SARCÒPTICA EM Oryctolagus cuniculis (COELHO DOMÉSTICO) Paula Damasceno GOMES 1 ; Marina Mendonça de MIRANDA 2 e Bruno Ferreira CARNEIRO 2 1 Graduanda em Medicina Veterinária, Universidade Federal de Goiás, damasceno94@gmail.com 2 Médico Veterinário, Clínica Especializada em Animais Silvestres e Exóticos Refúgio Sivlestre Resumo A sarna sarcóptica é uma dermatopatia altamente contagiosa que afeta grande variedade de animais silvestres e domésticos. Nos lagomorfos a ocorrência é incomum, porém quando estabelecida pode levar a perda de condição corporal, infecção bacteriana secundária e a morte se não tratada devidamente. O presente caso relata o atendimento clínico de uma fêmea de Oryctolagus cuniculis (coelho doméstico), jovem, apresentando intenso prurido, perda de condição corporal, lesões crostosas acompanhadas de alopecia na região periocular, no pavilhão auricular externo e nos dígitos dos membros torácicos e pélvicos, alopecia no dorso descamação da região interna do canal auditivo e uma proeminência de tecido queratinizado bem evidenciada no focinho. Ao exame clínico suspeitou-se de uma dermatopatia de origem parasitária ou bacteriana. Foi solicitado o parasitológico de pele como exame complementar, o qual confirmou a presença do ácaro Sarcoptes Scabiei. O animal recebeu protocolo medicamentoso a base de avermectina apresentando melhora clínica logo após a administração da segunda aplicação. O objetivo do presente trabalho é enfatizar a importância do diagnóstico etiológico em enfermidades de caráter infectocontagioso, pois a determinação do agente causal é fundamental para o estabelecimento de um correto tratamento e determinação da real prevalência em determinadas espécies, visto que diversas dermatopatias causadas por diferentes agentes etiológicos podem cursar com os mesmos sinais clínicos e padrões de lesões dermatológicas. Palavras-chave: dermatopatia, ectoparasitoses, lagomorfos, prurido Keywords: skin diseases, ectoparasitosis, lagomorphs, itch Revisão de Literatura ANAIS 37ºANCLIVEPA p.0847

2 A sarna sarcóptica, também chamada de escabiose em humanos e sarna em animais, é uma dermatopatia comum em determinadas espécies, altamente contagiosa e causada por um ácaro (BORNSTEIN, 2001). O agente etiológico denomina-se Sarcoptes scabiei e sua infestação afeta uma ampla variedade de espécies animais, incluindo o ser humano. Em lagomorfos como os coelhos, o ácaro não é comum e a sua multiplicação leva a lesões que afetam a face, nariz, lábios e genitália externa (PERCY, 2001). As fêmeas do ácaro quando fertilizadas penetram na superfície da pele, formando túneis nas camadas superiores realizando a postura dos ovos, que eclodem, emergem-se em larvas e posteriormente em ninfas. A atividade alimentar dessas larvas e ninfas induz a reações de hipersensibilidade, inflamação, com subsequente hiperqueratose, seborreia e alopecia. A morbilidade e mortalidade dos animais infestados podem ser altas. A transmissão entre as espécies ocorre através do contato direto e indireto. As larvas e ninfas de S. scabiei frequentemente deixam os túneis e andam sobre a pele, a qual pode abrigar centenas a milhares de ácaros por cm². Alguns podem soltar-se a partir do hospedeiro e cair, contaminando o ambiente. Os ácaros sobrevivem no ambiente por várias semanas se as condições microclimáticas forem favoráveis, isto é, alta umidade e baixa temperatura (BORNSTEIN, 2001). Os sinais clínicos da infestação incluem prurido intenso, seborreia e alopecia em casos agudos, devido à reação de hipersensibilidade estabelecida. Em casos crônicos há formação de crostas e hiperqueratose (ARLIAN, 1989; BORNSTEIN, 2001). O diagnóstico é realizado principalmente através do raspado de pele ou da biópsia. Em relação ao tratamento, existem várias drogas efetivas contra a sarna sarcóptica disponíveis para serem usadas por via tópica, oral ou parenteral. As avermectinas são os acaricidas de escolha, por serem altamente efetivos, agindo sistematicamente e possuindo efeito prolongado. (ARENDTS et al. 1999). Relato de caso No presente relato, uma fêmea de Oryctolagus cuniculis (coelho doméstico), jovem, pesando Kg foi atendida na clínica veterinária Refúgio Silvestre. De acordo com o proprietário o animal foi encontrado em um parque urbano e resgatado pelo mesmo. Alimentava-se de verduras, folhas e gramíneas e convivia com outro animal, um cão. A principal queixa por parte do proprietário era sobre uma provável dermatopatia que causava intenso prurido no animal e sobre o risco de transmissão ANAIS 37ºANCLIVEPA p.0848

3 da mesma. Procedeu-se a realização do exame clínico, o qual constatou normalidade em relação aos parâmetros fisiológicos e alteração apenas em relação à condição corporal, pois o animal apresentava emaciação e peso abaixo da média. Durante a inspeção e palpação notaram-se lesões crostosas acompanhadas de alopecia na região periocular, no pavilhão auricular externo e nos dígitos dos membros torácicos e pélvicos, alopecia no dorso, descamação da região interna do canal auditivo e uma proeminência de tecido queratinizado bem evidenciada no focinho. A suspeita inicial baseou-se em uma dermatopatia de origem parasitária (sarna) ou em uma dermatopatia de origem bacteriana (treponematose). Foi solicitado como exame complementar o parasitológico de pele. Coletou-se material proveniente das lesões através do raspado de pele superficial, que foi enviado posteriormente para o laboratório. O patologista clínico avaliou a amostra através da microscopia direta e exame citopatológico. Na microscopia direta foi possível visualizar a presença do ácaro Sarcoptes scabiei. Já na citologia foi evidenciada a presença de células epiteliais queratinizadas de descamação e debris celulares, além da presença moderada de bactérias do tipo cocos, porém foi negativa para ácaros e fungos. O protocolo terapêutico baseou-se na administração de Ivermectina 1% (0,4 mg/kg) SC a cada 7 dias durante 3-4 aplicações. O animal apresentou significativa melhora após a 2ª aplicação, percebida através da melhora da condição corporal, diminuição do prurido e pela melhora no aspecto geral das lesões dermatológicas. Discussão A sarna sarcóptica é uma dermatopatia de origem parasítária rara e incomum em coelhos. A infestação pelo seu agente causal (S. scabiei) resulta em graves complicações que podem levar a morte do animal, devido principalmente a perda de condição corporal e ao desenvolvimento de infecções secundárias (AIELLO, 1998). A infestação diagnosticada no presente relato pode ter sido favorecida pela condição no qual o animal foi encontrado, pelo período de adaptação ao novo ambiente e pelo convívio com outros animais de estimação (cão), fatores que proporcionam situações de estresse ao animal, além da possibilidade dessa infecção ter sido adquirida pelo contato próximo com outra espécie. BEHERA et. al, (2011) descreveu que animais em condições de estresse, nutrição inadequada e imunossupressão são mais acometidos por tal afecção. E um estudo realizado por ARLIAN et al. (1988) ANAIS 37ºANCLIVEPA p.0849

4 demonstrou a transferência bem sucedida de Sarcoptes scabiei provenientes de cães para coelhos da raça Nova Zelândia, comprovando o papel de outros animais de estimação como reservatórios. As lesões dermatológicas apresentadas pelo animal eram comuns a varias dermatopatias e não possuíam nenhuma padrão de distribuição, o que justificava todas as opções apresentadas no diagnóstico presuntivo. Somente após a realização do exame parasitológico de pele foi possível determinar o diagnóstico de sarna sarcóptica. A maioria das condições pruriginosas em animais domésticos é decorrente da infestação por S. scabiei, porém muitas lesões causadas por esse microrganismo se assemelham a uma variedade de dermatopatias, sendo a identificação do ácaro indispensável para confirmação do diagnóstico. O diagnóstico diferencial para as dermatites hiperqueratóricas e alopecia em coelhos incluem: sarna psoróptica (Psoroptes cuniculi), sarna notoédrica (Notoedres cati), demartite ocasionada por Cheyletiella sp., dermatofitose, sarna sarcóptica (Sarcoptes scabiei) e treponematose (SUCKOW et al., 2002). A importância do estabelecimento do diagnóstico etiológico se dá principalmente pelo correto estabelecimento do tratamento, que no presente caso se mostrou totalmente eficaz. A maior preocupação por parte dos proprietários, incluindo o proprietário do presente relato é sobre a possibilidade de transmissão da sarna sarcóptica de seu animal para com ele e com seus familiares. É de fundamental importância a disseminação de informações corretas sobre o real potencial zoonótico do S. scabiei por parte do médico veterinário, pois o desconhecimento leva ao abandono e descarte de diversos animais de estimação. HEUKELBACH & FELDMEIER (2006) e ARLIAN (1989) relatam que diversos mamíferos, incluindo o ser humano, podem ser infestados pelo ácaro, porém, a infecção cruzada entre diferentes espécies de hospedeiros é limitada, originando um quadro de dermatite localizada, autolimitante e de cura espontânea. Conclusões A sarna sarcóptica é considerada uma dermatopatia de origem parasitária de rara ocorrência em lagomorfos. Porém, a utilização cada vez mais frequente do coelho como animal doméstico tem interferido nessa casuística. É crescente o número de casos confirmados de infestação por S. scabiei em lagomorfos mantidos como pets. Sendo assim, o estabelecimento do diagnóstico etiológico para dermatopatias se torna primordial na rotina clínica do veterinário de animais exóticos e silvestres, pois ANAIS 37ºANCLIVEPA p.0850

5 possibilita o estabelecimento de um correto tratamento e auxilia na determinação da real prevalência dessas dermatopatias de caráter infectocontagioso. Referências AIELLO, S.E., MAYS, A., AMSTUTZ, H.E. Rabbits. In Merck veterinary manual. Merck Inc, New Jersey, ARENDS, J. J.; SKOGERBOE, T. L.; RITZHAUPT, L. K. Persistent efficacy of doramectin and ivermectin against experimental infestations of Sarcoptes scabiei var. suis in swine. Veterinary parasitology, v. 82, n. 1, p , BEHERA, S. K., DIMRI, U., SINGH, S. K., MOHANTA, R. K. The curative and antioxidative efficiency of ivermectin and ivermectin + vitamin Eselenium treatment on canine Sarcoptes scabiei infestation. Veterinary Res. Commun. Amsterdam, vol. 35, p , BORNSTEIN, S., MORNER, T., SAMUEL, W.M. Sarcoptic scabiei and sarcoptic mange In: SAMUEL, W.M., PYBUS, M.J., KOCAN, A.A. Parasitic diseases of wild mammals. Iowa State University Press, Ames, Iowa, HEUKELBACH, J.; FELDMEIER, H. Scabies. The Lancet. Londres, v. 367, p , SUCKOW, Mark A. et al. Biology and Diseases of Rabbits. Laboratory Animal Medicine. San Diego: Elsevier Science, p , PERCY, D. H., BARTHOLD, S. W. Pathology of Laboratory Rodents and Rabbits. Iowa State University Press, Ames, Iowa, ANAIS 37ºANCLIVEPA p.0851