PSEUDOTUMOR DE ESTÔMAGO: ESTUDO DE DEZ CASOS E REVISÃO DA LITERATURA



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Transcrição:

REV. HOSP. CLÍN. FAC. MED. S. PAULO 49(4): 160-163, 1994 PSEUDOTUMOR DE ESTÔMAGO: ESTUDO DE DEZ CASOS E REVISÃO DA LITERATURA Marcel Autran C. Machado, Joaquim Gama-Rodrigues, Marcelo E. Nita, Paula Volpe, Kiyoshi Iriya e Henrique W. Pinotti. MACHADO, M.A.C. e col. - Pseudotumor de estômago: estudo de dez casos e revisão da literatura Rev. Hosp. Clín. Fac. Med. S. Paulo 49(4): 160-163, 1994 RESUMO: Várias condições patológicas podem dar origem à lesões pseudotumorais no estômago. Estas condições são, no entanto, bastante raras, existindo poucas publicações sobre o assunto na literatura mundial. A forma pseudotumoral de úlcera péptica do estômago foi descrita em 1942; esta denominação embora incorreta do ponto de vista anátomo-patológico, expressa bem um tipo de lesão péptica gástrica, cuja diferenciação com as neoplasias malignas só é possível mediante exame anátomo-patológico da peça cirúrgica. Mesmo o exame macroscópico da peça operatória não permite afirmar sua natureza benigna. O presente trabalho visa a enfocar as dificuldades ainda existentes de diagnóstico diferencial da forma pseudotumoral da úlcera gástrica com base na experiência do tratamento de dez pacientes internados de janeiro de 1989 a janeiro de 1994 no Serviço de Cirurgia do Estômago e Intestino Delgado da Divisão de Cirurgia do Aparelho Digestivo da Hospital das Clínicas da FMUSP. DESCRITORES: Estômago. Úlcera péptica. Pseudotumor gástrico INTRODUÇÃO Várias condições patológicas podem dar origem à lesões pseudotumorais no estômago. Estas condições não são, no entanto, muito freqüentes, existindo poucas publicações sobre o assunto na literatura mundial. Ledoux-Lebard e col. 2 descreveram em 1942 a forma pseudotumoral de úlcera péptica do estômago. Esta denominação, embora incorreta do ponto de vista anátomo-patológico, expressa bem a dificuldade de diagnóstico diferencial de um tipo de lesão gástrica, cuja diferenciação com neoplasia maligna só é possível mediante exame anátomo-patológico da peça operatória. Mesmo o exame macroscópico da peça cirúrgica não permite afastar sua natureza maligna. O presente trabalho visa a enfocar as dificuldades de diagnóstico diferencial da forma pseudotumoral da úlcera gástrica, apesar do imenso progresso do metodologia propedêutica auxiliar observada no decorrer das últimas décadas, com base na experiência do tratamento de dez pacientes internados de janeiro de 1989 a janeiro de 1994 no Serviço de Cirurgia do Estômago e Intestino Delgado da Divisão de Cirurgia do Aparelho Digestivo da Hospital das Clínicas da FMUSP. MATERIAL E MÉTODOS Trabalho realizado na Disciplina de Cirurgia do Aparelho Digestivo da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Foram estudados dez pacientes portadores da forma pseudotumoral da úlcera gástrica. A idade dos pacientes variou de 45 a 79 anos, com média de 62,1 anos, sendo cinco (50%) do sexo masculino e cinco do feminino (Tab. 1). A dor epigástrica foi o sintoma mais freqüente, presente em 90% dos pacientes. Emagrecimento, náusea e vômitos estiveram presentes em 70% dos pacientes. Dois pacientes apresentavam distúrbios psiquiátricos. Um paciente havia tido perfuração gástrica prévia e um a teve durante a internação (Tabela 2). O tempo de história variou de 2 meses até 35 anos, com média de 121 meses (Tab. 3). Dos pacientes que apresentavam emagrecimento, quatro deles apresentavam astenia e anorexia; o emagrecimento médio foi de 9,1 kilogramas (Tab. 3). O exame radiológico contrastado do esôfago, estômago e duodeno (EED) foi realizado em todos pacientes e apresentava características radiológicas sugestivas de tumor maligno (Fig.1) em seis pacientes (60%), enquanto nos demais revelava lesão ulcerada vultuosa em topografia gástrica. A avaliação endoscópica da lesão gástrica informou aspecto de câncer gástrico em todos pacientes, sendo definido como Borrmann III seis pacientes e Borrmann II dois, sendo que os outros dois não classificou a lesão. Todos os pacientes

Figura 1. Exame radiológico contrastado do estômago (caso 2). Observa-se lesão ulcerada de aspecto tumoral em pequena curvatura gástrica. realizaram mais de uma avaliação endoscópica digestiva alta, após resultado histológico de úlcera péptica benigna na primeira biópsia. Este resultado foi confirmado posteriormente em todas as biópsias subsequentes, com média de três exames por paciente. Todos os pacientes foram submetidos a ultra-sonografia abdominal, com exceção de um paciente que apresentou perfuração durante internação (caso 2). Em quatro pacientes, este exame mostrou linfadenomegalia importante em região peri-gástrica e hilo-hepático, suscitanto a realização de tomografia computadorizada em três deles (Fig.2) que confirmou este achado em um paciente e mostrou somente hepatomegalia discreta em outro; no terceiro paciente (caso 1), revelou imagem sugestiva de metástase hepática. Neste último paciente (caso1), após a intervenção cirúrgica na qual não confirmou o referido achado, a tomografia computadorizada foi reavaliada e revelou que as imagens hipoatenuantes, quando comparadas com as imagens sem contraste, tratavam-se na verdade de áreas normais circundadas de esteatose hepática, mimetizando metástase hepática (Fig. 3). Os achados radiológicos, endoscópicos e histológicos estão resumidos na Tabela 4. Dos dez pacientes, seis foram submetidos a tratamento cirúrgico, sendo realizada hemigastrectomia com reconstrução a Billroth I em três deles, gastrectomia parcial pela técnica de Pauchet em um paciente e gastrectomia parcial (2/3) com reconstrução à Billroth II em dois pacientes, sendo um deles operado de urgência após perfuração gástrica durante internação (Fig. 4). Os dois pacientes restantes não foram operados e foram tratados clinicamente com acompanhamento ambulatorial, com bom resultado. Dos seis pacientes operados, cinco evoluíram sem intercorrências enquanto que um paciente apresentou broncopneumonia, com resolução com antibioticoterapia e fisioterapia respiratória. Não houve mortalidade pós-operatória na presente casuística. A intervenção cirúrgica realizada e as complicações pósoperatórias estão resumidas na Tabela 5. DISCUSSÃO Ledoux-Lebard e col. 2 descreveram em 1942 a forma pseudotumoral de úlcera péptica do estômago. Denominação que, embora incorreta do ponto de vista anátomo-patológico, expressa bem um Figura 2. Exame tomográfico computadorizado do abdome (caso 1) - observa-se grande espessamento da parede gástrica.

tipo de lesão péptica gástrica, cuja diferenciação com as neoplasias malignas só é possível mediante exame anátomopatológico da peça cirúrgica. Mesmo o exame macroscópico da peça operatória não permite afirmar sua natureza benigna. Existem outras condições patológicas que podem dar origem à lesões pseudotumorais no estômago. Todas estas afecções são, no entanto, raras, existindo poucas publicações sobre o assunto na literatura mundial. Uma das afecções descritas é o granuloma eosinofílico do estômago, ou pseudotumor inflamatório 5. Foi descrita pela primeira vez por Vanek 7 em 1949. É localizado principalmente na região pré-pilórica ou antral, tem aspecto polipóide e pode simular úlcera gástrica. É composto de fibroblastos e eosinófilos. É muito raro e de etiologia desconhecida. Marn e Hsu 4 descreveram um caso de pseudotumor inflamatório apresentado clinicamente como tumor gástrico gigante em criança de 5 anos cujo aspecto no exame endoscópico era de linfoma, sarcoma ou leiomioma. O exame histológico, no entanto, estabeleceu o diagnóstico de proliferação miofibrohistiocítica inflamatória, denominação atual do pseudotumor inflamatório. O aspecto endoscópico e radiológico entre este pseudotumor e a forma pseudotumoral da úlcera péptica do estômago podem ser semelhantes, no entanto, o exame histológico pode fazer a diferenciação entre elas. A despeito do grande progresso na terapêutica medicamentosa, ainda existem, atualmente, pacientes que apresentam a forma pseudotumoral da úlcera péptica do estômago. Mesmo com o imenso arsenal diagnóstico de que se dispõe atualmente, esta condição ainda impõe dificuldades no seu diagnóstico diferencial. Existem poucas publicações sobre a forma pseudotumoral da úlcera péptica do estômago, apesar de se saber que esta condição nunca deixou de existir desde a sua descrição em 1942. No trabalho original de Ledoux-Lebard e col. 2, foram descritos quatro pacientes baseando-se a análise simplesmente nos achados de exame radiológico contrastado de estômago e duodeno e nos achados rudimentares da gastroscopia. Bettarello e col. 1 publicaram em 1967, em nosso meio, série de 16 pacientes portadores da forma pseudotumoral da úlcera gástrica. Ao contrário da presente observação, a maioria dos pacientes (87,5%) era do sexo masculino. A distribuição etária era semelhante com média de 56,7 anos contra 62,1 anos na nossa série. O sintoma mais freqüente, a exemplo do presente trabalho, era a dor epigástrica (93%), acompanhada de emagrecimento, náuseas, vômitos, hematêmese e melena. Dois (20%) dos pacientes ora apresentados tiveram perfuração da úlcera no decorrer da moléstia enquanto que dois outros apresentavam distúrbios psiquiátricos, o que, talvez, pudesse explicar a evolução para a forma pseudotumoral pela dificuldade em seguir o tratamento recomendado. A perda de peso média dentre os pacientes que apresentavam emagrecimento foi de 8 kg no trabalho de Bettarello e col. 1, enquanto na média os presentes pacientes apresentavam emagrecimento discretamente superior. O tempo médio de história foi de 59,7 meses contra 121 meses nesta série, o que sugere que nas condições atuais de tratamento clínico da doença péptica, talvez seja necessário um tempo maior para o desenvolvimento da forma pseudotumoral, uma vez que a maioria dos pacientes já havia feito algum tipo de tratamento medicamentoso, ou ainda que o emprego do método fibroendoscópico que permite biópsia dirigida da lesão gástrica proporciona segurança para se prosseguir no tratamento clínico. Dos dezesseis pacientes da casuísti- Figura 3. Exame tomográfico computadorizado do abdome (caso 1) - notam-se duas lesões hipoatenuantes (setas) em lobo direito do fígado. Figura 4. Produto de gastrectomia parcial 2/3 (caso 2) - observa-se grande lesão ulcerada na parede anterior do estômago.

ca de Bettarello 1 todos foram tratados cirurgicamente, sendo que três deles foram submetidos inadvertidamente a intervenções radicais como gastrectomia total, esplenectomia e pancreatectomia parcial, que resultou em óbito em dois deles. Este fato, felizmente não ocorreu na presente série, pois o diagnóstico de lesão benigna foi feito pré-operatoriamente em nove dos atuais pacientes, quatro deles podendo ser tratados clinicamente a nível ambulatorial. O paciente que foi operado ainda com dúvida diagnóstica, esta pode ser resolvida no período intra-operatório, graças às biópsias de congelação. As complicações pós-operatórias e a mortalidade cirúrgica não podem ser comparadas nos dois estudos, de vez que são análise de casuísticas constituídas por pacientes submetidos a procedimentos diagnósticos e terapêuticos completamente distintos nas duas épocas a que se referem as duas casuísticas. Após o trabalho de Bettarello e col. 1 não se encontram publicações significativas a respeito das formas pseudotumorais da úlcera péptica, talvez devido à evolução do arsenal terapêutico com melhora dos resultados do tratamento clínico e principalmente devido à melhora dos métodos diagnósticos. No entanto, apesar da diminuição da incidência das formas pseudotumorais da úlcera gástrica, a apresentação deste estudo se justifica no sentido de alertar sobre a possibilidade, ainda existente, da ocorrência desta variedade clínica da úlcera péptica e as dificuldades de diagnóstico e de terapêutica a ela inerente, o cirurgião necessita conhecer estes fatos pois o erro diagnóstico poderia resultar em conduta cirúrgica de maior morbimortalidade. Problemas de diagnóstico diferencial entre lesões malignas ou benignas existem em outras situações do aparelho digestivo. Machado e col. 3 descreveram um paciente com úlcera péptica duodenal terebrante em pâncreas apresentada clinicamente como câncer do pâncreas, que poderia induzir em terapêutica com graves consequências. Outra situação em que existe dificuldade no diagnóstico diferencial entre lesões maligna e benigna é o pseudolinfoma gástrico 6. Um dado de importância observado na presente série é que se o achado de linfadenomegalia peri-gástrica e no hilo hepático e até mesmo imagens suspeitas de metástase hepática podem ocorrer em paciente com doença benigna, decorrente do processo inflamatório, o mesmo pode ocorrer em doença maligna e não ser decorrente do processo maligno propriamente dito. O fato reforça a noção de que o médico não pode se basear somente em achados de algum procedimento propedêutico complementar para considerar um paciente portador de câncer avançado. Tabela 1. Casuística CASO IDADE (anos) SEXO 1 49 M 2 68 M 3 76 F 4 45 M 5 52 F 6 79 F 7 46 M 8 63 F 9 75 M 10 68 F MÉDIA 62,1 anos (5M,5F) Tabela 2. Sintomas e sinais mais freqüentes Sintoma ou sinal N. de casos Porcentagem Dor epigástrica 9 90% Náuseas e vômitos 7 70% Emagrecimento 7 70% Astenia e anorexia 4 40% Pirose 2 20% Empachamento 2 20% Hematêmese e melena 2 20% Distúrbio psiquiátrico 2 20% Perfuração da úlcera 2 20% Tabela 3. Tempo de história e comportamento do peso corporal. CASO TEMPO DE HISTÓRIA EMAGRECIMENTO 1 6 anos 14 Kg 2 2 meses 8 Kg 3 2O anos 12 Kg 4 25 anos - 5 35 anos - 6 18 meses 12 Kg 7 8 meses 3 Kg 8 12 anos 3 Kg 9 2 meses - 10 4 meses 12 Kg MÉDIA 121 meses 9,1 Kg Tabela 4. Achados radiológicos, endoscópicos e histológicos. CASO EED ENDOSCOPIA USG TC HISTOLOGIA* 1 tumor tumor (Borrmann III) linfadenomegalia metástase hepática benigno 2 lesão ulcerada tumor (Borrmann III) - - benigno 3 lesão ulcerada tumor (Borrmann II) normal - benigno 4 tumor tumor (Borrmann III) normal - benigno 5 lesão ulcerada tumor ulcerado linfadenomegalia hepatomegalia benigno 6 tumor tumor (Borrmann III) linfadenomegalia linfadenomegalia benigno 7 tumor tumor ulcerado normal - benigno 8 tumor tumor (Borrmann III) normal - benigno 9 lesão ulcerada tumor (Borrmann II) normal - benigno 10 tumor tumor (Borrmann III) linfadenomegalia - benigno * exame histológico obtido por biópsia dirigida

Tabela 5. Intervenção cirúrgica e complicações pós-operatórias. CASO INTERVENÇÃO CIRÚRGICA COMPLICAÇÕES PÓS OPERATÓRIAS 1 gastrectomia parcial BI - técnica de Pauchet - 2 gastrectomia 2/3 - Billroth II - 3 hemigastrectomia - Billroth I Broncopneumonia 4 hemigastrectomia - Billroth I - 5 - - 6 - - 7 - - 8 hemigastrectomia - Billroth I - 9 - - 10 gastrectomia 2/3 - Billroth II - SUMMARY MACHADO, M.A.C. et al - Pseudotumoral form of gastric ulcer: report on ten cases. Pseudotumoral form of gastric ulcer is an infrequent clinical presentation of peptic disease. We present the findings in ten patients with this variety of gastric peptic ulcer treated at our service in the last five years. All records including preoperative radiological and endoscopic examinations are reviewed to study the clinical presentation, preoperative diagnosis, surgical treatment, postoperative complications and results. Five patients were women and five were man. The median age of patients was 62.1 years (range, 45 to 79 years). Epigastric pain was the main symptom in 90% of patients and weight loss in 70%. Six patients underwent surgical treatment. There was no perioperative mortality. A review of literature of this condition and a discussion about the differential diagnosis are presented. DESCRIPTORS : Pseudotumor. Stomach REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1.BETTARELLO, A.; TACLA, M.; ZATERKA, S. & PINOTTI, H.W. - Formas pseudotumorais de úlcera gástrica. Rev. paul. Med. 71:1-10, 1967. 2.LEDOUX-LEBARD, R.; CALDÉRON, J.G. & AUGUSTE, N. - L'ulcère géant de l'estomac à forme pseudo-tumorale et son diagnostic radiologique. Arch. Mal. Appar. dig. 31:174-185, 1942. 3.MACHADO, M.A.C.; JUKEMURA, J.; CARLUCCI, D.; BACCHELLA, T.; MONTEIRO-CUNHA, J.E.; ROCHA, M.S.; MACHADO, M.C.C. & PINOTTI, H.W. - Úlcera duodenal apresentada clinicamente com câncer de pâncreas. Rev. Hosp. Clín. Fac. Med. S. Paulo 49(2): no prelo, 1994. 4.MARN, C.S. & HSU, F.K. - Inflammatory myofibrohistiocytic proliferation presenting as giant gastric pseudotumor. Gastrointest. Radiol. 17:316-318, 1992. 5.NUSSINSON, E.; RIZESCU, I.; MADER, R. & SCHONFELD, S. - Il granuloma eosinofilo dello stomaco associato ad una poliartrite. Min. Med. 77:187-190, 1986. 6.PASTORE, O.R.; GAMA-RODRIGUES, J; ZATERKA, S.; MELLO, J.B.; SZEGO, T.; IRIYA, K. & PINOTTI, H.W. - Pseudolinfoma gástrico: considerações histológicas e relato de um caso. GED 2(3):89-93, 1983. 7.VANEK, J. - Gastric submucosal granuloma with eosinophilic infiltration. Am. J. Path. 25:397, 1949.