Técnica e Arte: Trabalho artesanal produzido por mulheres e sua (in)visibilidade social



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Transcrição:

Técnica e Arte: Trabalho artesanal produzido por mulheres e sua (in)visibilidade social Resumo Amanda Mota Angelo Castro 1 Márcia Regina Becker 2 Edla Eggert 3 Esse artigo tem como objetivo apresentar algumas reflexões sobre o trabalho artesanal de mulheres e busca situar historicamente a tecelagem no estado do Rio Grande do Sul. Aqui apresentaremos reflexões com base em nossa pesquisa empírica que ocorre num ateliê de tecelagem em Alvorada, Região Metropolitana de Porto Alegre. Com o viés educação, gênero e trabalho feminino, nossa pesquisa caminha com vistas a problematizar o trabalho das mulheres tecelãs e sua (in)visibilidade social. Entendemos que o trabalho artesanal possui técnica, arte e saberes, porém, mesmo com a riqueza artística e tecnológica que mulheres artesãs produzem diariamente, o trabalho delas é socialmente (in)visibilizado e diminuído. Qual a história da tecelagem no Rio Grande do Sul? Como a tecelagem sobreviveu tantos anos e consegue se manter no Rio Grande do Sul, mesmo após sua proibição oficial? Por que o trabalho dessas mulheres é (in)visibilizado? A metodologia dessa pesquisa ocorre por meio da observação participante, entrevistas, narrativas de histórias de vida e grupos de discussão com base em Weller e Bohnsack (2006). Entendemos que as narrativas que estamos utilizando nesta pesquisa possibilitam que as mulheres artesãs revivam e refaçam caminhos por elas percorridos buscando fazer um caminho para si e, no coletivo das mulheres, uma visibilidade e reconhecimento dos processos por elas produzidos. Palavras-Chave: Educação, Trabalho Artesanal, Gênero, Mulheres, Pesquisa. 1 2 3 Mestranda do PPGEdu UNISINOS. Bolsista da CAPES Brasil. mottaamanda@yahoo.com Graduanda em Pedagogia UNISINOS. Bolsista CNPQ de iniciação Cientifica. marciareginabecker@gmail.com Professora do PPGEdu UNISINOS. Bolsista Produtividade 2. edla@unisinos.br 1

Introdução O trabalho que aqui apresentamos discute a invisibilidade social do trabalho artesanal produzido por mulheres tecelãs além de buscar situar esse artesanato historicamente. Nossa pesquisa ocorre em um ateliê de tecelagem, desde 2007, na cidade de Alvorada, região metropolitana de Porto Alegre no estado do Rio Grande do Sul.Buscamos problematizar a questão do trabalho de mulheres artesãs. Suspeitamos que há processos pedagógicos invisibilizados que esmaecem o potencial criativo das mulheres no cotidiano dos seus trabalhos de uma forma muito semelhante ao que é feito do trabalho doméstico. Ou seja: elas repetem diuturnamente determinados conhecimentos aprendidos/adquiridos com alguém, mas não conseguem identificá-los, pois não falam sobre eles, somente o fazem. A pesquisa tem vida, ela é uma forma de pronunciar o mundo, de partilhar o saber (BRANDÃO e STRECK 2006). Compreendemos que a pesquisa não é neutra (FREIRE, 1997; BRANDÃO,2003), por esse motivo entendemos ser importante e necessário situarmos no campo teórico de onde falamos. Utilizamos o conceito de gênero como o estudo das relações socialmente produzidas de homens com mulheres, mulheres entre mulheres e homens entre homens, um conceito que foi sendo produzido nos estudos relacionados a diversos campos do feminismo, por isso também de ordem ideológica, política e de lutas. Lutas que visam à transformação das relações entre todos, mulheres com homens, mulheres entre si e também homens entre si (SAFFIOTI, 2004). A tecelagem possui uma série de conhecimentos técnicos, que é realizado predominantemente por mulheres e por essa razão suspeitamos que esses saberes perdem muito de sua técnica, importância e conhecimento. O esvaziamento da potência desse saber se dá por vários motivos, entre eles, segundo Lagarde (2005) acontece pelo fato da sociedade em geral acolher a idéia de que as mulheres têm como missão última e valor maior: a maternidade, ou seja, tomarem o cuidado para com os outros como tarefa básica. Para Eggert (2004) isso ocorre pelo fato da sociedade reafirmar a mulher como responsável pela esfera privada, tendo com base principal o trabalho doméstico, o amor materno e a obediência. Segundo Perrot (2007), as mulheres ao longo da historia da humanidade sempre trabalharam, porém seu trabalho foi invisibilizado, ora por ser um trabalho domestico, ora pelo fato da mulher realizar trabalho artesanal ou de ajudante do marido no trabalho informal ou no negocio do marido, principalmente nos comércios. Na escuta junto às tecelãs em vários momentos identificamos depoimentos: isso é um trabalho, coisinha de mulheres para ajudar na renda familiar. Constatamos, porém que a maioria dessas mulheres sustenta suas casas com as chamadas coisinhas de mulheres. Segundo o Fórum Brasileiro de Economia Solidária dados de 2007, 60% das associadas são compostas por mulheres e entre as atividades principais estão à produção de peças de vestuário, alimentação e artesanato. O foco do nosso olhar é a Educação, a invisibilidade do trabalho feminino e as relações de Gênero. Buscamos compreender o modo como se processam as invisibilidades do trabalho feminino. Analisamos como acontecem os modos de aprender e ensinar, criar e produzir na tecelagem. 2

Um Pouco da Historia da Tecelagem A tecelagem é uma das formas mais antigas de artesanato presente nos dias atuais. Por volta de 5000 a.c a tecelagem era feita entrelaçando pequenos galhos e ramos para construir barreiras, escudos ou cestas. Teia de aranha e ninho de pássaros podem ter sido as fontes para a criação da tecelagem. O primeiro tear foi provavelmente algo tão simples quanto uma estrutura vertical construída de galhos, no qual os fios eram pendurados e tencionados. De acordo com Lanzelotti (2009), outros fios eram então entrelaçados manualmente, a um certo ângulo daqueles já tencionados, criando um tecido rústico. Aos Gregos é atribuída a transferência do tear de posição vertical para a horizontal, e aos egípcios a fixação dos fios de urdume em dois galhos a fim de poderem ser separados de modo a facilitar o entrelaçamento dos fios. No Brasil algumas nações indígenas conheciam e praticavam a tecelagem. Trabalhavam com algodão e trançados de palha. Com a chegada dos portugueses ao Brasil a tecelagem passa a ser tramada no tear então trazidos pelos portugueses. Em 1785 houve a proibição da confecção têxtil no Brasil. Em 1785, a rainha Dona Maria I, a Louca, assinou um alvará mandando destruir todos os teares brasileiros. Dona Maria I fez isso pressionada pelas industrias da Inglaterra, que exportava seus tecidos para o Brasil e não estavam dispostos a enfrentar concorrência da produção local (SENAC, 2002, p.9). A tecelagem sobrevive então na clandestinidade e nas regiões mais afastadas do Brasil, principalmente no interior dos estados de Minas Gerais e Rio Grande do Sul. Somente em 1809 a tecelagem sai da clandestinidade, entretanto no estado do Rio de Janeiro sede da corte imperial a tradição da tecelagem não conseguiu se manter viva devido a ser mais fácil à identificação dos teares e sua destruição. A Tecelagem no Rio Grande do Sul As mulheres indígenas eram hábeis trançadoras, trançavam tecidos rudimentares com diversos tipos de fibras e algodão, não sabemos se aqui no Rio Grande do Sul elas usavam algum tipo de tear. Com a chegada dos jesuítas por volta do século XVII, estes ensinaram aos/às índios/as a fiação e a tecelagem em teares rústicos, e as mulheres, aproveitando-se não só fibras e algodão, mas a lã ovina. Barbosa Lessa aponta para os primeiros portugueses que desceram de São Paulo e estabeleceram-se no Estado, como os introdutores do tear no Rio Grande do Sul, quando descreve as primeiras moradias destes onde a um canto, bem resguardado, a roca e o fuso, para fazer fios de tecer (LESSA, 1980, p.37). A técnica da tecelagem manual era executada quase exclusivamente pelas mulheres. Ainda que, buscando-se pela origem da tecelagem feita em teares neste Estado, encontramos na obra do 3

mesmo autor, Lessa (1980) a indicação da origem da tecelagem manual no município de Mostardas, no litoral. Surgindo com grandes expressões também em outros municípios como Santa Vitória do Palmar, Jaguarão, Bagé, Lavras, Santana do Livramento e Uruguaiana, sendo estes últimos todos, municípios da região da Campanha do Estado, tradicionalmente conhecida como produtora de rebanhos ovinos, o que naturalmente significava presença de grande quantidade de lã, matéria prima artesanal utilizada para fiação de fios para tecer. As mulheres teciam com os fios grossos, cobertores, e ponchos. Assim a fiação e a tecelagem manual faziam parte da rotina das mulheres dos primeiros portugueses, que se estabeleceram pouco antes mesmo do século XVIII, como todo serviço domestico, o cuidado dos filhos, o provimento de vestimentas para toda a família, que dependia exclusivamente das mulheres. A fixação da tecelagem doméstica no interior é uma continuidade dos diversos fazeres da casa, unindo-se aos trabalhos do campo, onde a mulher assume os cuidados da família, da cozinha e do artesanato de subsistência, onde se inclui a tecelagem pelo seu sentido primeiro de útil e de necessário (LODY, 1983, p.14). O pouco que as mulheres gaúchas conseguiam produzir além de suas necessidades como, ponchos brancos com riscas pretas ou pardas, eram enviados principalmente a Porto Alegre e Rio Grande. Lody (1983) lembra quanto aos ponchos gaúchos como coisa de gaúcho pobre e de que os grandes fazendeiros usavam em suas viagens ponchos de lã industrializada. Durante dois séculos a confecção de ponchos rústicos foi cultivada no Rio Grande do Sul, sem maior prestígio, porém. Após 1970, por influência da moda européia (inspirada em ponchos sul-americanos), os bichará adquiriu status urbano e, inclusive, uso indiscriminado seja por homens ou por mulheres (LESSA, 1980, p.104, grifos do autor). Em 1824 chegaram no Rio Grande do Sul os primeiros imigrantes alemães. Vivendo em pobres ranchos, nem de móveis dispunham sentavam-se em caixotes ou cepos e haviam trocado a louça por porongos e cuias. Além da colheita agrícola, produziam farinha de mandioca, faziam o pão, a manteiga e a banha. Teciam seus próprios tecidos, rudimentares. Ainda que tivessem sido artesãos na Europa, aqui tinham de concentrar sua atividade na agricultura de subsistência (LESSA, 1980, p.123, grifos nossos). Os primeiros alemães em sua maioria não eram agricultores e sim artesãos. A maioria deles exercia algum ofício na Alemanha. Após terem passado os primeiros anos, os mais obstáculos, tendo se dedicar à agricultura de subsistência, estes alemães aos poucos foram retomando as atividades artesanais. O artesanato foi o elemento que fez com que esses se fixassem a terra. Expandiram o artesanato doméstico para o um nível de mercado. Dando origem à indústria têxtil no Rio Grande do Sul. Em 1874 abriu a primeira indústria de têxtil no Estado, onde se fiava, tecia e tingia. No entanto os alemães do interior continuavam a praticar o artesanato bem como a tecelagem manual, pois as fábricas surgiam nas cidades, como em Porto Alegre, Rio Grande, Pelotas e outras. Da mesma forma pensar que os imigrantes italianos, eram produtores de vinho é um engano, pois, assim como os alemães, eram em sua maioria artesãos e conheciam a arte de tecer manualmente. Mas também se dedicaram a tecelagem em maiores escalas, dando origem a pequenas fábricas têxteis, perdendo-se o caráter artesanal. Reichel (1978), num estudo sobre o 4

desenvolvimento da indústria do ramo de fiação e tecelagem no Estado se preocupa quanto à origem dessas indústrias: evoluíram-se do artesanato ou se surgiram já estruturadas como indústrias. A hipótese mais aceita por esta autora é de que a tecelagem manual não concorreu com a indústria têxtil, ou seja, com as grandes fábricas de tecelagem. Isso porque a tecelagem manual atuava no interior e as fábricas na cidade e estas destinavam seus produtos para a exportação. Não vamos aqui, entrar nesta discussão, pois notavelmente existem muitos antagonismos quanto a isso, no entanto é preciso lembrar de que com a Revolução Industrial, o artesanato foi gradativamente perdendo força, e no Rio Grande do Sul certamente isso não foi diferente. Em depoimento dado pela artesã, professora e jornalista Naira Maria Ferreira, na Edição Especial do jornal Profissão Artesão na ocasião da 19ª Feira Latino Americana de Artesanato de Porto Alegre (2009), esta lembra a Revolução Industrial como fator que restringiu o artesanato a algumas habilidades e o marginalizou por não pertencer à classe produtiva predominante. Também teria sido o Movimento Hippie, mais tarde, que fez surgir grandes feiras de artesanato no centro do país: No Sul os anos seguintes representam vitórias para os artesãos que já tendo longa caminhada, documentação em carteira registrada, formou as primeiras feiras ao ar livre, organizadas e apoiadas pela sociedade que se rendia a resistência de pessoas que insistiam em ter seu próprio negócio produzir peças com qualidade e preço justo (PROFISSÃO ARTESÃO, 2009, não paginado). Recorremos a alguns dados fornecidos pelo Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, organizados juntamente com o Programa do Artesanato Brasileiro (PAB) e do Sistema de Informações Cadastrais do Artesanato Brasileiro (SICAB). Através destes dados podemos constatar que mais da metade dos artesãos cadastrados são mulheres, cerca de 80% do numero total. Quase 90% do total moram em zona urbana, bem como realizam suas atividades na própria residência. Sendo que 52% dos artesãos e das artesãs recebem menos de um salário mínimo nacional, e 42% recebem entre um a cinco salários, mas dificilmente ultrapassam do valor de um salário mínimo. Quanto à comercialização 49% é feita na própria residência do artesão ou da artesã, 22% em feiras, 14% em ruas ou praças. Certamente esses números dão visibilidade à presença feminina em atividades artesanais, inclusive na tecelagem. Números que passam despercebidos aos olhos de muitos. Metodologia A metodologia desta pesquisa ocorre por meio da observação participante, entrevistas individuais, narrativas de histórias de vida para a percepção dos processos formadores baseadas em Marie- Christine Josso (2004, 2006, 2007), coletadas por meio dos grupos de discussão com base nos estudos de Weller e Bohnsack (2006). O conceito de experiência (JOSSO, 2004; EGGERT, 2009; DEWEY, 1976) tem para nosso grupo de pesquisa um investimento de estudo e debate, pois a trajetória de quem compõe o grupo aponta para duas realidades que sempre consideraram a experiência como desencadeadora da produção do conhecimento: a educação e o feminismo. 5

Estamos levando em consideração o exercício de (re) leituras, dos processos de ensino aprendizagem num lugar de ensino não formal e suas implicações no cotidiano do trabalho de mulheres. Para Paulo Freire, a história não é pensada cronologicamente, a partir do calendário, de fatos históricos longe da nossa realidade, a história tem um sentido de mudança, de transformação, de deslocamento, portanto, podemos pensar aqui em uma outra forma de historia, uma outra forma de contar o tempo e a história, nesta perspectiva podemos ter um processo de mudança. As histórias de vida vem sendo utilizadas em muitos campos, incluindo o da educação popular que buscar através dessas historias um sentido a fatos e movimentos tanto da vida cotidiana quanto coletiva, a experiência dos Círculos Populares de Cultura do norte e nordeste do Brasil foram um divisor de águas para se perceber a educação popular como uma força a ser resgatada (EGGERT, 2003). Através da fala, da problematizarão e do exercício de contar suas histórias de vida, pessoas conseguiram refazer e reviver suas próprias histórias e assim transforme a cultura do silencio para passarem a ler o mundo em que vivem, para assim poder transformar sua própria realidade, Paulo Freire Afirma que: O homem (sic) não pode participar ativamente na história, na sociedade, na transformação da realidade se não for ajudado a tomar consciência da realidade e da sua própria capacidade para a transformar... Ninguém luta contra forças que não entende, cuja importância não meça, cujas formas e contornos não discirna; [...] Isto é verdade se refere às forças da natureza [...] isto também é assim nas forças sociais [...] A realidade não pode ser modificada senão quando o homem descobre que é modificável e que ele o pode fazer (FREIRE, 1977, p.48). Nosso desejo é que por meio de narrativas das histórias de vida das mulheres que estão diariamente na arte e na técnica da tecelagem, essas possam, em alguma medida resgatar suas próprias histórias, fazer um caminho para si (JOSSO, 2004) e ressignificar suas trajetórias apropriando-se de sua própria história como nos ensina Freire. Ninguém lê o mundo isoladamente, É imprescindível uma leitura do mundo que contextualize, geste e emoldure um sentido para a palavra (PASSOS, 2008, p.240), para que assim possa ocorrer a transformação do mundo que vivemos, principalmente das relações desiguais entre os sexos. Entendemos que, por meio desse conjunto metodológico, ampliaremos nossa formação como pesquisadoras e simultaneamente estaremos provocando um pensar com as mulheres que aceitaram nossa inserção, no ateliê. Algumas Considerações A valorização e visibilidade do trabalho feminino é uma luta que esta sendo travada, mas que ainda é longa, pois o trabalho da mulher é invisibilizado e desvalorizado tanto quando se trata do trabalho doméstico e artesanal. 6

Em nossa empiria constatamos que as mulheres muitas vezes com a atividade da tecelagem mantêm financeiramente sua família. No entanto, constatamos também, que não se reconhecem como tecelãs e muito menos são reconhecidas pelo seu trabalho. Tivemos dificuldades de encontrar bibliografia referente à História da Tecelagem, em especial do Rio Grande do Sul, onde o nosso projeto se efetua, talvez porque seja coisa de mulher, assim como as próprias tecelãs do grupo denunciam. Acreditamos que o caminho a trilhar para conquistas no campo feminista, entre eles o da visibilidade do trabalho feminino passa por muitos lugares e saberes da academia, pela militância e também pela vida cotidiana das mulheres. Acreditamos que nossa pesquisa possa ser uma contribuição para as mulheres em geral e desse ateliê de tecelagem em especial, para que suas experiências do dia a dia tornem-se marcas de potencia e com isso possamos pensar outros caminhos, incluindo a busca de mais dignidade na aprendizagem das relações de gêneros. Concordamos com Brandão sobre a possibilidade do dizer a palavra no ato da pesquisa. A pesquisa deveria fazer-se capaz também de dar voz e deixar que de fato falem com suas vozes as mulheres e os homens que, em repetidas investigações anteriores, acabam reduzidos à norma dos números e ao anonimato do silencio das tabelas (BRANDÃO, 2006, p.27). Por isso entendemos ser necessário que a pesquisa seja viva, que participe do cotidiano do trabalho de tecelagem para que ela em alguma medida dê voz às mulheres. Segundo Thompson Nas histórias orais concentramo-nos sobre aquilo que podemos aprender com elas. Mas a narração se sua história de vida pode também ter um impacto sobre elas (THOMPSON, 2002, p.196), e é esse impacto que buscamos ao trabalhar com as histórias de vidas, contadas pelas mulheres do ateliê, ao ouvir as histórias por elas contadas entre tramas e fios, aprendemos com elas e entendemos que as histórias de vida não são uma mão única, elas dão impactos tanto para quem pesquisa como para as mulheres que as contam. As narrativas de história de vida que estamos utilizando nesta pesquisa possibilita buscam refazer caminhos/processos/modos de produção por elas percorridos e para nós narrados com o intento de buscar em cada uma e no coletivo do ateliê uma visibilidade e um reconhecimento da riqueza do que fazem. Segundo Brandão essa é uma finalidade importante na pesquisa segundo ele: Toda ciência social de um modo ou de outro deveria servir à política emancipatória e deveria participar da criação de éticas fundadoras de princípios de justiça social e de fraternidade humana (BRANDÃO, 2006, p.25). Como feministas, acrescentamos ainda, que toda pesquisa deveria ter princípios de sororidade, palavra resgatada pela Teologia Feminista que significa irmãs. Referências BRANDÃO. Carlos Rodrigues. A pergunta a várias mãos, a experiência da pesquisa no trabalho do educador. São Paulo: Cortez, 2003. 7

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