Dança Tapuia, Albert Eckhout CAPÍTULO 1 América Portuguesa: a montagem do sistema colonial, 12 CAPÍTULO 2 A economia da América Portuguesa, 29



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Transcrição:

Dança Tapuia, Albert Eckhout CAPÍTULO 1 América Portuguesa: a montagem do sistema colonial, 12 CAPÍTULO 2 A economia da América Portuguesa, 29 CAPÍTULO 3 A Formação de Pernambuco e a Invasão Holandesa, 43 CAPÍTULO 4 A expansão das fronteiras e a mineração no Brasil, 60 CAPÍTULO 5 Movimentos coloniais nativistas, 75 CAPÍTULO 6 A sociedade da América Portuguesa, 85 Engenho com capela, Franz Post. 11

América Portuguesa: a montagem do sistema colonial Semelhante aos demais europeus, os lusitanos, ao desembarcarem na América, estranharam bastante os primeiros povos que habitavam o atual Brasil. Os costumes, as tradições, a língua, a nudez e a organização social das comunidades indígenas não eram compatíveis com a realidade conhecida pelos portugueses. A surpresa dos portugueses em relação aos indígenas (...) A feição deles é parda, um tanto avermelhada, com bons rostos e bons narizes, bem feitos. Andam nus, sem nenhuma cobertura. Não fazem o menor caso de encobrir ou de mostrar suas vergonhas, e nisso tem tanta inocência como em mostrar o rosto. Ambos traziam o lábio do baixo furado e metido nele de verdade, brancos e do cumprimento duma mão travessa, da grossura dum fuso de algodão, agudos na ponta como furador. (...) GANDAVO, Pero de Magalhães. Tratado da Terra do Brasil. In: RONCARI, Luiz. Literatura brasileira: dos primeiros cronistas aos últimos românticos. São Paulo: Edusp, 1995. Quando os portugueses chegaram ao Brasil se assustaram com os povos que aqui habitavam. Isso se deu devido às disparidades encontradas entre os costumes dos povos indígenas (maneira de vestir, de encarar os trabalhos e de pensar e de ver o mundo) em relação aos europeus. A organização social dos ameríndios foi classificada pelos invasores como primitivas, incompletas e infantilizada. Essa visão preconceituosa gerou algumas contradições, a saber, o índio era visto como uma pessoa sem maldade, pura e ao mesmo tempo selvagem. Essas concepções favoreceram a uma política dúbia, a maioria dos índios foram vítimas de massacres, já outros, ficaram protegidos pela catequização coordenada pelas missões religiosas. A diversidade cultural dos primeiros habitantes do Brasil Pouco se sabe da história dos índios brasileiros no período colonial ou até mesmo antes dele. Segundo estimativas, a população que ocupava o território brasileiro girava em torno de 5 a 6 milhões de habitantes. Boa parte das informações que se tem sobre os primeiros habitantes do território brasileiro foi disponibilizada por missionários, náufragos e viajantes que conviveram entre os grupos Tupis. De acordo com essas fontes, havia uma forte diversidade cultural entre os índios. Cada qual com suas crenças, seus costumes, suas línguas e seu modo de lidar com os recursos naturais. Entretanto, é possível citar algumas semelhanças entre eles. Confira, abaixo, alguns aspectos. Não conheciam a escrita; Havia uma divisão de trabalho por sexo e por idade: os homens pescavam e caçavam; construíam casas; fabricavam canoas e armas; preparavam o solo para o plantio; protegiam a tribo e guerreavam. Já as mulheres cultivavam o milho, a batata-doce, a mandioca; fiavam e teciam. Além disso, executavam os serviços domésticos e cuidavam das crianças; Casamento endogâmico, ou seja, entre os membros da mesma tribo; em algumas tribos era permissível a poligamia; Executavam a queimada da vegetação para o plantio, essa prática chama-se de coivara; Não possuíam um Estado organizado; As terras eram comunitárias, mas os objetos de trabalho eram individuais; 12

Alguns grupos faziam migrações quando os alimentos estavam próximos de terminarem; já outros, mais sedentários, utilizavam a cerâmica; Sociedade de guerreiros: conflitos entre os grupos indígenas; Religião baseada em mitos e espíritos; Com base na semelhança linguística, houve inicialmente, uma divisão dos índios brasileiros em Tupis-Guaranis e os Tapuias (todo aquele que falava tupi). Os Tupis-guaranis estavam localizados em todo litoral brasileiro, do norte ao sul e como tiveram relações amistosas com os portugueses foram vistos de forma positiva. Já os Tapuias, habitavam em algumas áreas litorâneas e parte interiorana do Brasil foram hostis à presença dos portugueses e, por isso, foram classificados negativamente. Família guarani capturada por caçadores de índios escravistas, tela de Jean Baptiste Debret, 1830. O poder entre os Guaranis Entre os Guaranis, como nos povos indígenas na América portuguesa em geral, o poder político não estava separado da sociedade. Era a própria sociedade quem detinha a totalidade do poder. Havia líder, mas seu poder era limitado. O respeito às decisões do chefe dependia de sua capacidade de persuasão e não da força. Os chefes tinham mais obrigações que privilégios e suas decisões estavam condicionadas na cultura do povo e não em sua vontade. A aceitação da liderança dependia daquilo que eram consideradas virtudes do chefe, entre elas a idade, a experiência, a coragem, a generosidade, os dotes oratórios, ser bom guerreiro, bom xamã, as habilidades na caça, pesca e agricultura. Todas essas qualidades eram usadas para a comunidade. O que legitimava o poder do chefe eram as contraprestações que a comunidade recebia dele. Em resumo, os líderes tinham mais prestígio que poder. A única exceção em que o chefe exercia o poder com autoridade, utilizando-se da força, eram os períodos de guerras. A autoridade do líder era extremamente frágil. Dependia diretamente do respaldo dos liderados. O chefe não possuía súditos, mas sim partidários. COLAÇO, Thaís Luzia. In: WOLKEMER, Antônio Carlos (Org.). Direito e justiça na América indígena da conquista à colonização. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1998. p116-7.texto adaptado. A língua usada pelos colonizadores para manter os primeiros contatos com os índios foi o tupi ou tupinambá. Porém, existia uma outra língua que era resultado da mistura entre o tupi e o latim, conhecida como língua geral ou nheegatu. Segundo pesquisadores, na época da chegada dos europeus existia uma diversidade enorme de grupos indígenas, classificados em centenas de línguas diferentes. Para os especialistas essa quantidade de famílias linguísticas podem ser organizadas em quatro troncos: Tupi, Macro-Jê, Karib e Arwak. Os grupos indígenas conheciam muito bem os fenômenos naturais. Por exemplo, os Tupinambás sabiam fazer a relação entre as fases da lua e as marés. Os povos indígenas praticavam fitoterapia, ou seja, faziam tratamentos médicos através do uso de várias plantas. Havia a aplicação de venenos na captura de peixes e na caça em geral. Uma das substâncias 13

mais utilizadas entre eles era o curare. Ele era colocado na ponta da flecha. Ao atingir a presa, seu efeito era imediato, pois os animais eram paralisados e chegavam a morrer por asfixia. As peças feitas pelos índios eram voltadas para o uso cotidiano, tais como potes e urnas. Os enfeites plumários, os adornos e as pinturas eram usados em ritos ou festas, eventos considerados por eles muito especiais. As plumas possuíam uma diversidade de cores, que depois de maravilhosas combinações serviam como matérias-primas na fabricação de braceletes, toucas, mantas, colares, diademas. Além disso, havia a produção de redes, esteiras e cestos de vários estilos. As tatuagens, que são usadas por muitas pessoas nos dias atuais, também eram comuns entre os índios. Nessas pinturas corporais eram empregados vários tipos de corantes, principalmente o azul-escuro do jenipapo, o vermelho do urucum, o branco do calcário e o preto do carvão. Segundo os antropólogos, essas pinturas tinham relações com a função social da pessoa ou ao cerimonial a ser realizado. Os diversos saberes sobre a natureza foram altamente necessários para a sobrevivência dos europeus no período colonial, e tais conhecimentos foram absorvidos no decorrer do século e são perceptíveis na cultura brasileira contemporânea. Enfim, não se pode negar as inúmeras contribuições dos índios para a formação étnica e cultural da sociedade brasileira. O início da ocupação O processo de colonização alterou toda a realidade cultural e étnica da população local. Assim, as comunidades indígenas foram fortemente impactadas pelo projeto colonizador de Portugal. A princípio, as relações entre os habitantes do litoral foram pacíficas, porém, com o transcorrer dos anos a violência e a catequização foram os principais instrumentos para dominar os ameríndios. Nos primeiros 30 anos da colonização, a corte portuguesa tinha maior interesse com os empreendimentos comerciais orientais, os quais lhe rendiam elevados lucros. Isso porque, que nas terras do atual Brasil não havia sinal da existência de metais preciosos, assim, as regiões da América Portuguesa ficaram em segundo plano. As terras descobertas, entretanto, precisavam ser ocupadas pelos portugueses, pois outros países também desejavam participar das atividades comerciais e rejeitavam o Tratado de Tordesilhas. Nesse momento, Portugal precisava colonizar e dominar as colônias do novo continente, mas a conquista era muito dispendiosa. Sobre essa fase, denominada por muitos historiadores como pré-colonial, Luiz Roberto Lopez afirma: Durante os primeiros trinta anos da dominação portuguesa, o Brasil não foi, tecnicamente falando, uma colônia, visto que não estavam presentes diversos elementos que (...) fazem parte da estrutura colonialista. É fato que existia uma riqueza da qual os portugueses se apropriavam. Mas inexistia um sistema montado em função dessa apropriação (...). A apropriação da referida riqueza, o pau-brasil, dava-se dentro de moldes muito primitivos e a sociedade indígena que aqui existia não era afetada pelo relacionamento econômico imposto pelas necessidades de enriquecimento de Portugal. Em resumo, este lado nos mostra que se a simples dominação política não configura a situação colonial, da mesma forma não a configura a apropriação pura e simples das riquezas de uma terra pela população de outra. LOPEZ, Luiz Roberto. História do Brasil Colonial. 2. ed. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1983. p. 17. 14

Mapa de Lopo Homem, 1519. No começo de 1500, Pedro Álvares Cabral realizou uma estimulante viagem que tinha como objetivo consolidar as relações mercantis com as Índias e confirmar as vantagens territoriais estabelecidas pelo Tratado de Tordesilhas. Com uma grandiosa frota composta por treze naus e aproximadamente mil e duzentos homens, Cabral aportou em Porto Seguro, região litorânea, da terra que ele nomeou de Ilha de Vera Cruz, posteriormente, Terra de Santa Cruz. A descoberta cabralina não foi obra do acaso, segundo alguns historiadores, o ocorrido estava dentro de suas previsões. Inicialmente, os portugueses não se interessavam em ocupar rapidamente as terras brasilis, pois a aparente inexistência de riquezas (especiarias e artefatos luxuosos) não justificaria tal empreendimento. Na realidade, a chegada da frota lusitana à América não provou o mesmo estímulo da expedição comandada por Vasco da Gama ao Oriente. Assim, os negócios com as Índias eram muitos mais vantajosos. Mesmo assim, era necessário proteger a colônia, desbravar o seu litoral, criar feitorias. Isso porque países, como a França, rejeitaram às determinações do Tratado de Tordesilhas, que partilhava o mundo entre espanhóis e portugueses. Desse modo, os franceses organizaram diversas incursões ao litoral da colônia americana, discordando do domínio de Portugal, uma vez que as terras ainda estavam desocupadas. Tal questionamento se fundamentava no princípio jurídico chamado uti possidetis, ou seja, o direito de posse estava condicionado a ocupação e a exploração. A primeira forma de exploração: o pau-brasil A extração do pau-brasil (ibirapitanga, em tupi) constituiu a primeira forma de exploração econômica empreendida pelos portugueses. Essa árvore era encontrada em grande quantidade nas matas litorâneas que abrangia os atuais estados do Rio Grande do Norte ao Rio de Janeiro. Os componentes naturais dessa madeira tinham um precioso valor comercial. Desde o período medieval, nos centros manufatureiros de Flandres (entre Holanda e Bélgica), os tecidos eram tingidos com púrpura e com uma substância advinda de uma árvore. Da casca do pau-brasil era retirada um corante avermelhado que além de ser usado para tingir tecidos, também utilizava-se na produção de tinta para escrever, na fabricação de navios e móveis. Sobre a relativa importância econômica dessa madeira, o historiador Hilário Franco comenta: 15

Se o valor daquele produto (o pau-brasil) era bem inferior ao das especiarias já se calculou que uma nau de 120 toneladas carregada de especiarias valia sete vezes um igual carregamento de pau-brasil não era, no entanto, desprezível. De fato, não se justificariam tantos cuidados do governo, se se tratasse de produto inferior na escala dos lucros auferidos. O próprio interesse estrangeiro em particular deste comércio, com navios franceses, e em menor escala, ingleses e espanhóis, procurando romper o monopólio lusitano, indica nesse sentido. FRANCO JÚNIOR, Hilário; CHACON, Paulo Pan. História Econômica Geral e do Brasil. São Paulo: São Paulo, 1980.p. 180. Aos poucos Portugal foi se dedicando a extração do pau-brasil. Mesmo estando ciente que os negócios com esse recurso vegetal jamais alcançaria os lucros obtidos no Oriente, a Coroa estabeleceu a monopólio da madeira. Desse modo, o governo concedia a particulares ou às expedições oficiais, o direito de explorar, transportar e comercializar o produto. Por outro lado, os contratantes tinham como obrigação organizar o sistema de feitorias - locais de armazenamento fortificados onde era guardada a madeira a ser levada para a metrópole. A cada ano, os contratantes deveriam organizar expedições com o objetivo de explorar o litoral. Vale destacar que a grande presença desse vegetal no litoral, também chamaram atenção dos franceses. Por isso, como meio encontrado para impedir o contrabando ilegal da madeira, a Coroa decretou o monopólio desse produto. A mão de obra utilizada na extração do pau-brasil foi a indígena, a qual foi assegurada através do escambo. Em troca de tecidos, roupas, canivetes, miçangas e outros objetos, os habitantes locais derrubavam as árvores, adquiriam as toras e as transportavam para as feitorias. Assim, esse mecanismo tornou viável a exploração dessa madeira que se enquadrava nos interesses econômicos da Coroa portuguesa. Desse modo, a exploração do pau-brasil foi caracterizada pelo caráter predatório e rudimentar que contribuiu para a destruição das florestas litorâneas brasileiras. De acordo com alguns números, anualmente, eram extraídas aproximadamente 300 toneladas de madeira. Dado a forma destrutiva e exploratória, essa atividade econômica entra em decadência já na década de 1520. Entre 1501 e 1502 foi organizada a primeira viagem ao Brasil, a qual contou com a participação do navegador italiano Américo Vespúcio e do comandante Gonçalo Coelho. Vale salientar, que as primeiras expedições não constituíram empreendimentos com fins colonizadores. Inicialmente, elas tinham a finalidade de fazer o reconhecimento geográfico e, simultaneamente, pesquisar as viabilidades da exploração do pau-brasil. Fernando de Noronha junto com os seus consorciados obtiveram entre 1503 e 1505, o exclusivismo da exploração da madeira. Nesse período, contando com o apoio da Coroa, realizaram-se outras expedições exploratórias comandadas por Cristóvão Jacques, Fernão de Magalhães, Diogo Garcia e Sebastião Caboto. Segundo alguns historiadores, nessa fase inicial, já havia dezenas de europeus (exilados, desertores e náufragos) convivendo com os índios. Essas pessoas foram utilizadas com frequência como intérpretes nos contatos entre os europeus e os habitantes locais. A colonização e a organização administrativa A partir do início da década de 1530, a Coroa portuguesa passou a encontrar dificuldades em manter o extenso império colonial tanto no Oriente quanto no Ocidente. Além disso, o governo também enfrentava outro problema, sustentar a luxuosa e dispendiosa corte metropolitana. Diante dessa situação, tornou-se obrigado a contrair empréstimos e a procurar prováveis riquezas nas terras da América. Assim, podemos afirmar que as principais razões que contribuíram para o processo de colonização foram: 1. declínio das atividades comerciais de especiarias no Oriente; 2. incursões de estrangeiros no litoral da colônia portuguesa; 3. conclusão de que a montagem das feitorias em pontos estratégicos era insuficientes para efetivar a conquista do território; 4. descoberta de metais preciosos nas regiões do México e Peru. Nessa perspectiva, como as expedições exploratórias e de costeiras foram incapazes de paralisar a permanente presença dos corsários franceses (contrabando de pau-brasil) no litoral 16

brasileiro, seria necessário que o Estado português pudesse garantir a posse dessas regiões, estabelecendo núcleos constantes de povoamento, colonização e proteção. No governo de João III, a economia portuguesa enfrentou uma intensa crise econômica. O império português era bastante dispendioso. Além disso, a arrecadação tributária não conseguia acompanhar os altos gastos da corte. Daí, Portugal acumulava dívidas. A burguesia portuguesa também se endividou, uma vez que passou a depender dos empréstimos dos banqueiros estrangeiros para manter seus negócios. Diante das ameaças estrangeiras e concebendo o Brasil como alternativa para diminuir a recessão, o governo português começa definitivamente a colonização em 1530, quando foi realizada a grandiosa expedição (com mais de quatrocentos homens, entre eles espanhóis e holandeses) colonizadora sob o comando de Martin Afonso de Sousa. O representante da Coroa tinha como principal compromisso reconhecer e colonizar as regiões, tornando-as rentáveis, proteger o litoral colonial, fundar vilas e fortificações. Ele também visava encontrar uma passagem terrestre ou fluvial que ligasse o Atlântico às minas de prata peruanas. Com Martin Afonso de Sousa foi iniciada a plantação de cana-de-açúcar nas terras lusitanas, atividade que transformaria a colônia numa região potencialmente geradora de grandes lucros para a metrópole. Com amplos poderes repassados pela Coroa, Martin Afonso, como tinha que ocupar as terras da colônia, passou a distribuir sesmarias (lotes de terras desocupadas) às pessoas que tinham interesses em explorá-las com os recursos próprios. Esse mecanismo de distribuição já havia sido praticado com êxito nas colônias portuguesas de Madeira e Açores. Ao regressar da expedição à região sul, Martin Afonso fundou, 1532, a vila de São Vicente (atual litoral do Estado de São Paulo), considerada o primeiro núcleo urbano da colônia portuguesa. Nesse local, ele também estabeleceu o cultivo da cana-de-açúcar, ordenando a construção do primeiro engenho da América portuguesa, lançando as estruturas para agroindústria açucareira. A expedição empreendida por Martin Afonso foi fundamental para o desenvolvimento do projeto de colonização desejado pela coroa portuguesa. Como meio de concretizar os planos colonizadores, em 1534, a Coroa instituiu o sistema de capitanias hereditárias ou donatárias, praticado anteriormente nas ilhas litorâneas da África. Com o estabelecimento do sistema de capitanias, o território foi fragmentado em 15 faixas lineares de terras que se estendiam do litoral ao meridiano de Tordesilhas. Para a efetivação, o governo português contou com o auxílio de particulares, aos quais eram concedidas lotes de terras por intermédio a carta de doação. Essa concessão era intransferível, ou seja, a capitania não podia nem ser vendida nem doada, pois cabia exclusivamente ao monarca português esse direito. O sistema, todavia, transferia privilégios aos capitães donatários, geralmente integrantes da pequena nobreza, burocratas e comerciantes com mínimos recursos para empreender. Vale destacar, que as doações também eram utilizadas como meio de recompensa pelos serviços prestados ao governo português. Em relação a essa forma de colonização encontrada pelo governo português, o economista Celso Furtado comentou: Contudo, tornava-se cada dia mais claro que se perderiam as terras americanas a menos que fosse realizado um esforço de monta para ocupá-las permanentemente (...). Sem embargo, os recursos de que dispunha Portugal para colocar produtivamente no Brasil eram limitados e dificilmente teriam sido suficientes para defender as novas terras por muito tempo. FURTADO, Celso. Formação Econômica do Brasil. Rio de Janeiro: Fundo de Cultura. p.56. Não restam dúvidas de que, desde o momento de seu desembarque, tanto os donatários quanto seus colonos visavam ao lucro imediato. O principal, e quase único, objetivo da maioria era enriquecer o mais rápido e facilmente possível e retornar a Portugal. Nesse sentido, os homens que os donatários trouxeram para ocupar suas terras não eram colono no sentido literal da palavra: eram conquistadores dispostos a saquear as riquezas da terra, especialmente as minerais. BUENO, Eduardo. Capitães do Brasil: a saga dos primeiros colonizadores. Rio de Janeiro: Objetiva, 1999. p.13. 17

Capitanias Hereditárias. Os direitos e deveres dos capitães donatários estavam inseridos num documento chamado de Foral. Em relação à administração, possuíam o direito de fundar vilas, doar sesmarias, responsável pelo monopólio da justiça e da liderança militar. No âmbito econômico, detinham o domínio das moendas de água, dos engenhos e das marinhas de sal. Além dessas vantagens, os capitães podiam a cada ano escravizar e mandar vender em Portugal 24 índios apresados. Tinham também o direito de vintena (vigésima parte) do valor da extração do pau-brasil, 50% do dízimo do pescado, a redízima (um centésimo) dos lucros da coroa, a décima parte dos metais preciosos e, por fim, detinham os direitos de passagens em portos, rios e outras águas. Os principais objetivos desejados com o estabelecimento das capitanias hereditárias, no geral, malograram. As razões para esse fracasso podem ser atribuídas à escassez de recursos financeiros, a distância da Europa, a falta de terras férteis em algumas capitanias, as precárias condições de transportes e comunicação, a falta de experiência, e desinteresses de alguns donatários e, ainda, as hostilidades entre portugueses e os habitantes locais. As únicas capitanias bem-sucedidas foram as de Pernambuco e São Vicente, que se desenvolveram devido à instalação da agroindústria açucareira. Vale salientar, que Martin Afonso, concessionário da Capitania de São Vicente, não se interessou em administrá-la pessoalmente, optando pela ocupação do cargo de capitão-mor da Armada da Índia. Para o historiador Sérgio Buarque de Holanda, a família de colonos Schetz, oriundos dos países baixos, foram os responsáveis pela prosperidade de São Vicente. Entretanto, mesmo com os investimentos feitos na produção de cana-de-açúcar e na criação de gado, o desenvolvimento dessa capitania não se aproximou da prosperidade de Pernambuco. Sob a administração de Duarte Coelho, Pernambuco, mesmo sem o auxílio da Coroa portuguesa, se desenvolveu. Ele fundou a vila de Olinda, enfrentou conflitos com os habitantes locais, importou escravos da África, que passaram a ser utilizadas como principal mão de obra da lavoura canavieira. Duarte Coelho reclamava da falta de apoio do Estado 18

Português, que não conseguia coibir a presença dos contrabandistas do pau-brasil. Apesar das queixas, o governo português não atendeu o seu pedido. A vila de Olinda é a cabeça da capitania de Pernambuco, a qual povoou Duarte Coelho, (...) Esta gente pode trazer de suas fazendas quatro ou cinco mil escravos da guiné e muitos do gentio da terra. É tão poderosa esta capitania que há nela mais de cem homens que têm de mil até cinco mil cruzados de renda, e alguns de oito, dez mil cruzados. Desta terra saíram muitos homens ricos para estes reinos que foram a elas muito pobres, com os quais entram cada ano desta capitania quarenta e cinquenta navios carregados de açúcar e pau-brasil. SOUSA, Gabriel Soares. Tratado descritivo do Brasil. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1987. p. 135-138. Com o propósito de incentivar o processo de colonização, em meados do século XVI, a coroa portuguesa criou o Governo-Geral (1548), cuja função primordial seria centralizar as decisões e a administração colonial. Desse modo, houve a substituição do projeto inicial, marcado pela descentralização, por outro, caracterizado pela centralização administrativa. A principal função do Governo-Geral era oferecer apoio e suporte as capitanias. Nessa perspectiva, a Capitania da Bahia de Todos os Santos foi escolhida para ser a sede do governo. Em 1549, a cidade de Salvador seria fundada. Desse modo, essa capitania se tornou a primeira capitania real, ou seja, administrada diretamente por um encarregado do governo português. Com o decorrer do tempo, a metrópole foi readquirindo direitos de administração sobre outras capitanias hereditárias, transformando-as em capitanias reais. Os governadores motivaram e apoiaram a implantação de engenhos nos assentos coloniais, promovendo a aglutinação dos nativos com os povoados e vilas. Além disso, os governadores também instituíram feiras regulares, controlaram o povoamento, combateram os invasores, proibiram o comércio irregular do pau-brasil, organizando-o e garantindo, dessa forma, lucros ao Estado Português. Acompanhado de mais de mil pessoas, em 1549, aporta na colônia o primeiro governadorgeral, Tomé de Souza, ficando no cargo até 1553. Ao desembarcar na Bahia, ele organizou a sede do governo (Salvador) e tentou centralizar as medidas políticas e administrativas na colônia, porém não obteve êxito. Os governadores posteriores também enfrentaram uma série de dificuldades para implantar o projeto de centralização. O governador Duarte da Costa (1553-1556) encontrou resistência até mesmo entre os colonos da Bahia. No seu mandato, teve que combater a invasão francesa ao Rio de Janeiro. Já o governador-geral Mem de Sá (1558-1570), utilizando de habilidade política, expulsou os franceses, iniciou uma violenta luta contra os nativos revoltosos e apoiou os jesuítas no processo de catequização das tribos pacíficas. O governo-geral era assessorado pelo provedor-mor (encarregado pela cobrança de impostos e provimentos de cargos), o ouvidor-mor (cabia a ele a aplicação da justiça) e o capitão-mor (cuidava da defesa da colônia). Vale ressaltar que, o estabelecimento desse sistema administrativo não acarretou o fim das capitanias hereditárias. Segundo o Regimento, documento régio que criou o modelo centralizador definia que o Governo-geral teria sido instituído para dar ajuda e favor aos capitães donatários. Eu, el-rei, faço saber a vós, Tomé de Sousa, fidalgo de minha Casa, que vendo quanto serviço de Deus e meu é conservar e enobrecer as capitanias e povoações das Terras do Brasil (...), ordenei ora de mandar nas ditas terras fazer uma fortaleza e povoação grande e forte, em um lugar conveniente, para daí se dar favor e ajuda às outras povoações (...); e por ser informado que a Bahia de Todos os Santos é o lugar mais conveniente da costa do Brasil (...), que na dita Bahia se faça a dita povoação e assento, e para isso vá uma armada com gente, artilharia, (...) e tudo o mais que for necessário. E pela muita confiança que tenho em vós (...) hei por bem de vos enviar por governador às ditas terras do Brasil (...). BONAVIDES, Roberto e AMARAL, Paulo. Regimento de Tomé de Sousa, 17 de dezembro de 1548. In: Textos políticos da história do Brasil. Brasília: Senado Federal; Subsecretaria de Edições Técnicas, 1966. 19

Entre 1572 e 1578, a colônia portuguesa vivencia uma situação político-administrativa curiosa: com o propósito de reforçar e tornar a administração mais eficiente, o monarca D. Sebastião estabeleceu na América Portuguesa dois governos-gerais. Ao norte foi instituído um governo, com sede em Salvador e ao sul foi estabelecido o outro, no Rio de Janeiro. Entretanto, os frustrantes resultados obtidos com essa divisão levaram a Coroa a restabelecer o antigo formato. Em 1578, houve a reunificação da administração, com sede em Salvador. Em 1621, ocorreu mais uma vez uma divisão político-administrativa, que teve uma maior permanência. Nesse ano, foram criados o Estado do Brasil (que se estendia do Rio Grande do Norte ao sul da colônia) e o Estado do Maranhão (formado por parte do Pará e os atuais estados do Maranhão, Piauí e Ceará). As sedes administrativas desses estados eram, respectivamente, Salvador e São Luís. A criação do Estado do Maranhão pode ser compreendido pela preocupação da Coroa portuguesa em relação às ameaças de ocupação da região pelos franceses. O Maranhão permaneceu separado da unidade colonial até 1774. A partir do século XVIII, as capitanias hereditárias começam a serem extintas, pelo Marquês de Pombal. Em 1759, a capitania de São Vicente foi a última a deixar de existir. No transcorrer desse tempo, a autonomia dos donatários foram limitadas cada vez mais pelo exercício de poder dos governadores-gerais, os quais tinham interesses em consolidar sua autoridade. Administrações municipais: os homens bons Os governadores-gerais enfrentaram algumas dificuldades para estabelecer a sua autoridade, devido a resistência dos capitães-donatários, dos proprietários de terras e do imenso território a ser administrado. O grande dilema da unidade administrativa consistia em atrair os colonos, porém, seria necessário ao mesmo tempo controlá-los e governá-los. Desse modo, à medida que alguns poderes foram extraídos dos donatários e fazendeiros, instituíramse órgãos que possibilitavam a sua participação política e administrativa. Nessa perspectiva, foram estabelecidas nas vilas e nas cidades as Câmaras Municipais ou Senado da Câmara, responsáveis, entre outras atribuições, pela administração municipal; organização das feiras e mercados; execução de obras públicas; conservação das ruas, limpeza urbana e arborização. Só podiam participar das eleições, os homens nascidos na comunidade local. Entretanto, estavam aptos a votar e a ser votados, apenas, os chamados homens bons, a saber, proprietários de terras e escravos, membros do clero, funcionários reais e nobres. Assim, escravos, pobres, estrangeiros, judeus, mulheres ou praticante de qualquer atividade manual (camponeses, comerciantes, artesãos) eram excluídos do processo. Cada Câmara possuía dois juízes ordinários (eleito), um juiz-de-fora (nomeado pela Coroa), um procurador e três vereadores. Essas pessoas eram incumbidas de solucionar todos os problemas do município, desde o recolhimento de impostos até disputas por terras. Segundo alguns historiadores, a câmara possuía elevada autonomia, tornando-se, desse modo, importante espaço para a realização dos desejos e vontades políticas dos poderosos dos municípios. Mesmo subordinadas ao governo-geral, as Câmaras Municipais, se transformaram em muitos casos, num agente de clientelismo e corrupção. A renda usada para gerir os negócios públicos era originária da arrecadação de tributos e do patrimônio municipal (ruas, praças, pontes, estradas, aluguéis de prédios públicos). (...) A Coroa via com frequência suas ordens canceladas ou ignoradas, o que era provavelmente inevitável dado o tamanho da colônia e os escassos recursos disponíveis a ela. Embora tendo jurado lealdade à Coroa, (...) administradores com frequência usavam sua própria autoridade para enriquecer a si e a sua família. O contrabando, por exemplo, predominava, em especial nas fronteiras do Norte e do Sul, subtraindo à Coroa ganhos valiosos. SKIMORE, Thomas E. Uma história do Brasil. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1998. 20

O sentido da colonização A organização econômica da América portuguesa foi estruturada nos moldes do Antigo Sistema colonial, ou seja, seguiu os princípios do colonialismo mercantilista. De acordo com o historiador Caio Prado Júnior o modelo de colonização possuía um sentido. Sobre esse tema, ele comenta: No seu conjunto, e vista no plano mundial e internacional, a colonização dos trópicos toma o aspecto de uma vasta empresa comercial, mas complexa que a antiga feitoria, mas sempre com o mesmo caráter que ela, destinada a explorar os recursos naturais de um território virgem em proveito do comércio europeu. É este verdadeiro sentido da colonização tropical. De que o Brasil é uma das resultantes; e ele explicitará os elementos fundamentais, tanto no social, como no econômico, da formação e evolução histórica dos trópicos americanos. Se vamos à essência da nossa formação, veremos que na realidade nos constituímos para fornecer açúcar, tabaco, alguns outros gêneros; mais tarde ouro e diamantes; depois algodão e em seguida café para o comércio europeu. Nada mais que isto. PRADO JÚNIOR, Caio. História Econômica do Brasil. 42. ed. São Paulo: Brasiliense, 1994. Nessa perspectiva, o projeto de colonização da América portuguesa apresentaram as seguintes características: como na América hispânica, nas terras portuguesas, a exploração estruturou-se na complementaridade, ou seja, a colônia deveria fornecer à metrópole e ao mercado europeu, tanto recursos naturais (ouro, prata) como produtos tropicais; a produção colonial foi organizada em larga escala e custos reduzidos, aspectos que podem justificarem, em sua maior parte, a estrutura latifundiária e o uso do trabalho escravo, principalmente, africano; o processo de colonização tinha como principal pilar o pacto colonial, expressão equivocada, embora alguns historiadores tenha o costume de utilizá-la, pois a unilateralidade desse pacto era notório, uma vez que beneficiava e favorecia a transferência de riquezas coloniais para a sede da Coroa e para a burguesia mercantil; a agricultura era caracterizada pela monocultura, escravidão (tráfico de escravos bastante lucrativo), voltada para o mercado exterior e dependente de financiamentos internacionais. Esse caráter, serviu como um dos impedimentos para o estabelecimento de uma colonização formada por pequenas e médias propriedades e uso do trabalho assalariado ou familiar, pois tais aspectos gerariam um dinamismo no mercado interno, algo que o sistema colonial condenava; a proibição da implantação de manufaturas nas regiões coloniais, fator que garantia à burguesia metropolitana o comércio com elevados lucros, das mercadorias europeias; o exclusivismo comercial, que transferia para a burguesia mercantil, com exclusividade, o domínio de maior parte dos lucros produzidos na colônia. A respeito dessa característica, o historiador Fernando Novais enfatizou: É como no regime do comércio entre metrópoles e colônias que se situa o elemento essencial desse mecanismo (do Antigo Sistema Colonial mercantilista). Reservando-se a exclusividade do comércio com o Ultramar, as metrópoles europeias na realidade organizavam um quadro institucional de relações tendentes a promover necessáriamente um estímulo à acumulação primitiva de capital na economia metropolitana a expensas das economias periféricas coloniais. O chamado monopólio colonial, ou mais corretamente e usando um termo da própria época, o regime do exclusivo metropolitano constituía-se pois no mecanismo por excelência do sistema. NOVAIS, Fernando A. Portugal e Brasil na Crise do Antigo Sistema Colonial. 1777-1808. Ed. São Paulo: Hucitec, 1983. p. 72. 21

Texto complementar TEXTO 1 Um caldo de culturas Índio: Pindorama, Pindorama é o Brasil antes de Cabral Pindorama, Pindorama é tão longe de Portugal... Fica além, muito além do encontro do mar com o céu Português: Vera Cruz, Vera Cruz quem achou foi Portugal Vera Cruz, Vera Cruz atrás do Monte Pascoal Bem ali Cabral viu, dia vinte e dois de abril Não só viu, descobriu toda terá do Brasil Índio: Pindorama, Pindorama, mas os índios já estavam aqui Pindorama, Pindorama já falava tão bem tupi Só depois vem vocês que falavam tão bem português Só depois de vocês, nossa vida mudou de uma vez Todos: Ao Álvares Cabral, Ao El rei Dom Manuel ao índio do Brasil, ainda quem me ouviu Vou dizer descobri, o Brasil ta inteirinho na voz Quem quiser vem ouvir Pindorama ta dentro de nós [...] Pindorama. Sandra Peres e Luís Tatit, 1998. TEXTO 2 Encontro de culturas Por causa dos portugueses, eclodiu um tumulto dos selvagens numa região, a dos Caetés, que até então tinha sido tranquila, e o capitão (...) mas implorou (...) que acorrêssemos em ajuda à localidade de Igaraçu (...). Partimos (...). O número de defensores devia estar em torno de noventa cristãos aptos para a luta. (...) Os selvagens que nos sitiavam foram estimados em oito mil. Nossa única proteção na localidade sitiada consistia numa cerca de varapaus. (...) Ao atirarmos neles, jogavam-se ao chão de modo a escapar das balas. (...) Chegavam perto do povoado, atiravam numerosas flechas para o alto, que deviam nos atingir ao cair e às quais tinham amarrado algodão embebecido em cera. (...). Ameaçavam também nos comer, caso nos pegassem. (...) O sítio demorou quase um mês. Os selvagens tiveram algumas baixas, mas nós, cristãos, não sofremos nenhuma. STADEN, Hans. Hans Staden: primeiros registros escritos e ilustrados sobre o Brasil e seus habitantes. São Paulo: Terceiro Nome, 1999. p.40-41 Analisando os textos 1. De acordo com letra da canção Pindorama, explique o significado do Brasil em cada estrofe. 2. Comente as principais ideias contidas no texto. 22

FAZENDO HISTÓRIA 1. (UNICAMP) A expansão marítima da Península Ibérica (Espanha e Portugal) nas Américas foi orientada por um projeto colonizador que, além da exploração econômica das terras, tinha por objetivo a imposição de uma cultura europeia e cristã. Qual foi o papel da Igreja Católica nesse projeto colonizador? 2. (VUNESP-SP) Este Estado do Brasil... tem gente, os mercadores, que trazem do Reino as suas mercadorias a vender a esta terra e comutar por açúcares, do que tiram muito proveito.(diálogos das grandezas do Brasil, 1618). Baseando-se no trecho, responda: a) Como era realizado o comércio do Brasil colônia? b) Além dos mercadores, qual outra camada social era beneficiada na colônia brasileira? 3. (UNICAMP-SP) O trecho a seguir foi adaptado de Roteiro do Maranhão a Goiaz, um escrito anônimo de 1780: As colônias são estabelecidas para a utilidade da metrópole. Os habitantes da colônia devem ocupar-se em cultivar e adquirir as produções naturais, ou matérias-primas, que serão exportadas para a metrópole, a qual não só irá servir delas, mas, aperfeiçoando-se, poderá também tirar das colônias o preço da mão de obra e comercializar o supérfluo com as nações estrangeiras. a) Caracterize as funções das colônias do ponto de vista das metrópoles. b) De acordo com o texto, como as metrópoles utilizavam a produção colonial? c) Descreva, a partir do texto, o processo de obtenção do lucro pelas metrópoles. 4. (VUNESP-SP) A empresa agrícola inerente à colonização portuguesa continua como fator do subdesenvolvimento atual do Brasil e de outros países. Esclareça o que é plantation e explique as razões de sua escolha pelos colonizadores lusitanos. 23

5. (FUVEST-SP) Comente os problemas do regime de capitanias hereditárias e sua relação com a criação do governo-geral em 1548. 6. (FAAP-SP) Qual o grau de relacionamento da pecuária do São Francisco com a economia açucareira do Nordeste colonial? 7. (UFRJ)...sois grandes loucos, pois atravéssais o mar e sofreis grandes incômodos, como dizeis quando aqui chegais, e trabalhais tanto para amontoar riquezas para vossos filhos ou para aqueles que vos sobrevivem. Não será a terra que vos nutriu suficiente para alimentálos também? Tempos pais, mães e filhos a quem amamos; mas estamos certos de que, depois da nossa morte, a terra que nos nutriu também nos nutrirá... Registro deixado por Jean de Léry, que esteve no Rio de Janeiro, em 1557. Esta citação foi uma resposta dada por um Tupinambá a um francês, depois de saber que ele vinha de terras longínquas a fim de buscar lenha para extração de tintas. a) Explique uma das principais diferenças culturais entre os portugueses e os povos que habitavam o Brasil, evidenciando a propriedade da terra. b) Cite duas características do modelo econômico mercantilista, predominante na Europa, no período a que o texto se reporta. 8. Os jesuítas vieram para a América com o intuito de cumprir uma das missões primordiais da colonização, colocada já na carta de Caminha: a cristianização das populações indígenas. No entanto, as ações dos jesuítas incomodaram parte dos colonos. Qual era a visão dos jesuítas a respeito da colonização? Explique o conflito entre jesuítas e colonos? 24

QUESTÕES DE VESTIBULARES 1. (UPE) Conquistar a terra era uma grande aventura que envolvia muitas surpresas e frustrações. A expedição de Martim Afonso não foge desse quadro. Sobre ela, pode-se afirmar que: a) foi uma iniciativa independente da metrópole, sem ajuda de particulares, visando expulsar os rivais estrangeiros. b) deu início ao bem sucedido sistema de capitanias hereditárias, centralizando a administração e descobrindo as minas de ouro do Sudeste. c) introduziu o sistema de plantation na colônia, com a importação de escravos e o comércio com a Holanda e com a Espanha. d) se preocupou apenas com a lavoura açucareira em São Vicente, não se interessando com a descoberta do ouro no Oeste de Minas. e) foi importante para começar a fixar as bases da colonização, embora não tenha concretizado alguns objetivos planejados. 2. (COMEDE) No intuito de viabilizar o projeto colonizador nas terras brasileiras, o controle administrativo da metrópole portuguesa entregou à representantes da nobreza, da burocracia e do comércio quinze quinhões conhecidos como: a) Capitanias Hereditárias. b) Colônias de povoamento. c) Feitorias. d) Lotes. e) Sesmarias. 3. (UFPE-Alter.) Em meados do século XIX as autoridades do Ceará declararam a inexistência dos índios, para, desse modo, se apoderarem de suas terras. Sobre os índios brasileiros, sua cultura, seus hábitos, ainda não se esgotaram as pesquisas. Reconheça nas proposições abaixo fatos relacionados com a história indígena do Brasil. I. Os índios brasileiros eram bons caçadores coletores. A cerâmica e os tecidos eram também atividades exercidas por todas as tribos. II. Algumas tribos tinham conhecimento de Astronomia. Os Tupinambás, por exemplo, relacionaram as fases da lua, o movimento das marés e o aparecimento de determinadas estrelas com o fenômeno da chuva. III. O estágio cultural em que se encontrava o índio brasileiro não lhe permitia manifestações artísticas do tipo: música, dança, pintura. IV. Os jês e aruaques desenvolveram com a matéria-prima látex uma técnica de fazer bola para jogar, esporte muito apreciado entre eles. V. Os historiadores calculam que na época do descobrimento do Brasil a população indígena seria entre 2 e 3 milhões. Sabe-se, pelo último recenseamento que, atualmente, ela é apenas de 230 mil índios. 4. (UFPE-Alter.) O contato dos europeus com os povos da América propiciou uma abertura para a cultura ocidental, que sofreu reformulações. Houve confrontos radicais e uso de violência. Com relação ao Brasil, a ocupação se deu: I. com o extermínio imediato dos indígenas aqui existentes, como aconteceu também no México. II. respeitando os costumes locais, graças aos trabalhos dos padres católicos reformistas. III. com violência e falta de civilidade, apesar de haver exceções no trabalho de catequese. IV. com a preservação da população indígena, utilizada de forma intensiva nos trabalhos da rica agricultura canavieira. V. com dificuldades para Portugal, devido às diferenças existentes e à falta inicial de recursos para investimentos. 25

5. (UFAL) Como o sistema de capitanias gerais não conseguiu sucesso na colonização do Brasil, devido a várias dificuldades, Portugal resolveu organizar o governo-geral, que: a) centralizou a exploração econômica e reorganizou a administração das riquezas até 1822. b) conseguiu superar certos obstáculos e evitar, sem maiores dificuldades, o isolamento das capitanias. c) teve o cuidado de fortalecer a colônia contra as invasões estrangeiras e de melhorar as relações com os indígenas. d) se chocou com os objetivos da Igreja Católica, preocupada com a libertação dos nativos e dos escravos. e) manteve a dominação portuguesa de forma violenta, fracassando, no entanto, na superação das dificuldades já existentes. 6. (UFPE-Alter.) O Brasil teve uma importância estratégica para Portugal, apesar de os portugueses terem passado 30 anos sem ocupar efetivamente o território brasileiro. Nos primeiros tempos de exploração da colônia, Portugal: I. enviou diversas expedições exploradoras, com a finalidade específica de descobrir ouro, prata e diamante na região sul. II. não encontrou nenhuma riqueza na colônia que merecesse ser exportada, quase desistindo, assim, da colonização. III. conseguiu ajuda de alguns grupos indígenas para poder explorar o pau-brasil, produto que levava para fora da colônia. IV. enfrentou a presença estrangeira de europeus no litoral do Brasil, mas conseguiu superá-la. V. não enviou expedições para proteger a colônia, deixando que houvesse contrabando de suas riquezas minerais e preferindo investir na África. 7. (UFF) A Carta de Pero Vaz de Caminha, escrita em 1500, é considerada como um dos documentos fundadores da Terra Brasilis e reflete, em seu texto, valores gerais da cultura renascentista, dentre os quais destaca-se: a) a visão do índio como pertencente ao universo não religioso, tendo em conta sua antropofagia. b) a informação sobre os preconceitos desenvolvidos pelo renascimento no que tange à impossibilidade de se formar nos trópicos uma civilização católica e moderna. c) a identificação do Novo Mundo como uma área de insucesso devido à elevada temperatura que nada deixaria produzir. d) a observação da natureza e do homem do Novo Mundo como resultado da experiência da nova visão de homem, característica do século XV. e) a consideração da natureza e do homem como inferiores ao que foi projetado por Deus na Gênese. 8. (UFPE-Alter.) Em 1534, o rei D. João III ordenou que se instalassem Capitanias Hereditárias na colônia portuguesa da América. Sobre este tema leia as proposições abaixo. I. O sistema criado por D. João III, chamado Capitanias Hereditárias, tinha por base a divisão do território colonial português da América a partir de linhas paralelas ao Equador. II. Documento muito utilizado na época, o Foral concedia apenas a posse de uma capitania hereditária a um capitão donatário. III. Entre os direitos e deveres dos donatários, quando se instalaram as Capitanias Hereditárias, constava o direito de escravizar índios e de vendê-los a colonos, como também o de mandá-los para serem vendidos em mercados de escravos em Portugal. IV. Os Capitães-donatários formavam um grupo socialmente heterogêneo, composto por pessoas da pequena nobreza, burocratas e comerciantes ligados à coroa. V. As Capitanias Hereditárias formaram o primeiro conjunto de propriedades privadas da História do Brasil, visto que foram doadas ou vendidas pelo rei D. João III a particulares. 9. (UECE) A armada de Martim Afonso de Sousa, que deveria deixar Lisboa a 3 de dezembro de 1531, vinha com poderes extensíssimos, se comparados aos das expedições 26

anteriores, mas tinha como finalidade principal desenvolver a exploração e limpeza da costa, infestada, ainda e cada vez mais, pela atividade dos comerciantes intrusos. HOLANDA, Sérgio Buarque de. As primeiras expedições. In: HOLANDA, Sérgio Buarque de (org.). História geral da civilização brasileira. Tomo I, vol. 1. São Paulo: Difel, 1960. Com base nesta citação, assinale a alternativa que indica corretamente os principais objetivos das primeiras expedições portuguesas às novas terras descobertas na América: a) expulsar os contrabandistas de pau-brasil e combater os holandeses instalados em Pernambuco. b) Garantir as terras brasileiras para Portugal, nos termos do Tratado de Tordesilhas, e expulsar os invasores estrangeiros. c) Instalar núcleos de urbanização estável, baseados na pequena propriedade familiar, e escravizar os indígenas. d) Estabelecer contatos com as civilizações indígenas locais e combater os invasores franceses na Bahia. 10.(UNIRIO) A colonização brasileira no século XVI foi organizada sob duas formas administrativas, Capitanias Hereditárias e Governo Geral. Assinale a afirmativa que expressa corretamente uma característica desse período. a) As capitanias, mesmo havendo um processo de exploração econômica na maior parte delas, garantiram a presença portuguesa na América, apesar das dificuldades financeiras da Coroa. b) As capitanias representavam a transposição para as áreas coloniais das estruturas feudais e aristocráticas europeias. c) As capitanias, sendo empreendimentos privados, favorecem a transferência de colonos europeus, assegurando a mão de obra necessária à lavoura. d) O Governo Geral permitiu a direção da Coroa na produção do açúcar, o que assegurou o rápido povoamento do território. e) O Governo Geral extinguiu as Donatárias, interrompendo o fluxo de capitais privados para a economia do açúcar. 11.(UPE) Descobrir terras foi uma aventura cercada por grandes interesses. Havia ambições econômicas, desejos de enriquecimento rápido, pessoas que buscavam na aventura da colonização mudar suas vidas e, se possível, fixar residência nas terras conquistadas. No início, Portugal teve dificuldades de encontrar uma riqueza que estimulasse a colonização. A exploração do pau-brasil: a) foi precária e de pouca rentabilidade com a participação exclusiva do Estado português. b) trouxe lucros com a participação do comerciante Fernão de Noronha. c) não atraiu interesses de particulares, além de esse produto ser desconhecido na Europa. d) abrangeu boa parte do território brasileiro com a atuação de comerciantes franceses aliados com a Corte portuguesa. e) contou com a hostilidade das tribos indígenas que não se interessavam em ajudar Portugal e respondiam, com violência, às tentativas dos exploradores. 12.(UFPE) As feitorias portuguesas no Novo Mundo foram formas de assegurar, aos conquistadores, as terras descobertas. Sobre essas feitorias, é correto afirmar que: a) a feitoria foi uma forma de colonização, empregada por portugueses na África, na Ásia e no Brasil, com pleno êxito para a atividade agrícola. b) as feitorias substituíram as capitanias hereditárias durante o Governo Geral de Mem de Sá, como proposta mais moderna de administração colonial. c) as feitorias foram estabelecimentos fundados por portugueses no litoral das terras conquistadas e serviam para armazenamento de produtos da terra, que deveriam seguir para o mercado europeu. d) tanto as feitorias portuguesas fundadas ao longo do litoral brasileiro quanto as fundadas nas Índias tinham idêntico caráter: a presença do Estado português e a ausência de interesses de particulares. e) o êxito das feitorias afastou a presença de corsários franceses e estimulou a criação das capitanias hereditárias. 27

OLHARES HISTÓRICOS Livros O trato dos viventes: formação do Brasil no Atlântico Sul, séculos XVI e XVII. ALENCASTRO, Luiz Felipe. São Paulo: Companhia das Letras, 2002. História dos índios no Brasil. CUNHA, Manuela Carneiro da (org.). São Paulo: Fapesp/Companhia das Letras, 2002. À margem dos 500 anos: reflexões irreverentes. PRADO, Maria Lígia. São Paulo: Edusp, 2002. Religião e religiosidade no Brasil Colonial. PRIORE, Mary Del. São Paulo: Ática, 2000. Cinema Caramuru, a invenção do Brasil Direção de Guel Arraes. Brasil, 2001. 88 min. Em 1º de janeiro de 1500 um novo mundo é descoberto pelos europeus, graças a grandes avanços técnicos na arte náutica e na elaboração de mapas. É neste contexto que vive em Portugal o jovem Diogo, pintor que é contratado para ilustrar um mapa e, por ser enganado pela sedutora Isabelle, acaba sendo punido com a deportação na caravela comandada por Vasco de Athayde. Sinopse extraída do site www.adorcinema.com 28

A economia na América Portuguesa A Coroa Portuguesa, a partir da década de 1530, enfrentou algumas dificuldades para administrar ou sustentar, ao mesmo tempo, suas posses no Oriente e na África, além de manter a dispendiosa corte metropolitana. Como vimos no capítulo anterior, os problemas econômicos impulsionaram os portugueses a procurar novos meios, entre eles, consolidar a conquista e ocupação das terras americanas. Essa alternativa surgida, não consistia numa tarefa fácil, uma vez que implicava no povoamento da colônia, na geração sistemática de atividades lucrativas e na organização administrativa da região. Para montar todo esse aparato administrativo na América Portuguesa, tornava-se necessário a disponibilidade de recursos financeiros que serviriam para custear o povoamento e a mão de obra, além de outros pontos. O primeiro passo dado para consolidar tais objetivos, foi a implantação e desenvolvimento da produção açucareira. Como a colônia apresentava características geográficas favoráveis ao cultivo da cana-deaçúcar, esse empreendimento propiciou bastante lucro para Portugal. O que é legítimo afirmar, comprovado pela documentação dos preços, é que com a fase de grande crescimento da economia açucareira assistimos ao seu enquadramento nas linhas de força do sistema colonial; os preços sobem pouco na colônia, a elevação é acentuada na metrópole, isto é, geram-se lucros excedentes lucros monopolistas que se acumulam entre os empresários metropolitanos. NOVAIS, Fernando A. Portugal e Brasil na Crise do Antigo Sistema Colonial. 1777-1808. 2 ed. São Paulo: Hucitec, 1983. p. 80. Em síntese, a economia da América Portuguesa foi caracterizada pela utilização da mão de obra escrava, pela grande propriedade (latifúndio), pelo cultivo de produtos tropicais e pela extração de metais e pedras preciosa. Outras atividades econômicas também tiveram importante participação na economia colonial, mesmo sendo colocada em segundo plano pela política mercantilista metropolitana. O eixo econômico que recebeu mais atenção do governo português foi evidentemente, a lavoura canavieira. A implantação da agroindústria açucareira articulou a exploração da América e da África (fornecedora de escravos) e ajudou a Coroa Portuguesa a superar ou amenizar a crise dos negócios orientais. Açúcar: o doce sabor do lucro De acordo com o Tratado de Tordesilhas, uma parte da região brasileira já pertencia a Portugal antes mesmo de 1500, porém outros países europeus rejeitavam as determinações da divisão realizada em 1494. Para efetivar a ocupação das terras americanas, o governo português, a partir de 1530, iniciou a organização de um empreendimento agrícola bastante lucrativo para a metrópole. De grande aceitação no mercado europeu, o açúcar foi o produto escolhido. A opção pelo cultivo da cana-de-açúcar pode ser explicada, pois os portugueses tinham grandes experiências na produção e comercialização do açúcar desenvolvido nas ilhas do Atlântico. No final do século XV, na ilha da Madeira já existiam cerca de 150 engenhos de açúcar, movimentados pelo trabalho escravo. (...) Impulsionado pelo príncipe D. Henrique, o Navegador, colonizadores portugueses se instalaram nas ilhas de Açores e Madeira, aproximadamente em 1425. (...) Mercadores genoveses logo viram a possibilidade de cultivar cana-de-açúcar nas ilhas. (...) Nas ilhas de Açores, os canaviais cobriam parte das terras, uma vez que a cultura de cereais encontrou clima favorável. Na ilha da Madeira, e posteriormente nas Ilhas Canárias e São Tomé, a história foi diferente. Ali, agricultores puderam cultivar cana-de-açúcar em grande quantidade e na maior parte das terras da ilha. O açúcar proveniente da Ilha da Madeira começou a chegar a Portugal em 1450; no final do século XV, o açúcar proveniente das ilhas do Atlântico era mais barato do que aquele produzido no continente europeu, na região mediterrânea. (...) SOLBRIG, Otto T. e SOLBRIG, Doroth J. Sos hall you reap: farming and crops in human affairs. Washington, D.C.: Island Press, 1994. 29

O açúcar era considerado pelos europeus como uma especiaria. Até o período medieval, ele era usado, exclusivamente, para fins medicinais. Com o decorrer do tempo, o açúcar foi sendo substancialmente valorizado, tornando-se um produto de primeira necessidade nas refeições da burguesia e aos poucos se popularizou, se tornando presente na vida cotidiana de muitos europeus. Nas regiões a Espanha árabe e na Sicília, desde o século VIII, já se dedicavam ao cultivo da cana, sendo consideradas as principais produtoras açucareira na Europa. Até os judeus, instalados em Portugal no início do século XVI, estabeleceram-se na ilha de São Tomé, litoral africano, para se dedicar ao plantio da cana-de-açúcar. A produção açucareira na colônia portuguesa foi estruturada, essencialmente, no Nordeste em sistema de Plantation: estrutura agrícolas caracterizada pelas grandes propriedades rurais, monoculturas, produção voltada para o mercado externo e a utilização do trabalho escravo. As unidades de produção, denominadas de engenhos, ocuparam diversas regiões da colônia. Os engenhos foram instalados no Nordeste e nos atuais estados de Minas Gerais, Espírito Santo, Rio de Janeiro e São Paulo. Nesses locais foram produzidos os açúcares mascavo e semi-refinado mais aguardentes de cana (cachaça). Desse modo, entre as décadas de 1530 e 1540, a produção canavieira se tranformou na primeira atividade mercantil explorada sistematicamente pela Coroa portuguesa no Brasil. As boas relações entre holandeses e portugueses favoreceram ao financiamento da empresa do açúcar, além da distribuição do produto mercado europeu. Por volta de 1590, já havia aproximadamente 36 engenhos na Bahia e 66 em Pernambuco. Cada engenho possuía em torno de 80 a 100 trabalhadores. Engenho de açúcar no Nordeste brasileira, 1816. Em linhas gerais, a implementação da agromanufatura do açúcar na América Portuguesa foram impulsionados pelos seguintes fatores: 1. Extensa margem de lucro que poderia ser alcançada com a comercialização do produto no mercado da Europa; 2. A falta de concorrência e a experiência dos portugueses na produção açucareira nas ilhas do atlântico (Madeira e Cabo Verde); 3. A participação de créditos holandeses, atuante no financiamento da montagem dos engenhos, no transporte, no refinamento e na distribuição do açúcar no mercado europeu; 4. As condições geográficas favoráveis, principalmente, no Nordeste, que apresentava excelente qualidade do solo (massapê) e ótimas condições climáticas (quente e úmido) para o cultivo do produto, além da disponibilidade de enormes áreas territoriais. A produção da cana-de-açúcar demandava grandes propriedades, elevado números de escravos, pastos para os animais, meios de transportes e áreas florestais que pudessem fornecer lenha e madeira. A preocupação em atrelar a produção açucareira a uma atividade rentável gerou uma indispensável necessidade de instalações de elevado custo e também da 30

utilização de grande quantidade de trabalhadores especializados. Para financiar tal empreendimento, houve a necessidade de contrair empréstimos concedidos, principalmente, pelos banqueiros flamengos. Os engenhos açucareiros A montagem de um engenho de açúcar demandava altos custos financeiros, o que provocou frustração nos pequenos produtores, obrigando, inicialmente, os donatários a solicitarem empréstimos aos holandeses e italianos. Os engenhos consistiam num conjunto de construções, localizadas nas fazendas canavieiras, normalmente interligadas, constituídos pela casa-grande (habitação do dono ou senhor de engenho), a senzala (dormitório dos escravos), a capela (celebração de missas), a plantação canavieira e o espaço destinado a manufatura do açúcar. Assim, o engenho tornouse, durante o período colonial, a mais importante unidade de produção açucareiro no Brasil. Boa parte das atividades econômicas se concentravam ao redor dos engenhos. A grande propriedade era destinada especialmente para o cultivo da cana-de-açúcar através da prática da monocultura, sobrando pouquíssimo espaço para o desenvolvimento da agricultura de subsistência e a pecuária. Depois da colheita, o açúcar era manufaturado nas instalações dos engenhos formados pela moenda, a casa das caldeiras, a fornalha e casa de purgar. A cana era esmagada na moenda, onde se extraía o caldo chamado de garapa. Existiam duas modalidades de engenhos, os movidos por tração animal (trapiche) e os de roda d água (reais). Os mais comuns eram os trapiche, pois a construção dos reais eram dispendiosos e também dependiam das regularidades dos fluxos fluviais. O cozimento da cana se processava na casa das caldeiras e fornalhas, grandes tachos, comumente feito de cobre. Por fim, eram retiradas as impurezas do açúcar na casa de purgar. A situação dos trabalhadores do engenho era muito complicada, uma vez que eles viviam num ambiente insalubre, longas jornadas de trabalhos, calor excessivo e vários acidentes. Sobre os perigos no trabalho nos engenhos, André João Antonil, em seu livro Cultura e opulência do Brasil, descreve: A moenda é o lugar de maior perigo do engenho. Porque, se, por desgraça, a escrava que mete a cana entre os eixos (cilindros), ou por força do sono, ou por cansaço, meteu desatentamente a mão mais adiante do que devia, arrisca-se a passar moída entre os eixos. Se não lhe cortarem logo a mão ou o braço apanhado, tendo para isso junto da moenda um facão, ou não forem tão ligeiros em fazer parar a moenda, o sofrimento dessa escrava será ainda maior. Na moenda trabalham cerca de sete ou oito escravas: três para trazer cana, uma para meter, outra para passar o bagaço, outra para conservar e acender as candeias, que na moenda são cinco, outra para limpar o cocho do caldo e os aguilhões da moenda e refrescálos com água para que não ardam, e outra para botar fora o bagaço, ou no rio ou na bagaceira, para se queimar a seu tempo. E se for necessário botá-lo em parte mais distante, não bastará uma só escrava, mas haverá necessidade de outra que a ajude, porque, de outra sorte, não se daria vazão a tempo, e ficaria entupida a moenda. ANTONIL, André João. Cultura e opulência do Brasil. Belo Horizonte: Itatiaia, 1997. No Brasil eram produzidos o açúcar branco, voltado para a exportação, e o açúcar mascavo (grosso e escuro). A utilização das técnicas de purgar nas unidades produtoras brasileiras ocorreu, pois não havia refinarias em Portugal. Após o branqueamento, o açúcar era embalado em caixas e transportado para a Lisboa, que por sua vez seria enviado para Antuérpia, onde ocorria a distribuição. A partir do século XVII, a cidade de Amsterdã tornou-se a distribuidora, além de possuir instalações apropriadas para o refinamento do açúcar. À margem das grandes propriedades agrícolas e do complexo do engenho, existiam os lavradores pobre (brancos e mestiços), os quais produziam como meeiros. Nesses locais, desenvolveram a agricultura de subsistência e o cultivo da cana. Entretanto, eram obrigados a utilizar a moenda dos senhores de engenhos, por esse motivo ficaram denominadas de fazendas obrigadas. Em algumas situações, os latifundiários concentravam suas atividades no processamento do açúcar, deixando a produção sob a responsabilidade dos lavradores. Todas essas etapas produtivas transformaram a produção açucareira num negócio agroindustrial sofisticado e lucrativo, o qual era resultado da combinação de terra, técnica, 31

trabalho compulsório, cultivo da cana-de-açúcar e instalações. A produção e a comercialização açucareira foram essenciais para consolidar os domínios portugueses no Atlântico, além de contribuir para a formação de grupos sociais caracterizados por prestígio e poder. Outro desdobramento dessa unidade produtiva se deu na constituição da sociedade colonial brasileira, a saber, latifundiária, exportadora e escravista. A mão de obra na lavoura canavieira O governo português encontrou muitas dificuldades em empregar a mão de obra europeia em sua colônia. Devido aos problemas provocados no final do período medieval, Portugal e outras nações da Europa apresentavam baixo índice populacional. Somado a isso, livres da servidão feudal, os camponeses não desejavam se deslocar para a América, onde tinham que enfrentar a difícil tarefa de aventurar-se nas matas tropicais, além de enfrentar os nativos e árduos trabalhos rurais. Segundo a lógica econômica estabelecida pela Coroa metropolitana, que visava à obtenção de elevados lucros com a negociação de produtos tropicais, o dispêndio com a mão de obra deveria ser reduzido. Esse dilema foi solucionado com a inserção de um modo árduo de trabalho, a escravidão. No início da produção açucareira, os senhores de engenhos encontraram muitas dificuldades, devido à escassez de trabalhadores. Para resolver esse problema, os índios foram amplamente usados como escravos nas grandes lavouras canavieiras. "Família de um chefe camacã se prepara para uma festa", Jean Baptiste Debret. Inicialmente os índios foram utilizados na produção açucareira. Mesmo com os impedimentos do Estado português por meio de leis e decretos, além do combate dos jesuítas, os índios foram escravizados até aproximadamente a década de 1570. A Igreja Católica, em especial, os jesuítas condenavam a escravização indígena, porém, não tinham a mesma postura em relação ao trabalho compulsório dos escravos africanos. Sobre isso, o historiador Jaime Rodrigues afirma: O padre Vieira viveu no Maranhão na segunda metade do século XVII e atuou como protetor dos índios contra a escravidão, defendendo a introdução de escravos africanos. Um episódio ilustrativo, da maneira como Vieira encarava a escravidão dos africanos, ocorreu quando os negros de Palmares solicitaram o envio de um capelão para o quilombo. Vieira recusou-se a atender o pedido, por diversas razões, entre elas, fortíssima e total, o fato de os quilombolas serem escravos rebelados. Por isso estariam em pecado, e sua liberdade não era conveniente à Colônia. Como disse Vieira em uma de suas cartas, esta mesma liberdade assim considerada seria a total destruição do Brasil. Os Jesuítas se opuseram ao cativeiro dos índios e transmitiram aos escravos negros a ideia de que sua condição era definitiva por Deus e que, se suportassem essa situação, a recompensa seria dada no céu. Vieira comparava os sacrifícios dos escravos na produção de açúcar aos de Cristo na cruz. RODRIGUES, Jaime. O tráfico de escravos para o Brasil. São Paulo: Ática, 1997. p.17. 32