1 REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DE PROFESSORES SOBRE A PROFISSÃO DOCENTE EM MATEMÁTICA Elisângela Bastos de Melo Universidade Federal de Pernambuco elisangelabastosdemelo@yahoo.com.br RESUMO Este trabalho apresenta resultados parciais de uma investigação em curso sobre o exercício da profissão docente em matemática. Utiliza-se da Teoria das Representações Sociais, proposta por Serge Moscovici, na busca de expressões e significados desenvolvidos no senso comum sobre como os professores se percebem como profissionais. Trata-se de um estudo realizado com oitenta professores da rede estadual de ensino de PE, de diversas disciplinas, atuantes no projeto Travessia, com experiência no exercício da disciplina Matemática.O estudo foi realizado através de questionários de associação livre com as expressões indutoras profissão professor e profissão professor de matemática, as quais são apresentadas, hierarquizadas em níveis de freqüência e importância segundo os professores investigados. Palavras-chave: Representações sociais. Profissão docente. Matemática. 1.Introdução Em dado momento, em diferentes épocas, o professor foi assumindo papéis diferenciados, segundo determinações sócio-culturais, econômicas e pedagógicas de diversas ordens. De forma que temos, no momento, um quadro de professores, que se consolidaram como profissão num tempo que pertence definitivamente ao passado e que, portanto, se encontram agora numa encruzilhada de opções (Nóvoa, 1999, p.11).
2 Para Cardoso (2003), se por um lado, há certa cobrança para que nós, professores, estabeleçamos um padrão de conduta, configurando uma forma de ser professor/profissional, por outro lado, a sociedade oferece inúmeros discursos que apresentam maneiras de ser professor. Neste sentido, Larrosa (1994) afirma que o eu da autoconsciência temporal é algo que está significativamente constituído na narração. A compreensão da própria vida como uma história se desdobra, assim como a compreensão da própria pessoa como o personagem central dessa história, é algo que se produz nesses constantes exercícios de narração e autonarração no qual estamos implicados cotidianamente (p.69). Um dos propósitos de nossa pesquisa é tentar capturar as representações dos professores sobre sua profissão, o que dizem de si e seu trabalho. Considerando que para o professor a tarefa de interpretar ou moldar a si mesmo enfrenta uma conflitiva série de pensamentos, desejos e circunstâncias. Na atual fase, pós-moderna, assistimos em nome da diversidade, da diferença, e alteridade, um reforço, na maioria das vezes, do individualismo, do particularismo, e da fragmentação, da descontinuidade e do evento, negando as dimensões estruturais e a continuidade histórica. Marcelo Coelho (1999) apud Frigotto (2001) a partir do relativismo pósmoderno, afirma: O ser humano não existe: existem ingleses, chineses, americanos. O americano não existe: existem mulheres americanas, negros americanos, gays americanos. A mulher americana não existe: existem mulheres americanas da classe média, mulheres americanas negras e operárias... Isto não é tudo. As classes sociais também não existem. São grupos que se redefinem a cada momento, a cada circunstância (...) (FRIGOTTO, 2001, p. 28). A fragmentação dos professores, enquanto classe, em professores indígenas, professores do campo, professores universitários, professores do ensino médio, professores da periferia, do centro da cidade e inúmeras categorizações que poderíamos fazer referência, atestam cada um desses segmentos lutando por seus próprios interesses, perdendo o sentido de identidade coletiva e buscando se auto-determinar cada vez mais como identidade idiossincrática. Tentamos fazer algumas aproximações sobre o que é ser professor, na busca de entendimento sobre a diversidade de atribuições à profissão docente, através das representações sociais construídas, em particular, sobre os professores de matemática, articulando com as pesquisas desenvolvidas sobre a profissionalização docente. 2. A Teoria das Representações Sociais
3 A teoria das representações sociais foi desenvolvida por Sérge Moscovici, a partir da obra La Psycanalyse: son image et son public (1961). O estudo de Moscovici sobre as representações do público em geral e de psicanalistas sobre a Psicanálise, afirma que a absorção da ciência pelo senso comum, não vulgariza o saber científico, mas o redefine a partir de outros critérios, de outros contextos de interpretação do real. Segundo Maia (2001): Reconhecendo o homem como agente do seu próprio conhecimento do mundo, diversos modelos psicológicos têm levado em consideração a importância da imagem que o homem se faz de si mesmo e de seu meio (MAIA, 2001, pp 84-85). Falar em representações sociais é referir-se a um modelo teórico, um conhecimento científico que visa compreender e explicar a construção desse conhecimento leigo, dessa teoria do senso comum. Moscovici (1978) descreve dois processos sociocognitivos, dialeticamente relacionados, que atuam na formação das representações sociais: a objetivação e a ancoragem. Mazzotti (2000) aponta a análise da gênese das representações como o que constitui a contribuição mais original da teoria proposta por o autor. A objetivação ocorre como o que dá forma concreta à representação, ou seja, transforma a representação em uma imagem real ou esquemas figurativos, fazendo um recorte de opiniões, atitudes e pré-julgamentos individuais e moldando-os ao crivo do social. O processo de ancoragem, para Moscovici (1984) apud Mazzotti (2000) diz respeito ao enraizamento social da representação, à integração cognitiva do objeto representado no sistema de pensamento pré-existente e as transformações decorrentes destes. Não se trata mais, como na objetivação, da construção formal de um conhecimento, mas de sua inserção orgânica em um repertório de crenças já constituído (MAZZOTTI, 2000, p. 60). A objetivação e a ancoragem explicam a interdependência entre a atividade cognitiva e suas condições sociais de exercício. Ao pretendermos identificar as representações sociais dos professores em exercício docente na disciplina matemática sobre a profissão professor, buscamos ampliar a compreensão de fatos que tem permeado a docência em matemática, através do dizer/falar dos educandos e educadores, mediante o que circula no senso comum. Consideramos que a marca social das representações sociais expressa-se nos contextos em que elas emergem, nas comunicações pelas quais circulam, na interação dos sujeitos com o mundo e com os outros (Jodelet, 1985, p.361 apud Weber, 1996, p. 44). Segundo Sá (1998) das correntes complementares à Teoria das Representações Sociais que já
4 apresentamos, a de Abric foi a única que se chegou a se formalizar como uma teoria, a chamada teoria do núcleo central: ela se ocupa mais especificamente do conteúdo cognitivo das representações, mas concebendo-o como um conjunto organizado ou estruturado, não como uma simples coleção de idéias e valores. A proposição de que o conteúdo da representação se organiza em um sistema central e um sistema periférico, com características e funções distintas, é certamente a sua principal contribuição (SÁ, 1998, pp.76-77). A observação dos elementos do núcleo central e dos elementos periféricos é um requisito para compreender a organização das representações sociais, assim como o conteúdo, o significado em termos de campo semântico, como se organizam e em que elas se diferenciam em função de algumas características dos sujeitos. Ao pretendermos identificar as representações sociais dos professores sobre a profissão professor, buscamos ampliar a compreensão de fatos que tem permeado a docência em matemática, através do dizer/falar dos educandos e educadores, mediante o que circula no senso comum; considerando que a marca social das representações sociais expressa-se nos contextos em que elas emergem, nas comunicações pelas quais circulam, na interação dos sujeitos com o mundo e com os outros (Jodelet, 1985, p.361 apud Weber, 1996, p. 44). 3. À busca de significados sobre a profissão docente em matemática A presente pesquisa foi realizada como estudo piloto, em um encontro de formação continuada do projeto de correção de fluxo escolar, denominado Travessia, promovido pela Secretaria Estadual de Educação de Pernambuco. Destinado à formação de professores para o trabalho com telessalas, onde cada professor ministra várias disciplinas escolares. Os participantes da pesquisa foram oitenta professores de diversas áreas do conhecimento das ciências exatas e humanas, sendo 28 (vinte e oito) professores de Matemática, 12 (doze) de Biologia, 5 (cinco) de Química, 1(um) de Física, 8 (oito) de Letras, 8 (oito) de Geografia, 8 (oito) de História e 10 (dez) de Pedagogia. O instrumento utilizado para coleta de dados foi o questionário de associação livre. Como procedimento de uso deste instrumento, solicitamos aos sujeitos que indicassem seis palavras que lhe viessem à mente e que indicassem entre estas as duas palavras mais importantes, através das expressões indutoras profissão professor e profissão professor de matemática. Como procedimento de análise dos dados, realizamos a quantificação das palavras, destacando aquelas que tiveram freqüência maior que 10 (dez) nos questionários aplicados,
5 assim como as palavras apontadas como mais importantes, a fim de capturarmos as significações atribuídas à profissão docente com o enfoque no professor de matemática. Identificação do campo semântico das representações sociais a partir das expressões indutoras na ordem: profissão professor e profissão professor de matemática As palavras que apareceram em número maior associadas à profissão professor com o estímulo profissão professor / profissão professor de matemática foram: amor (30), dedicação (22), aprendizagem e compreensão (17), conhecimento e paciência (15), amigo e educar (14), responsabilidade (13), compromisso (12), criativo (11) e respeito (10). As palavras mais importantes associadas a PROFISSÂO PROFESSOR, com este estímulo foram em: 1º lugar amor (13), conhecimento (6), compreensão (5) e dedicação (4) e em 2º lugar responsabilidade (4). A dimensão afetiva recebe o maior número de associações relacionadas à docência. Neste sentido concordamos com Tardif e Lessard (2007), quando afirmam que provenientes de comunidades religiosas ou de grupos leigos, os professores são historicamente vistos como estando subordinados ao serviço de autoridades mais altas (Deus, a Igreja, o Estado, a Nação, etc.) e a causas nobres (p.78). Observamos que a maior parte dos professores atribuem a sua profissão, as associações amor, dedicação, paciência, amigo em conseqüência a perceber sua profissão como missão, como sacerdócio. A dimensão social de seu trabalho é destacada por responsabilidade, compromisso, educar e respeito, que situa-se no papel do professor como agente de transformação social. Nóvoa (1999) destaca que os professores são funcionários, mas de um tipo particular, pois a sua ação está impregnada de uma forte intencionalidade política, devido aos projectos e às finalidades sociais de que são portadores (...) agentes culturais, os professores são também, inevitavelmente agentes-políticos (p.17). Na dimensão psicopedagógica, as associações conhecimento e criativo, apontam para a exigências dos saberes conceituais e procedimentais, na prática da sala de aula. O conhecimento do professor para o exercício da profissão, como todo trabalho humano, de acordo com Tardif (2002), exige um saber e um saber-fazer que apontam para a subjetividade desse profissional. O autor define o saber docente como um saber plural, formado pelo amálgama, mais ou menos coerente, de saberes oriundos da formação profissional e de saberes disciplinares, curriculares e experenciais (p. 36).
6 Quando observamos as associações relacionadas, especificamente à profissão professor de matemática, as palavras mais freqüentes foram: raciocínio (21), lógica (14), conhecimento e paciência (13), cálculo (12) e compromisso (11). As palavras mais importantes associadas à profissão professor de matemática, com este estímulo foram em: 1º lugar raciocínio (10), cálculo (4), compromisso (4) e conhecimento (4) e em 2º lugar raciocínio (8), conhecimento (4), dedicação (4) e lógica (4). De forma geral, as atribuições cognitivas atribuídas ao professor de matemática como raciocínio, lógica, cálculo, conhecimento aparecem como uma característica forte, atribuída ao exercício da docência em Matemática, com a diminuição da representação afetiva. Neste caso, paciência recebe uma conotação de perseverança no ato de ensinar, como atributo necessário ao ensino-aprendizagem da matemática. Neste sentido, Tardif e Lessard (2007), tratam a profissão docente como um trabalho de interação humana, explicitando que os ofícios e as profissões que lidam com o outro, com certeza nem sempre têm contornos bem delimitados (p.19). Ainda, para os autores, a docência é um trabalho cujo objeto não é construído de matéria inerte ou de símbolos, mas de relações humanas com pessoas capazes de iniciativa e dotadas de uma certa capacidade de resistir ou de participar da ação dos professores (p. 35). A associação compromisso aparece no sentido de responsabilidade exigida ao professor de matemática, cobrado pelos baixos resultados nesta disciplina. Assim, os professores supõem a afirmação de que apesar da dimensão material das condições de trabalho nas escolas públicas, ainda sentem prazer em ensinar. CONSIDERAÇÕES FINAIS Considerando os limites desse estudo, podemos observar que o exercício da docência em matemática, apresenta características comuns às demais áreas do conhecimento no que concerne ao seu exercício profissional, além de características bem específicas a esta área de conhecimento. Caberá ao prosseguimento desta pesquisa ampliar o estudo sobre as representações que os professores de matemática têm de si, enquanto envolvidos no universo de sua profissão. Segundo Arroyo (2007), os vínculos entre a consciência política e a consciência profissional não tem sido fáceis, por vezes se alimentam, por vezes se desencontram (p. 205), e este é um aspecto a ser refletido como elemento essencial à valorização do trabalho do professor.
7 Todos os aspectos tratados até aqui, busca a definição do perfil profissional do professor de matemática, situado em sua ação individual e social. Considerando que o indivíduo jamais constrói a sua identidade sozinho, ele depende tanto dos juízos dos outros quanto de suas próprias orientações e auto-definições, como produto de sucessivas socializações. Como sinaliza Dubar (2005, p.130), a construção da identidade só pode ser feita a partir das representações individuais e subjetivas dos próprios atores. Visto que implica o reconhecimento ou o não reconhecimento de outrem, ela constitui necessariamente uma construção conjunta. Esperamos contribuir para o avanço de pesquisas que tratem sobre a profissionalização docente em matemática, a partir do reconhecimento de elementos que identifiquem o que é ser professor de matemática, enquanto sujeito individual e coletivo no exercício de sua profissão. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ARROYO. M. G. Ofício de mestre: imagens e autoimagens. 9.ed. Rio de Janeiro: Vozes, 2007. CARDOSO, L.A.M. Formação de professores: mapeando alguns modos de ser professor ensinados por meio do discurso científico-pedagógico. In: PAIVA, E.V. de (org). Pesquisando a formação de professores. Rio de Janeiro: DP&A, 2003. DUBAR, C. A socialização: construção das identidades sociais e profissionais. São Paulo: Martins Fontes, 2005. FRIGOTTO, G. A nova e a velha faces da crise do capital e o labirinto dos referencias teóricos. In: FRIGOTTO, G. Teoria e educação no labirinto do capital. Rio de Janeiro: Vozes, 2001. LARROSA, Jorge. Tecnologias do Eu e Educação. In: SILVA, T.T.(Org.). O sujeito da educação: estudos foucaultianos. 5.ed. Petróplolis: Vozes, 1994. MAIA, Lícia. O que há de concreto no ensino da matemática? ZETETIKÉ CEMPEM FE/UNICAMP v. 9 N. 15/16, Jan/Dez. de 2001. MAZZOTTI, A.J.A. Representações sociais: desenvolvimentos atuais e aplicações à educação. In: CANDAU, V.M. (org.) Linguagens, espaços e tempos no ensinar e aprender/endipe Rio de Janeiro: DP&A, 2000. NÓVOA, A. (Org.). Profissão professor. 2.ed. Porto - Portugal: Porto editora, 1999. SÁ, C.P. de. A construção do objeto de pesquisa em representações sociais. Rio de Janeiro: EDUERJ, 1998. TARDIF, M.; LESSARD,C. O trabalho docente:elementos para uma teoria da docência como profissão de interações humanas. 3.ed. Rio de Janeiro: Vozes, 2007. WEBER. S. O professorado e o papel da educação na sociedade. Campinas: Papirus, 1996.