PERFIL DAS CONDIÇÕES DE HABITAÇÃO E RELAÇÕES COM A SAÚDE NO BRASIL* André Monteiro Costa** Centro de pesquisas Aggeu Magalhães/ Fundação Oswaldo Cruz. Engenheiro Sanitarista, Mestre em Saúde Pública (ENSP/ FIOCRUZ), Doutorando em Saúde Pública (ENSP/ FIOCRUZ), Pesquisador Visitante (NESC, CPqAM/ FIOCRUZ). Carlos Antonio Alves Pontes Centro de pesquisas Aggeu Magalhães/ Fundação Oswaldo Cruz Carlos Henrique de Melo Fundação Nacional de Saúde Regina Célia Borges de Lucena Centro de Pesquisas Aggeu Magalhães/ Fundação Oswaldo Cruz Fernando Ramos Gonçalves Centro de pesquisas Aggeu Magalhães/ Fundação Oswaldo Cruz Evania Freires Galindo Centro de pesquisas Aggeu Magalhães/ Fundação Oswaldo Cruz (*) Pesquisa financiada pela Fundação Nacional de Saúde/ Ministério da Saúde (**) Endereço do autor principal: Centro de Pesquisas Aggeu Magalhães Departamento de Saúde Coletiva Av. Prof. Moraes Rego, s/n, Cidade Universitária Recife Pernambuco - CEP: 50.670-420 - Brasil. Fone: 0xx61 (81) 3302-6506; Fax: 0xx61 (81) 3302-6514. e-mail: andremc@cpqam.fiocruz.br Pesquisa financiada pela Fundação Nacional de Saúde/ Ministério da Saúde RESUMO Um estudo descritivo foi desenvolvido utilizando os dados do Censo Demográfico de 2000 e Pesquisa Nacional de Saneamento Básico, realizados pelo IBGE, utilizando variáveis relativas às condições de habitação no Brasil, para o ano de 2000. Foram encontradas diferenças regionais marcantes em relação às variáveis de densidade domiciliar, serviços de saneamento (abastecimento de água e esgotamento sanitário), existência de racionamento de água e existência de banheiro ou sanitário, que apresentam piores condições nas regiões Norte e Nordeste. Isto se reflete na presença de morbi-mortalidade por Doenças Relacionadas a um Saneamento Ambiental Inadequado (DRSAI), com maiores taxas de internação por Diarréias nestas regiões. Palavras-chave: saneamento; habitação; saúde ambiental INTRODUÇÃO O conceito de habitação inclui não só a estrutura física, mas também o espaço geográfico e social que ocupa, além das funções que seus moradores a conferem. Logo, elementos de ordem sócio-econômica e cultural imprimem diferenças de disponibilidade e qualidade da habitação, resultando em fatores ambientais que repercutem sobre a saúde e qualidade de vida de seus moradores (Moraes, 2002). A habitação tem sido considerada um importante espaço de transmissão de várias doenças. Cairncross et al. (1996) definem os domínios público e doméstico enquanto rotas de transmissão de doenças infecciosas, observando a importância de intervenções em ambos, de modo a interromper a transmissão. Na classificação ambiental para doenças infecciosas, proposta por Cairncross e Feachem (1993), as infecções podem ser relacionadas com a habitação a partir de quatro fatores: Localização da habitação, que pode favorecer o contato com vetores de algumas doenças, como Malária e Doença do Sono; A forma como a estrutura e localização da habitação favorecem a promoção de higiene doméstica, o que está relacionado com doenças feco-orais e as relacionadas com 1
higiene; Condições de ventilação, temperatura, umidade e densidade de moradores da habitação podem favorecer infecções transmitidas pelo ar, como as infecções respiratórias; As condições de habitação podem favorecer a proliferação de ratos, insetos ou animais domésticos, reservatórios em potencial de várias doenças infecciosas. Assim, diversas doenças infecciosas têm sido relacionadas com as condições de habitação no Brasil, principalmente as diarréias infecciosas, infecções respiratórias agudas e a Dengue, que ressurgiu de maneira importante no cenário nacional nesta década (Barata et al., 1997; Waldman et al., 1997; Tauil, 2001). OBJETIVO Descrever e analisar o perfil das condições de habitação no Brasil e Unidades Federativas no ano de 2000, considerando características sócio-econômicas e ambientais relacionadas com a saúde. METODOLOGIA/ ATIVIDADES DESENVOLVIDAS Um estudo descritivo foi desenvolvido utilizando os dados do Censo Demográfico de 2000 e Pesquisa Nacional de Saneamento Básico, realizados pelo IBGE. Foram selecionadas algumas variáveis relativas às condições de habitação: entre as características sócio-econômicas, foram estudadas a densidade domiciliar (regiões e estados) e tipo e condição de ocupação (regiões); como condições ambientais, foram estudados os serviços de saneamento (abastecimento de água e esgotamento sanitário), inadequação de instalações hidrossanitárias (áreas urbanas e rurais), existência de racionamento de água (distritos), existência de banheiros ou sanitários (regiões) e existência e número de banheiros (estados). RESULTADOS Características Sócio-Econômicas DENSIDADE DOMICILIAR A distribuição de densidade domiciliar, expressa em termos de número de moradores por domicílio, mostra valores mais elevados nas regiões Norte e Nordeste (Figura 1). Esta característica está associada a doenças como resfriados, tuberculose, meningites e infecções respiratórias, que têm sua transmissão facilitada pela existência de um espaço limitado para o número de habitantes (Barceló, 1999). 5,00 4,50 4,00 3,79 4,59 4,19 3,58 3,48 3,69 3,50 3,00 2,50 2,00 1,50 1,00 0,50 Figura 1 Distribuição da densidade domiciliar segundo regiões. Brasil, 2000. 2
A distribuição da densidade domiciliar por estados mostra que todos os estados das regiões Norte e Nordeste, com exceção de Rondônia, possuem valores superiores a 4 moradores por domicílio (Figura 2). Os estados com maiores valores são Amazonas (4,93), Amapá (4,84) e Pará (4,73). 6,00 5,00 4,00 3,00 2,00 1,00 NORTE NORDESTE SUDESTE SUL CENTRO-OESTE Figura 2 Distribuição da densidade domiciliar segundo regiões. Brasil, 2000. TIPO E CONDIÇÃO DE OCUPAÇÃO O tipo de domicílio mostra quadros diferenciados nas várias regiões, embora predomine no país o tipo casa (89,4%). As regiões Norte e Centro-Oeste apresentaram maiores percentuais de domicílios do tipo cômodos, enquanto Sul e Sudeste apresentaram percentuais maiores de tipo apartamento em relação às demais regiões (Figura 3). 105,00 10 95,00 % 9 CÔMODO APARTAMENTO CASA 85,00 8 75,00 Figura 3 Distribuição dos domicílios segundo tipo. Brasil e regiões, 2000. Quanto à condição de ocupação, observa-se o predomínio de domicílios próprios em todas as regiões, com média de 74,35% para o país. Na região Sudeste há uma proporção de domicílios alugados e no Centro-Oeste, de domicílios alugados, maiores em relação às demais regiões. Em ambas, as proporções de domicílios próprios são menores que a média nacional (Figura 4). 3
10 9 8 7 6 % 5 4 OUTROS CEDIDO ALUGADO PRÓPRIO 3 2 1 Figura 4 Distribuição dos domicílios segundo condição de ocupação. Brasil e regiões, 2000. Características Ambientais SERVIÇOS DE SANEAMENTO: ABASTECIMENTO DE ÁGUA E ESGOTAMENTO SANITÁRIO A região Sudeste apresenta índices mais satisfatórios de cobertura de serviços de água e esgoto, de respectivamente 88,3 e 73,4%. As regiões Centro-Oeste e Sul, embora apresentem percentuais de cobertura de água mais próximos à média nacional (77,8 e 73,2%), apresentam percentuais baixos de cobertura de esgoto, de respectivamente 33,3 e 29,6%, embora estes sejam ainda menores nas regiões Norte (9,6%) e Nordeste (25,1%), o que pode estar relacionado à grande prevalência de doenças diarréicas nestas regiões, como pode se observar na Figura 5. 10 60 9 88,33 8 77,82 73,42 73,19 77,82 50 7 66,39 40 % 6 5 4 3 47,24 48,01 25,11 29,56 33,27 30 20 TI/ 100.000 hab 2 1 9,64 10 ÁGUA ESGOTO TI-diarréias Figura 5 - Distribuição da cobertura de água e esgoto e taxas de internação por diarréias segundo regiões. Brasil, 2000. ÁGUA = percentual de domicílios ligados à rede geral de água; ESGOTO = percentual de domicílios ligados à rede geral de esgoto ou pluvial. INADEQUAÇÃO DE INSTALAÇÕES SANITÁRIAS È importante não apenas a existência ou não de serviços de saneamento, mas também a sua adequação em termos de tipo e qualidade das instalações domiciliares. Considerou-se como abastecimento de água inadequado na área urbana aquela ligada à rede geral sem canalização interna e outras formas (poço ou nascente, outras). Na área rural, inadequação refere-se à rede geral ou poço/nascente sem canalização interna e outras formas. Considera-se inadequação do 4
esgotamento sanitário, os domicílios cujos banheiros ou sanitários estejam ligados a fossa rudimentar, vala, rio, mar, ou outro escoadouro, ou ainda, não possuam banheiro ou sanitário. Dessa forma, cerca de 15,1% (5.638.690) dos domicílios na área urbana e 57,6% (4.300.452) na área rural têm abastecimento de água inadequado, enquanto que 28% (10.436.359) dos domicílios na área urbana e 87,1% (6.498.292) na área rural foram considerados com destino inadequado de dejetos, o que pode facilitar a transmissão de várias doenças infecciosas, como aquelas do ciclo de transmissão feco-oral. Com relação à existência de racionamento de água, em cerca de 19,7% dos distritos brasileiros abastecidos existe racionamento, por diferentes motivos e em freqüências variadas (Tabela 1). Nas regiões Nordeste e Norte estes percentuais são maiores que a média nacional, de respectivamente 29,2 e 23,4% (PNSB, 2002). TABELA 1 Distribuição dos distritos abastecidos segundo existência de racionamento. Brasil e regiões, 2000. Distritos abastecidos Total de distritos Total Racionamento % BRASIL 9 848 8 656 1.651 19,07 Norte 607 512 115 22,46 Nordeste 3 084 2 550 714 28,00 Sudeste 3 115 3 008 1.210 40,23 Sul 2 342 1 967 169 8,59 Centro-Oeste 700 619 69 11,15 EXISTÊNCIA DE BANHEIRO OU SANITÁRIO Segundo a definição do IBGE (2001), banheiro é o cômodo que dispõe de chuveiro ou banheira e aparelho sanitário, enquanto sanitário é o local limitado por paredes de qualquer material, coberto ou não por um teto, que dispõe de aparelho sanitário ou buraco para dejeções. No Brasil um total de 3.705.308 domicílios não possui banheiro ou sanitário, sendo que cerca de 83% destes estão localizados nas regiões Nordeste e Norte, que apresentam os quadros mais precários em relação à existência de banheiro ou sanitário (Figura 6). 10 9 8 7 6 % 5 4 NÃO SIM 3 2 1 Figura 6 - Distribuição dos domicílios segundo existência de banheiro ou sanitário. Brasil e regiões, 2000. EXISTÊNCIA E NÚMERO DE BANHEIROS Quando se considera a existência apenas de banheiro e seu número, as desigualdades regionais revelam-se ainda mais gritantes. Mais da metade dos domicílios nos estados da região Norte não possuem banheiro, na região Nordeste, este percentual é de 37,6 e no Centro-Oeste, 12,1%. Nas regiões Sul e Sudeste estes percentuais ficam abaixo de 10%. Os estados com pior situação são Acre e Pará na região Norte, e Maranhão e Piauí no Nordeste (Figura 7). 5
10 9 8 7 6 % 5 4 NÃO TINHAM 2 OU MAIS 1 3 2 1 BR RR RO TO AP AM PA AC SE PE RN PB BA AL CE PI MA RJ ES SP MG RS PR SC GO MS MT DF NORTE NORDESTE SUDESTE SUL CENTRO-OESTE Figura 7 - Distribuição dos domicílios segundo existência e número de banheiros. Brasil, por estados, 2000. CONCLUSÕES O perfil das condições de habitação no país segundo informações do Censo Demográfico de 2000 mostra um predomínio de habitações do tipo casa, com cerca de 3,8 moradores por domicílio. Um total de 16,9 milhões de habitações onde residem cerca de 70 milhões de pessoas - possuem destino inadequado de dejetos, enquanto que cerca de 5,6 milhões de domicílios na área urbana e 4,3 milhões na área rural possuem abastecimento de água inadequado. Em relação às condições ambientais do domicílio, que possuem estreita relação com condições de saúde, há uma marcante desigualdade regional, principalmente no que diz respeito ao tipo de esgotamento sanitário e existência de banheiro, características que apresentam quadro mais precário nas regiões Norte e Nordeste. Este quadro aponta para a presença marcante de morbi-mortalidade por Doenças Relacionadas a um Saneamento Ambiental Inadequado - DRSAI no país (Costa et al., 2002; Pontes et al., 2002), que se expressa fortemente através das internações e óbitos por diarréias infecciosas, principalmente nas regiões Norte e Nordeste do país. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS WALDMAN, Eliseu; BARATA, Rita de Cássia; MORAES, José Cássio; GUIBU, Ione; TIMENETSKY, Maria do Carmo (1997). Gastroenterites e infecções respiratórias agudas em crianças menores de 5 anos em área da região Sudeste do Brasil, 1986-1987. II- Diarréias. Revista de Saúde Pública, 31 (1): 62-70. COSTA, André M. C.; PONTES, Carlos A.; CASTRO, Claudia C.; GALINDO, Evania F.; GONÇALVES, Fernando R.; LUCENA, Regina C. B (2001). Impactos decorrentes de agravos relacionados a um saneamento ambiental inadequado sobre a mortalidade do Sistema Único de Saúde (SUS), Brasil, 1996 a 2000. VI Congresso Brasileiro de Epidemiologia. PONTES, Carlos A.A.; COSTA, André M.; GALINDO, Evania F.; LUCENA, Regina C. B.; GONÇALVES, Fernando R.; CASTRO, Claudia C. L.; MELO, Carlos H (2001). Impactos decorrentes de agravos relacionados a um saneamento ambiental inadequado sobre a morbidade do Sistema Único de Saúde (SUS), Brasil, 1996 a 2000. VI Congresso Brasileiro de Epidemiologia. CAIRNCROSS, Sandy; FEACHEM, Richard (1993). Environmental Health Engineering in the Tropics: an introductory text. Chichster (Inglaterra): Wiley. CAIRNCROSS, Sandy and cols. The public and domestic domains in the transmission of disease. Tropical Medicine and International Health 1996, V. 1 (1): 27-34. BARATA, Rita de Cássia; WALDMAN, Eliseu; MORAES, José Cássio; GUIBU, Ione; ROSOV, Tatiana; TAKIMOTO, Sueko (1996). Gastroenterites e infecções respiratórias agudas em crianças menores de 5 anos em área da região Sudeste do Brasil, 1986-1987. I Infecções respiratórias agudas. Revista de Saúde Pública, 30 (6): 553-63. TAUIL, Pedro Luiz. Urbanização e ecologia do Dengue (2001). Cadernos de Saúde Pública, 17 (supl.). 6