Peça teatral Aldeotas : processos de criação e relações entre o teatro narrativo, a encenação e a voz cênica do ator Gero Camilo.
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- Lucca Faria Paiva
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1 Peça teatral Aldeotas : processos de criação e relações entre o teatro narrativo, a encenação e a voz cênica do ator Gero Camilo. Palavras-chave: teatro narrativo; corpo vocal; voz cênica. É comum que uma peça teatral aconteça com presença de cenário, mas nem sempre isso é fundamental, o teatro fornece ao diretor a possibilidade de escolha. Os atores de uma peça podem desenvolvê-la enfocando especialmente a expressão corporal e criação vocal. Quando a escolha da encenação não está focada numa carpintaria teatral (figurinos, luz, cenário, adereços, espaço cênico etc), que revele o desenrolar da trama, o ator pode ter como substância de preenchimento do espaço cênico a voz e o corpo. Essa opção de teatro tem sido experimentada e conceituada por Denise Stoklos como teatro essencial, que não deixa a atuação se reduzir a uma interpretação regional, temporal ou imediata, o ator pode trabalhar livremente. Como ela ressalta: este é o estilo que toca a magia da composição com o ator presente em cena. (STOKLOS, 1987) A peça teatral Aldeotas, escrita pelo ator Gero Camilo, produzida na ausência de cenário, pode ser entendida como teatro narrativo e essencial, pois o trabalho é todo pautado nas interpretações dos atores. Para Grotowski (2007) o teatro pobre é justamente isso, o teatro sem maquiagem, cenário e figurinos. Este estilo trabalha na eliminação do supérfluo, porém não pode existir sem a relação direta entre ator e espectador. No gênero literário narrativo, o narrador tem a intenção de comunicar algo aos que estão sentados ao seu redor, ao público, e mais do que exprimir a si mesmo ele parece conhecer a fundo o personagem, seus trejeitos, ações, pensamentos e emoções. O narrador quando internaliza seu personagem, o faz com suas marcas pessoais e impressões, desse modo o que o público recebe são informações advindas de um determinado ponto de vista. (BENJAMIN, 1994) Segundo Stanislavski (1986), em um primeiro momento de suas reflexões teatrais, a caracterização exterior do ator (corporal) deve ser desenvolvida a partir de si mesmo e de outros; retirando-a da experiência de vida do ator e de observações que o mesmo faz de pessoas ao seu redor. Um recurso importante para o ator é compreender como é viver a vida de outra pessoa, entregando-se totalmente a essa caracterização.
2 Para Grotowski (2007) a voz é conduzida por impulsos provenientes do corpo do ator. Ele relata que o ator não deve se preocupar com o instrumento vocal, e sim esquecê-lo, trabalhando com o corpo. Ressalta que os atores: Deveriam trabalhar como se corpo cantasse, como se o corpo falasse. Para ele, a voz é a extensão do corpo. (Grotowski, 2007, p. 159) A voz no teatro narrativo, e em uma ocasião em que não haja a carpintaria teatral em sua totalidade, tem uma aguçada função de levar ao espectador a magia de descobrir a cena através das entonações, pausas e todas as alterações na fala feitas pelo ator. A voz do ator tem que estimular e ocupar o espaço interior do espectador para que ele reflita sobre o relatado e se situe no desenrolar da trama. A peça Aldeotas, objetivo de nosso estudo, foi produzida de tal modo a cativar o público fazendo com que esse não perca a seqüência da representação. A peça teatral é marcada por trechos narrativos e a entrada em cada cena é anunciada, através do título, por um dos atores, de forma épica narrativa. Complementada com trechos musicais a história se tornou um conto agradável de se ouvir e sentir. A diversidade de usos expressivos no teatro narrativo é complexa e instigante. Deste modo, o objetivo desta pesquisa é identificar as medidas tomadas para criação vocal, no teatro narrativo, da peça teatral Aldeotas, atuada e escrita por Gero Camilo. Sinopse 1 da peça teatral Aldeotas, do ator Gero Camilo. Em uma obra lúdica feita com muita poesia, o personagem Levi narra em flashes os melhores momentos de sua infância e juventude, vividos com seu grande amigo Elias na pequena cidade de Coti das Fuças. No desenrolar desta história, Levi faz viagens ao mundo imagético vivenciando com Elias as intrigas, romances, amores não correspondidos e até mesmo uma grande fuga. Uma peça com uma narrativa instigante. 1 Sinopse feita livremente, pela autora, a partir da leitura da peça Aldeotas e de ter assistido ao espetáculo mais de uma vez.
3 O método desta pesquisa foi desenvolvido, partindo da leitura destas peças e da ida ao espetáculo Aldeotas : os dados foram levantados por meio de entrevista semiestruturada com o ator Gero Camilo, a fim de compreender, neste processo de montagem, as relações entre a escrita dramatúrgica narrativa, a criação vocal de seu personagem, a encenação no teatro narrativo e a emissão final de sua voz em cena. A entrevista foi organizada em torno de três questões norteadoras, abordando tais aspectos. Discussão Ao estabelecer-se relações entre a apropriação textual e a encenação, do ponto de vista de Denise Stoklos e também de Gero Camilo: O texto dramatúrgico dá liberdade ao encenador de como pensar a voz. Gero confirma a pesquisa de Grotowski (2007) quando afirma que a construção vocal não é pensada isoladamente, pelo contrário, essa construção vem do corpo do ator. O que nos ajuda a entender um pouco é o relato do ator, a respeito da construção do gestual e dos aspectos vocais, a partir da consciência corporal feita através dos ossos. Foram trabalhados os ossos da perna, fíbula e tíbia, a percepção entre esses ossos e o corpo do ator. A peça Aldeotas traz momentos da infância dos personagens; o ator inicia o trabalho, com os ossos escolhidos, explicando que as crianças têm uma interação muito grande eles. Existe uma relação entre esses ossos e o chão, o estar perto do chão e poder se mover com eles ao encontro da base do corpo. Essa percepção foi trabalhada para construção do personagem criança. O trabalho proprioceptivo do corpo é também destacado por alguns estudos de Grotowski (2007), em que é ressaltada a importância de trabalhar com diversos vibradores e ressonadores, lhes entregando a uma única finalidade: a de nos fazer entender que a nossa voz não é limitada. Podemos experimentar fazer qualquer alteração na voz que seja necessária para a criação de um personagem. Baseado neste estudo de Grotowski, o ator Gero Camilo ressalta que essas alterações podem ser feitas por meio de exercícios que se faz de bater pra ouvir a ressonância interna do osso e trabalhar com o som a partir do som da caixa (de ressonância); é importante ter a consciência da caixa pra quando subir (no palco) você saber colocar, você tem que pensar por outros caminhos (a construção vocal).
4 Utilizando-se de uma técnica desenvolvida na montagem do espetáculo, chamada de quem 2, o ator discorreu sobre a criação do personagem e seus aspectos vocais, bem como a díade corpo e voz. Comprovando a investigação de Stanislavski (1986), que prioriza o fato da criação ser desenvolvida a partir de si mesmo e de observações que o ator faz a respeito de outros. Conclusão As medidas tomadas pelo autor e ator de Aldeotas direcionaram-se no sentido de equilibrar a construção vocal e a construção gestual da peça, para que uma construção surgisse da outra, mostrando que não se constitui nada isoladamente. A construção da voz necessitou do trabalho íntimo com o corpo. Essencialmente baseado no corpo, o trabalho com a voz na peça foi apropriado por Gero Camilo devido ao ambiente estimulante que se encontrava: a voz constituía-se, reforçada pela liberdade gerada pelos papéis que Gero desempenhava na criação de autor e atorcriador. Os recursos vocais foram utilizados como estratégia para captar a atenção do espectador em todos os momentos da peça, considerando que, no palco, o ator contava fundamentalmente com o seu corpo e a sua voz para compor o ato teatral narrativo. Constatou-se que a criação das características vocais de um personagem demanda esforços investigativos de todo o corpo do ator. O gênero teatral escolhido, narrativo, permite e exige que o ator tome conta do espaço cênico e trabalhe para manter o equilíbrio entre medidas criativas vocais e corporais, em complementaridade. A Fonoaudiologia possui amplo campo de atuação teatral, fornecendo suporte técnico e criativo para os atores, na construção de um corpo vocal para os personagens. A parceria entre fonoaudiólogo e ator pode ser profícua e potente para constituição de um campo criativo da peça encenada. 2 Segundo o ator, a idéia de Quem é o que se passa pelo corpo do ator num determinado momento, quem passa (personas, estados psicofísicos) e como o ator estabelece a relação com a improvisação e o reconhecimento desse quem ; sabendo equilibrar a expressão sem a fixação, pois logo no instante seguinte já deve mudar. São quens no sentido de proposições de estados psicofísicos que o ator pode experimentar ao longo do processo de ensaio. Seria o similar ao se mágico, descrito por Stanislavski (1986).
5 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BENJAMIN W. Magia e técnica, arte e política: ensaios sobre literatura e história da cultura. 7ª edição. São Paulo: Editora Brasiliense; p. 205, p. 78 FLASZEN L, POLLASTRELLI C (orgs.). O teatro laboratório de Jerzy Grotowski São Paulo. Perspectiva; SESC, Pondetera, IT: Fondazione Pondetera Teatro, p. 159, STANISLAVSKI C. A construção do personagem. 4ª edição. Rio de Janeiro: Editora Civilização Brasileira; p. 31, 43 STOKLOS D. Manifesto do Teatro Essencial; 1987 Disponível em:
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