Lógica Proposicional Parte 3
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- Derek Festas Campelo
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1 Lógica Proposicional Parte 3 Nesta aula, vamos mostrar como usar os conhecimentos sobre regras de inferência para descobrir (ou inferir) novas proposições a partir de proposições dadas. Ilustraremos esse processo em alguns problemas lógicos. Posteriormente, discutiremos esses problemas lógicos são análogos ao processo de demonstrar teoremas. 1. Problemas Lógicos Veremos aqui alguns problemas simples que envolvem o uso de inferência lógica. Em geral, eles fornecem algumas afirmações que servem de premissas (ou hipóteses). Então, a partir delas, você deve chegar a uma conclusão sobre o valor-verdade de outra afirmação. Para resolver esses problemas, aplicaremos, repetidamente, as regras de inferência nas premissas dadas, formando um argumento lógico. O primeiro exemplo, abaixo, é dado diretamente por meio de fórmulas lógicas. Exemplo 1: Com base nas premissas abaixo, diga se d é ou não verdade: (I) a b (II) a (III) c d (IV) c b A tabela abaixo apresenta o argumento lógico que resolve este problema. Em cada passo do argumento, destacamos uma proposição que pode ser: o uma premissa o uma conclusão obtida da aplicação de uma regra de inferência. 1
2 Passo Proposição Origem da Proposição 1. a b Premissa I 2. a Premissa II 3. b Modus Ponens (de 1 e 2) 4. c b Premissa IV 5. c Modus Tollens (de 4 e 5) 6. c d Premissa III 7. d Silogismo Disjuntivo (de 5 e 6) Assim, com base nas premissas deste problema, concluímos que d é verdade. O problema anterior poderia ter sido resolvido também usando uma tabela-verdade. Teríamos que provar que as premissas junto com a conclusão d formam uma grande regra de inferência. O problema é que, com 4 variáveis, a tabela teria 16 linhas! Já em um problema com 10 variáveis, a tabela teria 1024 linhas! Além disso, não sabíamos se d era ou não verdade no início. Por isso, vamos sempre resolver este tipo de problema aplicando regras de inferência já conhecidas. A verdade é que, usando apenas as regras de inferência e as leis de equivalência lógica 1 dadas na aula passada (nos materiais complementares), podemos resolver qualquer problema desse tipo. (Na verdade, dá para ser mais radical: é possível resolver qualquer problema lógico desse tipo apenas com a regra de resolução junto com algumas leis de equivalência. Mas não faremos isso usaremos todas as regras e leis). O próximo exemplo que daremos está em linguagem natural (em português, no caso). Além disso, na resposta deste exemplo, nós usamos algumas leis de equivalência. Exemplo 2: Com base nas informações dadas abaixo, prove que é verdade que Alice vai à igreja : P1 É falso dizer que Marcos e Henrique não vão à igreja. 1 Lembrando que toda lei de equivalência pode ser vista como regra de inferência que vale nos dois sentidos. 2
3 P2 Se Alice não vai à igreja, então Henrique também não vai. P3 Se Marcos vai à igreja, então Henrique vai. Veja que as três afirmações dadas (P1, P2 e P3) são, na verdade, premissas. A partir delas, precisamos concluir que Alice vai à igreja. Antes de resolver esse problema, precisamos representar todas essas afirmações com fórmulas lógicas. Para isso, vamos usar estas variáveis proposicionais: a Alice vai à igreja h Henrique vai à igreja m Marcos vai à igreja Assim, teremos as premissas P1, P2 e P3 representadas pelas fórmulas abaixo: (I) ( m h) (II) a h (III) m h Agora, segue o argumento que comprova a. Veja que iniciamos usando leis de equivalência para alterar as premissas (I) e (III), preparando-as para serem usadas em uma regra de inferência (no passo 6). No entanto, cobrarei questões mais simples. Passo Proposição Origem da Proposição 1. ( m h) Premissa I 2. ( m) ( h) Lei de Equivalência (a partir da 1) 3. m h Lei de Equivalência (a partir da 2) 4. m h Premissa III 5. m h Lei de Equivalência (a partir da 4) 6. h h Resolução (de 3 e 5) 7. h Lei de Equivalência (a partir da 6) 3
4 8. a h Premissa II 9. a Modus Tollens (de 7 e 8) Portanto, diante das premissas, podemos afirmar com segurança que Alice vai à igreja. Um detalhe sobre este argumento é que ele é razoavelmente mais difícil de ser obtido do que o do exemplo anterior. Em especial, por conta da necessidade de usar muitas leis de equivalência (pois existem muitas delas). Veja que esse tipo de problema que estamos tratando pode ser visto uma espécie de quebra-cabeça lógico, em que você tem várias peças à sua disposição, mas precisa descobrir como montá-las, onde: as peças são as premissas, as regras de inferência e as leis de equivalência montar as peças é construir o argumento como uma seqüência de proposições, onde cada uma é uma premissa ou é uma conclusão das premissas. Uma diferença importante em relação aos quebra-cabeças reais é que, aqui, podem sobrar peças! Você tem que escolher adequadamente as peças que são úteis. O mesmo acontece nas demonstrações matemáticas, pois elas são baseadas em argumentos lógicos como os que mostramos aqui. Na Matemática também partimos de premissas para chegar a conclusões e, por isso, também podemos vê-la como um quebra-cabeça. 2. Visão Axiomática da Matemática A Matemática surgiu com base na observação da natureza e com base na intuição humana. Com o tempo, porém, ela passou a ser menos ligada à observação da natureza e a se tornar mais abstrata. Outro movimento moderno, foi uma busca para fazê-la depender menos da intuição humana, tornando-a como um jogo onde todas as regras são apresentadas claramente. 4
5 Em parte, as regras mais básicas do jogo são as regras da Lógica Formal. Na verdade, os matemáticos escrevem e demonstram teoremas na linguagem natural (português, por exemplo) acrescida de notações especiais (para conjuntos, funções, etc). Porém, a Lógica fundamenta o raciocínio por trás de tudo. Toda afirmação da Matemática pode ser interpretada como uma fórmula lógica e as demonstrações matemáticas, em essência, são argumentos lógicos como os que vimos na seção anterior. Como o raciocínio se inicia em premissas, a Matemática também precisa definir o ponto de partida do seu raciocínio. Essas são como as peças iniciais do jogo. As premissas mais básicas para o raciocínio matemático costumam ser chamadas de axiomas. Os axiomas são parte da definição de uma estrutura matemática mais complexa. Aqui vale destacar a diferença entre duas coisas na Matemática: Uma definição é uma descrição que cria (no mundo das idéias) um novo conceito matemático, a partir de conceitos já existentes. Uma demonstração (ou prova) é um argumento lógico que explica porque uma dada afirmação (envolvendo as definições) é verdadeira. Segue um exemplo de uma definição axiomática do conjunto N, dos números naturais. Exemplo 1: Definição axiomática do conjunto dos números naturais N (axiomas de Peano): 1. Existe um número natural Todo número natural a tem um sucessor denotado por S(a). 3. Não existe número natural cujo sucessor é Se a b, então S(a) S(b). (Naturais distintos têm sucessores distintos). 5. Todo conjunto não-vazio de números naturais tem um elemento mínimo. (Propriedade da boa ordem). No exemplo 1, só são definidos o zero e uma função sucessor. No entanto, a partir desses dois conceitos, podemos definir todos os outros números naturais assim: 5
6 1 = def S(0) 2 = def S(S(0)) 3 = def S(S(S(0))) 4 = def... Os axiomas costumam ser tão simples quanto possível de modo que, geralmente, não é possível prová-los a partir de outras afirmações mais simples. (Além disso, como são parte da definição, não é preciso mesmo prova-los). Pelo contrário, como dissemos antes, eles são as premissas iniciais usadas como base para provar e definir teoremas sobre os números naturais. Esses teoremas, então, podem ser usados como premissas para demonstrar de novos teoremas. Analogia de uma construção: os axiomas são a fundação, e os teoremas são novos tijolos colocados sobre a fundação ou sobre outros tijolos. Assim, as demonstrações dos teoremas são argumentos lógicos organizados assim: Premissas: axiomas, junto com teoremas provados anteriormente. Conclusão: o teorema em si. Outro Exemplo A primeira definição axiomática da história da Matemática foi a do espaço geométrico Euclidiano. Esta definição, composta de cinco axiomas (ou postulados), foi criada pelo matemático Euclides por volta do século III a.c e foi uma definição influente na Geometria por mais de dois mil anos! No exemplo a seguir, apresentamos uma versão simplificada desta definição. Exemplo 2: Definição axiomática do espaço Euclideano (postulados de Euclides) 1. Dados dois pontos, há um segmento de reta que os une. 2. Um segmento de reta pode ser prolongado indefinidamente para construir uma reta. 6
7 3. Dados um ponto qualquer e uma distância qualquer (um número real) pode-se construir um círculo de centro naquele ponto e com raio igual à distância dada. 4. Todos os ângulos retos são iguais. 5. Por um ponto exterior a uma reta r, passa apenas uma reta s paralela a r. Estes axiomas são a base para a sub-área conhecida como Geometria Euclideana. No entanto, nos dois últimos séculos, surgiram geometrias não-euclideanas, definidas, em geral, pela modificação do quinto postulado acima. Por exemplo: A Geometria Elíptica (ou Esférica) tem o axioma: por um ponto exterior a uma reta r, passam infinitas retas paralelas a r A Geometria Hiperbólica tem o axioma: por um ponto exterior a uma reta não podemos traçar nenhuma paralela a esta reta Nosso objetivo não é estudar geometrias. Os exemplos acima servem apenas para mostrar o que acontece quando mudamos uma peça do quebra-cabeça lógico que é a Matemática. Vamos estudar sim, a partir da próxima aula, os axiomas do conjunto dos números inteiros Z, que será o ponto de partida das nossas demonstrações. 3. Observações Finais Numa demonstração matemática, não podemos usar uma informação só porque ela faz sentido em nossa intuição esta informação tem que ser um axioma ou um teorema provado a partir deles. Assim, em certo sentido, os axiomas substituem a intuição humana como fonte de informações para demonstrações matemática. Por outro lado, os axiomas dos naturais refletem a razão humana, até porque eles foram criados por matemáticos humanos! Porque Deus amou tanto o mundo que deu o seu Filho Unigênito, para que todo o que nele crer não pereça, mas tenha a vida eterna (João cap. 3, verso 16) 7
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