PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO 34ª Câmara de Direito Privado_

Transcrição

1 TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SÃO PAULO 34 a Câmara Seção de Direito Privado Julgamento sem segredo de justiça: 16 de novembro de 2009, v.u. Relator: Desembargador Irineu Pedrotti Apelação Cível nº (972295/8-00) Comarca de São Paulo - Foro Central Apelante: J. G. da S. F. Apelados: B. I. S. A. e J. O de C. AÇÃO ORDINÁRIA DE INDENIZAÇÃO C. C. PERDAS E DANOS. BEM MÓVEL. AQUISIÇÃO DE VEÍCULO. NEGÓCIO AJUSTADO ENTRE O REQUERENTE E OUTRO, QUE FEZ A AQUISIÇÃO DO BANCO. APREENSÃO POR AUTORIDADE POLICIAL. ACORDO AJUSTADO ENTRE O REQUERENTE E AQUELE ADQUIRENTE. HOMOLOGAÇÃO JUDICIAL. SUB-ROGAÇÃO DO REQUERENTE NOS DIREITOS DO ALIENANTE. LEGITIMIDADE DO BANCO PARA FIGURAR NO PÓLO PASSIVO DA AÇÃO. Nos termos do acordo firmado com aquele de quem o veículo foi adquirido na ação que tramitou pelo Juizado Especial, o Requerente sub-rogou-se nos direitos (do alienante) sobre o veículo discriminado na inicial. O banco Requerido, que vendeu o (veículo) para o primeiro adquirente é parte legítima para figurar no pólo passivo da ação onde se pretende a indenização pela evicção. LEILOEIRO OFICIAL. MANDATÁRIO. ILEGITIMIDADE PASSIVA. O leiloeiro atua como mero mandatário, intermediando o negócio a ser firmado entre o terceiro interessado e o proprietário do bem posto à venda; é parte ilegítima para figurar no pólo passivo da ação de indenização pela evicção de automóvel vendido no leilão. Voto nº Visto, J. G. DA S. F. ingressou com Ação de Indenização contra B. I. S. A. e JOSÉ OSWALDO DE CARVALHO, qualificação e caracteres das partes, sob a proposição afirmativa:... O banco réu delegou ao segundo a alienação, em leilão, do veículo Volkswagen, tipo PARATI PLUS o segundo réu fez publicar no Jornal 'Diário Popular' de 16 de janeiro de 1999 anúncio informando sobre a venda através de leilão No dia do leilão, em 20 de janeiro de 99, o veículo foi adquirido por R$ 2.200,00 (...) do Banco Itaú S. A. por Anderson de Paula o adquirente transmitiu o bem à venda por R$ 2.750,00 para o autor, que ao tentar licenciá-lo não conseguiu porque descobriu que tratava-se de carro que tinha chassi adulterado, tratando-se de produto de remonte de peças, segundo constata o laudo elaborado pela Polícia Técnico Científica em anexo (...) Junta, também cópia do Boletim de Ocorrência elaborado por ocasião da apreensão do carro Os aborrecimentos foram e têm sido intensos, ATÉ O FINAL DESTA, sem contar que ainda perdeu o carro... (folha 3 destaques do original). Requereu: Apelação Cível nº Voto nº M

2 ... a presente indenização por DANOS MATERIAIS E MORAIS... (folha 5 destaques do original). Formalizada a angularidade, os Requeridos, em peças autônomas, apresentaram contestações (folhas 42/48 e 64/68), que foram impugnadas (folhas 80/82 e 83/85). Seguiu-se a prestação jurisdicional:... JULGO EXTINTO sem exame do mérito, o processo (...) fazendo-o com fundamento no artigo 267, VI, do Código de Processo Civil. Em face do princípio da sucumbência, condeno o autor a ressarcir os réus pelas custas e despesas processuais despendidas, corrigidas a partir das datas dos respectivos desembolsos e a pagar os honorários dos Drs. Advogados dos demandados, que arbitro, por equidade, individualmente em R$ 400,00... (folha 135). J. G. DA S. F. interpôs recurso de apelação. Aduz:... no caso presente onde existe documento nos autos (...) comprovando que o autor, perante um dos órgãos do aparelhamento judiciário, perante um Magistrado, celebrou acordo com aquele que comprou o veículo em leilão (...) acordo esse com o objetivo de receber do antigo adquirente todos os direitos de posse, domínio e ação sobre o veículo mencionado na ação... (folha 142).... o autor estava sub-rogado nos direitos daquele adquirente está mais do que provado que a venda do veículo, por aquele que adquiriu em leilão para o autor, deixa patente que a primeira venda não estava perfeita, tendo o próprio Anderson de Paula, começado a trilhar o caminho do sofrimento pelo fato do chassi estar adulterado, culminando com Laudo da Polícia Técnica e apreensão do carro (...) a transação judicial (...) colocava o autor no lugar do comprador original junto ao Banco... (folhas 144 e 145). B. I. S. A. e J. O. DE C., em peças autônomas, apresentaram contra-razões com defesas sobre as suas posições jurídicas (folhas 151/154 e 156/159). Relatado o processo, decide-se. Para propor ou responder ação é necessário ter interesse e legitimidade 1. O interesse processual reflete-se na necessidade do pedido da sentença de mérito e na utilidade dessa prestação jurisdicional. Legitimidade é o consentimento dado pelo ordenamento jurídico para que alguém se afirme, em juízo, como titular de um direito material. O pedido é juridicamente possível quando não encontrar óbice ou proibição legal. São as "condições da ação" matéria de ordem pública que pode e deve ser apreciada em qualquer época e grau de jurisdição. O Requerente será considerado carecedor da ação quando não estiverem presentes todas as suas condições (legitimidade, interesse e possibilidade jurídica do pedido). J. G. DA S. F. ingressou com Ação de Indenização contra B. I. S. A. e JOSÉ O. DE 1 - Código de Processo Civil, artigo 3º. Apelação Cível nº Voto nº M

3 C., para indenização pela evicção, do veículo marca Volkswagen, Parati Plus, cor bege, chassis nº 9BWZZZ30ZGT114121, adquirido de A. DE P. que o comprou em leilão... por R$ 2.200,00 (...) do Banco Itaú S. A.... (folha 3). J. O. DE C. sustentou na contestação:... O Leiloeiro Oficial, mero mandatário, não é parte legítima (...) já que não pode vender e nem o faz, bens de sua propriedade, apregoando a venda por ordem e conta do Comitente Vendedor... (folha 42).... a aquisição de bens em Leilão Oficial envolve riscos que todos os pretendentes conhecem e levam em conta na formação dos valores que vão oferecer em lances Não há assim, como se atribuir ao leiloeiro a responsabilidade de revisar e periciar o bem de sorte a garantir o estado de um veículo comercializado em qualquer revendedor ou loja de automóveis... (folha 36). B. I. S. A. aduziu:... é parte (...) ilegítima para figurar no pólo passivo desta ação, uma vez que jamais manteve qualquer relação com o autor da presente demanda O questionado veículo foi objeto de financiamento entre o Sr. Zozeval Garvez dos Santos e a revendedora de automóveis Thunder Veículos Ltda O Sr. Zozeval tornou-se inadimplente (...) e entregou o veículo (...) em para Leilão O veículo foi à Leilão, cujo responsável é co-réu na presente ação, sendo arrematado pelo Sr. Anderson de Paula O arrematante (...) por sua vez vendeu o questionado veículo ao autor da ação (...) o autor deveria ter movido a ação contra o Sr. Anderson... (folha 65).... vem (...) denunciar a lide a empresa T. V. L. e o Sr. Z. G. DOS S... (folhas 65/66).... a alegada ocorrência adulteração não induz responsabilidade do banco contestante. Se provada a culpa e o dano a responsabilidade pela reparação será da revendedora ou dos antigos proprietários do veículo... (folha 68). Em 31 de julho de 2000 o Requerente peticionou:... o autor subrogou-se em todos os direitos de Anderson, conforme acordo celebrado nos autos do processo 2.155/99 da Comarca de Itaquera, homologado em Em anexo petição de acordo e homologação judicial... (folha 83). A r. sentença reconheceu a ilegitimidade dos Requeridos para responder pela ação e julgou extinto o processo sem apreciação do mérito. Evicção, derivado do latim evictio, de evencere, corresponde a desapossar judicialmente. Em razão da origem pode-se dizer que consiste no ato pelo qual um terceiro desapossa alguém da coisa ou do direito, que se encontrava em sua posse, por ter direito a Apelação Cível nº Voto nº M

4 ela. Em termos mais simples: consiste na tomada da coisa ou do direito real, detida por outrem, embora por justo título. A evicção decorre de sentença que atribui ao evencente o direito sobre a coisa, pela qual ele se assegura no direito de evencer a coisa ou o direito, que não se encontrava sob sua posse o domínio. Essa a razão em que, não raro, é confundida com a perda da coisa sofrida pelo evicto. Praticamente pode-se afirmar ser esta a conseqüência: o evencente toma a coisa; perde-a o evicto. A ação de evicção é o nome dado ao direito de agir em juízo por parte do evicto, a fim de haver indenização por perda ou dano, ou mesmo a restituição do preço da venda, acrescido dos encargos contratuais e demais prejuízos decorrentes da evicção. Então, uma vez de posse da sentença judicial, haverá título exeqüível de direito. Evicção. Pretensão a indenização decorrente de prejuízo na compra e venda de veículo furtado. Garantia exigível de cada vendedor na longa cadeia de transações. Indenizatória procedente. 2 Contrato. Compra e venda. Rescisão. Impossibilidade de registro de automóvel no DETRAN em razão da ocorrência de evicção. Caracterização. Rescisão do contrato, com a restituição das partes ao estado anterior. Necessidade. Devolução da quantia paga pelo bem, corrigida monetariamente e acrescida de juros de mora, determinada. 3 Apreensão de veículo com número de chassis adulterado, por autoridade policial. Aquisição de automóvel em concessionária não tendo a adquirente qualquer participação na adulteração. Responsabilidade da vendedora evidenciada. Artigo do Código Civil. 4 A evicção é uma forma de garantia, um elemento natural dos contratos onerosos, que se apresenta onde haja obrigação de transferir o domínio, posse ou uso de uma determinada coisa. Como conseqüência, ao alienante cabe resguardar o adquirente dos riscos por ela produzidos, a não ser que estipulem expressamente em sentido contrário, ou seja, pela dispensa da garantia. Tal responsabilidade, independe da boa-fé ou não do vendedor, sendo, no silêncio das partes, subentendida. Inteligência do art , do Código Civil de Precedentes da Corte assentaram que a "existência de boa-fé, diante dos termos do art do Código Civil, não afasta a responsabilidade pelo fato de ter sido o veículo negociado apreendido pela autoridade administrativa, não sendo exigível prévia sentença judicial." 6 Evidenciam as provas: 1. em 20 de janeiro de 1999 o veículo Volkswagen, tipo Parati Plus, cor bege, 2 - ext. 1ºTACivSP Apelação Cível nº /4 Rel. Juiz AUGUSTO MARIN j ext. 1ºTACivSP Apelação Cível nº Rel. Juiz ARY BAUER. 4 - JTA/LEX 159/ STJ Resp / RJ 4ª Turma Rel. Ministro JORGE SCARTEZZINI j STJ REsp / SP 3ª Turma - Rel. Ministro ARI PARGENDLER j Apelação Cível nº Voto nº M

5 chassis nº 9BWZZZ20ZGT foi adquirido do B. I. S. A., em leilão, por Anderson de Paula; 2. esse comprador (Anderson de Paula) transmitiu-o (veículo) para o Requerente J. G. DA S. F. que ao tentar licenciá-lo não conseguiu porque descobriu que tratava-se de carro que tinha chassi adulterado ; 3. o carro foi apreendido (folha 16); 4. em ação proposta pelo Requerente contra Anderson de Paula, que tramitou no Juizado Especial Cível de Itaquera/Guaianazes, Comarca de São Paulo, as partes, em 3 de março de 2000, estabeleceram acordo que foi homologado por sentença "declarando o autor sub-rogado nos direitos decorrentes da posse e domínio do veículo (...) para poder exercitar os direitos de ação com base na discussão dominial, possessória e indenizatória" (folha 87). No acordo formalizado entre J. G. DA S. F. e A. DE P. foi consignado:... Entende os litigantes que o causador do dano ao autor é o Banco Itaú S. A. e o Leiloeiro compete aos alienantes a obrigação de indenizar. Diante disso, via da presente, o réu cede e transfere ao autor toda posse, domínio direitos e ação que possuía e possue sobre o veículo, devendo o autor pleitear na Justiça comum diretamente dos alienantes o que for de direito requerente (...) a homologação do presente no que se refere a transferência dos direitos... (folha 86 destaques do original). Esse acordo foi homologado (por sentença):... JULGO EXTINTO o processo nos termos do artigo 269, inciso III do Código de Processo Civil, declarando o autor sub rogado nos direitos decorrentes da posse e domínio do veículo VW/Parati Plus, ano 86/86 (...) para poder exercitar os direitos de ação, com base na discussão dominial, possessória e indenizatória... (folha 87). Pretendendo contrapor a alegação de ilegitimidade passiva, o Requerente acostou referidos documentos (acordo e homologação judicial) aos autos, sendo concedido aos Requeridos oportunidade para manifestação (folhas 88, 89/94 e 101/102). Não há nulidade no encarte desses documentos (acordo e homologação judicial) após a contestação; além de não serem essenciais para a propositura da ação, foram observados os princípios do contraditório e da ampla defesa. Em atenção ao ajuste, foram transferidos ao Requerente toda posse, domínio, direitos e ação que A. DE P. possuía sobre o veículo discriminado na inicial; o B. I. S. A. parte legítima para figurar no pólo passivo da ação, onde se pretende a indenização pelos danos decorrentes da evicção, sobre o automóvel que ele (Requerido) negociou com A. DE P., o qual posteriormente o alienou ao Requerente. "Não se pode confundir 'documento essencial à propositura da ação 'com Apelação Cível nº Voto nº M

6 'ônus da prova do fato constitutivo do direito'. Ao autor cumpre provar os fatos que dão sustento ao direito afirmado na petição inicial, mas isso não significa dizer que deve fazê-lo mediante apresentação de prova pré-constituída e já por ocasião do ajuizamento da demanda. Nada impede que o faça na instrução processual e pelos meios de prova regulares." 7 Nos termos do artigo 40 do Decreto nº , de 1932, o leiloeiro atua a mando e em nome do mandante, intermediando o negócio a ser firmado entre o terceiro interessado e o proprietário do bem posto à venda. O Requerido J. O. DE C. é parte ilegítima para figurar no pólo passivo da ação. Ação de obrigação de fazer cumulada com indenização. Compra e venda de bem móvel em leilão. Demanda proposta contra o pregoeiro oficial. Qualidade de mandatário da proprietária. Ilegitimidade passiva configurada - Cerceamento de defesa não caracterizado - Inviabilidade de realização de perícia após o uso reiterado por mais de um ano - Reparos realizados por conta do autor - Impossibilidade de aferição da culpa da vendedora - Apelo desprovido." 8 BEM MÓVEL - INDENIZAÇÃO - VEÍCULO AUTOMOTOR ARREMA TADO EM LEILÃO, APREENDIDO PELA AUTORIDADE POLICIAL - ILEGITIMIDADE PASSIVA DO LEILOEIRO, MERO MANDATÁRIO - IMPROCEDÊNCIA DA AÇÃO UMA VEZ NÃO DEMONSTRADA TRANSAÇÃO COM TERCEIRO AUTOR DA DEMANDA - RECURSO IMPROVIDO, EXTINTO O FEITO SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO EM RELAÇÃO AO LEILOEIRO." 9 Há pedido de denunciação da lide (folha 66), matéria que não pode ser aqui enfrentada sob pena de supressão de instância. Mantém-se a extinção do processo por ilegitimidade passiva de J. O. de C.. Reconhece-se a legitimidade do Banco Itaú S. A. no pólo passivo; prossiga-se. Não há condição para o julgamento da matéria faltante. Em face ao exposto, dá-se parcial provimento ao recurso na forma ut supra. IRINEU PEDROTTI Desembargador Relator. 7 - RSTJ 180/ TJSP Apelação nº ª Câm. Rel. Desembargador ANDREATTA RIZZO j TJSP Apelação nº ª câm. Rel. FRANCISCO CASCONI j Apelação Cível nº Voto nº M