Descobrindo a intertextualidade a partir de Harry Potter e a Pedra Filosofal

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1 Descobrindo a intertextualidade a partir de Harry Potter e a Pedra Filosofal Juliane de Souza Nunes de Moura A presente proposta foi elaborada para o 6o ano do Ensino Fundamental e pressupõe um trabalho a ser desenvolvido em um trimestre que inclui a leitura de dois livros, diversas atividades de pesquisa e variadas formas de apresentação de trabalhos. O objetivo do projeto é, além de desenvolver a capacidade de leitura e o gosto por ela, trabalhar uma série de habilidades, como relacionamento de ideias, elaboração de cartazes e blogs, apresentação oral com auxílio de mídias eletrônicas, aliadas ao conceito de intertextualidade. 1. Intertextualidade Segundo Kristeva (1974, p. 64), todo texto se constrói como mosaico de citações, todo texto é absorção e transformação de um outro texto. Isso significa que nenhuma obra literária surge do nada: é o produto de uma série de leituras, conhecimentos e experiências que fizeram parte da vida do autor e que vieram a servir de intertextos para a sua obra. Jenny (1979, p.13) evidencia isso ainda mais ao dizer que, para Kristeva, texto é sinônimo de sistema de signos, quer se trate de obras literárias, de linguagens orais, de sistemas simbólicos sociais ou inconscientes. Assim podemos perceber que não apenas textos escritos formam a intertextualidade de uma determinada obra, como também qualquer traço externo a ela e que aponte para fora dela, como aspectos culturais ou imagens e é justamente isso que o trabalho pretende auxiliar os alunos a compreenderem. Desde o primeiro volume da série Harry Potter, a variada intertextualidade que caracteriza a obra se faz presente através dos nomes das personagens, das personalidades históricas citadas por elas, das disciplinas da escola, dos seres que povoam o mundo mágico, entre outros elementos menos evidentes ou óbvios. Perceber o intertexto é ampliar as possibilidades de leitura, de modo que faz-se paginas.ufrgs.br/revistabemlegal REVISTA BEM LEGAL Porto Alegre v. 4 nº

2 necessário proporcionar aos alunos as condições para fazê-lo. Para tal, esse projeto prevê o desenvolvimento, com a turma, de um trabalho em quatro etapas. 2. Preparação inicial e temas gerais A primeira etapa consiste em uma discussão sobre o que é cultura e os elementos que a constituem, seguida de uma pesquisa a ser feita em grupos pelos alunos para propor a definição de temas levantados durante a conversa ou acrescentados posteriormente pelo professor (história, mitologia, lendas, ciência, símbolos, contos de fada, costumes, religião, valores e princípios). Os grupos produzem cartazes a serem expostos na sala de aula que propiciam elencar onde e como o tema em questão aparece em nossas vidas. Os alunos leem Harry Potter e a Pedra Filosofal durante essa fase do trabalho, procurando identificar traços dos elementos pesquisados no enredo. 3. Trabalho com Harry Potter e seus intertextos A segunda etapa tem por base a leitura feita. A discussão com os alunos sobre o livro culmina em uma listagem de seres mágicos, nomes de personagens e aspectos gerais que constituem intertextos da obra. Os tópicos (bruxaria na história; Nicolau Flamel, alquimia e a Pedra Filosofal; animais e cores das casas e seus significados; disciplinas de Hogwarts; sistema de internato; Cinderela; Patinho Feio), relacionados aos elementos da cultura pesquisados anteriormente, são organizados e direcionados pelo professor que os distribui entre grupos de alunos. Cada grupo pesquisa seu assunto, retornando à obra lida e relacionando-o com ela. Na sequência, desenvolve uma explanação a ser feita à turma com o auxílio de apresentação eletrônica de slides, situando o tópico na história ou na cultura e comparando-o com o seu aparecimento no livro. 4. Uso dos intertextos para chegar a um clássico da literatura paginas.ufrgs.br/revistabemlegal REVISTA BEM LEGAL Porto Alegre v. 4 nº

3 A terceira etapa do trabalho se inicia com a retomada do cartaz sobre mitologia e de uma discussão acerca dos conhecimentos dos alunos referentes àquela de origem greco-romana que direciona a turma à percepção de personagens desses mitos e lendas presentes em Harry Potter e a Pedra Filosofal. A leitura de Metamorfoses, de Ovídio, dá-se nessa fase uma vez que esse texto literário trata de diversos intertextos greco-romanos de Harry Potter (Minerva, Cérbero e Orfeu, Quíron e demais centauros, Argo, Hermione). Esses intertextos não foram incluídos entre os tópicos a serem pesquisados na etapa anterior do trabalho de forma a estimular um primeiro contato através de uma fonte original ao invés das várias releituras comumente encontradas por alunos no início de sua aprendizagem da atividade de pesquisa. 5. Exploração de intertextos em outras fontes A quarta etapa se constitui de uma pesquisa e produção individual dos alunos sobre Ovídio e sua obra, seguida de uma comparação entre os mitos abordados em Metamorfoses e as manifestações culturais (livros, filmes, jogos, desenhos) de sua influência. Os textos desenvolvidos pelos estudantes abordariam preferencialmente uma história e ao menos uma manifestação cultural relativa a ela e seriam publicados, juntamente com fotos e vídeos se necessário, em um blog, tendo esse um texto sobre autor e obra desenvolvido conjuntamente pela turma como introdução. Conclusão O trabalho feito a partir de Harry Potter e a Pedra Filosofal objetiva não apenas levar os alunos a perceberem as relações intertextuais da obra, como aprimorarem e utilizarem sua capacidade de pesquisa e de estabelecer relações entre os assuntos abordados e a forma como aparecem na trama. Ser capaz de buscar novos conhecimentos permite que nos tornemos independentes e responsáveis pelo nosso desenvolvimento intelectual, além de acrescentar subsídios não só à compreensão da obra lida, mas à visão que temos de nossa existência e do mundo. Além das paginas.ufrgs.br/revistabemlegal REVISTA BEM LEGAL Porto Alegre v. 4 nº

4 habilidades acadêmicas, o desenvolvimento dessa capacidade é um dos principais objetivos do projeto. paginas.ufrgs.br/revistabemlegal REVISTA BEM LEGAL Porto Alegre v. 4 nº

5 REFERÊNCIAS JENNY, Laurent. A estratégia da forma. In: Poétique, Revista de Teoria e Análise literárias, n. 27: Intertextualidades. Tradução de Clara Crabbê Rocha. Coimbra: Livraria Almedina, p KRISTEVA, Julia. A palavra, o diálogo e o romance. In: Introdução à semanálise. São Paulo: Perspectiva, p OVÍDIO. As Metamorfoses. Tradução de Antônio Feliciano de Castilho. Rio de Janeiro: Simões, ROWLING, J.K. Harry Potter e a Pedra Filosofal. Tradução de Lia Wyler. Rio de Janeiro: Rocco, paginas.ufrgs.br/revistabemlegal REVISTA BEM LEGAL Porto Alegre v. 4 nº

6 Juliane de Souza Nunes de Moura É formada pela UFRGS em Letras Português- Inglês e tem Mestrado em Teoria da Literatura pela PUCRS, onde trabalhou com uso de literatura no ensino de português e na melhora da capacidade de expressão nessa língua. Tem ainda formação complementar no ensino de língua estrangeira pela University of Miami, instituição em que cursou disciplinas do curso de doutorado e em que lecionou português como língua adicional durante o período de um ano em que residiu em Coral Gables, Flórida. Atua atualmente como professora efetiva do Município de São Leopoldo/RS e como professora substituta do IFRS - Câmpus Feliz. paginas.ufrgs.br/revistabemlegal REVISTA BEM LEGAL Porto Alegre v. 4 nº