INDEFERIMENTO DE REPRESENTAÇÃO Nº 006/2016

Transcrição

1 Registro Atena nº: Registro Administrativo nº: 1656 Natureza: Notícia de fato INDEFERIMENTO DE REPRESENTAÇÃO Nº 006/2016 Cuidam os presentes autos de representações encaminhadas via e endereçadas ao Ministério Público do Estado de Goiás, por meio da qual os representantes noticiam irregularidades supostamente praticadas pelo Departamento Estadual de Trânsito de Goiás DETRAN/GO e pelo Estado de Goiás. Segundo o representante Cláudio César Santa Cruz Modesto, seria ilegal a vinculação do pagamento do seguro obrigatório e relicenciamento anual do veículo ao pagamento do IPVA. Aduziu que estaria ocorrendo constrangimento ilegal e abusivo na forma como o Estado de Goiás juntamente com o DETRAN estariam realizando a cobrança do Imposto sobre a Propriedade de Veículo Automotor IPVA, é dizer, mediante apreensão do veículo, caso seja verificado em blitz de fiscalização que o pagamento está atrasado. O referido representante mencionou ainda o aumento na idade necessária para que o veículo se torne isento do pagamento do IPVA, bem como a antecipação do calendário para o recolhimento do referido imposto seriam ilegais. Para mais, juntaram-se aos autos notícias complementares 1

2 encaminhadas via , com o uníssono questionamento a respeito da cobrança do IPVA no ano exercício de 2016 sobre veículos com mais de 10 e menos de 15 anos de uso, que estariam supostamente sob o benefício da isenção. Os representantes indagaram sobre a existência de direito adquirido à isenção tributária do IPVA e sobre a legalidade da cobrança, porquanto tais veículos já teriam alcançado a benesse da isenção antes da publicação da Lei Estadual de setembro de Foi noticiado pelo representante Francisco Pereira que a antecipação do calendário de pagamento do IPVA para o ano de 2016 irá apenar e prejudicar os contribuintes e pode colaborar para o seu endividamento. Foram juntados aos presentes autos os de registro Atena nº , que noticiaram, ainda, a existência de possíveis irregularidades na medida que vincula a regularização do veículo ao CPF do proprietário e bloqueia a comercialização no caso de débitos. É o relato necessário. representantes reside em cinco pontos: Conforme se verifica, o cerne da discussão encetada pelos VEÍCULO AO PAGAMENTO DO IPVA 1) DA VINCULAÇÃO DO RELICENCIAMENTO DO Da análise das notícias apresentadas à luz da legislação tributária nacional, verificou-se que, em seu artigo 128, o Código Tributário Brasileiro estabelece que não será expedido um novo Certificado de Registro de Veículo enquanto houver débitos fiscais e multas vinculadas ao veículo, independente de quem as tenha dado causa. Nesse mesmo sentido, em seu artigo 131, o Código de Trânsito Brasileiro determina que o o veículo somente será considerado licenciado se estiverem quitados os débitos relativos a tributos, encargos e multas de trânsito e ambientais, vinculadas ao veículo, não dependendo de quem é a responsabilidade pelas infrações 2

3 cometidas. in verbis: Nessa esteira entende o Tribunal de Justiça do Estado de Goiás, APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO CONSIGNATÓRIA FISCAL. CRÉDITOS DE NATUREZA TRIBUTÁRIA. LICENCIAMENTO E IMPOSTO SOBRE PROPRIEDADE DE VEÍCULO AUTOMOTOR - IPVA. 1 - É legítima a vinculação da expedição de licenciamento de veículo automotor ao pagamento de débitos de natureza tributária. 2 - A existência de consignação de parcela de débito tributário, decorrente do fato gerador propriedade de veículo automotor, possui o poder de suspender a exigibilidade de específica parcela, permanecendo inalterada a situação de inadimplência diante dos demais créditos devidamente constituídos. APELAÇÃO CONHECIDA E PARCIALMENTE PROVIDA. (TJGO, APELACAO CIVEL , Rel. DES. FAUSTO MOREIRA DINIZ, 6A CAMARA CIVEL, julgado em 27/11/2012, DJe 1198 de 05/12/2012) Dessa forma, devido à natureza tributária do IPVA, a vinculação do relicenciamento do veículo ao pagamento do tributo encontra-se claramente dentro dos limites da legalidade. COAÇÃO AO PAGAMENTO DO IPVA 2) DA RETENÇÃO DO VEÍCULO COMO FORMA DE Quanto à alegação acerca de suposta ilegalidade na forma como estaria sendo realizada a cobrança dos débitos do veículo, pela coação consubstanciada na retenção do veículo, caso seja verificada em blitz de fiscalização a existência de débitos de IPVA, tal situação se justifica justamente pela conexão existente entre o pagamento do referido imposto e o relicenciamento do veículo. É dizer: a retenção do veículo decorre da falta de relicenciamento do veículo que, por sua vez, somente pode ocorrer se houver o pagamento do IPVA atrasado. 3

4 Aliás, determina o Código Brasileiro de Trânsito que é obrigatório o porte do certificado de licenciamento anual, em seu artigo 133. Dessa forma, caso o condutor esteja com o certificado de licenciamento vencido justifica-se a retenção do veículo, uma vez que o vencimento do licenciamento invalida-o. A retenção do veículo nesse caso específico é determinada pelo artigo 232 do CTB, in verbis: Art Conduzir veículo sem os documentos de porte obrigatório referidos neste Código: Infração - leve; Penalidade - multa; Medida administrativa - retenção do veículo até a apresentação do documento. Nessa perspectiva, posiciona-se o Tribunal de Justiça do Estado de Goiás no sentido de que o não recolhimento do IPVA e a falta de licenciamento do veículo são causas de vedação de sua liberação: MANDADO DE SEGURANÇA COM PEDIDO LIMINAR. DETRAN. APREENSÃO DE VEÍCULO. LIBERAÇÃO CONDICIONADA AO PAGAMENTO DO LICENCIAMENTO ANUAL E IMPOSTO SOBRE A PROPRIEDADE DE VEÍCULOS AUTOMOTORES - IPVA. PARCELAMENTO TRIBUTÁRIO NÃO ADIMPLIDO. EXPEDIÇÃO DO LICENCIAMENTO VINCULADA À QUITAÇÃO DE TRIBUTOS. AGRAVO REGIMENTAL. PREJUDICADO. I - Nos termos do artigo 131, 2º, do Código de Trânsito Brasileiro, O veículo somente será considerado licenciado estando quitados os débitos relativos a tributos, encargos e multas de trânsito e ambientais, vinculados ao veículo, independentemente da responsabilidade pelas infrações cometidas. II - Apesar do impetrante possuir multas de trânsito em aberto, o que veda a liberação do seu veículo é a inadimplência quanto ao recolhimento das parcelas referentes ao Parcelamento Tributário das dívidas vencidas entre 2009 e 2013, de IPVA e licenciamento do automóvel. Assim, não há que se falar em direito líquido e certo a ser amparado. III- A revogação da liminar, concernente à liberação do veículo apreendido, cessa a causa determinante do agravo regimental interposto, ocorrendo a perda superveniente do seu objeto e, por conseguinte, o esvaziamento do interesse recursal. SEGURANÇA DENEGADA E AGRAVO REGIMENTAL NÃO CONHECIDO, POR RESTAR PREJUDICADO. (TJGO, MANDADO DE SEGURANCA , Rel. DR(A). WILSON SAFATLE FAIAD, 6A CAMARA CIVEL, julgado em 29/07/2014, DJe 1599 de 05/08/2014) 4

5 Destarte, não há ilegalidade quanto à retenção do veículo, caso seja verificado que o veículo encontra-se com licenciamento vencido e com débitos de IPVA. 3) DA ALTERAÇÃO DO CRITÉRIO PARA CONCESSÃO DE ISENÇÃO DE PAGAMENTO DO IPVA (ALTERAÇÃO NO ARTIGO 94, INCISO X, DO CÓDIGO TRIBUTÁRIO ESTADUAL PELA LEI /2015) Com relação ao questionamento acerca de irregularidade no aumento da idade do veículo isento do pagamento do IPVA, necessário ressaltar que a concessão de isenções decorre do poder discricionário da Administração Pública, não cabendo a este órgão ministerial efetuar controle de mérito sobre tais decisões. Uma vez observado o princípio da legalidade estrita, da anualidade e da anterioridade, não há providências a serem tomadas. Dessa forma, a decisão de cessar a isenção de IPVA para veículos com mais de 10 anos e menos de 15 anos encontra-se no âmbito do poder discricionário da Administração e não viola a Constituição Federal. No que concerne ao questionamento quanto a legalidade na cobrança do IPVA sobre veículos que eram beneficiados com a isenção antes da publicação da Lei /2015, necessário fazer melhor análise sobre a natureza do tributo e sua cobrança. Estabelece o artigo 16 do Código Tributário Nacional que imposto é o tributo cuja obrigação tem por fato gerador uma situação independente de qualquer atividade estatal específica, relativa ao contribuinte. Assim, infere-se do referido dispositivo legal que o imposto tem como fato gerador uma situação de fato ocasionada pelo contribuinte, que neste caso específico é a propriedade de um veículo automotor. Se a Lei /2015, alterando o inciso X, do artigo 94, do Código Tributário Estadual, determinou a isenção do IPVA somente para veículos com 15 5

6 (quinze) anos ou mais de uso, é de concluir que incidirá sobre todos os fatos geradores que ocorrerem no exercício seguinte, a partir de sua vigência, inclusive sobre a propriedade daqueles veículos que não mais se encaixarem nos requisitos da isenção. É dizer: todos os veículos com menos de 15 anos de uso estão, a partir de 1º de janeiro de 2016, estarão sujeitos a cobrança do IPVA relativamente ao ano-exercício de Isso porque o fato gerador do IPVA, relativamente a veículos adquiridos em exercícios anteriores, ocorre anualmente, no dia 1º de janeiro e sobre ele deve incidir a lei vigente à época de sua ocorrência. Não há que cogitar, também de direito adquirido à isenção tributária, uma vez que tal benefício fiscal terá incidência enquanto a lei autorizadora estiver em vigência. Uma vez revogada a isenção, terá incidência o tributo para todos os fatos geradores ocorridos durante a vigência da lei nova, desde que observado o princípio da anterioridade, o que se verificou no caso ora em debate. Aliás, é remansoso o posicionamento do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça, no sentido de que não há direito adquirido na seara tributária, senão vejamos: EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. IMPOSTO DE RENDA. IMUNIDADE. PROVENTOS DE APOSENTADORIA E PENSÃO. REVOGAÇÃO. EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 20/1998. POSSIBILIDADE. PRECEDENTES. Não há direito adquirido a regime jurídico de imunidade tributária. Ademais, nos termos da jurisprudência da Corte, a disposição revogada não consagrava direito ou garantia fundamental. Agravo regimental a que se nega provimento. (ARE AgR, Relator(a): Min. ROBERTO BARROSO, Primeira Turma, julgado em 07/10/2014, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-215 DIVULG PUBLIC ) PROCESSO CIVIL E TRIBUTÁRIO. VIOLAÇÃO AO ART. 535 DO CPC. NÃO OCORRÊNCIA. INCIDÊNCIA DE ICMS. VIOLAÇÃO DA COISA JULGADA. INEXISTÊNCIA. MUDANÇA DO SUBSTRATO FÁTICO-JURÍDICO. 6

7 1. Recurso especial em que se discute direito de a parte recorrente desobrigar-se de recolher ICMS sobre combustíveis e lubrificantes em razão da coisa julgada. 2. Inexiste a alegada violação do art. 535 do Código de Processo Civil, porquanto a prestação jurisdicional foi dada na medida da pretensão deduzida, conforme se depreende da análise do acórdão recorrido. 3. Não há falar em direito adquirido à imunidade tributária. A incidência do imposto passou a ser permitida após a EC. 33/2001 e a LCP n. 87/1996 (arts. 3, II, 9, 2 ). 4. No caso, é legítima a cobrança de ICMS sobre operações que destinem petróleo, lubrificantes e combustíveis a outro estado, porquanto diverso do substrato fático-jurídico da coisa julgada. Agravo regimental improvido. (AgRg no REsp /DF, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 14/04/2015, DJe 20/04/2015) Assim, é cristalina a legalidade da cobrança de IPVA no anoexercício de 2016 em relação a veículo automotor que anteriormente à publicação da Lei /2015 era beneficiado com a isenção do referido tributo e atualmente não mais preenche os requisitos da isenção tributária. 4) DA ANTECIPAÇÃO DO CALENDÁRIO DE PAGAMENTO DO IPVA NO ANO-EXERCÍCIO DE 2016 No tocante à notícia de que a antecipação do calendário de pagamento do IPVA para o ano de 2016 irá apenar e prejudicar os contribuintes, é necessário esclarecer que é competência do Estado de Goiás estabelecer o valor do referido tributo, bem como definir com liberdade a forma de seu recolhimento, nos termos do artigo 115, inciso III, da Constituição Federal. Sobre a suposta ocorrência de irregularidade na antecipação do calendário, o Código Tributário Estadual ao tratar da geração do referido imposto, dispõe: Art. 91. Ocorre o fato gerador do IPVA: I - na data da primeira aquisição do veículo novo por consumidor final; II - na data do desembaraço aduaneiro, em relação a veículo importado do exterior, diretamente ou por meio de trading, por consumidor final; 7

8 III - na data da incorporação de veículo ao ativo permanente do fabricante, do revendedor ou do importador; IV - na data em que ocorrer a perda da isenção ou da não-incidência; V - no dia 1º de janeiro de cada ano, em relação a veículo adquirido em exercício anterior. Assim, vê-se que conforme a disposição legal, o fato gerador do IPVA, em relação aos veículos adquiridos em anos anteriores, ocorre no dia 1º de janeiro de cada ano. A partir da ocorrência do fato gerador, pode a Administração Tributária efetuar a cobrança do imposto, da forma como regulamentar, razão por que ilegalidade não há na redefinição do calendário de pagamento do tributo. VEÍCULO AO CPF DO PROPRIETÁRIO 5) DA VINCULAÇÃO DA REGULARIZAÇÃO DO No que diz respeito à notícia de que a vinculação da regularização do veículo ao CPF do proprietário seria ilegal, medidas foram tomadas pelo Ministério Público do Estado de Goiás, por meio de recomendação expedida pela 50ª Promotoria de Justiça para que a Portaria 606/2015 do DETRAN/GO fosse revogada. Cumpre esclarecer, ainda, que esta especializada possui atribuições para agir em defesa do patrimônio público e da probidade administrativa, por meio da ação civil pública promovida em defesa dos interesses difusos e coletivos, conforme dispõe a Constituição Federal, in verbis: Art São funções institucionais do Ministério Público: [...] III - promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos; A Constituição do Estado de Goiás, de seu turno, determina: Art São funções institucionais do Ministério 8

9 Público: [ ] III - promover o inquérito civil e a ação civil pública, para proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos; A Lei n.º de 24 de julho de 1985, que disciplina a ação civil pública de responsabilidade por danos causados ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico, em seu artigo 5º, inciso I, com redação dada pela Lei n.º , de 15 de janeiro de 2007, estabelece: Art. 5º Têm legitimidade para propor a ação principal e a ação cautelar: I - o Ministério Público; (Redação dada pela Lei n.º , de 2007) [...] No entanto, a referida Lei 7.347/85 estabelece que não é cabível ação civil pública para a veiculação de pretensões que envolvam tributos, cujos beneficiários possam ser individualmente determinados, vejamos: Art. 1º Regem-se pelas disposições desta Lei, sem prejuízo da ação popular, as ações de responsabilidade por danos morais e patrimoniais causados: [ ] Parágrafo único. Não será cabível ação civil pública para veicular pretensões que envolvam tributos, contribuições previdenciárias, o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço - FGTS ou outros fundos de natureza institucional cujos beneficiários podem ser individualmente determinados. Assim, mesmo que houvesse qualquer irregularidade ou ilegalidade nos fatos noticiados, não caberia a esta especializada impulsionar o Poder Judiciário, na seara tributária, para a defesa de contribuintes determináveis, como é o caso dos autos, porquanto extrapolaria suas atribuições. Postas essas considerações, INDEFIRO a presente 9

10 REPRESENTAÇÃO e determino o ARQUIVAMENTO dos presentes autos, nos termos do artigo 6º da Resolução 011/2014 CPJ. Determino a publicação da presente decisão no Diário Oficial Eletrônico do Ministério Público, em obediência ao artigo 1º do Ato PGJ nº 010/2009, a fim de que o interessado possa, se quiser, interpor recurso ao Conselho Superior do Ministério Público, consoante o artigo 7º da Resolução nº 11/2014 CPJ. Notifiquem-se. Cumpra-se. Goiânia, 28 de janeiro de FABIANA LEMES ZAMALLOA DO PRADO 10