Contabilidade. H S M M a n a g e m e n t 3 j u l h o - a g o s t o
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- Mariana Castel-Branco Bastos
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1 Contabilidade Como garantir a qualidade total nas empresas com a introdução de elementos do método Deming no sistema de contabilidade. Por Joseph F. Castellano, Harper A. Roehm e Donald T. Hughes FINANÇAS 34 Muitas vezes, o programa de qualidade total de uma empresa esbarra no sistema de contabilidade gerencial, tradicionalmente avesso a qualquer transformação na cultura organizacional. Os autores deste artigo mostram como é possível aplicar o pensamento do especialista em qualidade norte-americano W. Edwards Deming ao sistema de contabilidade com o objetivo de garantir que o programa de qualidade total vá até o fim. São abordados aqui os famosos 14 pontos de Deming, que juntamente com Joseph M. Juran ajudou o Japão a começar sua revolução na qualidade no pós-guerra. Embora os pontos sejam interpretados por muitos apenas como uma lista de coisas a fazer, eles têm um verdadeiro poder de transformação sobre uma empresa, afirmam os autores. A mensagem que carregam não fala simplesmente em como alcançar a qualidade total e sim em como ser qualidade total. Aprofundando-se em sua filosofia, depreende-se que Deming se oporia ao uso de metas baseadas em contabilidade para controlar o trabalho ou os processos, prática comum hoje em várias empresas. Se essas metas são alcançadas, analisava o especialista, é pelo medo que os funcionários têm de sofrer sanções, e tal medo pode esconder efeitos colaterais indesejáveis. Além disso, Deming via na classificação e na avaliação de pessoas e departamentos uma falha em entender a natureza da variação. Na prática, os autores sugerem que os sistemas de contabilidade trabalhem com três novos paradigmas influenciados pelos princípios de Deming. O primeiro deles é a colocação dos clientes interno e externo em primeiro lugar, antes dos assim chamados clientes impostos : alta gerência e acionistas. O segundo é a inclusão do gerenciamento de custos na fase de planejamento e desenvolvimento de produtos e serviços e não depois que estes já foram para o mercado. O terceiro e último é o uso preferencial de mensurações de desempenho operacionais, em detrimento de mensurações financeiras. Joseph F. Castellano é professor de contabilidade na Wright State University, de Dayton, Ohio, EUA. Harper A. Roehm é professor de contabilidade na University of Dayton, de Dayton, Ohio, EUA. Donald T. Hughes é controller da Monsanto Corporate Research, de St. Louis, Missouri, EUA. O primeiro elemento do conhecimento profundo de W. Edwards Deming é a compreensão de um sistema. Por sistema, entendemos uma rede de atividades interligadas que são realizadas para alcançar alguma meta ou objetivo predeterminado. Deming afirmou que todo sistema deve ter um alvo e que a organização deve buscar a otimização do sistema inteiro, e não só das unidades individuais. Um sistema também deve criar interdependências entre seus componentes e, quanto maior for o grau de interdependência, maior será a necessidade de cooperação, comunicação e liderança. Isso significa que todos devem trabalhar para alcançar a meta do sistema. E essa é a essência do primeiro item dos 14 pontos de Deming criar constância de propósito. Entender a natureza de um sistema também significa adotar uma nova filosofia, baseada na cooperação, e não na competição. Para criar um clima de cooperação é preciso romper as barreiras entre os departamentos e entre os funcionários (ponto 9). Deming indicou como principais barreiras as metas numéricas e arbitrárias e a administração por objetivos (ponto 11). Ele também mostrou que a maneira de romper tais barreiras é a mudança
2 X qualidade Lorenzo Amengual do sistema de recompensa, que gera medo (ponto 8). O conhecimento da variação e suas implicações O segundo elemento do conhecimento profundo é o conhecimento da variação. Embora, em qualquer processo, a variação seja natural, e até previsível, a empresa deve reduzila. Para isso, precisamos entender que existem duas fontes de variação nos resultados de um processo. A primeira é chamada de variação de causa comum: está sempre presente e deve-se ao processo em si. Alguns exemplos são o projeto dos produtos e componentes e a qualidade das matérias-primas. Deming acreditava que a grande maioria das variações de processo é proveniente de causas comuns. O segundo tipo de variação é chamado de variação de causa especial. Essa variação deve-se a fontes externas ao processo que o impedem de se desenvolver como deveria. Entre os exemplos de variação de causa especial estão a inobservância dos procedimentos por parte dos operadores e acidentes que inteferem na calibragem de um equipamento. A identificação das diferenças entre as causas comuns e as causas especiais das variações é essencial 35
3 36 Na abordagem convencional, o gerenciamento de custos é feito depois de o produto ser oferecido ao cliente. No novo paradigma, faz parte da fase de planejamento e desenvolvimento para o sucesso dos esforços de melhoria contínua de uma empresa. Uma vez que a variação de causa comum é inerente ao sistema e, de acordo com Deming, constitui 94% de todas as variações, os operadores não podem ser responsabilizados por esse tipo de variação. Em verdade, tais variações são problemas do sistema e só a gerência pode mudálo. Também é importante observar que um sistema não pode ser melhorado até que se tenha alcançado seu controle estatístico definido como a ausência de qualquer variação de causa especial. Deming ressaltou que, se por engano a gerência tentar ajustar um processo que está sob controle estatístico, achando que a variação é proveniente de uma causa especial, isso poderá resultar em uma variação ainda maior que a anterior. Também é importante entender que ninguém pode avaliar precisamente qual a capacidade do processo que não se encontra sob controle estatístico. As implicações para a contabilidade gerencial Mesmo que Deming não tenha abordado o projeto e a utilização dos sistemas de contabilidade gerencial em si, a compreensão de sua filosofia levará à conclusão de que ele se oporia ao uso de metas baseadas na contabilidade para controlar o trabalho ou os processos (ponto 11). Deming reconheceu claramente a necessidade de existirem dados financeiros para o planejamento e a destinação de recursos, mas se opunha fortemente ao uso de tais dados para controle e avaliação do desempenho. Ele via a classificação e a avaliação de pessoas, plantas e divisões como uma falha em financeiras desejadas. Tal comportamento não se limita aos relatórios financeiros publicados. Muitos gerentes de divisão, ou de fábrica, por medo de não alcançar as metas numéricas impostas, também sofrem dessa tentação. Muitas vezes, essas metas numéricas são estabelecidas sem que haja avaliação alguma dos recursos que deverão ser empregados para alcançá-las. Esses números tornam-se, então, metas arbitrárias, que propiciam um ambiente de medo e competição, criando barreiras entre os departamentos. O objetivo final é alcançar uma meta, para obter um aumento, para satisfazer o chefe, e não para atender melhor as necessidades do cliente ou para melhorar o processo. Deming acreditava que seria possível chegar aos números estabelecidos na meta; o medo garante isso. Mas a que custo? Quais são as perdas desconhecidas, perguntava ele, que resultam do uso dessas metas contábeis numéricas e arbitrárias? A filosofia de Deming também tem implicações no processo orçamentário. Em várias empresas o processo orçamentário contribui para um ambiente competitivo e para uma atitude de ganhar ou perder. Com muita frequência, o tamanho do orçamento de um gerente é considerado um indicador de seu poder ou de sua influência. Assim, o processo orçamentário resulta na competição entre os departamentos pela destinação dos recursos, e não em um processo em que os recursos estão sendo distribuídos para otimizar o sistema como um todo e para obter maior flexibilidade a fim de atender melhor às necessidades dos clientes. A obrigatoriedade de alcançar metas numéricas também encoraja o pensamento imediatista e um gerenciamento orientado para alcançar os números. Tal comportamento é muitas vezes expresso por cortes gerais de orçamento para resolver problemas financeiros. À medida que as unidades de trabalho se concentram em chegar a suas próprias metas, as preocupações mais abrangentes, como as necessientender a natureza da variação. Deming acreditava que o desempenho que queremos medir deve ser quase totalmente atribuído ao sistema, e não ao indivíduo. A aceitação dessa premissa tem fortes implicações no uso de sistemas padronizados de determinação de custos e de análise da variação para avaliação do desempenho. Quando um sistema é estável ou seja, só há a variação de causa comum, qualquer variação existente pode ser atribuída a ele. Uma vez que somente a gerência pode alterar o sistema, não faz sentido algum recompensar ou punir os funcionários por variações que estão fora de seu controle. Se o nível de variação for inaceitável, o sistema deverá ser alterado para reduzi-lo. Se o sistema não estiver sob controle ou seja, existem causas especiais, os resultados não podem ser previstos. Uma vez que não podemos fornecer nenhuma previsão significativa do resultado de tal processo, para que serviria uma avaliação de desempenho baseada na análise da variação? Além disso, se os funcionários tentarem ajustar os processos estáveis para reduzir variações indesejadas e melhorar seu desempenho, é possível que só piorem a situação. Uma segunda implicação para o gerenciamento contábil, e na verdade para toda a organização, é o fato de o gerenciamento por meio dos números encorajar a manipulação do processo por parte dos funcionários, com o objetivo de atingir as metas contábeis (pontos 8, 9, 11 e 12). A imprensa financeira está repleta de relatos sobre os truques contábeis usados pelas empresas para alcançar as metas
4 Criar constância de propósito na melhoria de produtos e serviços Adotar a nova filosofia O S 1 4 P O N T O S D E D E M I N G Melhorar continuamente o sistema de produção e serviços Eliminar a dependência em relação à inspeção em massa Não comprar só com base na etiqueta de preço Instituir o treinamento Agir para alcançar a transformação Instituir a liderança Encorajar a formação e o auto-aperfeiçoamento de todos os funcionários Remover o que rouba das pessoas o orgulho pelo trabalho Eliminar cotas numéricas, gerenciamento por números e administração por objetivos Eliminar os slogans para a força de trabalho Dissipar o medo Romper as barreiras entre os departamentos Fonte: Out of the Crisis, de W. Edwards Deming. Lorenzo Amengual dades dos clientes, a melhoria dos processos e a constância de propósito, são sacrificadas em nome de alcançar minha meta e conseguir um aumento. Algumas das críticas mais duras de Deming ao estilo norte-americano de gerência concentram-se exatamente no estímulo dado a esse tipo de comportamento, por meio de políticas e procedimentos que claramente não compreendem as perdas incalculáveis resultantes da incompreensão dos sistemas e da teoria da variação. A filosofia de Deming: uma mudança de paradigmas A aceitação da filosofia de Deming requer uma significativa mudança de paradigmas por parte Uma das mudanças de paradigma é a necessidade de estabelecer o maior uso de mensurações operacionais do desempenho, em lugar de mensurações financeiras da alta gerência. Isso também vale para o desenvolvimento e uso de sistemas de contabilidade administrativa. Podemos aplicar o conceito de paradigma aos sistemas de contabilidade gerencial levando em consideração as mudanças que teriam de acontecer se adotarmos a filosofia de Deming. A maior parte dos sistemas de contabilidade é projetada para atender às necessidades primárias da alta gerência e dos acionistas. Isso não é surpresa, se considerarmos as pressões sofridas pela alta gerência para aumentar os ganhos dos acionistas. Nesses sistemas, as necessidades dos clientes internos informações, políticas e procedimentos necessários para que eles façam suas tarefas e melhorem o sistema geralmente estão subordinadas ao atendimento das necessidades dos clientes impostos, como alta gerência e acionistas. Os mercados financeiros também podem ser apresentados como um terceiro cliente imposto, já que as expectativas dos analistas do mercado financeiro são, muitas vezes, o gatilho das metas numéricas, preocupação primordial da alta gerência em maximizar os ganhos dos acionistas. O novo paradigma do modelo Deming considera os clientes interno e externo como os principais clientes do sistema de contabilidade gerencial. Todos na empresa devem estar comprometidos com o atendimento das necessidades deles. Tal compromisso não só garantirá o melhor retorno para os acionistas como também a sobrevivência da empresa a longo prazo. Outra mudança de paradigma diz respeito à forma de enxergar o gerenciamento de custos. Na abordagem convencional, o gerenciamento de custos é feito depois 37
5 38 Image Bank/T. Davidson Nos sistemas de contabilidade, as necessidades dos clientes internos geralmente estão subordinadas ao atendimento dos clientes impostos alta gerência, acionistas e até mercados financeiros de o produto ser oferecido ao cliente. No novo paradigma, faz parte da fase de planejamento e desenvolvimento. Essa mudança traduz-se na participação de um profissional da contabilidade na equipe de desenvolvimento de produtos ou serviços e enfatiza a importância de a contabilidade estar integrada a toda a organização. Uma última mudança de paradigma é a necessidade de estabelecer um maior uso de mensurações operacionais de desempenho, no lugar de mensurações financeiras. Esse novo paradigma concentra-se no desempenho total do sistema e nas atividades gerenciais. A ênfase está, portanto, na melhoria contínua dos processos e na otimização do sistema. Para isso, é necessário medir diretamente qualquer item de desempenho operacional que a empresa queira melhorar tempo de ciclo de produção, tempo de montagem, percentual de entregas realizadas dentro do prazo, nível de retenção de clientes e outras medidas que ajudem a monitorar os esforços de melhoria contínua. Em resultado, os custos efetivos quase sempre substituem os custos padrão na mensuração do progresso. Nesse caso, o foco se desloca para o uso de mensurações financeiras que determinem a eficácia das estratégias operacionais para o atendimento das necessidades do cliente e na melhoria do sistema. É mais eficaz correlacionar os custos efetivos às metas de melhoria contínua a longo prazo do que utilizar os custos padrão. O uso de mensurações operacionais para melhorar o sistema é coerente com o pensamento de Deming sobre melhoria contínua do sistema de produção e serviços (ponto 5). Também é coerente com a remoção das barreiras que tiram das pessoas o orgulho que têm em trabalhar (ponto 12), já que os funcionários recebem os dados necessários para gerenciar seus processos e, mais importante, não são responsabilizados pelos resultados financeiros decorrentes da variação do sistema. Para considerar a possibilidade de qualquer paradigma novo, devemos estar dispostos a desacreditar de outros conjuntos de crenças, principalmente aqueles que nos são mais caros. Um conjunto de crenças que nos é caro pode facilmente se tornar muito rígido. Isso pode ser verificado quando nos vemos em ferrenha defesa dessas crenças. Os conjuntos de crenças criam barreiras. Em sua obra The Magic of Conflict (que pode ser traduzido literalmente como a magia do conflito ), o especialista Tom Crum sugere que o poder da descoberta é diferente. Quando descobrimos algo, não precisamos defender ou atacar as idéias dos outros em relação a essa questão. A descoberta é um estado mental no qual um indíviduo está naturalmente aberto à mudança radical de suas crenças ou até à eliminação completa delas. A adoção desse ponto de vista em relação à descoberta, permitindo que molde o nosso comportamento no dia-a-dia, é essencial para a mudança de paradigma sugerida por Deming. Ademais, também é crucial para o desenvolvimento do tipo de liderança que Deming sustentava ser imprescindível para que ocorra a transformação necessária no pensamento gerencial. CMA Magazine
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