Apelação Cível n , de Ituporanga Relator: Des. Henry Petry Junior

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1 Apelação Cível n , de Ituporanga Relator: Des. Henry Petry Junior APELAÇÃO CÍVEL. SUCESSÕES E PROCESSUAL CIVIL. HABILITAÇÃO E RESERVA DE CRÉDITO EM INVENTÁRIO. IMPROCEDÊNCIA NA ORIGEM. I - JULGAMENTO ULTRA PETITA. INOCORRÊNCIA. MÉRITO DA "AÇÃO DE COBRANÇA" NÃO APRECIADO. MERA ANÁLISE DE SUFICIÊNCIA DA DOCUMENTAÇÃO PARA A RESERVA PRETENDIDA. II - 'REVELIA'. TEMÁTICA RECHAÇADA. IMPUGNAÇÃO PRÉVIA AO CRÉDITO NAS VIAS ORDINÁRIAS. INTIMAÇÃO APENAS DA INVENTARIANTE. AQUIESCÊNCIA TÁCITA NÃO CARACTERIZADA. EXEGESE DO ART DO CPC. III - RESERVA DE BENS/NUMERÁRIO. INDEFERIMENTO CORRETO. INEXISTÊNCIA DE PROVA DOCUMENTAL DA OBRIGAÇÃO. EXPEDIENTES UNILATERAIS JUNTADOS COM O APELO. INSUFICIÊNCIA. IV - SENTENÇA MANTIDA. RECURSO DESPROVIDO. I - A mera análise da documentação apresentada, para fins de apreciação da reserva de bens em inventário, sem adentrar no mérito do crédito, não acarreta julgamento ultra petita. II - A ausência de manifestação da inventariante no processo incidental de habilitação não implica aquiescência tácita e deferimento do pedido quando, ajuizada previamente "ação de cobrança", há a devida contestação da obrigação lá, o que impede o reconhecimento do consenso exigido no art do Código de Processo Civil, ainda mais se não foram intimados todos os herdeiros a se manifestar. III - Na ausência de juntada de documentos aptos a demonstrar, com alguma certeza, o crédito, na linha do que preceitua o art , parágrafo único, do Código de Processo Civil, inviável o deferimento do pleito de reserva de bens/numerário no inventário, sobremaneira quando nem mesmo os expedientes unilaterais extemporaneamente juntados com a apelação mostram-se bastantes. Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n , da comarca de Ituporanga (2ª Vara), em que são apelantes Hospital Santa Catarina e outros, e apelado Espolio de Celso da Cruz:

2 A Quinta Câmara de Direito Civil decidiu, por votação unânime, conhecer do recurso e negar-lhe provimento. Custas legais. O julgamento, realizado nesta data, foi presidido pelo Excelentíssimo Senhor Desembargador Monteiro Rocha, e dele participaram os Excelentíssimos Senhores Desembargadores Jairo Fernandes Gonçalves e Odson Cardoso Filho. Florianópolis, 12 de abril de Henry Petry Junior RELATOR

3 RELATÓRIO 1. A ação Perante a 2ª Vara da comarca de Ituporanga, Hospital Santa Catarina, Carlos Grossembacher, Carlos Naconecy de Souza, Denise Simão, Nelson Luiz Gonçalves, Roberto Demarchi e Pulmocar - Centro de Reabilitação Cardiovascular S/C Ltda. requerem "habilitação de crédito" nos autos da "ação de inventário" do falecido Celso da Cruz, representado pela inventariante Maria da Cruz. Alegam, em suma, que propuseram "ação de cobrança de despesas hospitalares e médicas" (n ) em face dos herdeiros, em trâmite perante a 2ª Vara Cível da comarca de Blumenau. Pugnam por reserva de bens suficientes ao pagamento do crédito - R$ ,68 (setenta e seis mil, seiscentos e dezoito reais, sessenta e oito centavos) à época da propositura. 'Citado' o espólio de Celso Cruz na pessoa da inventariante, o prazo para oferecimento de resposta transcorre in albis (fl. 36). Há juntada de documentos de fls. 4/30 e manifestação do Ministério Público (fl. 61) A sentença No ato compositivo da lide (fls. 64/66), lançado em , o magistrado a quo - Juiz Claudio Marcio Areco Junior - julga improcedente o pedido, condenando os requerentes ao pagamento das custas processuais, sem a fixação de honorários, pois incabíveis no incidente. 1.b. O recurso Irresignados, os autores interpõem recurso de apelação (fls. 71/81). Sustentam, em resumo, que: [a] o fato, reconhecido em sentença, de que as despesas decorrentes do atendimento no hospital deveriam ser arcadas pelo SUS ou com a cobertura do seguro DPVAT não podem ser analisadas neste incidente, mas na "ação de cobrança" proposta por eles para a cobrança desses gastos, o que caracteriza sentença ultra petita; [b] as notas de serviço acostadas naquela actio são suficientes a preencher os requisitos do art do Código de Processo Civil; [c] houve revelia na hipótese; [d] o falecido foi atendido na categoria particular, conforme termo de responsabilidade assinado por seu responsável Renato Manfriden; e [e] não é instituição credenciada ao SUS. Pede, ao fim, seja julgado procedente o pleito para reservar a quantia necessária. Acosta os expedientes de fls. 82/125. Contrarrazões às fls. 131/136. Redistribuídos os autos a este relator em , é o relatório possível e necessário.

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5 VOTO 2. A admissibilidade do recurso Inicialmente, saliente-se a desnecessidade de remessa do feito à Procuradoria-Geral de Justiça, porquanto não há mais interesses de incapazes em discussão, haja vista que o herdeiro Celso da Cruz Júnior completou a maioridade. Satisfeitos os pressupostos de admissibilidade, conhece-se do recurso Do mérito 2.1.a. Da ausência de julgamento ultra petita Afaste-se de plano a argumentação de julgamento ultra petita no caso. O magistrado a quo, não se pode olvidar, baseou sua decisão na assertiva de que o atendimento hospitalar teve origem em acidente de trânsito, o que, na ausência de expedientes de autorização do paciente ou de responsáveis para a prestação dos serviços, permitiria concluir ter sido o atendimento feito por meio do SUS - Sistema Único de Saúde (fls. 65/66). Contudo, bem se observa que a decisão relatada não apreciou o mérito da cobrança dos créditos. Limita-se, sim, a rejeitar o pedido incidental de habilitação do crédito em inventário, ou melhor de reserva do crédito em inventário, uma vez que a discussão do mérito já estava sendo travada nas vias ordinárias próprias. Salientou expressamente: "Pela falta de documentos suficientes que possam provar as alegações feitas pelos autores, a solução é o indeferimento da presente habilitação de crédito" (fl. 65). Em outros termos, indeferiu o pedido de reserva de crédito em inventário por não visualizar expedientes hábeis a demonstrar a verossimilhança de sua existência e exigibilidade, sem adentrar no mérito da discussão, que tem sede própria na via regular. Por todo o exposto, não há reconhecer julgamento ultra petita no caso, mas apenas o indeferimento do pedido de reserva incidentalmente requerido. 2.1.b. Do mérito do requerimento de reserva de crédito No mérito da habilitação/reserva de crédito, também carece de sustentação a pretensão dos apelantes. 2.1.b.1. A habilitação de crédito e a reserva de crédito em inventário estão disciplinados nos arts e ss. do Código de Processo Civil. Os requerimentos têm como fim, respectivamente, o reconhecimento de dívida em face do espólio e o resguardo de bens/numerário suficientes ao seu pagamento, caso haja necessidade de discussão do an debeatur em ação própria. Os pedidos devem ser formulados no juízo do inventário antes da partilha e serão processados em apenso. Para seu deferimento, exige-se que venham acompanhados de prova literal da dívida, vencida e exigível (CPC, art , caput e 1º). A habilitação somente será aceita diretamente na ação de inventário se não houver discordância das partes do inventário sobre o pedido de pagamento. Na ausência de consentimento, o reconhecimento do crédito deve ser nas vias ordinárias, algo que já acontece na hipótese, pois ajuizada anteriormente "ação de cobrança" onde houve contestação dos herdeiros (fls. 17/19). Contudo, mesmo com o envio da

6 quaestio para ação própria, o ordenamento garante ao credor a possibilidade de requerer a reserva de numerário ou bens bastantes ao pagamento de seu suposto crédito, consoante prevê o art , parágrafo único, do CPC: Art Não havendo concordância de todas as partes sobre o pedido de pagamento feito pelo credor, será ele remetido para os meios ordinários. Parágrafo único. O juiz mandará, porém, reservar em poder do inventariante bens suficientes para pagar o credor, quando a dívida constar de documento que comprove suficientemente a obrigação e a impugnação não se fundar em quitação. Sobre esse mecanismo, de feição nitidamente cautelar, LUIZ GUILHERME MARINONI e DANIEL MITIDIERO esclarecem: A reserva de bens tem feição cautelar. Aquele que logrou reservar bens do espólio para posterior satisfação tem o prazo de 30 (trinta) dias para propor a respectiva ação condenatória (art , I, CPC). Não é necessário que o crédito cobrado do espólio seja líquido e certo para que o habitante tenha direito à reserva de bens (STJ, 4ª Turma, Resp /ES, rel. Min Aldir Passarinho Júnior, j. em ). Basta que esteja suficientemente comprovado por documento (art , parágrafo único, CPC). (MARINONI, Luiz Guilherme et MITIDIERO, Daniel. Código de Procesos Civil comentado artigo por artigo. 3 ed. São Paulo: Saraiva, 2011, 914) JOSÉ DA SILVA PACHECO, interpretando o dispositivo legal, aponta os requisitos para a reserva de bens: Ao remeter o pedido às vias regulares, mandará reservar, em poder do inventariante, bens suficientes para atender ao crédito desde que: a) esteja suficientemente comprovado por documento; b) a impugnação não se funde em quitação; c) o crédito seja suscetível de cobrança do espólio. [...] Caracteriza-se a reserva de bens do art , parágrafo único, do Código de Processo Civil, como providência cautelar, a que se aplicam as disposições dos arts. 796 e ss. no que couber. [...] Para autorizar o juiz a reserva de bens insta comprovação documental suficiente. O relatório médico não está nessas condições, sendo escrito unilateral. (PACHECO, José da Silva. Inventários e Partilhas na Sucessão Legítima e Testamentária. 19 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2008, p. 575) Forte nesses premissas, passa-se à análise do caso concreto, no que, penso, acertada a decisão de primeira instância. 2.1.b.2. Não se nega que, intimada pessoalmente a inventariante, não houve manifestação. Contudo, penso que a desídia é insuficiente para caracterizar a alegada "revelia", instituto inaplicável ao incidente em análise, ou a concordância das partes. Veja-se que somente a inventariante foi instada a se manifestar quando, no mínimo, todos os herdeiros (o CPC, art , consigna concordância de "todas as partes") deveriam assentir com a habilitação pretendida. Logo, impossível cogitar da aquiescência tácita. A respeito, JOSÉ DA SILVA PACHECO esclarece: "O pagamento da dívida depende do assentimento de todos os interessados e não apenas de alguns ou da maioria. Havendo impugnação, ainda que solitária, não se atende ao pagamento no inventário, remetendo-se às vias regulares para a cobrança." (op. cit., p. 573/574). A discordância no caso é incontroversa desde o requerimento inicial, porquanto desde lá noticiada a existência da "ação de cobrança", com contestação da exigibilidade do crédito por parte dos herdeiros. Logo, desarrazoado aplicar ao caso

7 os efeitos da "revelia" e até mesmo despropositada a aplicação do procedimento incidental de habilitação do crédito, porquanto previamente existente impugnação ao crédito perante o processo de conhecimento competente. 2.1.b.3. Por seu turno, o pleito cautelar de reserva dos bens/numerário do inventário não teve todos os seus requisitos demonstrados, pois ausente documentação suficiente acerca da exigibilidade do débito apontado. A sucinta peça vestibular vem acompanhada apenas da petição inicial da "ação de cobrança" e da contestação ofertada pelos herdeiros, resposta esta onde impugnam a exigibilidade do crédito por vários argumentos (ausência de internação voluntária, custos de responsabilidade do SUS e do seguro DPVAT, má prestação do serviços etc.) - fls. 4/19. Não juntam nenhum documento apto a reconhecer a obrigação pecuniária ou sequer apontar elementos indiciários robustos. Logo, de todo correto o proceder do juízo a quo no indeferimento do pedido de reserva feito. Somente após o decisum, com a apelação, acostam outros expedientes que fulcram o processo de conhecimento (fls. 89/124), os quais, não submetidos ao crivo do contraditório e à apreciação do juízo originário, não podem ser considerados neste grau de jurisdição, sob pena de supressão de instância. Mesmo se ora fossem considerados, os expedientes não conferem a certeza necessária para assegurar excepcionalmente o crédito. A um, porque o signatário do termo de responsabilidade do paciente internado (fl. 89), Renato Manfridem, não é sequer herdeiro do falecido. A dois, porquanto os demais documentos, consistentes em notas de serviços e relatório de despesas hospitalares são todos unilaterais e não apresentam nenhuma indicação de concordância do paciente, herdeiros ou responsável (fls. 91/124). Aliás, alguns destes documentos foram confeccionados somente em 1998 (fls. 91, 118 e 121/122) enquanto o falecimento ocorreu em , não sendo contemporâneos à época dos fatos. Nesses termos convém manter a decisão de indeferimento, nada obstando que medida cautelar seja requerida e deferida nos autos da "ação de cobrança", ainda em processamento perante a 1ª Vara da comarca de Ituporanga (reautuada sob o n ), onde o juízo terá mais condições de analisar os pressupostos do pleito cautelar. 3. Conclusão Assim, quer pelo expressamente consignado neste voto, quer pelo que de seu teor decorre, suplantadas todas as questões ventiladas, deve o recurso ser conhecido e desprovido. Encaminhe-se cópia desta decisão ao juízo da 1ª Vara da comarca de Ituporanga para juntada nos autos de n É o voto.