A REVOLUÇÃO CUBANA E OS ESPAÇOS OCUPADOS POR HOMENS E MULHERES
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- Fernando de Sequeira Caldeira
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1 A REVOLUÇÃO CUBANA E OS ESPAÇOS OCUPADOS POR HOMENS E MULHERES Andréa Mazurok Schactae 1 Resumo: A Revolução Cubana está entre os grandes acontecimentos do século XX. Um processo revolucionário que uniu diferentes forças e após a vitória do Exército Rebelde e os seus aliados, instaurou-se o governo revolucionários. Herdeira de uma tradição que está presente no Ocidente, Cuba também construiu um discurso sobre sua História focado em grandes homens e em um ideal de masculinidade. A imagem de homens com barba, armados e usando uniforme militar é recorrente nas revistas na década de O objetivando contribuir para as reflexões no campo dos estudos de gênero, volto olhar para as relações de gênero no espaço da luta revolucionária em Cuba. Sendo assim, são analisados os espaços de poder ocupados por homens e mulheres nos movimentos que compõem a luta revolucionária nos anos de 1950, observando os discursos da imprensa do Estado Cubano na década de Esse estudo visa identificar construções de feminilidades e masculinidades nos discursos da década de O observa-se que a construção da história oficial de Cuba é marcada pela guerra. Uma construção que dá significada as relações de gênero, que estabelece o homem militar, guerreiro como modelo de cidadania, bem como tende a definir a mulher como a mãe dos guerreiros. Para orientar a reflexões é utilizado o gênero como categoria de análise, bem como, os conceitos de identidades e masculinidade hegemônica. As fontes são publicações do Estado Cubano e bibliografias. Palavras-chave: Revolução Cubana; espaços generificados; masculinidades e feminilidades; luta armada. Voltando o olhar para a Revolução cubana: definindo o objeto 2 A Revolução Cubana é um acontecimento que marcou a história Ocidental, especialmente da América Latina, na segunda metade do século XX. As atuações políticas de dois dos líderes do movimento revolucionário Cubano, Ernesto Guevara (Che) e Fidel Castro, legitimam a Revolução Cubana como um símbolo de resistência ao imperialismo. Porém essa ideia é resultado de uma construção discursiva, que remontam ao período da luta armada, nos anos de 1950 em Cuba, bem como os primeiros anos dos revolucionários no poder em Cuba Ao voltar o olhar para historiografia, observa-se que as narrativas sobre a Revolução Cubana, remetem ao processo de independência de Cuba, no final do século XIX. Conforme afirma 1 Doutora em História, pesquisadora do NEG/UFPR, Curitiba, Paraná, Brasil; Professora e pesquisadora do IFPR, Telêmaco Borba, Paraná, Brasil. 2 Esse texto é parte dos resultados do projeto de pesquisa: A(s) Biografia(s) de Célia Sanchez: a construção de uma heroína e de um ideal de feminilidade em Cuba; o qual está registrado no IFPR, referente ao período de
2 Fernandes, o nacionalismo cubano é resultado do processo de independência, que uniu diferentes grupos sociais, contra um inimigo comum. Portanto, o nacionalismo, [...] não cresceu a partir da dominação econômica, social e política dos estratos conservadores frequentemente aliados aos controles externos e á própria representação antinacionalista, mas da confluência de varias forças sociais divergentes, empenhadas na liberação nacional [...] ou nas lutas contra imperialismo e a dominação estadunidense. (FERNANDES, 2012, p. 90) Para Aviva Chomsky, a Revolução Cubana, é compreendida a partir da luta armada na Sierra Maestra, que é identificada como uma prática que liga a independência, do século XIX, à Revolução, da década de Portanto, a Revolução é percebida como a aplicação dos ideais da independência. E o Movimento 26 de Julho queria levar a cabo o projeto pelo qual José Martí e tantos outros haviam morrido. Em 1898, as forças de ocupação norte-americanas impediram que o exército rebelde de Cuba entrasse na capital de Santiago. (CHOMSKY, 2015, p. 46) Chomsky e Fernandes identificam o processo revolucionário como uma continuidade dos ideais que moveram as guerras da independência. Essa idéia também é compartilhada por Luis F. Ayerbe (2004). O pesquisador destaca que a revolução de 1959 tem profundas raízes na trajetória histórica nacional, com antecedentes que remontam ao período independentista. (AYERBE, 2004, p. 21) As três colocações apresentadas indicam que a Revolução ocorrida na década de 1950 é uma continuação do ideal da independência, bem como, é um posicionamento contra a influência norteamericana na ilha. Esse discurso também é compartilhado pelas narrativas construídas pelo Estado Cubano, na segunda metade do século XX, seja nos livros ou nos impressos de circulação semanal e mensal (revistas e jornais). Para os historiadores cubanos, Francisca López, Oscar Loyola e Arnaldo Silva (2005) a Revolução é um processo de libertação nacional das influências do capitalismo e do imperialismo norte-americano. (LOPEZ; LOYOLA; SILVA, 2005, p ) A Revolução como um processo resultante de uma conjuntura política e social, que remonta a meados do século XIX, é utilizada para construir a narrativa sobre a Revolução, em Cuba. Nos discursos de Fidel Castro, publicados pelo Departamento de Orientación Revolucionária del Comité Central del Partido Comunista de Cuba, publicados em 1978, a história de Cuba é uma história de lutas realizadas por homens, que se uniram contra o imperialismo, iniciada no ano de Em entrevista com Ignacio Ramonet, Fidel reafirma que o início da Revolução Cubana é a primeira guerra da Independência, em (RAMONET, 2006, p ). Observando algumas narrativas sobre a Revolução construída pela historiografia e presente nos discursos de Fidel Castro, percebe-se que todas essas construções discursivas, explicam a 2
3 Revolução Cubana, a partir da longa duração. E também destacam os homens como agentes que atuaram nesse processo e se constituíram em líderes e heróis. Uma construção que estabelece uma masculinidade hegemônica (CONNELL, 1997) em Cuba. Vale destacar, que esse período é também o período de construção de uma comunidade imaginada em Cuba, considerando o conceito de Benedict Anderson (2005, p. 25), para explicar a construção das identidades nacionais, no século XIX. E também o processo de construção dos heróis nacionais. Para Raoul Girard não se trata essencialmente de um personagem, mas sim de sua imagem, de representação que dela foi feita e que parece ter imposto muito amplamente a opinião, em outras palavras, é uma narrativa, que é preciso ler e interpretar. (GIRARD, 1987) Portanto, a narrativa da história nacional está atrelada a construção dos heróis, que são representações da nação. Sendo assim, a nação luta contra o imperialismo e a dominação estrangeira. Em nome da nação homens pegaram em armas. Essa é a ideal central nas narrativas. Todavia, em diversos textos, publicados nas revistas, nos anos de 1970 em Cuba, as mulheres também figuram como agentes desse processo histórico. A partir dessa constatação, esse texto tem como objetivo analisar os espaços de poder ocupados por homens e mulheres nos movimentos que compõem a luta revolucionária nos anos de 1950, observando os discursos da imprensa do Estado Cubano na década de Esses discursos permitem identificar as construções de feminilidades e masculinidades. Vale destacar, que essas narrativas são construtoras da história nacional. Essa construção é significativa para compreender as narrativas sobre a Revolução Cubana, a partir das relações de gênero, pois marcadas pela luta armada. Para essa reflexão foram selecionados textos publicados pelo Estado Cubano, tendo como foco central algumas edições da Revista Mujeres, dos anos de Esses discursos são analisados partir da categoria gênero, dialogando com os conceitos de comunidade imaginada, de Benedict Anderson (2005), de herói de Raoul Girardt (1987) e de masculinidade hegemônica, de R. Connel (1997). Entre fuzis, barbas e marianas: masculinidade(s) e feminilidade(s) nos anos de 1970 Em janeiro de 1959 terminaram os combates e os rebeldes ocupam os campos de poder em Cuba, portanto deixam de ser rebeldes para se constituírem em estabelecidos. No processo de construção da nova estrutura de poder do Estado Cubano, foram criadas novas instituições entre 3
4 elas o Exército Revolucionário, composto por homens e mulheres que haviam lutado para depor o governo de Batista, e Federación de Mujeres Cubanas (FMC). Os discursos de Fidel Castro, bem como, outras publicações do Estado Cubano, são lugares de construção de uma memória sobre a Revolução e o processo de estabelecimento de um Estado Socialista em Cuba. Esses discursos são parte da construção e re-construção da identidade nacional cubana, na segunda metade do século XX. Portanto, voltar o olhar para esses discursos é fundamental para compreender as narrativas sobre a Revolução Cubana e a significação das políticas implantadas pelo poder estabelecido. Todavia as publicações dos 1970 são fundamentais para compreender essa nova identidade nacional e o estabelecimento da memória sobre a Revolução, pois os anos de 1970 foram marcados pela construção de um aparato de instituições, organizadoras e legitimadoras do Estado Cubano. Mesmo que muitas instituições tenham sido criadas nos anos de 1960, foi na década seguinte elas se afirmam como legitimadoras do Estado Cubano, e demarcam espaços de poder. Voltando o olhar para Federación de Mujeres Cubanas (FMC), observa-se que a criação ocorreu no dia 23 de agosto de 1960 e que naquele momento possuía (dezessete mil) mulheres federadas. No início da década seguinte esse número passou de um milhão de federadas. Esses números demonstram que a instituição estava cumprindo com seu objetivo, que era unificar todas as organizações femininas cubanas e uma única organização. Além desse objetivo Vilma Espín que foi presidente da FMC, ao longo da segunda metade do século XX, destaca, em seu discurso no ato de criação da instituição, que: ( )organización, la Federación de Mujeres Cubanas, se propone, ( ), la defensa de la mujer y el niño, la defensa de la paz mundial, la salvaguarda de las generaciones presentes y futuras, y la defensa de la soberanía de nuestro pueblo. Pues, además de eso, es nuestro propósito, en la nacional, apoyar a la Revolución Cubana, y en lo internacional la solidaridad con todos los pueblos de Latinoamérica y el mundo. Además de eso, hemos acordado algunas labores específicas, como por ejemplo: el comenzar a trabajar inmediatamente en la creación de guarderías o creches para los hijos de la mujer trabajadora, ( ). (ESPIN, 1960; BELL; LÓPEZ; CARAM, 2007, p. 267) No ano de 1962 foi realizado o I Congresso Nacional da FMC, quanto foi aprovado o estatuto e o programa de trabalho para os anos seguintes. Em setembro de 1974 ocorreu o II Congresso Nacional, no qual foram apresentadas as políticas realizadas ao longo da primeira década de existência da instituição. O discurso de Fidel Castro, no Segundo Congresso da Federação de Mulheres Cubanas, no ano de 1974, foi publicado na Revista Bohemia, e destaca o espaço da mulher após 15 anos de revolução. Todavia ele admite que os espaços de poder ocupados pelas mulheres em Cuba ainda apresentavam números baixos (mulheres em cargos de dirigentes 15%; no Partido 12,79% e nos 4
5 quadros ou funcionários do Partido 6%; entre os eleitos são 3% em uma população de aproximadamente 50% de mulheres). Como solução Fidel afirma ser necessário rever as políticas e transformar as construções tradicionais, pois segundo ele: la realidad es que aún subsisten factores objetivos e subjetivos que mantienen una situación de discriminación con relación a la mujer. (CASTRO, 1974) No entanto, os estudos do historiador Julio César González Pagés, sobre a participação das mulheres na História de Cuba, indicam que desde o século XIX mulheres cubanas participam de espaços historicamente masculinos entre os quais a luta armada no século XIX e no século XX. O pesquisador indica que entre 1941 e 1958, haviam noventa e nove (99) organizações de mulheres, em Cuba (PAGÉS, 2005). E na década de 1950, muitas mulheres integraram organizações oposicionistas a ditadura de Batista, bem como criaram organizações oposicionistas femininas como a Frente Civico de Mulheres do Centenario Martiniano, criada no início da década e a organização Mujeres Oposicionistas Unidas (M.O.U), criada no ano de Conforme as investigações do historiador o objetivo dessa última organização foi reunir as mulheres de diferentes grupos de oposição (Partido Socialista Popular; Diretória Revolucionário; Movimento 26 de Julho; Mulheres Católicas; Professoras Universitárias). (PAGÉS, 1991) No ano de 1976, o Partido Comunista de Cuba vale destacar que o I Congresso do Partido Comunista de Cuba, ocorreu no ano de 1975 afirma que o papel Federación de Mujeres Cubanas, era: ( )educar ideológicamente a través de cada tarea, crear conciencia para en prender actividades cada vez más complejas, preparar a la mujer para desempeñar su papel en la edificación del socialismo y para representar los intereses y aspiraciones especificas de este importante sector de la población. (DEPARTAMENTO DE ORIENTACION REVOLUCIONÁRIA DEL COMITÉ DEL PARTIDO DE CUBA, 1976, p. 6) O processo de unificação das organizações femininas em Cuba é percebido como uma necessidade da homogeneização de práticas e discursos dirigidos as mulheres, sendo o Estado o legitimador desse discurso. Portando, todos os questionamentos sobre os diretos das mulheres eram absorvidos pelo Estado, representado pela Federación de Mujeres Cubanas, a qual apresentava uma resposta. Com parte desse projeto de unificação está à criação de um periódico direcionado para o público feminino, a Revista Mujeres. No dia 15 de novembro de 1961 foi publicado o primeiro número do periódico, o qual permanece sendo publicado até os dias atuais. Vale destacar que o discurso da Revista Mujeres, que é a voz da FMC e portanto de uma parte do Estado Cubano, pode ser identificado como um instrumento que objetiva: a) orientar a construção de um modelo ideal de feminilidade; b) divulgar as políticas públicas voltadas para as 5
6 mulheres; c) legitimar um espaço para as mulheres na estrutura do Estado. Portanto, é importante uma análise do discurso desse periódico, pois ele é entendido como construído e construtor de significados para o(s) feminino(s), bem como orientador de relações de gênero, as quais resultam na construção de femininos e definem os espaços ocupados pelas mulheres na sociedade cubana, construindo uma ordem diferente. Uma ordem que redefine relações de poder entre masculino e feminino, embora a tendência seja de o Estado reproduzir o domínio masculino sobre o feminino. Vale destacar que, no ano de 1958 das treze (13) pessoas citadas como membros da direção nacional do Movimento 26 de Julho, três (3) são mulheres. Isso significa que 23% dos cargos diretivos do movimento pertenciam às representantes do sexo feminino 3 e segundo afirma Yolanda Ferrer das seis províncias cubanas da década de 1950 três (Matanzas, Oriente e Villas) tiveram mulheres como coordenadoras provinciais do Movimento 26 de Julho, o que significa 50% das coordenações provinciais. (FERRER, 2002) Todavia em 1975, durante o primeiro Congresso do Partido Comunista Cubano, somente cinco (05) mulheres figuravam entre os cento e vinte (120) homens na direção do PCC (Partido Comunista Cubano). (BOHEMIA, n. 53, ano 67, 1975) Esses dados demonstram que embora existisse um discurso de inclusão das mulheres nos espaços de poder, na prática a representação de mulheres em espaços de poder durante o processo de luta armada foi maior que na estrutura de poder do Estado Cubano, na década de Considerando esses dados, é fundamental voltar o olhara para o discurso da Revista Mujeres, sobre as mulheres na Revolução Cubana. A edição comemorativa do 15º aniversário do Exército Rebelde, de dezembro de 1971, vincula o Pelotón Mariana Grajales ao Exército Rebelde. Vale destacar, que o esse pelotão de guerrilheiras foi criado por Fidel Castro, em setembro de Além da matéria sobre a criação do Exército Rebelde e sobre o Pelotón Mariana Grajales, a edição trouxe uma entrevista com algumas marianas as mulheres que participaram do Pelotón Mariana Grajales, e uma entrevista com então Vice Ministro Chefe da Direção Política das Forças Armadas Revolucionárias (FAR), o Comandante Antonio Perez Herrero. Sendo que, ao longo da entrevista, o Comandante é questionado sobre o papel da mulher cubana nas FAR. Completando o olhar da revista sobre as mulheres militares/guerrilheiras estão publicadas fotos de agentes militares realizando atividades no espaço militar. Portanto, essa edição permite uma leitura 3 Os dados resultam da consulta aos seguintes textos: SUÁREZ, Eugenio Pérez; CANER, Acela A. Román. Fidel: de Cinco Palmas a Santiago. La Habana: editorial Verde Olivo, 2006; RAMOS, Lucrecia Estives. El apoyo de la mujer santiaguera a la lucha contra a tirania de Batista de Trabalho de graduação. Universiade do Oriente, Faculdade de Filosofia e Historia: Santiago de Cuba,
7 sobre a construção de significados sobre o feminino e o masculino, no espaço da luta armada em Cuba. A matéria sobre o as marianas tem como destaque uma fotografia composta por algumas mulheres do Pelotón Mariana Grajales e o Fidel Castro. A composição da imagem emite um discurso sobre a relação de poder entre masculino e feminino. O líder Fidel no centro e as mulheres ao redor, marcam espaços de poder. O centro é o lugar do poder e o lugar ocupado pelas mulheres, legitimam o poder masculino. Todavia, ao mesmo tempo em que a presença delas legitima o poder masculino, por estarem no espaço da guerra, elas rompem com a ordem estabelecida. Sendo assim, as soldados e as guerrilheiras, tendem a ser legitimadoras e transgressoras da ordem. Elas subvertem a ordem por se constituírem em guerrilheiras e soldados, mas legitimam ao colocarem os homens no centro e como modelo de guerrilheiro, o qual é referência para homens e mulheres, pois historicamente o modelo de guerrilheiro é percebido como domínio de homens. Imagem 1 Marianas com Fidel na Sierra Maestra Fonte: Revista Mujeres, ano 11, nº 12, de dezembro de 1971, p. 12 No primeiro parágrafo da matéria identificada pelo título: Pelotón Mariana Grajales há seguinte afirmação: Mujeres guerrilleras y estirpe de Mariana. Partes de la historia independentista que desemboco en una batalla decisiva de emancipación social, económica e política: la Revolución. (REVISTA MUJERES, 1971, p. 13) Essa afirmação apresenta um ideal de feminilidade, que é buscado pela Revolução, o qual é constituido pela guerrilheira que pega em armas para defender a patria e pela mãe que deve se inspirar em Mariana Grajales, a mãe dos Maceos, heróis da Independêcia de Cuba, no século XIX. O discurso da revista reafirma o ideal de feminilidade que se constituiu no espaço da guerra, a relação entre a guerreira e a maternidade, pois a construção de heroína Mariana Grajales, destaca- 7
8 se seu papel de mãe dos grandes guerreiros, os Maceos. As marianas representam esse ideal e também assumem outros papéis sociais, no espaço de luta armada. Entre os lugares ocupados por elas, além das armas estão: enfermeiras, guias de mulas, abastecedoras de alimentos para a os combatentes, transportadoras de munições e armas, professoras e mensageiras. Essas práticas são definidoras da multiplicidade de papéis e identificações que essas mulheres marianas desempenharam no espaço da guerra. Portanto, todas as mulheres cubanas também são capazes de assumirem essas múltiplas atividades, inclusive atividades tidas como pertencentes aos homens, o combate na guerra. Essa é a idéia que norteia a construção do discurso apresentado pela Federación de Mujeres Cubanas. Todavia, a constituição da guerrilheira é apresentada como uma tarefa difícil, da qual Fidel Castro, figura como grande idealizador e defensor. Segundo o texto, muitos homens se posicionaram contra a criação do pelotão de guerrilheiras. Entendiam que o combate era papel de homens. O posicionamento de Fidel, segundo a Revista Mujeres indicava que ele Queria que la mujer combatiera, pues ésta no era sólo para los menesteres domésticos y como madre, sino como parte integral de la guerrilla. Que no sólo era para cocinar, atender a los herido, buscar agua, sino que era preciso reivindicar suposición social.( ).El comandante en Jefe, al defender la presencia de la mujer en lucha de liberación, defendía el papel que debla ocupar posteriormente. (REVISTA MUJERES, 1971, p. 13) Porém, a construção do discurso coloca que romper com a ordem em um espaço de poder e de construção de um ideal de masculinidade é a finalidade de Fidel. O texto indica que essa ruptura permitiria construir uma nova ordem social, na qual homens e mulheres teriam direitos iguais e o ocupar todos os espaços sociais. No entanto quem deu as mulheres esse direito foi El comandante en Jefe. O poder simbólico da atuação do comandante, coloca as mulheres como sujeitos menos importantes no processo, mesmo elas sendo agentes construtoras do processo, o discurso transfere o poder de conferir-lhes um espaço ao homem chefe, que também representa um ideal de masculinidade a ser seguido. O pesquisador Rafael Teixeira, destaca que a relação entre os guerrilheiros e a luta armada em defesa da pátria, é uma relação de amor entre os homens e a mulher-pátria. (TEIXEIRA, 2009, p. 120) Conforme ele destaca, o perfil do guerrilheiro é do herói viril, o homem-macho, que defende a mulher-pátria e conquista as mulheres. (TEIXEIRA, 2009, p. 158) Vale destacar que os anos de 1960 em Cuba, são marcados pela perseguição aos homossexuais 4, especialmente aos homens devido ao ideal de masculinidade que foi estabelecido no 4 Unidades Militares de Ayuda a la Producción (UMAP), existiram entre , e muitos homossexuais do sexo masculino, foram enviados para essas instituições. 8
9 processo de construção da nação cubana, entre o final do século XIX e meados do século XX (PAGÉS, 2002; SIERRA, 2006). Essa prática deve ser percebida dentro de um processo de legitimação de um ideal de masculinidade, que é definido pelos heróis da Revolução Cubana, o Che, o Camilo e o Fidel. Portanto, para conseguirem o reconhecimento dentro do ideal que se estabelecia as mulheres lutaram lado a lado com os homens. Essa relação entre a incorporação de um padrão de masculinidade pelas mulheres, no espaço da luta arma, é destacado por Fidel em um do discurso no ano de 1959, mas cujo trecho foi publicado em Para ele, las mujeres son tan excelentes soldados como nuestros mejores soldados hombres. (REVISTA MUJERES, 1971, p. 14) Vale destacar, que para elas serem aceitas elas deveriam lutar igual aos melhores soldados, pois se elas fossem com a maioria não seria possível legitimar sua presença na guerra. Portanto, o espaço das armas permanece como espaço de poder dos homens e eles sedem parte desse espaço para as melhores soldados. Todavia aos homossexuais se nega qualquer espaço, pois são percebidos como traidores da revolução. Uma revolução macho/viril, que cedeu alguns espaços para as mulheres, porém sem romper a ordem estabelecida. O domínio e o predomínio do poder nos espaços da guerra e da política deveriam seguir nas mãos dos homens. Nas memórias sobre a guerrilha figuram algumas mulheres. Na Revista Mujeres, ao lado do discurso de Fidel, está a foto das guerrilheiras: Célia Sánchez, Lidia Rielo, Téte Puebla e Isabel Rielo (dispostas da esquerda para direita Imagem 2). Elas com suas armas legitimam seu espaço na guerra e a identificação de guerrilheira. A posse da arma símbolo do poder do macho/viril legitima a construção de um espaço para as mulheres de poder dentro do Estado Cubano, o qual estava sendo construído pelos rebeldes barbudos. Imagem 2: Mulheres do Pelotón Mariana Grajales (1959) 9
10 Fonte: Revista Mujeres, ano 11, nº 12, de dez. de 1971, p. 15. Além dessas guerrilheiras, figuram nas páginas da Revista Mujeres outras dezessete (17) guerrilheiras, as quais constituíam o Pelotón Mariana Grajales 1) Isabel Rielo, 2) Lidia Rielo, 3) Norma Ferrer, 4) Rita Garcia, 5) Teté Puebla, 6) Olga Guevara, 7) Dolores Feria, 8) Angelina Antolin, 9) Eva Rodrigues, 10) Juana Peña Hernandez, 11) Aurora Quiñones Rodriguez, 12) Isabel Rivero Nuñez, 13) Bertha Arnau Ojito, 14) Laura Perez Rencol, 15) Orosia Soto Sardinas, 16) Benita Ramos Osorio e 17) Vicenta Duret Sarmiento. Vale destacar que durante os combates a Teté Puebla, recebeu patente de capitã, e atualmente General de Brigada das FAR. Além dela, outras desse grupo se tornaram agentes das FAR. O Pelotón é representado como um espaço de atuação das mulheres em múltiplas atividades que permitiram a vitória do Exército Rebelde. A vitória é apresenta como o resultado de múltiplas ações que uniu homens e mulheres em torno de um projeto: a revolução. As marianas para a Revista Mujeres, no ano de 1971, são todas as mulheres que construíram o processo de luta contra Batista nas cidades e na Sierra Maetras, independente dos papéis que ocuparam, são todas identificadas como componentes do Pelotón Mariana Grajales. O olhar da revista torna o pelotão em um batalhão, ao incluírem todas as atividades exercitas pelas mulheres como atividades guerrilheiras, não apenas o combate. Assim, as marianas não foram apenas às mulheres treinadas por Fidel para combaterem, mas todas que correram o risco e entram no espaço da guerra de professoras a guerrilheiras. Pois o espaço da guerra não estava restrito a Sierra Maetra e aos combates com armas, mas todas as práticas que eram contra a ditadura de Batista. Portanto, Lídia Doce e Clodomira Acosta Ferrales, as mensageiras que desapareceram, em 12 de setembro de 1958, as quais foram torturadas e assassinadas pela polícia do governo de Batista, e seus corpos nunca foram encontrados, também são marianas, considerando o posicionamento da Federación de Mujeres Cubanas, expresso na Revista Mujeres. A participação das mulheres na luta revolucionária indica a construção de um Estado marcado por uma ordem diferente. Considerando as colocações de Pierre Bourdieu, é o Estado, que dispõe de meios de impor e de inculcar princípios duráveis de visão e de divisão de acordo com suas próprias estruturas, é o lugar por excelência da concentração e do exercício do poder simbólico. (BOURDIEU, 1996: ) O Estado Cubano, colocou a masculinidade viril e os ideais da guerrilha como centrais na construção de um modelo de cidadão. As mulheres foram respeitadas por igualarem-se aos homens no espaço da guerra. Os homens não viris foram marginalizados e as mulheres femininas, mantiveram seu espaço de mulheres. 10
11 Em dezembro de 1970, nas primeiras páginas da Revista Mujeres, está uma reflexão escrita por Isolina Triay (1970), sobre Ernesto Guevarra, cujo título é: Che: El hombre del siglo XXI. A autora reafirma o modelo de masculinidade e de cubania, ao citar um fragmento dos escrito do Ernesto Guevarra, sobre o homem novo, no qual ele afirma que:... este tipo de lucha nos da oportunidad de convertinos en revolucionarios, el escalón más alto de la especie humana pero también nos permite graduarnos de hombres.... (TRIAY, 1970, p. 7) Portanto, o espaço de luta tende a ser percebido como um lugar onde se constitui homens. Essa construção discursiva, presente no Estado Cubano nos anos de 1970, tende a reproduzir as relações de poder generificadas, presentes em outros Estados militarizados no Ocidente, no mesmo período. Referências ACOSTA, Herberto Norman. La palabra empeñada. Tomo 1. La Habana: Publicaciones Del Consejo de Estado, ANDERSON, Benedict. Comunidades Imaginadas. São Paulo, Cia das Letras, BELL, José; LÓPEZ, Delia Luisa; CARAM, Tania (org.). Documentos de la Revolución Cubana La Habana, Editorial de Ciencias Sociales, BOHEMIA. Revista Bohemia, n. 53, ano 67, CASTRO, Fidel. Discurso do encerramento do 2º Congresso da Federação de Mulheres Cubanas. Havana, 29 de novembro de In. BOHEMIA, 06 de dezembro de 1974, n. 49, ano 66, p CONNELL, R. W. La organización social de la masculinidad. In: VALDÉS, T.; OLAVARRÍA, J. (eds). Masculidad/es: Poder y Crisis. Santiago, Chile: Ediciones de las mujeres, n.º 24, 1997, p Disponível em: < La_Organizacion_Social_de_la_Masculinidad_Connel,_Robert.pdf>. Acesso em: 15/01/2009. DEPARTAMENTO DE ORIENTACIÓN REVOLUCIONARIA DEL COMITÉ CENTAL DEL PARTIDO COMUNISTA DE CUBA. Seleccion de discursos Fidel Castro/Raúl Castro. La Habana, Editora Política: ESPIN, Vilma. La mujer em Cuba: história. La Habana, Cuba: Editoral de La Mujer, FEDERACIÓN DE MUJERES CUBANAS. Revista Mujeres, ano 11, nº 12, de dezembro de FERNANDES, Florestan. Da guerrilha ao socialismo: a Revolução Cubana. São Paulo: Expressão Popular, FERRER, Yolanda. La mujer en la Revolucion, las concepciones de Vilma, los analisis teoricos de la FMC sobre igualdad de género. Cuba, 27 de maio de Conferência. Arquivo FMC. GIRARDET, Raoul. Mitos e Mitologias políticas. Companhia das Letras, SP
12 PAGES, Julio Cesar G. Género y Masculinidad en Cuba: El outro lado de una historia? Revista Nueva Antropologia, n. 61, 2002, p Disponível em: < Acesso em: 18/06/2017. PAGÉS, Julio César Gonzalez. Em busca de un espacio: Historia de mujeres em Cuba. La Habana: Editorial de Ciencias Sociales, PAGÉS, Julio César Gonzalez. La Republica Femenina: Organizaciones Revolucionarias de Mujeres Universidade de Havana: Havana, RAMOS, Lucrecia Estives. El apoyo de la mujer santiaguera a la lucha contra a tirania de Batista de Trabalho de graduação. Universidad do Oriente, Faculdade de Filosofia e Historia: Santiago de Cuba, SIERRA, Abel. Del otro lado del espejo. La sexualidad en la construcción de la nación cubana, La Habana, Casa de las Américas, SUÁREZ, Eugenio Pérez; CANER, Acela A. Román. Fidel: de Cinco Palmas a Santiago. La Habana: editorial Verde Olivo, TEIXEIRA, Rafael Saddi. O ascetismo revolucionário do Movimento 26 de Julho: o sacrifício e o corpo na Revolução Cubana (1952 a 1958). Tese (Doutorado) Universidade Federal de Goiás, Faculdade de História, TRIAY, Isolina. Che: El hombre del siglo XXI. Revista Mujeres, n. 08, agosto de The Cuban Revolution and the spaces occupied by men and women Astract: The Cuban Revolution is among the great events of the twentieth century. A revolutionary process that united different forces and after the victory of the Rebel Army and its allies, the revolutionary government was instated. Heiress of a tradition that is present in the West, Cuba also constructed a discourse on its History focused on great men and an ideal of masculinity. The image of men with beards, armed and wearing military uniform is recurrent in the magazines in the 1970s. In order to contribute to the reflections in the field of gender studies, I return to look at gender relations in the space of the revolutionary struggle in Cuba. Thus, the power spaces occupied by men and women in the movements that make up the revolutionary struggle in the 1950s are analyzed, observing the Cuban state's press discourses in the 1970s. This study aims to identify constructions of femininities and masculinities in discourses Of the 1970s. It is observed that the construction of Cuba's official history is marked by war. A construction that gives meaning to gender relations, which establishes the military man, warrior as a model of citizenship, as well as tends to define the woman as the mother of the warriors. To orient the reflections is used the gender as category of analysis, as well as, the concepts of hegemonic masculinity and identity. The sources are publications of the Cuban State and bibliographies. Keywords: Cuban Revolution; gender-spaces; masculinities and femininities; armed struggle. 12
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