Pós-Graduação em Ciência da Computação. Por. Dissertação de Mestrado
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- Giuliana Carlos Godoi
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1 Pós-Graduação em Ciência da Computação ACESSO À INFORMAÇÃO VERSUS DIREITO DE AUTOR: A BUSCA DO EQUILÍBRIO NO CONTEXTO DA CULTURA DIGITAL Por RAQUEL LIMA SARAIVA Dissertação de Mestrado Universidade Federal de Pernambuco posgraduacao@cin.ufpe.br RECIFE/2014
2 UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE INFORMÁTICA PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIA DA COMPUTAÇÃO RAQUEL LIMA SARAIVA ACESSO À INFORMAÇÃO VERSUS DIREITO DE AUTOR: A BUSCA DO EQUILÍBRIO NO CONTEXTO DA CULTURA DIGITAL" ESTE TRABALHO FOI APRESENTADO À PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIA DA COMPUTAÇÃO DO CENTRO DE INFORMÁTICA DA UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO COMO REQUISITO PARCIAL PARA OBTENÇÃO DO GRAU DE MESTRE EM CIÊNCIA DA COMPUTAÇÃO. ORIENTADOR(A): RUY JOSÉ GUERRA BARRETTO DE QUEIROZ RECIFE, 2014
3 Catalogação na fonte Bibliotecária Jane Souto Maior, CRB4-571 S243a Saraiva, Raquel Lima Acesso à informação versus direito de autor: a busca do equilíbrio no contexto da cultura digital. / Raquel Lima Saraiva. Recife: O Autor, f.: il., fig., tab. Orientador: Ruy José Guerra Barretto de Queiroz. Dissertação (Mestrado) Universidade Federal de Pernambuco. CIn, Ciência da Computação, Inclui referências. 1. Ciência da computação. 2. Direitos autorais. 3. Sociedade da informação. 4. Legislação. I. Queiroz, Ruy José Guerra Barretto de (orientador). II. Título. 004 CDD (23. ed.) UFPE- MEI
4 Dissertação de Mestrado apresentada por Raquel Lima Saraiva à Pós-Graduação em Ciência da Computação do Centro de Informática da Universidade Federal de Pernambuco, sob o título Acesso à Informação versus Direito de Autor: a busca do equilíbrio no contexto da cultura digital orientada pelo Prof. Ruy Jose Guerra Barretto de Queiroz e aprovada pela Banca Examinadora formada pelos professores: Prof. Hermano Perrelli de Moura Centro de Informática/UFPE Prof. Carlos Affonso Pereira de Souza Faculdade de Direito /UERJ Prof. Ruy Jose Guerra Barretto de Queiroz Centro de Informática /UFPE Visto e permitida a impressão. Recife, 27 de agosto de Profa. Edna Natividade da Silva Barros Coordenadora da Pós-Graduação em Ciência da Computação do Centro de Informática da Universidade Federal de Pernambuco.
5 Aos meus pais.
6 Agradecimentos Eis o momento, aquele tão esperado, tanto por mim, quanto por todos os que acompanharam esse processo de perto. O momento do fim. E ele finalmente chegou. Gostaria de agradecer à minha família: meu pai, Robstaine, minha mãe, Espedita, e meu irmão, Robinho, pelo incentivo e pela paciência de sempre e pelo suporte. Amo vocês. A outra parte da família: minha madrinha e tia Amparo, Rafael, Ester. Estes, em especial, pois tinham sempre alguma ajuda a dar, uma palavra de incentivo, ou mesmo de bronca, nos momentos necessários. Mas agradeço a todos os demais familiares pela compreensão em especial das minhas ausências, pelo incentivo, pelo interesse demonstrado, pela energia positiva, enfim, por ser família. Aos amigos Paulo Padovan e Sandra Friedman, eu não sei nem por onde começar. Todas as nossas (muitas) conversas e nossos (muitos) cafés estão nesse trabalho. Todos os s, os materiais trocados, as aulas, a revisão dos textos, os elogios, as críticas, tudo está aqui. Toda essa jornada teria sido muito mais difícil sem a presença de vocês. Serei grata para sempre. Aos demais membros dos grupos Segurança Computacional e Tecnologia, Lei e Sociedade, colegas de orientação, meu eterno agradecimento por apoiarem e ajudarem o povo de direito! Ao Povo da Dança, por ter me feito companhia sempre, me ajudado a relaxar e também pela compreensão em virtude das ausências. Por terem se disposto a me ajudar lendo o trabalho, mesmo sem entender sobre o que se tratava (Betania e Tássia, essa é pra vocês). Pelas palavras de incentivo e elogio sempre presentes também. Mas eu acho que a pessoa que mais pode reclamar da minha distância é Luiza. E ainda assim ela me compreendeu. Pelo conjunto da obra, amiga, muito obrigada. A alguns amigos de longe: Larissa Macedo, Sandra Malveira, Thomas Kefas. Vocês também são um tantinho responsáveis por isso aqui. Obrigada. Por fim, mas não menos importante, ao meu orientador Ruy, que primeiro me inspirou, através dos seus escritos, a seguir por esse estudo. E
7 depois aceitou o desafio e bancou minhas doidices. Obrigada, Professor, e desculpe os aperreios.
8 No matter what anybody tells you, words and ideas can change the world. John Keating (WILLIAMS, Robin), Dead Poets Society, 1989.
9 Resumo Desde o surgimento da prensa de Gutemberg, a preocupação com os direitos sobre as obras intelectuais dos autores e editores levou à criação de leis para proteção dos direitos de compartilhamento, reprodução e exploração comercial, além dos chamados direitos morais do autor. A Internet, construída inteiramente por meio de padrões abertos e colaborativos, transformou o modo de produção de conteúdo, descentralizando-a e facilitando o surgimento de uma nova economia baseada nos commons, que se opõe à produção cultural antes feita apenas pela mídia de massa e reconhece os usuários comuns como produtores de bens culturais na mesma medida que a própria indústria. Diante desse novo cenário, cresce a necessidade de tratar os outros direitos fundamentais da mesma forma que os direitos autorais. Acesso à informação, liberdade de expressão e acesso à cultura também fazem parte do arcabouço de proteção constitucional, além de serem amparados por tratados internacionais, na mesma medida que os direitos de autor. Por meio de revisão da literatura, este estudo traça um panorama legal dos direitos aqui mencionados, estabelecendo sua relação com a cultura da Internet e seus princípios originais, desde sua criação até os dias atuais, além de sugerir possíveis modificações a serem abarcadas pela lei autoral brasileira, a fim de atualizá-la e aproximá-la do atual momento tecnológico da sociedade. Palavras-chave: Direitos autorais. Propriedade intelectual. Direitos humanos. Direitos fundamentais. Ciberespaço. Cibercultura. Sociedade da informação. Tecnologia da informação.
10 Abstract Since the emergence of the Gutenberg press, the concern about the rights on the intellectual works of authors and editors led to the creation of laws to protect the rights of sharing, reproduction and commercial exploration, in addition to the so-called moral rights of the authors. The Internet, built entirely through open and collaborative patterns, has transformed the way the content is generated by decentralizing it and facilitating the emergence of a new economy based on commons, which opposes to the cultural production prior made only by the mass media and recognizes the common users as producers of cultural goods to the same extent as the industry itself. This new scenario increases the need to address other fundamental rights in the same way as copyrights. Access to information, freedom of speech and access to the culture are also part of the framework of constitutional protection, and are protected by international treaties to the same extent as copyright. Through literature review, this study provides a legal overview of the rights mentioned herein, establishing their relationship with the culture of the Internet and its original principles, since its inception to the present day, and suggests possible modifications to be embraced by Brazilian copyright law, in order to update it and bring it closer to the current technological moment of the society. Key words: Copyright. Intellectual property. Human rights. Fundamental rights. Cyberspace. Ciberculture. Information society. Information technology.
11 Lista de Figuras Figura 1 Web 2.0 Meme Map Figura 2 A ampulheta da Internet... 50
12 Lista de abreviaturas e siglas apud Ibidem Abreviaturas Junto a; citado por Na mesma obra citada anteriormente Creative Commons Defense Advanced Research Projects Agency Digital Millenium Copyright Act Digital Rights Management Electronic Frontier Foundation Federal Bureau of Investigation HyperText Markup Language Hypertext Transfer Protocol Internet Architecture Board Internet Engineering Task Force Internet Protocol Internet Society Massachusetts Institute of Technology Network Control Protocol Peer-to-peer Protect IP Act Siglas CC DARPA DMCA DRMs DUDH EFF EUA FBI HTML HTTP IAB IDEC IETF IP ISOC LDA MIT MSL NCP p2p PIDESC PIPA Declaração Universal dos Direitos Humanos Estados Unidos da América Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor Lei de Direitos Autorais Instituto de Tecnologia de Massachusetts Movimento do Software Livre Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais
13 Request for comments RFC Really Simple Syndication RSS Simple Mail Transfer Protocol SMTP Stop Online Piracy Act SOPA Stanford Research Institute SRI Transmission Control TCP Protocol Technological Protection TPMs Measures Trans-Pacific Partnership TPP Agreement Agreement on Trade-Related TRIPS Aspects of Intellectual Property Rights University of California, Los Angeles User Datagram Protocol World Wide Web World Intellectual Property Organization UCLA UDP UNESCO WWW WIPO Medidas de Proteção Tecnológica Acordo sobre Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados ao Comércio Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura Organização Mundial de Propriedade Intelectual
14 Sumário Introdução Motivação: práticas diárias, contrárias às leis de direito autoral, proporcionadas pelas novas tecnologias Contextualização do problema Hipótese Questões de Pesquisa Objetivos Metodologia Contribuição/Resultados Esperados Estrutura do Trabalho Capítulo Teoria Dos Direitos Fundamentais Do Homem Inspiração e fundamentação dos Direitos Fundamentais Conceito de Direitos Fundamentais As Gerações dos Direitos Fundamentais Primeira Geração : Revoluções Liberais Segunda Geração : Revolução Industrial Terceira Geração : Segunda Guerra Mundial As novas Gerações : Contemporaneidade Direitos Fundamentais nas normas internacionais Direitos Fundamentais na Constituição Brasileira Direitos Fundamentais tratados neste trabalho Liberdade Liberdade de expressão Direito de acesso à informação... 37
15 Pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes de cultura nacional Direito de autor Capítulo O surgimento da Internet e a mudança de paradigma na produção e no consumo de conteúdo cultural Breve história da Internet O nascimento da Cibercultura Web 2.0, produção descentralizada de conteúdo e cultura livre O desenvolvimento de uma economia de informação em rede (Benkler) Capítulo Conflito: acesso à informação e liberdade de expressão versus direitos de autor Responsabilidade civil por conteúdo gerado por terceiro na Internet Instrumentos legislativos de limitação aos direitos autorais: fair use nos EUA e exceções e limitações no Brasil A reação da indústria de conteúdo: a ilegalidade das Techonological Protection Measures O papel do domínio público no processo de democratização da informação Capítulo Direitos Humanos, Propriedade Intelectual e Internet Panorama de proteção internacional dos direitos humanos Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948) Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais Outros instrumentos internacionais Legislações nacionais... 81
16 4.2. O caso Aaron Swartz: quando a perseguição a valores equivocados termina em tragédia A necessária reforma da LDA Considerações Finais Referências... 97
17 16 Introdução To live a creative life, we must lose our fear of being wrong. 1 Joseph Chilton Pearce 1. Motivação: práticas diárias, contrárias às leis de direito autoral, proporcionadas pelas novas tecnologias. Alguém sobe para o Youtube um vídeo com a letra para a música recém-lançada do seu artista preferido. Ou adquire legitimamente uma faixa musical no itunes e transfere para o seu celular, para ouvir enquanto se exercita na academia. Ou procura aquele filme antigo clássico numa rede peerto-peer, pois já não consegue encontrá-lo por outros meios. Todas essas ações, entre tantas outras, tornaram-se corriqueiras para os usuários da Internet no mundo inteiro. Isso porque a grande rede e suas ferramentas proporcionaram uma facilidade enorme de transferência de arquivos, cópias de bens intelectuais, de modo que grande parte das coisas que são possíveis de se fazer na rede são ilícitas, mas ninguém tem consciência disso. Então, pensemos: com que objetivo tais condutas são consideradas ilícitas? O direito autoral surgiu para proteger editores. Sob a alcunha de direito de autor, na verdade, protegia os direitos dos comerciantes de livros, concedendo privilégios para a publicação de obras literárias e de escritos em geral. Os comerciantes de livros, organizados em corporações, passaram a ser os únicos detentores da prerrogativa de publicar as obras sob seu controle (FRAGOSO, 2009, p. 47). Há registros de que o primeiro privilégio de impressão foi concedido a Giovani Spira, em 1449, para edição das Cartas de Cícero. Outros autores informam que o primeiro privilégio teria sido o de Aldo Manunzio. Mas o fato é que a partir da invenção da prensa de Gutemberg, quando o livro passa a ser 1 Para viver uma vida criativa, nós devemos perder nosso medo de estar errados. Tradução livre. 16
18 17 objeto industrial, os livreiros tem sua atividade expandida, que viriam a ser os futuros editores internacionais (FRAGOSO, 2009, p ). Como na Europa as fronteiras são muito próximas e muito fáceis de serem ultrapassadas, viu-se a necessidade de criação de normas internacionais uniformes e recíprocas, que garantissem tratamento igualitário entre nacionais e estrangeiros (FRAGOSO, 2009, p. 73). Assim foi que surgiram os primeiros tratados internacionais que versavam sobre direitos autorais. O primeiro, a Convenção de Berna, em 09 de setembro de 1886, demonstra o prestígio já atingido pelos autores literários e musicais no século XIX e a internacionalização do comércio das artes e da literatura (FRAGOSO, 2012, p. 198). Então, desde a origem, o sistema de proteção do direito de autor é, na verdade, um sistema de proteção aos modelos de negócio existentes a cada tempo. Regula-se cada vez mais a exploração comercial da obra, ao pretexto de se conceder ao autor um monopólio temporário sobre sua obra para estimular cada vez mais a produção cultural da comunidade. E para haver uma proteção internacional efetiva, convencionou-se considerar o direito de autor um direito fundamental, elencando-o nas mesmas bases que os direitos políticos e as liberdades individuais. Como forma de compensação, criaram-se dispositivos mitigadores dos direitos autorais: exceções e limitações, no sistema continental, e fair use, no sistema baseado no copyright norte-americano. Tais medidas servem para assegurar o acesso às obras independente de autorização do titular dos direitos autorais, na busca de um equilíbrio entre direito exclusivo e acesso à informação. Entretanto, dadas as circunstâncias de proteção hoje existentes, tais dispositivos não tem surtido muito efeito prático. Daí se chega à resposta para a pergunta formulada anteriormente: as condutas exemplificadas no início dessa discussão são consideradas ilícitas em virtude da superproteção existente aos modelos de negócios fundamentados em direitos autorais. Cada vez mais condutas realizadas online, utilizando-se de ferramentas tecnológicas, 17
19 18 são consideradas ilícitas para proteger os detentores dos direitos de exploração econômica da obra. Com isso, usuários da Internet infringem direitos de autor e, agora, por pressão da indústria, a qual os priva de acesso ao conteúdo protegido sob o pretexto do prejuízo financeiro com o qual tem que arcar porque ações online dos usuários não pagam os royalties devidos pela exploração do conteúdo. 2. Contextualização do problema Antes de adentrar na especificidade do tema, convém um esclarecimento sobre as teorias que justificam a existência da proteção por direitos autorais. Existem quatro principais teorias que explicam a adoção do sistema de direito autoral, cada uma com uma perspectiva diferente sobre a justificativa da referida proteção. São elas: a Teoria do Trabalho (Labor Theory, ou Fairness Theory), a Teoria da Personalidade (Personality Theory), a Teoria do Bem Estar (Welfare Theory ou Utilitarian Theory) e a Teoria do Planejamento Social (Social Planning Theory ou Cultural Theory). A Teoria do Trabalho se baseia nos escritos de John Locke, mais especificamente no Segundo Tratado sobre o Governo Civil, capítulo 5 (cinco), em que ele trata da propriedade. Em síntese, Locke afirma que uma pessoa que trabalha com recursos que estão disponíveis a todos tem o direito natural aos frutos do seu trabalho, e que o Estado tem a obrigação de respeitar e aplicar esse direito natural (FISHER III, 2001, p. 3). Esse trabalho, claro, engloba o trabalho intelectual através do qual as obras intelectuais nascem. Assim é que se pode concluir, pelos escritos de Locke, que uma invenção que gera uma patente não existiria sem o esforço do inventor, razão pela qual se justificaria a concessão da referida patente (FISHER III, 2001, p.3). A segunda perspectiva, a Teoria da Personalidade, baseia-se na obra de Kant e Hegel e afirma que os direitos de propriedade privada são cruciais para a satisfação de algumas necessidades humanas básicas. Assim, a 18
20 19 propriedade intelectual se justifica pelo fato de que ela blinda de apropriação ou modificação os artefatos através dos quais os artistas e autores expressaram suas vontades. Ou seja, eles têm uma espécie de laço sentimental com a criação (FISHER III, 2001, p.4). Além disso, esta teoria fornece as bases para a existência dos direitos morais do autor, como o direito de atribuição (de ver a autoria atribuída ao trabalho), de integridade e o direito de tornar a obra pública. Já a Teoria do Bem Estar é fundada na obra de John Stuart Mill e foca no bem estar da sociedade como um todo. A lei de direito autoral deve ser escrita para que promover o maior bem para o maio número de pessoas (FISHER III, 2001, p.9). É uma teoria de incentivos: o sistema deve ser capaz de induzir autores em potencial a produzir trabalhos dos quais todos se beneficiarão (FISHER III, 2001, p.10). Por último, a Teoria do Planejamento Social: os direitos de propriedade intelectual devem ser moldados para ajudar a construir uma sociedade de uma cultura justa e atrativa. É similar ao utilitarianismo na orientação, mas diferente no seu desejo de implantar uma visão de sociedade mais rica do que as concepções de bem estar social almejadas pela Welfare Theory (FISHER III, 2001, p.4). Para os propósitos do presente trabalho, a teoria que escolhemos para basear todo esse estudo é esta última. Vejamos as razões. O professor William Fisher, da Universidade de Harvard, nos Estados Unidos, apresenta a sua versão do que seria uma cultura atrativa e justa, com as seguintes características: (a). Bem Estar do Consumidor: é necessária uma combinação de regras que maximize o bem estar do consumidor equilibrando os incentivos para a criatividade com incentivos para disseminação e uso; (b). Uma cornucópia de Informação e Ideias: uma cultura atrativa é aquela em que os cidadãos têm acesso a uma enorme gama de informação ideias e formas de entretenimento, pois isso também é crucial para a obtenção de duas condições centrais para a maioria concepções da boa vida: 19
21 20 autodeterminação e auto expressão, ambas por incentivar uma condição geral de diversidade cultural; (c). Rica Tradição Artística: quanto mais complexa e ressonante é a linguagem compartilhada de uma cultura, mais oportunidades ela oferece aos seus membros para a criatividade e sutileza na informação; (d). Justiça Distributiva: na medida do possível, todos devem ter acesso aos recursos informativos e artísticos acima descritos; (e). Democracia Semiótica: em uma sociedade atrativa, todas as pessoas seriam capazes de participar do processo de fabricação de significado. Em vez de serem apenas consumidores passivos de artefatos culturais produzidos por outros, seriam produtores, ajudando a moldar o mundo de ideias e símbolos em que vivem; (f). Sociabilidade: uma sociedade atrativa é aquela rica em comunidades de memória. O reconhecimento da importância de autodeterminação para a boa vida não aponta em direção a uma sociedade caracterizada pelo individualismo radical; pelo contrário, ele sugere que nós nos esforçamos para cultivar uma sociedade rica em oportunidades para a comunidade; (g). Respeito: A Democracia Semiótica não implica que as pessoas devem ser livres para manipular as criações de terceiros sem quaisquer restrições. A valorização do grau em que a auto expressão é muitas vezes uma forma de autocriação deve fazer com que as pessoas tenham respeito pelo trabalho das outras (FISHER III, 1998). É esse tipo de sociedade ideal que este trabalho gostaria de propor. Uma sociedade em que são reconhecidos os direitos de propriedade intelectual, mas também onde os cidadãos podem ter acesso aos bens intelectuais, a fim de criar a sociedade justa e atrativa a todos. 3. Hipótese A hipótese do presente trabalho assevera que os sistemas de propriedade intelectual devem considerar sua função social, passando de um 20
22 21 paradigma individualista exclusivamente protetivo dos direitos de autor para um paradigma coletivista, que contemple as dimensões sociais do direito autoral, buscando o adequado equilíbrio entre a proteção dos direitos de autor e a proteção aos direitos à educação, ao acesso ao conhecimento e à informação e à liberdade de expressão, assegurados pelos diversos tratados internacionais de proteção aos direitos humanos. 4. Questões de Pesquisa A fim de responder o problema central Como equilibrar proteção e acesso a bens intelectuais na era digital?, fazemos os seguintes questionamentos: (a). O direito autoral é considerado um direito fundamental? (b). Quais as mudanças trazidas pela Internet no comportamento das pessoas quanto ao consumo de bens intelectuais? (c). Quais as mudanças a serem implementadas nos regimes de proteção aos direitos autorais para que eles se adaptem às transformações tecnológicas? 5. Objetivos A proposta do presente trabalho é estimular as discussões sobre a Cibercultura e sobre a presença dos direitos autorais nas atividades cotidianas dos usuários da Internet. Ao mesmo tempo, mas sem querer exaurir o tema, dada a sua complexidade, busca-se estimular a reflexão sobre as mudanças ocorridas no mundo e como o direito acompanha a inserção tecnológica na vida dos cidadãos. O presente trabalho não se propõe a exaurir as discussões sobre os temas aqui tratados, dada a sua complexidade. Todavia, presta-se a apresentar uma visão panorâmica da situação vivenciada cada vez mais de perto pelos usuários da Internet, no que se refere às ações cotidianas de infração aos direitos autorais e como elas são tratadas pelos diversos agentes envolvidos. 21
23 22 Da mesma forma, não é nosso objetivo fornecer um novo projeto de Lei de Direitos Autorais, mas apenas sugerir algumas mudanças que podem beneficiar o interesse coletivo no acesso às obras protegidas. 6. Metodologia Trata-se de uma pesquisa exploratória, que visa analisar o estado da arte sobre os temas postos em debate. O estudo foi feito, principalmente, através de revisão da literatura. 7. Contribuição/Resultados Esperados Espera-se, com o presente trabalho, fazer uma contribuição sobre as modificações legislativas, econômicas e culturais que podem ser feitas a fim de que se estimule a produção cultural sem necessariamente restringir acesso aos bens intelectuais, contribuído, assim, para o crescimento da visão de cultura atrativa e justa da sociedade. 8. Estrutura do Trabalho O trabalho está estruturado da seguinte forma: O Capítulo 1 trata do conceito de direitos fundamentais, o histórico de surgimento dessa figura, a divisão doutrinária entre gerações e ao final, faz um apanhado dos direitos fundamentais específicos que serão abordados ao final da discussão. O Capítulo 2 trata de alguns conceitos relativos à Internet: um breve histórico de seu surgimento, para, em seguida, trazer à tona as modificações ocorridas nos costumes dos usuários com o surgimento da Internet e de suas potentes ferramentas. Sobre isso, falamos do conceito de Cibercultura de Pierre Levy, a Web 2.0 e o surgimento da economia em rede de Yochai Benkler. O Capítulo 3 entra na parte de discussão jurídica dos direitos autorais e seu conflito com os demais direitos humanos. Tratamos da responsabilidade civil por conteúdo gerado por terceiros na Internet; do fair use norte-americano e das exceções e limitações na lei brasileira como instrumentos limitadores do direito autoral; das medidas de proteção tecnológicas e porque são 22
24 23 consideradas ilegais; e, finalmente, do papel do domínio público na difusão de conhecimento e informação. O Capítulo 4 discute o panorama dos direitos humanos: sua proteção, tanto nacional quanto internacional. Em seguida, apresenta como exemplo o caso Aaron Swartz, numa tentativa de mostrar que, de fato, há uma supervalorização e uma consequente superproteção dos direitos autorais em detrimento dos demais direitos humanos aqui abordados e que com ele fazem fronteira. Ao final, destacamos a necessidade de reforma da Lei de Direitos Autorais brasileira, para que ela se pareça mais moderna e mais adequada aos novos tempos de tecnologias da informação, sempre buscando enfatizar crescimento da visão de cultura atrativa e justa da sociedade. 23
25 24 Capítulo 1 Teoria Dos Direitos Fundamentais Do Homem How wonderful is that nobody need wait a single moment before starting to improve the world Inspiração e fundamentação dos Direitos Fundamentais Anne Frank A doutrina francesa reconhece como principal fonte das declarações de direitos o pensamento cristão e a concepção de direitos naturais. Entretanto, o que se tem de fato é que não há propriamente uma inspiração dessas declarações. O que houve foram reivindicações e lutas com o objetivo de conquistar os direitos posteriormente positivados. A ideia de direitos como justiça, igualdade, liberdade e dignidade da pessoa humana sempre esteve presente em todas as sociedades. Portanto, a noção de direitos do homem é tão antiga quanto a própria sociedade (MARMELSTEIN, 2013, p. 27). E, quando as conjunturas sócio-político-culturais permitiram, surgiram as declarações de direitos do homem como documentos formais de garantia dos direitos básicos, hoje conhecidos como direitos fundamentais. Para se entender o surgimento da noção de direitos fundamentais, convém citar o pensamento de dois filósofos dos séculos XVI/XVII, quais sejam, Hobbes e Maquiavel. Thomas Hobbes, em seu Leviatã, expressa a célebre frase o homem é o lobo do homem. O significado disso é bem pessimista. Diz respeito à essência egoísta e ambiciosa do homem, que possui, segundo ele, um perpétuo e irrequieto desejo de poder e mais poder, que cessa apenas com a morte (HOBBES, 2003). Ainda nos termos de Hobbes, a única forma de se obter a paz seria conferindo todo o poder ao Estado personificado no soberano; este, por sua vez, possuiria um poder absoluto, sem qualquer submissão às leis. O soberano seria juiz de seus próprios atos, apenas prestaria contas a Deus. Este, portanto, foi o argumento teórico utilizado para justificar o Estado Absolutista, 2 Que maravilha é que ninguém precisa esperar um momento para começar a melhorar o mundo. (Tradução livre) 24
26 25 modelo político adotado por quase todos os países ocidentais até o século XVIII. Nicolau Maquiavel, por sua vez, foi o autor do clássico O príncipe, publicado em 1512, que aconselhava que o soberano deveria fazer o possível para se manter no poder. Para ele, haveria dois modos de manter o poder, um com base nas leis, próprio do homem, outro com base na força, próprio dos animais. E dizia que ao príncipe seria importante saber se comportar das duas formas. Maquiavel defendia as guerras e afirmava como importante conquistar e subjugar outros países, aniquilar os inimigos, destruir os que ameaçam o poder do soberano. Portanto, o resultado da mistura dos dois pensamentos aqui expostos é um Estado forte, absoluto, sem limites, onde o soberano poderia cometer toda sorte de barbaridades para se manter no poder. Para isso, a lei não seria obstáculo. A noção de direitos fundamentais como normas jurídicas limitadoras do poder estatal surge justamente como reação ao Estado absoluto, representando o oposto do pensamento maquiavélico e hobbesiano. Os direitos fundamentais pressupõem um Estado juridicamente limitado (Estado de direito/separação de poderes) e que tenha preocupações éticas ligadas ao bem comum (direitos fundamentais/democracia). (MARMELSTEIN, 2013, p. 33) Assim, para que os direitos fossem instituídos, necessário se fez o surgimento de uma nova concepção de Estado, que ficou conhecido como Estado democrático de direito. Como fundamentação teórica, tem-se agora o pensamento do inglês John Locke, que, em 1690, publicou sua obra Segundo tratado sobre o governo. Nela, Locke afirma que os homens são livres, iguais e independentes e voluntariamente se unem para formar a sociedade civil, transferindo parte de sua liberdade natural para a comunidade ao consentir em respeitar as leis. Estas, por sua vez, não devem ser impostas unilateralmente por um soberano, mas pactuada por todos os membros da sociedade. 25
27 26 Para Locke, e aí reside a grande diferença entre o seu pensamento e os absolutistas, o soberano também deveria se subordinar às leis, resultando, então, nas bases do Estado democrático de direito. A partir daí, então, começou-se a pensar num sistema em que se fossem evitados os abusos estatais e, consequentemente, protegesse os cidadãos. O Barão de Montesquieu afirmou, então, com precisão cirúrgica, que para que não se possa abusar do poder, é preciso que, pela disposição das coisas, o poder freie o poder (MONTESQUIEU, 1997, p. 200), criando, então, o famoso sistema de freios e contrapesos (checks and balances). Por sua vez, o francês Jean-Jacques Rousseau, em seu Contrato Social, afirma que a finalidade do Estado passa a ser a busca do bem comum, deixando para trás a noção de satisfação dos interesses de uma pequena parte da sociedade. Diz ele: Encontrar uma forma de associação que defenda e proteja de toda força comum a pessoa e os bens de cada associado, e pela qual, cada um, unindo-se a todos, não obedeça senão a si mesmo, e permaneça tão livre quanto anteriormente. Tal é o problema fundamental cuja solução é dada pelo contrato social. (ROUSSEAU, 1988, p. 30) Baseada nesses dois últimos pensadores, então, a Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, aprovada no auge da Revolução Francesa, estatui, em seu artigo 16, que o Estado que não reconhece os direitos fundamentais, nem a separação de poderes, não possui Constituição. E assim se mantém o pensamento na maioria dos países ocidentais, que adotam a separação de poderes em Executivo, Legislativo e Judiciário, assim como concede ao povo a função de elaboração de leis e a elas submete o governante Conceito de Direitos Fundamentais Para se chegar a um conceito de direitos fundamentais, necessária se faz uma digressão sobre o conteúdo ético destes direitos. 26
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