Dilemas de um mundo altamente conectado

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1 Dilemas de um mundo altamente conectado Paula Costa de Andrada É inegável que nos dias atuais torna-se cada vez mais comum a utilização das mídias eletrônicas, por meio de dispositivos móveis e computadores com acesso à internet para diversas atividades. Entre estas podemos citar: busca por fontes de dados e conhecimento; acessos a notícias (sites de buscas, artigos científicos, livros, revistas, jornais); entretenimento (jogos, músicas, filmes, informações sobre atividades de lazer); redes de relacionamento e comunicação (Facebook, MySpace, chats online, Orkut, WhatsApp, Twitter, , blogs); compras online; serviços bancários; além da possibilidade de se trabalhar em casa via compartilhamento de rede, acesso a redes profissionais (Linkedin) e de estudos à distância. Parece que não há mais como vivermos sem a internet, cujo valor é inquestionável. Esse aumento do uso da web nos coloca frente a um movimento que se constitui, a um só tempo, de uma diminuição do mundo, na medida em que nos dá a impressão de estarmos mais conectados com as pessoas, porém o que vem se constatando é que as tecnologias digitais podem estar tornando as pessoas mais dependentes e isoladas, ampliando, dessa forma, a distância entre essas pessoas. O que vemos nos dias de hoje é que a utilização virtual tem provocado uma série de questões problemáticas conforme veremos no decorrer deste texto. André Malbergier, médico e professor do Departamento de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo e coordenador do Grupo Interdisciplinar de Estudos de Álcool e Drogas (GREA), em entrevista ao Dr. Dráuzio Varela, diz que é cada vez mais comum as pessoas permanecerem horas conectadas, principalmente crianças e adolescentes. O computador passou a substituir a televisão como babá eletrônica, uma vez que ele é muito mais sedutor, já que a TV não tem interatividade e o computador sim, o que acaba prendendo muito mais a atenção de quem o acessa aumentando os riscos de dependência. Esta utilização desenfreada acaba por limitar o tempo de convivência com a família, com os amigos, ou nas refeições compartilhadas para o entrevistado, são comportamentos similares ao de usuários de drogas.

2 O médico aponta que pessoas com problemas de relacionamento social, fobias sociais, timidez ou depressão, ao invés de buscarem ajuda profissional acabam se isolando no conforto das mídias eletrônicas e, em um ciclo vicioso, pioram o quadro patológico trazendo prejuízos sociais, financeiros e profissionais. Esta preocupação, no que tange ao uso compulsivo da internet, tem sido um dos focos de investigação do Ambulatório Integrado de Transtornos de Controle de Impulso do Instituto de Psiquiatria (PRO-AMITI) do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP. Quando falamos em comportamentos compulsivos pensamos em álcool, drogas, cigarro, porém, de acordo com o PRO-AMITI, cada vez mais pessoas buscam ajuda para o tratamento das dependências tecnológicas (internet e vídeo game). O ambulatório do Hospital das Clínicas revela que, devido ao crescimento acelerado do acesso a internet e de uma crescente tendência ao sedentarismo e à reclusão emocional, muitos casos de dependência tecnológica tem surgido na atualidade. De acordo com a Agência Estado (2013), em referência à pesquisa realizada pela Cisco 1 em 2013 com jovens nascidos entre 1980 e 2000, os usuários valorizam sobremaneira a socialização entre seus pares e acompanhar o dia a dia de pessoas próximas nas redes sociais se tornou tarefa comum: 60% dos entrevistados checam compulsivamente as atualizações de seus dispositivos móveis, 87% são usuários do Facebook e dois terços afirmaram se relacionar mais com familiares e amigos pelas redes sociais do que pessoalmente; sendo que no Brasil, o número é maior: 73%. A pesquisa revela ainda que, para esta parcela dos entrevistados, o ato de conferir as atualizações nos sites de relacionamento é a primeira e a última coisa que fazem no dia e ainda e 46% fazem uso durante as refeições. Para além da utilização da internet de forma genérica, a utilização das redes sociais de relacionamento têm tido um destaque na rede. Destaque este 1 A Cisco Systems, Inc. é uma companhia multinacional sediada na Califórnia (EUA) cuja atividade principal é oferecer soluções para redes e comunicações tanto na fabricação, venda e prestação de serviços. Nesta pesquisa da Cisco, foram entrevistadas pessoas, de 18 a 30 anos, entre trabalhadores e estudantes universitários de 18 países.

3 que também tem gerado preocupação dos especialistas. A psicóloga do PRO- AMITI, Dora Góes, revela que hoje, 25% dos pacientes que buscam ajuda do programa têm problemas de dependência com as redes sociais e, segundo ela, estes números tendem a aumentar. O vício em redes sociais é similar ao da dependência química: o viciado em Facebook sente necessidade incontrolável de acessar, se expor, ler outros perfis, sempre com mais frequência. Declara, ainda, que há sintomas de crise de abstinência quando se está off line e o usuário pode sentir ansiedade, irritabilidade e até depressão longe das redes sociais. Freire (2007) vê em sites de relacionamento, como o Facebook, um perigo por colocar os usuários dentro de uma bolha que limita as interações. O autor questiona que a complexidade e diversidade de nossos sentimentos e nossa interação com os amigos virtuais só pode ser vivenciada por meio de um mínimo de realismo empobrecido pela falta de opções que oferecem as plataformas da internet, o que nos permite desenvolver apenas uma pequena parte do nosso repertório social. Na vida real temos a chance de usar múltiplos canais de comunicação pessoal de forma flexível e personalizada, e isto é o que promove vínculos sociais mais intensos e interessantes. Um estudo realizado na Alemanha por Krasnova, Wenninger, Widjaja, Buxmann (2013) chamado: Inveja no Facebook: uma ameaça velada à satisfação de vida dos usuários ; mostra que os sites de relacionamento podem provocar um nível elevado de inveja, infelicidade e solidão. A pesquisa aponta que um terço das pessoas sente-se mais infeliz após acessar o Facebook e o principal motivo destacado é o sentimento de inveja despertado após a visualização de fotos de férias compartilhadas por amigos em suas viagens. O segundo motivo de inveja são as interações sociais divulgadas na rede, desde eventos como festas, até o número de comentários e curtidas e a quantidade de parabéns recebidos. Os sentimentos negativos causados pela exposição da vida alheia deixam os usuários mais tristes, frustrados, solitários e raivosos. Marcelo Bernstein (2013), psicanalista e jornalista, mostra uma preocupação com os rumos da internet na atualidade, em que todos estão interligados aos outros pelas redes sociais - que têm o objetivo de facilitar as interações entre as pessoas - contudo, em sua opinião nunca estivemos tão distantes da conexão real, entre as pessoas, seja afetiva ou socialmente (p.1).

4 O autor destaca que as pessoas preferem passar mais tempo online do que no convívio face a face. Interagir no mundo real está ficando cada vez mais difícil porque, mesmo que haja uma proximidade física entre conhecidos durante um almoço ou reunião social, por exemplo, as pessoas permanecem conectadas aos seus dispositivos móveis. Podemos constatar esta afirmação de Bernstein apenas olhando ao nosso redor no metrô, ônibus, festas, escolas, shoppings; há um grande volume de pessoas plugadas, mesmo que acompanhadas. Isto tem se tornado um hábito muito comum. Bernstein expõe que as pessoas estão, paradoxalmente, conectadas com o mundo, porém mais solitárias, deprimidas e ansiosas procurando por todo tipo de atenção revelando um quadro de carência afetiva aguda. Dicas finais Cabe ressaltar que o bom uso da internet pode trazer vantagens positivas ao usuário conforme destacado no início deste texto. Para tanto é importante que os usuários tomem alguns cuidados, assim como pais de crianças e adolescentes, bem como as escolas. É necessário um trabalho de todos no sentido de educar, instruir e conscientizar crianças e jovens para o uso saudável das novas tecnologias. Primeiramente, dialogar sobre as horas de uso: o tempo de utilização deve ser estabelecido segundo parâmetros da criança/jovem e da família, não apenas pelo risco de dependência, mas também por problemas de postura e obesidade que já estão sendo associados ao uso excessivo do computador. Faz-se necessário, também, um incentivo à utilização ética, segura, com cuidados para a não exposição excessiva ou aquela que provoque algum tipo de risco para a criança e para o adolescente e ainda, o estímulo ao uso dentro dos parâmetros legais. É fundamental, ainda, criar atividades entre familiares e amigos sem o uso dos eletrônicos; quando acompanhado evitar utilizar os dispositivos e também não tê-los à mesa, até como forma de boa educação. Desconectar-se para fazer atividades não virtuais como, desenho e trabalhos manuais, leitura, praticar esportes, dançar, enfim, mexer com o corpo e dar uma folga ao cérebro. É Importante que nos conscientizemos do quão insubstituíveis são as interações presenciais, a fala direta, o contato físico e os consequentes afetos despertos por meio destes movimentos.

5 Mini-currículo Paula Costa de Andrada Doutorado (em conclusão) e mestrado em Psicologia como Profissão e Ciência pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas. Especialista pelo Instituto de Psicologia da USP Graduação em Comunicação Social (UFMG) e Psicologia (USF). Áreas de atuação: Psicologia clínica e Psicologia escolar educacional, docência em psicologia em curso de Psicologia e Comunicação Social. Áreas de pesquisa: Desenvolvimento humano, Psicologia da educação, Psicologia da arte. Resumo Este trabalho aborda um tema presente nas discussões da atualidade: o uso ostensivo da internet, mais especificamente as redes sociais. Inegavelmente, é cada vez mais comum a utilização das mídias eletrônicas, principalmente os dispositivos móveis e computadores de acesso à web para atividades diversas. O que vemos nos dias de hoje é que a utilização virtual tem provocado uma série de questões problemáticas e o uso indiscriminado das tecnologias digitais pode estar tornando as pessoas mais dependentes e isoladas. Objetivamos questionar quais conseqüências deste uso ostensivo, dentre eles, problemas de dependência com as redes sociais, empobrecido das relações, sentimentos negativos despertos. Os dados coletados em diferentes pesquisas mostram que a utilização desenfreada acaba por limitar o tempo de convivência com a família, com os amigos e podem provocar dependência. Apontam também que as pessoas estão paradoxalmente, conectadas com o mundo, porém mais solitárias, deprimidas e ansiosas. Concluímos que não podemos fechar os olhos para a importância da internet em nossas vidas, mas fazer um uso consciente dos acessos observando o tempo gasto e a forma de exposição, sem esquecer-se das interações presenciais, da fala direta, do contato físico e conseqüentes afetos despertos por meio deste movimento.

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