Discurso do XXIII FONAJE EM BOA VISTA/RR

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Cláudia Isabella Aranha Klettenberg
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1 Discurso do XXIII FONAJE EM BOA VISTA/RR Cumprimentos... Os preparativos para este encontro me fizeram voltar um pouco à História de Roraima e isto trouxe-me uma lenda que gostaria de compartilhar com os presentes. " O Sol, muito apaixonado pela Lua, com ela não se encontrava quase nunca. Diariamente, ao fim da tarde, recolhia-se, enquanto a Lua se aprontava para surgir... Apesar dos seus muitos desencontros, O amor entre eles ia além do sonho. Por isto, viveram felizes por milhões e milhões de anos... Essa história de amor era de beleza tanta, Que não escapava ao olhar de uma montanha, Alta, bela, imponente, encantadora, Situada bem no meio dos imensos campos De um dos estados do Brasil: Roraima. Lá em cima, via-se um vale de cristais e um lago de transparentes águas, os quais para si guardavam, os mistérios da natureza ali reservados. Em meio a toda aquela beleza, a história de amor do Sol e da Lua continuava Encantando a todos aqueles que acreditavam Na força do amor a vencer grandes obstáculos. Num belo dia, o Sol demorou a surgir, Por força de um fenômeno inesperado: eclipse. Foi nesse contexto fenomenal e místico, Que a fada natureza realizou a síntese dos raios dourados do Sol

" O Sol, muito apaixonado pela Lua, com ela não se encontrava quase nunca. Diariamente, ao fim da tarde, recolhia-se, enquanto a Lua se aprontava para surgir.

2 Com os raios prateados da Lua, Num belo lago de mistério e de candura... E nesse momento mágico, um genuíno índio Começava a ser concebido: Macunaíma! Um índio diferente, cujas virtudes reconhecidas Provinham do fato de ter ele absorvido Na hora em que foi fecundado a luz do grande Sol e da inspiradora Lua. O índio não poderia ter senão um grande poder e um acolhedor coração. Cresceu assim um curumim esperto, cheio de magias, de bondade e de visão, pois além do brilho herdado de dois grandes astros, ainda teve como berço o Monte Roraima... O nosso índio cresceu forte Tornando-se um guerreiro de muita sorte, Pois assim que se fez homem e mostrou seu porte, foi proclamado pelos índios Macuxis, como herói de sua comunidade indígena. "A bravura desse homem não se mede pelas armas que usou, mede-se pelos feitos que o tempo projetou." E Macunaíma não foi herói apenas pela bravura, Mas sobretudo por ser um líder bondoso e justo, Haja vista que a justiça que fazia Era percebida em simples ações do dia-a-dia, Como a de dividir, em sua comunidade indígena, os bens mais valiosos que sua gente possuía. Um exemplo prático disso foi o fato de existir, naquela tribo,

O índio não poderia ter senão um grande poder e um acolhedor coração.

3 perto da montanha já antes referida, uma árvore diferente, misteriosa, gigante... que uma variedade de frutos produzia: abacaxi, tucumã, buriti e até banana, enfim, uma diversidade de frutas tropicais. Nessa árvore, porém, ninguém poderia tocar, a não ser Macunaíma, pessoa autorizada, que não só colhia e dividia os frutos, como também procurava um modo de ser justo na hora de distribuir os bons produtos. Desta forma, proporcionava a todos de seu cerco, alimentação farta com igualdade de direitos. Com o tempo, a paz e a harmonia aos poucos se dissipariam, pois a ambição dos índios, levou à desobediência aos princípios que garantiam os direitos igualitários, fazendo crescer os sonhos mercenários. Dominados pelo desejo de Ter, aqueles sonhares índios não tiveram receio de mexer na árvore que lhes dava de comer. Furtaram-lhe frutos e quebraram-lhe galhos, Sendo os frutos para comer e os galhos para plantar, acreditando que seria possível árvores da mesma espécie fazer surgir E lucros incomensuráveis obtereem dali. A árvore sagrada no entanto,

produtos. Desta forma, proporcionava a todos de seu cerco, alimentação farta com igualdade de direitos.

4 Rapidamente perdeu seu encanto, E Macunaíma, desiludido com seu povo, sobretudo com o desrespeito aos seus acordos, ficou indignado, inconformado, furioso, tornando a decisão que no momento soube: num ímpeto de justiça, ateou fogo na floresta, petrificou a árvore, amaldiçoou a todos, e ordenou a seu ingrato povo que fosse dali embora. Da imensa floresta verde, só cinza e carvão era possível ver. E até hoje, em frente ao Monte Roraima, está a Árvore Sagrada, ainda petrificada, enquanto Macunaíma, o herói dos Macuxis, repousa tranqüilo, em paz com seu espírito, nesse Monte Roraima, tão pouco conhecido". Esta é uma versão poética da lenda de Macunaíma Na primavera de 95, após demorada gestação, fecundados que haviam sido na Carta Magna de 88, vieram a luz os Juizados Especiais e, como Macunaíma, chegaram repletos de magia: oralidade, simplicidade, informalidade, celeridade... princípios nunca antes vistos no direito brasileiro. Os conservadores se mostraram céticos, por não acreditarem na mudança prenunciada; os acomodados não se interessaram em acatar mudanças. Mas, aqueles que sempre almejaram uma justiça moderna, simples, ágil, eficiente e, principalmente, acessível a todos, ficaram entusiasmados. A nova forma de distribuir justiça no Brasil se fortaleceu e sem demora alçou a linha de frente de um Judiciário caro, lerdo, envelhecido, quase inatingível. Os Juizados Especiais brasileiros transformaram-se em árvore frondosa, diferente e, como a árvore de Macunaíma, eram portadores de grande mistério, que pouco a pouco foi sendo revelado até se tornar de todos conhecido: o de serem instrumentos de cidadania. É nos Juizados Especiais que os mais humildes e suas causas modestas encontram guarida.

Da imensa floresta verde, só cinza e carvão era possível ver.

5 Seus muitos frutos puderam ser distribuídos a todos, igualmente, até que, como na lenda, a ambição tomou conta de alguns que passaram a querer mais árvores daquele tipo. Como Macunaíma, muitos tentaram resistir, outros aderiram com bastante entusiasmo, por acharem que a árvore deveria produzir mais frutos. O aumento de demanda, a estrutura acanhada e novas leis atribuindo-lhes mais matérias para julgar, contribuíram para que os Juizados Especiais fossem perdendo sua encantadora magia. Hoje, este instrumento tão essencial à cidadania, pede socorro. Se o esperado não acontecer, estarão comprometidas a confiança e a credibilidade de que desfrutam junto ao povo, perdendo, desta forma, valores conquistados após anos de trabalho e dedicação de juízes especiais de todo Brasil. Não se pode, contudo, imitar o gesto extremo de Macunaíma - atear fogo na floresta. A árvore dos bons frutos precisa manter-se vigorosa para continuar entregando a cada um o que lhe cabe por direito. Portanto, juízes especiais, devemos nos manter atentos e unidos neste desafio. Precisamos empregar o melhor de nós e não permitir que esta trincheira do povo brasileiro se converta em cinza e carvão, à semelhança da floresta de Macunaíma. Por certo haveremos de encontrar estratégias eficientes para afastar o perigo que já se faz presente neste contexto, milhares de causas, escassez de recursos materiais e humanos, entre outras adversidades. Que nesta acolhedora cidade de Boa Vista, sentinela mais avançada da nossa fronteira setentrional, possamos nos lançar, com disposição e esperança, aos trabalhos e desafios que este XXIII FONAJE enseja. Acreditemos que os conhecimentos aqui recolhidos e as experiências compartilhadas serão convertidas em sementes a serem fecundadas em terra fértil, porque delas depende o futuro desse sistema especial que é, sem sombra de dúvida, o principal instrumento de resgate do grande débito de justiça que o Estado Brasileiro tem para com o seu povo. Que o espírito de Macunaíma, lá do monte Roraima, nos anime, nos proteja e ilumine. Boa Vista, 23 de abril de 2008 JUIZA MARIA ABADIA DE CASTRO MARIANO SOARES LIMA Presidente do FONAJE

O aumento de demanda, a estrutura acanhada e novas leis atribuindo-lhes mais matérias para julgar, contribuíram para que os Juizados Especiais fossem perdendo sua encantadora magia.

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