Assunto: Parecer do Comitê Deficiência e Acessibilidade.
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1 Brasília, 19 de dezembro de Ofício nº 105/2012/ABA/PRES À Profª Roselane Neckel Reitora Universidade Federal de Santa Catarina UFSC Assunto: Parecer do Comitê Deficiência e Acessibilidade. Prezada Profª, Vimos através deste ofício encaminhar o Parecer do Comitê Deficiência e Acessibilidade em relação a denúncia de que Luiza Groisman, estudante de Biblioteconomia da Universidade Federal de Santa Catarina e pessoa com doença rara, diagnosticada com a Síndrome de Prader- Willi (SPW), estaria tendo seus direitos violados na referida universidade. Na expectativa de contar com vossa atenção, subscrevemo-nos Atenciosamente, Bela Feldman-Bianco Presidente Associação Brasileira de Antropologia
2 ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE ANTROPOLOGIA COMITÊ DEFICIÊNCIA E ACESSIBILIDADE Solicitante: Assunto: Encaminhado para: Ementa: Gelci Galera Ensino Superior Adriana Dias, Anahi Guedes de Mello e Debora Diniz Ensino Superior, Inclusão na Universidade, Acessibilidade DOS FATOS O Comitê Deficiência e Acessibilidade da Associação Brasileira de Antropologia (ABA) recebeu a denúncia de que Luiza Groisman, estudante de Biblioteconomia da Universidade Federal de Santa Catarina e pessoa com doença rara, diagnosticada com a Síndrome de Prader- Willi (SPW), estaria tendo seus direitos violados na referida universidade. A aluna apresenta necessidades educacionais especiais e não tem recebido por parte da UFSC as necessárias adaptações para desempenhar seus estudos em igualdade de condições com os demais colegas, desde a sua aprovação no vestibular de Antes mesmo do semestre se iniciar, os pais de Luiza entraram em contato com a coordenação do respectivo curso e com o Comitê de Acessibilidade da UFSC. Porém, as tratativas para inserir a estudante no ambiente educacional de forma adequada não surtiram efeitos. Posteriormente, a UFSC passou a exigir informações sobre a interdição bem como laudos médicos detalhados e assinados por profissionais da área médica, inclusive de psiquiatra, a fim de sustentar a pertinência de Luiza em frequentar o curso noturno de Biblioteconomia da UFSC, chegando a questionar até mesmo (...) a real capacidade de Luiza de dar conta do que a formação em Biblioteconomia exige (fls. 264 do Ofício nº 059/2012), como se o fato da aluna ter sido aprovada no vestibular não fosse suficiente para atestar sua aptidão em cursar o referido curso. Desse modo, passaram a exigir de Luiza informações que não são exigidas dos estudantes
3 sem deficiência. Para subsidiar esta e outras exigências, extraíram cópias do caderno de Luiza, sem seu pleno consentimento. Cumpre destacar que a Síndrome de Prader-Willi é um doença rara, de etiologia genética, que pode afetar crianças independentemente do sexo, raça/etnia ou condição social. Seus principais sintomas são caracterizados por uma baixa estatura, comprometimento cognitivo, desenvolvimento sexual incompleto, baixa tonicidade muscular e grande dificuldade em controlar a dieta. Como em toda doença rara, cada pessoa apresenta os sintomas de uma maneira muito específica, não havendo de forma alguma um padrão único em que se possa garantir um diagnóstico 100% perfeito. Luiza tem o peso sob controle e é a primeira estudante universitária com SPW da América Latina. Tudo leva a crer que ela tem totais condições de desenvolver seus estudos, desde que a UFSC não imponha nem estabeleça barreiras metodológicas, instrumentais, pedagógicas e atitudinais. DAS VIOLAÇÕES DE DIREITOS Em resposta às diligências solicitadas pelo Comitê de Acessibilidade da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), constante no Ofício nº 059/2012, o Comitê de Deficiência e Acessibilidade da Associação Brasileira de Antropologia (ABA) vem, através desta, manifestar sua surpresa e preocupação com o desconhecimento dos atuais estudos sobre a temática da deficiência e as violações de direitos humanos cometidos pela UFSC. Mencionamos aqui especialmente as demandas feitas pelo Comitê de Acessibilidade da UFSC nas fls. 263 e 264 do referido ofício: Processo de interdição [grifo nosso] de Luiza e as responsabilidades, do ponto de vista legal, da família e da instituição ; e Laudos detalhados [grifo nosso] dos profissionais da área da saúde que acompanham a estudante: médico, psiquiatra, profissionais do Centro de Reabilitação e outros que a estejam acompanhando no momento, considerando as características da síndrome em relação ao que está sendo proposto pela família. Ou seja, que esses profissionais (especialmente o médico e o psiquiatra) sustentem a pertinência [grifo nosso] de Luiza frequentar um curso noturno, considerando os episódios constantes de adormecimento, em muitas vezes, durante todas as aulas; a pertinência de cursar todas as disciplinas do semestre [grifo nosso], situação assumida
4 e defendida pela família em detrimento das orientações dadas pelos responsáveis pelo acompanhamento na Universidade; a capacidade de autonomia [grifo nosso] para os deslocamentos, especialmente da Universidade para casa, tendo em vista as informações prestadas pela família de ela correr riscos em função da compulsão alimentar; descrição da real capacidade [grifo nosso] de Luiza de dar conta do que a formação em biblioteconomia exige (capacidade de concentração, abstração, retenção de informações). Também é necessária a disponibilização de contato desses profissionais com a instituição de ensino. Da mesma forma, disponilização de relatório detalhado da Avaliação feita no Núcleo Desenvolver HU (p. 16) e das escolas onde Luiza estudou. (...). Consideramos que as exigências por informações sobre a interdição e os laudos médicos de Luiza, com o claro intuito de atestar a capacidade da estudante em frequentar o curso de graduação em Biblioteconomia da UFSC, constituem-se em uma afronta aos seus direitos, configurando-se em clara discriminação por deficiência, haja vista que Luiza ingressou, como qualquer outro aluno ou aluna, na UFSC através da aprovação via vestibular. Ou seja, tratar Luiza (e qualquer pessoa com deficiência) como incapaz fere a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência 1 da o Brasil é signatário. Esta concepção, bastante antiga neste campo, é aquela oriunda do campo da biomedicina, que via até recentemente a deficiência como uma patologia cujo resultado seria a incapacitação social e muitas vezes também intelectual e de autonomia pessoal dos sujeitos com deficiência. Os recentes estudos sobre o tema definem como capacitismo a forma como pessoas com deficiência são tratadas como incapazes, aproximando as demandas dos movimentos de pessoas com deficiência a outras discriminações sociais como o racismo e o machismo. Ainda sobre o pedido para avaliar as circunstâncias da suposta inaptidão das pessoas com deficiência ao exercício dos atos da vida civil, ou melhor, no caso, da interdição de Luiza Groisman, lembramos que a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, por ter status de Emenda Constitucional está acima do próprio Código de Processo Civil Brasileiro. A questão da interdição de pessoas com deficiência é citada no Art. 12 da referida Convenção, que trata do reconhecimento igual perante a lei : 1 BRASIL. Decreto Legislativo nº 186, de 09 de julho de Aprova o texto da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e de seu Protocolo Facultativo, assinados em Nova Iorque, em 30 de março de Diário Oficial da União, Brasília-DF, 10 jul. 2008b, seção 1, edição 131, p. 1. Disponível em: < Acesso em: 21 nov
5 1. Os Estados Partes reafirmam que as pessoas com deficiência têm o direito de ser reconhecidas em todos os lugares como pessoas perante a lei; 2. Os Estados Partes reconhecerão que as pessoas com deficiência gozam de capacidade legal em igualdade de condições com as demais pessoas em todos os aspectos da vida; 3. Os Estados Partes tomarão medidas apropriadas para prover o acesso de pessoas com deficiência ao apoio de que necessitarem no exercício de sua capacidade legal; 4. Os Estados Partes assegurarão que todas as medidas relativas ao exercício da capacidade legal incluam salvaguardas apropriadas e efetivas para prevenir abusos, em conformidade com o direito internacional dos direitos humanos. Essas salvaguardas assegurarão que as medidas relativas ao exercício da capacidade legal respeitem os direitos, a vontade e as preferências da pessoa, sejam isentas de conflito de interesses e de influência indevida, sejam proporcionais e apropriadas às circunstâncias da pessoa, se apliquem pelo período mais curto possível e sejam submetidas à revisão regular por uma autoridade ou órgão judiciário competente, independente e imparcial. As salvaguardas serão proporcionais ao grau em que tais medidas afetarem os direitos e interesses da pessoa; e 5. Os Estados Partes, sujeitos ao disposto neste Artigo, tomarão todas as medidas apropriadas e efetivas para assegurar às pessoas com deficiência o igual direito de possuir ou herdar bens, de controlar as próprias finanças e de ter igual acesso a empréstimos bancários, hipotecas e outras formas de crédito financeiro, e assegurarão que as pessoas com deficiência não sejam arbitrariamente destituídas de seus bens. Desde esta perspectiva, observa-se que o Art.12, ao adotar medidas de salvaguardas, NÃO admite mais as interdições judiciais, qualquer que seja o seu tipo. Noutras palavras, a absoluta suprime completamente a capacidade civil da pessoa, e a relativa, parcialmente, sob pena de tratamento desigual e indigno às pessoas com deficiência. Assim, esse artigo confere e garante capacidade legal às pessoas com deficiência e impõe aos Estados-Parte, entre outras, a obrigação de prover todos os apoios que permitam a autonomia e o desejo da própria pessoa, agora não mais tratada de forma diferente perante a lei e os atos públicos da vida. Neste sentido, aceitar a demanda do Comitê de Acessibilidade da UFSC por laudos médicos e informações sobre a interdição para sustentar a pertinência da capacidade de Luiza em gerir sua própria vida, mesmo o de cursar Biblioteconomia, adequando-a à corponormatividade, é tanto um erro teórico quanto uma grave violação de direitos humanos, pois estaríamos tratando como incapazes os sujeitos com deficiência para os quais a supracitada Convenção reconhece sua autonomia. Ou seja, ao exigir laudos médicos e qualquer informação sobre sua interdição, o Comitê de Acessibilidade da UFSC recolocou as pessoas com deficiência,
6 simbolicamente e com extrema violência, no campo de representação no qual elas justamente estão se distanciando ao se reconhecerem enquanto cidadãs em busca de seus direitos. Assim, seguir as exigências desse Comitê no que diz respeito à capacidade de Luiza seria, portanto, agir de forma incoerente tanto no aspecto jurídico-legal quanto em relação ao aspecto político no que diz respeito à capacidade legal das pessoas com deficiência. Ainda, de acordo com o Art. 5 da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência deve-se priorizar o combate à discriminação e privilegiar e garantir à pessoa com deficiência a igualdade legal, provendo-lhe as necessárias adaptações pedagógicas e/ou de acessibilidade. Ou seja, garantir autonomia, oportunidade, convivência e inclusão à pessoa com deficiência, como afirma o Plano Viver SEM LIMITES 2 do governo federal em suas palavraschave. Estas palavras não foram escolhidas por acaso, e também não estão nesta ordem sem um motivo: é na autonomia, na visão de que a pessoa com deficiência deve ser vista como pessoa, como sujeito de direitos humanos, um ser humano completo, maior, inteiro, SEM LIMITES, capaz e que se acessar oportunidades e conviver em igualdade de condições com os demais através das necessárias adaptações, será incluído na sociedade como estudante, trabalhador e cidadão, que o grande plano do governo federal se fundamenta. Além disso, os pais de Luiza nos informaram o contrário: que a aluna tem sido impedida de frequentar monitorias tem sido alimentada sem a anuência dos pais, teve o caderno copiado também sem a sua anuência, a sonolência (característica da SPW) é tida como desinteresse e não como parte das características da síndrome de Prader-Willi, o que demonstra total descaso com os reais desejos de Luiza. Em suma, ao Comitê de Deficiência e Acessibilidade da Associação Brasileira de Antropologia parece que os responsáveis pelo caso na UFSC tomaram certas medidas para excluir a aluna, não para incluí-la. Esperamos ter esclarecido sobre as implicações éticas, políticas e pedagógicas de nosso encaminhamento e colocamo-nos à disposição para outros esclarecimentos que se fizerem necessários. A orientação do Comitê de Deficiência e Acessibilidade da Associação Brasileira de Antropologia é que a a UFSC retome imediatamente o diálogo com a família, sem exigir 2 BRASIL - Plano Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência Viver sem Limite. Brasília: Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, 2011.
7 qualquer tipo de intervenção médica, a fim de permitir que a aluna possa desenvolver plenamente sua formação universitária e da forma como deve, convivendo com seus colegas e inclusa. É o parecer. Comitê de Deficiência e Acessibilidade da Associação Brasileira de Antropologia ABA.
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