LAÇOS DE AMOR: MATERNIDADE E AMAMENTAÇÃO

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1 LAÇOS DE AMOR: MATERNIDADE E AMAMENTAÇÃO Maria Angela das Graças Santana de Jesus¹ RESUMO O presente artigo discorre a respeito da criação do vínculo mãebebê a partir da amamentação. A gestante vive a maternidade de uma forma intensa, necessitando de segurança de seus familiares, para viver bem a gravidez, o parto e a relação com o novo ser. A amamentação vai proporcionar a formação do vínculo, permitindo um desenvolvimento físico e psíquico saudável. Palavras chave: maternidade amamentação vínculo mãebebê ABSTRACT The present article deals with the creation of a relationship between the mother and baby through breast feeding. The pregnant woman lives maternity in a intensive form, needing a sense of security with her relatives, to live positively during the pregnancy, to go through childbirth and to form a relationship with the new human being. Breast feeding will provide the formation of this link, permitting a healthy physical and psychic development. Keywords: maternity, breast feeding, relationship mother-baby A mulher traz desde sua infância o preconceito sobre a maternidade: é o bem maior, é o despojamento de tudo em função da vida que ela magicamente doa ao outro. Ela carrega consigo uma imagem idealizada do ser mãe; como ela vivencia este ato? A mulher necessita de muita segurança para viver bem uma gravidez, o parto e sua relação com a criança que ela deu à ¹Psicóloga psicanalista, Mestre em Psicologia pelo Centro de Ensino Superior de Juiz de Fora, professora do curso de Psicologia 149 Juiz de Fora 2006

2 150 luz. Durante a gestação, a grávida vive de um modo narcísico o triunfo, a plenitude, o ser total. Ela se volta para si, torna-se mais sensível, protege-se mais da relação com o outro. Quanto mais narcísica é a vivência da gravidez, maior a angústia e o sentimento de perda que ela vive no pós-parto. Há uma dificuldade natural de transpor para aquele novo ser tudo que ela vivenciou durante a gestação; aquele que ali está naquele momento é o ser desconhecido, não é mais uma parte dela. (MANNONI, 1986). A mulher vive a maternidade de uma forma intensa e ao mesmo tempo muito ambivalente. A chegada do filho é vivida como o seu próprio despertar para a vida, entretanto, a vinda do bebê é marcada num primeiro momento por um sentimento de perda experimentado como um empobrecimento de si mesma como mulher. Ao aproximar o momento do parto ela sente uma maior necessidade de proteção. Se ela traz consigo uma vivência de proteção materna em sua infância ela pode receber o seu filho sem tanta angústia. O hospital proporciona à parturiente uma maior segurança em relação à sua saúde e a do bebê. Por outro lado, impede a proximidade do grupo familiar no momento do nascimento. Antigamente, o parto era feito em casa, geralmente com a presença da mãe da parturiente e esta a acompanhava com palavras, dizendo o que estava acontecendo com seu corpo. A mulher precisa ouvir palavras que nomeiem as experiências vividas pelo seu corpo durante o parto, tranqüilizando-a para a expulsão do bebê e não a colocando em pânico. No momento do nascimento, a mãe sente um desconforto; a criança que nasceu é diferente da que ela idealizou na gestação. Se ela teve um parto difícil, passou por momentos de dor e angústia, sentiu-se desamparada, ela pode vivenciar um sentimento agressivo ou de rejeição ao seu bebê (MANNONI, 1986). Para Winnicott (1994) a parturiente necessita de uma completa explicação a respeito do trabalho de parto, para sentir-se segura de modo que a natureza possa agir livremente. Uma paciente do autor escreveu sua experiência:...mesmo admitindo-se que a mulher seja bastante amadurecida emocionalmente, o processo todo do CES Revista

3 trabalho de parto e do nascimento rompe tantos mecanismos de controle que a gente necessita do máximo de assistência, consideração, incentivo e familiaridade por parte da pessoa que nos assiste, do mesmo modo que uma criança precisa de uma mãe através da qual possa ver e assimilar cada uma das novas e importantes experiências com as quais se depara ao longo de seu desenvolvimento. (WINNICOTT, 1994, p.66) A mulher saudável necessita de um acompanhamento e esclarecimentos médicos que lhe darão o suporte para vivenciar o parto da forma mais agradável possível; assim ela estará mais sensibilizada para receber bem seu filho. Em contrapartida, a mulher que se sente angustiada, deprimida, confusa necessita não só de orientação e acolhimento, mas também de amparo e encorajamento por parte da equipe profissional que a assiste. A mulher precisa sentir-se amparada, para poder se preparar para a amamentação. O leite da mãe não flui como uma excreção; é uma resposta a um estímulo, e este estímulo é a visão, o cheiro e o tato de seu bebê, e o choro do bebê, que expressa necessidade. É tudo uma coisa só: o cuidado que a mãe toma com o bebê, e a alimentação periódica que se desenvolve como se fosse um meio de comunicação entre ambos uma canção sem palavras. (WINNICOTT, 1994, p. 69) Essa é uma relação intensa de dois seres que se tornam um (mãe e filho). É um vínculo forte e se não há essa unicidade, a amamentação corre o risco de não ser bem sucedida. Segundo PRYOR (1981), amamentar o filho é uma arte; dá uma sensação de alegria e satisfação. As mães que amamentam e se sentem bem não conseguem entender por que determinadas mulheres se recusam a amamentar. A situação biológica normal de aleitamento é o leite fluir livremente e o bebê sugar com consistência, formando uma dupla. Esse início da relação de aleitamento precisa evoluir para um relacionamento bastante satisfatório para a dupla. Este vínculo fica ameaçado quando a mãe se sente esgotada fisicamente e/ou o bebê sofreu durante o 151 Juiz de Fora 2006

4 152 parto, a mãe não tem condições de se doar e o bebê pode não aceitar o seio oferecido que precisa ser sugado com energia. A mamadeira dada com carinho é o melhor substituto, evitando mais sofrimento da dupla; ambos necessitam de satisfação física e psíquica. Alimentar não é tarefa somente sua: o bebê é um parceiro em igualdade de condições, um elemento da equipe. E esta igualdade e esforço mútuo é que compõem o relacionamento de amamentação (PRYOR, 1981, p. 15). A mãe que sofre precisa de atenção de alguém importante para ela, o marido ou sua própria mãe, para acalmá-la e poder receber bem o seu bebê e ser capaz de acalmá-lo para que ele possa usar a energia física para amamentar-se. Muitas mulheres se negam a amamentar. No principio do século XX, as mães passavam seus filhos para as amas de leite, pensando que o bebê seria bem criado e não teria problemas de saúde, mas em compensação essa mãe não percebia que poderia faltar um laço afetivo entre mãe e filho. Na segunda metade do século XX, a alimentação artificial teve seu uso aumentado em todas as classes sociais. O problema maior era da mulher que entrou no mercado de trabalho e as leis não lhe davam a proteção necessária para que pudesse dedicar a atenção ao bebê e amamentá-lo com tranqüilidade, sem sentirse ameaçada de perder o emprego (LANGER, 1981). Os bebês alimentados com o leite artificial passaram a adoecer mais, principalmente a gastrenterite nas classes mais pobres. Os pediatras começam então a conscientizar as mães a amamentar, por que o leite materno protege a criança de infecções, mantendo a imunidade das doenças mais comuns da infância. Hoje a lei reconhece que o ato de amamentar mantém a saúde física e a relação de afeto e intimidade da mãe com seu bebê. A Psicologia defende o ato de amamentar e cuidar com afeto do bebê, fortalecendo o vínculo da mãe e seu filho. Consideremos o fato de a mãe não poder ou não se dispuser emocionalmente para o ato de amamentação. A criança que não recebeu o leite de sua mãe, não está prejudicada psicologicamente, considerando que a mamadeira pode ser dada como um seio amoroso. A mãe pode se doar neste ato, trazendo seu filho ao colo, dando carinho e amor, reconhecendo-o como um ser valorizado e amado. CES Revista

5 Uma mamadeira dada com todo carinho e lentamente a uma criança que a mãe tenha em seus braços e à qual não teme mostrar seu amor e permitir-lhe estar bem próximo dela quando o necessitar ainda que seja no intervalo entre duas mamadas significará menos frustração oral que o seio dado friamente (LANGER, 1981, p.226). A autora relata uma experiência realizada pelo professor Harlow em Wisconsin: separou uns macacos rhesus recém nascidos de sua mãe. Um grupo foi enjaulado com uma mãe de pano e outra de arame. O segundo grupo foi enjaulado somente com uma mãe de arame. As mamadeiras sempre cheias estavam à disposição dos macaquinhos nas mães de arame. O tecido que cobria a mãe de pano era suave e passou a possuir um cheiro de macaco através do contato com os macaquinhos (cheiro de Mãe?). Os macacos aprenderam a lidar com essas falsas mães e então foi introduzido em ambas as jaulas um aparelho de choque que provocava medo neles. Os macacos desprovidos da mãe de pano paralisavam-se assustados e não recorriam à mamadeira, desenvolvendo uma conduta muito parecida com a da criança autista sem comunicação e contato com o mundo. Os macacos que tinham a mãe de pano recorriam a ela, refugiando-se na maciez do pano até passar o medo e poderem observar o aparelho temido com curiosidade, reagindo bem e tendo um desenvolvimento normal. Segundo SPTIZ, (1978), um médico que esteve aprisionado em um campo de concentração nazista relatou que as internas que ali constituíram família amamentaram seus filhos, mesmo enfraquecidas e mal alimentadas. Este médico supôs que tal fato ocorreu porque as mães tinham a certeza de que seus filhos não seriam alimentados pelos nazistas e morreriam de inanição. Conclui com este relato que são atos inconscientes que impedem a mãe de desenvolver o processo de lactância. Algumas mães fracassam na relação com o seu bebê no ato de amamentar. Surgem as dúvidas, incertezas quanto ao leite não ser forte ou suficiente para alimentar bem seu filho, ou 153 Juiz de Fora 2006

6 154 foram obrigadas a desmamá-los pelas fissuras dolorosas nos mamilos. A produção do leite materno depende da produção de hormônios e também de fatores psicológicos. T o d a mulher é capaz de amamentar, sendo que somente em casos de doenças infecciosas graves, doenças letais e insanidade mental há o impedimento do aleitamento materno. O leite materno flui e quanto mais ele é sugado, mais ele é produzido. Um dos primeiros sinais de gravidez é a sensação de inchaço, aumento do volume e dor nos seios. Já próximo do parto, o bico e as auréolas do seio ficam mais escuros e maiores, mostrando a preparação para a amamentação. Essas modificações surgem por causa dos hormônios progesterona e estrógeno. Ao mesmo tempo em que eles são responsáveis pela modificação dos seios, eles impedem a secreção do leite. A prolactina é o hormônio específico da produção do leite materno e a oxitocina é responsável pela expulsão do leite e pela contração do útero, provocando a involução para seu tamanho natural. Nas primeiras mamadas, o bebê ingere o colostro, fluido amarelado que, depois de cerca de vinte e quatro horas, cede lugar ao leite. O colostro tem a função de proteger o bebê contra doenças, fornecendo anticorpos contra infecções. Aspectos psicológicos da mãe podem impedir que ela amamente, mesmo produzindo leite. A mãe pode também desenvolver rachaduras nos bicos do seio, talvez por que o leite não flua como o esperado e o bebê passa a mastigar o bico, sugando-o e provocando uma infecção bacteriana chamada mastite. Essa infecção pode estar associada a alguma crise emocional da mãe (PRYOR, 1981). A arte de amamentar provoca laços de amor entre mãe e filho, proporcionando um sentimento de transformar em um único ser. Nessa relação única mãe e bebê necessitam um do outro tanto física quanto psiquicamente. O bebê apresenta a necessidade do leite, mas também de carinho, amor, tranqüilidade obtidos pelo contato físico do corpo materno e também de sua boca muito sensível e dos seus sentidos enquanto mama. A mãe necessita do bebê para que ele retire o leite de seus seios, proporcionando conforto e também satisfação de alimentá-lo e sentir-se amada por ele. A separação entre mãe e filho no nascimento é um co e CES Revista

7 choque físico e emocional para ambos. A lactação permite que esta separação acabe realizando-se gradualmente, pelo menos no decorrer de um segundo período de nove meses. A criança só aos poucos é que irá sendo apartada de sua antiga existência uterina. Quando a mãe a amamenta por bastante tempo e diversas vezes, o mundo da criança ainda consiste principalmente em seu calor, apoio e movimentos, de sua pulsação, de sua voz e de sua química corporal. Pode adquirir a compreensão de seu novo mundo de temperaturas, texturas, luzes e sons...a partir da base familiar fornecida pelo corpo materno (PRYOR, 1981, p. 19). Pensar na relação mãe-bebê é pensar numa unidade. A mãe busca adaptar-se ao bebê de forma quase absoluta para atender às suas necessidades. Essa dedicação permite ao bebê um desenvolvimento físico e psíquico saudável, dando condições para ele se tornar um adulto criativo no seu modo de viver. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS LANGER, Marie. Maternidade e sexo: estudo psicanalítico e psicossomático. Porto Alegre: Artes Médicas, MANNONI, Maud. De um impossível a outro. Rio de Janeiro: Zahar, PRYOR, Karen A arte de amamentar. São Paulo: Summus, SPTIZ, René A. O não e o sim: a gênese da comunicação humana. São Paulo: Martins Fontes, WINNICOTT, Donald W. Os bebês e suas mães. São Paulo: Martins Fontes, Juiz de Fora 2006

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