Aspectos Culturais e Emocionais que. envolvem a Gestação

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1 Aspectos Culturais e Emocionais que envolvem a Gestação Bruna de Oliveira Moraes Juliana Moraes Almeida Lílian Mariano Castanho Terapeutas Ocupacionais No desenrolar da história como também nas diversas culturas e sociedades, a mulher foi assumindo papéis diferentes. Segundo a antropóloga e pesquisadora social Margareth Mead na sociedade de Elba, a mulher tinha uma posição de absoluto respeito, em contra partida as mulheres do mundo afro-asiático, Egito e da Mesopotâmia, tinham uma condição de servidora que se eximia das mulheres de classes sociais mais elevadas como também das sacerdotisas dos tempos mais ricos. Já as mulheres sacerdotisas de Roma tinham a obrigação de manter a castidade e eram forçadas a cumprir rituais sobre pena de morte, isso acontecia independentemente da classe social em que tinham, elas viviam em um convento riquíssimo e não eram obrigadas a clausura, porém, não podiam sair do recinto sagrado da cidade. No Hawaí até o século XIX, quem tinha o reinado para governar o país era mãe e filha, e no Taiti, a mulher é o chefe da família e da casa. Segundo a autora, a gestação e o parto também são vivenciados a partir da cultura em que a mulher está inserida, podendo ser presenciada sem transtornos e sofrimentos.

2 Considerando que o parto é um fato cultural e uma vivência essencialmente feminina, Margareth Mead afirma que na cultura ocidental a percepção da dor, o desconhecimento e temor de seu processo, o submetimento ao poder médico, presentes nas mulheres de qualquer classe social devem ser entendidas dentro do quadro de submissão da mulher ao longo desses anos. Outros autores, como Pamplona, Marie Langer, Moreno e Winnicott, não negam as questões culturais e sociais, mas focam seus estudos nas teorias psicanalíticas e psicodramáticas para entender a vivência das mulheres durante o processo gestacional. A psicanálise trouxe a contribuição do estudo da infância, da sexualidade e dos fatores inconscientes nas vivências de gestação e partos. A esse respeito autora Vitória Pamplona cita em seu livro Mulher, Parto e Psicodrama as obras de Marie Langer, e Jacob Levi Moreno. Marie Langer considera que os transtornos da gravidez, as dores, dificuldades e angústias do parto provêm de conflitos psicológicos e de identificações com outras mulheres já transtornadas em sua feminilidade (MARIE LANGER, apud, VITÓRIA PAMPLONA, 1990, p.19) e, também, da rejeição a criança. Admite que esta possa ser causada por circunstâncias econômicas e sociais adversas, mas que, fundamentalmente, os problemas se explicam pela revivescência inconsciente da relação primitiva com a própria mãe. Assim os transtornos da gestação e parto se dão como uma forma inconsciente de reelaborar vivências das fases infantis mais primitivas da sexualidade. A gestante se identifica com o feto ou até mesmo com a sua

3 mãe, ela identifica também o feto como algo roubado à mãe: um filho ou o pênis do pai. Por isso teme a gravidez e o parto como castigos maternos. Para a autora, o parto é também uma revivência do trauma do próprio nascimento: a mulher se identifica como sendo seu próprio filho, vivendo através dele o medo de separar-se da sua mãe. A separação implica em o parto ser sempre uma situação de ansiedade, na qual a mulher necessita do apoio emocional dos que a rodeiam para que possa viver e superar o acontecimento. Em contrapartida, Jacob Levi Moreno através do psicodrama tem por metodologia a não separação do ser humano em esferas: corpo/mente, cognição/emoção, consciente/inconsciente, individual/social. Assim Moreno considera que o nascimento não é para o bebê um trauma, mas o momento de máxima espontaneidade do homem. O feto atua com seus dispositivos físicos de arranque, pressionando sua cabeça e seus pés contra as paredes do útero para adquirir impulso. (MORENO, apud, VITÓRIA PAMPLONA, 1990, p. 18). A gestação é o período importantíssimo para o desenvolvimento saudável do individuo, pois é nela que ocorre a preparação da matriz de identidade para a chegada do bebê. Segundo Moreno a Matriz de Identidade é a placenta social da criança, ou seja, o primeiro espaço de aprendizado emocional vivido pela criança. É a partir da Matriz que a criança se prepara para se inserir na sociedade, pois nela vivera os processos fisiológicos, psicológicos e sociais. A criança depende da placenta social, é a partir dela que o bebê assimila e desenvolve papéis que desempenhará na relação com o mundo,

4 garantindo a proteção e a direção do seu desenvolvimento. (MORENO, 1996, p.25). Através da psicanálise, Winnicott traz também grandes contribuições no entendimento da mulher em relação à gestação, afirma que dependendo do aspecto emocional que esteja envolvendo-a nesse momento, irá encarar de maneira diferente esse processo da maternidade. Segundo o autor, a gestação e o parto são processos essencialmente naturais, e a melhor maneira que os médicos e os enfermeiros podem ajudar é respeitar e facilitar esse processo, Winnicott em sua teoria argumenta a inquietação da gestante, que ao se preparar para o parto em um hospital, se preocupa também com os outros membros da família, ou seja, ela ficará pensando nos outros filhos, no relacionamento com o marido, nas mudanças que esse bebê trará em sua vida, como também no relacionamento entre os outros filhos. Nesse sentido o autor sistematiza quatro pontos que devem ser verificados durante a gestação, a saber: a mulher, o pai do bebê, a criança e a parteira que nos dias atuais seriam o médico e a enfermeira. Em relação à mulher, Winnicott pontua que mesmo ela estando em estado especial, todo o processo da gestação se assemelha com a doença, exceto pelo fato de uma gestação ser considerada normal. Winnicott afirma que existe a mãe sadia e a mãe doente e cada uma, vai encarar de maneira diferente o momento do parto. A mãe sadia e madura que no momento do parto não conhece a equipe medica e enfermagem foi privada da possibilidade de estabelecer a sensação de segurança e pode reagir de duas formas: mesmo sem

5 conhecer a equipe, ela procura confiar e conseguirá perdoá-los se algo de errado ocorrer ou faz tudo sozinha sem pedir ajuda a equipe na hora do parto, sentindo medo da condição em que se encontra no momento. Por isso, para Winnicott, é de fundamental importância que a gestante seja acompanhada durante o pré-natal pela mesma equipe médica, e se isso não for possível, é primordial que essa gestante conheça a equipe pelo menos alguns dias antes do parto, para obter segurança. A gestante saudável, em última instância é realmente uma paciente, pois ela é uma pessoa sadia e madura, capaz de ter atitudes cautelosas na hora do parto, onde talvez consiga resolver até mais do que a própria parteira. No início do parto pode ocorrer uma dependência temporária em relação à equipe, isso se dá devido a sua condição sendo também um indício de que a mãe está saudável. Já a mãe doente, emocionalmente imatura ou desacostumada a desempenhar um papel que cabem as mulheres, talvez esteja deprimida, ansiosa ou confusa, essa mãe imatura requer cuidados especiais e proteção, precisando muitas vezes até ser contida se entrar em um estado maníaco. A mulher que acabou de dar a luz, encontra se sensível e por uma ou duas semanas está sucessível a criar uma figura feminina perseguidora em relação aos profissionais, pois ao mesmo tempo em que a enfermeira fica com facilidade no papel denominador no cuidado com o bebê, pode gerar na mãe uma ameaça conseqüente dessa situação proximal. Segundo o autor:

6 É certo que muitas vezes as duas coisas acontecem: a mãe sente se perseguida e a enfermeira contratada por um mês, age como movida pelo medo e não por amor. (WINNICOT, 2001, p.160). Segundo Winnicott isso ocorre, porque em muitas situações a mãe se encontra dependente dos cuidados médicos, sendo ao mesmo tempo a única que pode mostrar o mundo de maneira significante ao bebê, essa habilidade não resulta da inteligência ou de qualquer instrução formal, mas do simples fato de ser ela a mãe natural ( WINNICOTT. 2001, p. 161) Todavia seus instintos naturais não conseguem desenvolver-se se ela estiver amedrontada, se não vir seu bebê a hora do nascimento, ou se só puder tê lo consigo nas horas prescritas pelas autoridades para a amamentação. (WINNICOTT, 2001, p. 161). Na atualidade, essa situação da relação mãe e bebê está sendo revisada, garantindo o contato do bebê com a mãe na maternidade desde os primeiros momentos, pois segundo Winnicott, a gestante com o passar do tempo vai tendo 1 uma maior identificação com o seu filho, ela o associa com um objeto interno³ tendo assim capacidade de tomar a decisão certa em relação ao seu bebê. Através da preocupação materna primária, a mãe tem expectativas e preocupações em relação ao seu bebê. Segundo Winnicott as gestantes que rejeitam o bebê também desenvolvem essa preocupação, pois a mãe é a única que sabe o que o bebê realmente está sentindo, os médicos podem saber sobre a saúde e a doença do corpo humano, mas 1 Objeto Interno: Segundo Winnicott (2001), objeto imaginado pela mãe para ser instalado dentro dela e ai mantido apesar de todos os elementos persecutórios que também tem lugar na situação.

7 não sabem como o bebê está se sentindo a cada minuto, pois estão fora dessa área de experiência. (Winnicot, 2001, p. 22). Em resumo, para Winnicott temos por um lado à mãe, uma pessoa altamente dependente da situação em que se encontra e por outro lado à mesma pessoa, sendo esta uma especialista no que diz respeito ao processo do início da amamentação e a todos os cuidados que se referem ao bebê. O segundo ponto a ser ressaltado é o pai. No passado ele tinha a mesma função que hoje o médico e a enfermeira exercem, pois era ele quem afastava todos os perigos e imprevistos do mundo externo, para permitir que sua mulher pudesse se dedicar aos cuidados que o bebê necessitava, mesmo que em seu ventre ou já em seus braços. O pai durante a gestação se encontra muitas vezes em um estado parecido com o da mulher, sentindo em si as dores e agonias da gestação. Winnicott traz que a mãe é capaz de contribuir positivamente nas necessidades da criança desde que se sinta amada em relação ao pai da mesma e com a sua própria família. Ao sentir-se aceita amplia seu círculo social. Neste sentido o papel do pai é de proteger a mãe para que esta desempenhe bem sua função. A atitude em relação à criança tem passado também por um processo evolutivo (Winnicott, 2001, pg155), segundo o autor os pais classificavam os bebês, como um pequeno homem ou pequena mulher, a ciência em oposição salientava que o bebê não é um adulto em miniatura, mais sim um ser humano com propriedades infantis. Esse é o terceiro ponto ressaltado. A psicanálise aos poucos demonstra que o parto traz significado ao

8 bebê, como também a idéia de que é possível o mesmo registrar em sua mente todos os detalhes do parto, podendo ele ter sido bom ou ruim. Pode se observar isso nas pessoas que demonstram prazer ou medo em brincadeiras que são semelhantes a várias situações vividas na gestação ou no parto. Virar a cabeça para baixo, cair, sensações relacionadas ao entrar e sair da água, as mudanças de temperatura e as mudanças no modo de obtenção das substâncias essenciais da vida. (WINNICOTT, 2001, p.153). O quarto e último ponto que Winnicott traz, é a relação entre gestante, médico e enfermeira, denominado por ele como parteira. Não podemos esquecer que o que inspira confiança nas pacientes de uma parteira é a habilidade desta, baseada no conhecimento científico dos fenômenos orgânicos. Sem essa habilidade básica no aspecto orgânico a parteira estudará psicologia em vão, o insight psicológico não lhe dirá o que fazer caso uma placenta prévia complique o processo de nascimento. (WINNICOTT, 2001, p. 153). Winnicott traz que a teoria psicanalítica verificou uma mudança em relação ao trabalho que as parteiras faziam a vinte anos atrás, lidando com a superstição do parto. Hoje em dia essa superstição foi substituída pelo conhecimento científico e objetivo que os médicos e as enfermeiras têm, acrescentando a esse conhecimento um olhar em relação as gestantes enquanto seres humanos, que passaram por diversas experiências, vontades e, por desejos ou acidentes estão á espera de um filho. Segundo Winnicott, a parteira além de profissional deve ser humana, trazendo em si sentimentos, humores, sabores e dissabores, talvez queria estar no lugar da mãe, do bebê, do pai ou em todos de uma vez (2001, pág

9 154). Ser parteira em algumas vezes pode trazer satisfação, como também frustração, justamente por ela também ter sentimentos. Os contatos mãe, médico e enfermeira são de fundamental importância durante a gestação ou pelo menos alguns dias antes do parto. Para que tudo ocorra bem. Para cada autor citado, a gestação e o parto são vivenciados pela mulher de diferentes maneiras. No ponto de vista da antropóloga Margaret Mead, esse momento vai depender da cultura em que a mulher está inserida. Na visão da psicoterapeuta Marie Langer, os transtornos da gravidez, dores, dificuldades e angústias do parto, provêm de conflitos psicológicos e de identificações com outras mulheres transtornadas com a femilinidade. Para ela o parto é uma revivência do trauma do próprio nascimento. Já Moreno, através do psicodrama, relata que o parto é o momento de máxima espontaneidade do ser humano. E por último, a visão do psicanalista Winnicott, que considera a gestação e o parto um processo essencialmente natural, que vão ser vivenciados de acordo com o estado emocional em que a gestante se encontra. De um modo geral o levantamento bibliográfico aponta que a gestação e o parto são elaborados pela mulher a partir de seus princípios culturais, do próprio estado emocional que a mesma se encontra e das relações estabelecidas com o meio (pai da criança, equipe profissional e bebê).

10 PAMPLONA, Vitória Mulher Parto e Psicodrama, 1990, São Paulo-SP, Editora Agora. WINNICOTT D.W. A família e o Desenvolvimento Individual, maio/2001, São Paulo-SP, Editora Martins Fontes.