CONSENTIMENTO PRESUMIDO AUMENTA A TAXA DE DOAÇÃO DE ORGÃOS?
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- Maria Laura Mendes Fartaria
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1 CONSENTIMENTO PRESUMIDO AUMENTA A TAXA DE DOAÇÃO DE ORGÃOS? Everton Nunes da Silva Ana Katarina Campelo Giácomo Balbinotto Neto 1. INTRODUÇÃO Vários avanços foram feitos desde o primeiro transplante de rim realizado em Atualmente, a transplantação de órgãos apresenta-se como o tratamento mais custo efetivo para pacientes que sofrem de perda irreversível das funções do coração, rim, pulmão, pâncreas e fígado. Nesse contexto, o órgão humano tornou-se um bem extremamente valioso, principalmente pela crescente escassez de órgãos verificada nos últimos anos. Fatores como melhoramentos substanciais de drogas imunossupressoras, aprimoramento do conhecimento médico na área de transplantes e aumento da incidência e prevalência de doenças terminais vêm causando aumento da demanda de órgãos para transplantação. A oferta de órgãos, por outro lado, cresce a taxas inferiores a da demanda, gerando uma crescente escassez de órgãos. Por exemplo, no Brasil, a escassez de órgãos cresceu 54% entre 2001 e 2005; nos EUA e no Reino Unido, essa foi na ordem de 56% e 43%, respectivamente, no período de 1998 a Como conseqüência dessa oferta inadequada de órgãos, as listas de espera por transplante têm aumentado na maioria dos países. Este fato tem chamado atenção de pesquisadores na área de saúde. Nesse contexto, alguns pesquisadores estão investigando a relação entre o tipo de legislação que regula a doação de órgãos e a taxa de doação de órgãos como alternativa para amenizar o desequilíbrio entre demanda e oferta de órgãos, principalmente depois da experiência bem sucedida da Espanha, Bélgica, Áustria e Itália 1. A lei de consentimento presumido estabelece que todo cidadão torna-se um potencial doador de órgãos, caso não expresse formalmente vontade contrária, enquanto que a lei de consentimento informado considera doador somente o cidadão que expressa formalmente a intenção de ser um potencial doador. Existe uma ampla discussão sobre o tema, tanto nas comunidades médica e política quanto em organizações internacionais de saúde. Recentemente, o parlamento britânico discutiu a possibilidade de estabelecer a lei de consentimento presumido no Reino Unido. Em 2005, a Argentina adotou a lei de consentimento presumido. O Brasil, depois de três anos de experiência com consentimento presumido, retornou a lei de consentimento informado em Entretanto, apesar desta questão ser bastante discutida, poucos estudos foram feitos para estimar o impacto do consentimento presumido na taxa de doação de órgãos. Abadie e Gay (2004) e Healy (2005) encontraram um efeito positivo para essa relação, contudo os autores analisaram somente países da OCDE. Anbarci e Caglayan (2005) obteram evidências de que aspectos institucionais afetam a taxa de doação de órgãos. 1 Gundle (2004), Gnant et al. (1991), Michielsen et al. (1996), Matesanz and Miranda (2001), Kaur (1998) and Kennedy et al. (1998).
2 2. OBJETIVO O objetivo principal deste trabalho é estimar o impacto da lei de consentimento presumido no número de doação de órgãos por doador cadáver, bem como verificar o efeito de variáveis proxies para renda (PIB per capita e gasto total em saúde per capita), doadores potenciais (número de mortes por doenças cérebro-vasculares e por acidente de trânsito), informação (% da população que acessa internet) e aspectos institucionais (religião e tipo de sistema legal). 3. MÉTODO A metodologia utilizada é o modelo econométrico por dados de painel. Optou-se por proceder via mínimos quadrados generalizados, com erro heteroscedástico. Esta especificação é particularmente usada quando o painel é formado por países, visto que geralmente a variância relacionada a cada país não é constante. O modelo estimado é dado por: y it = x it β + ε it em que i=1,...m representa o número de unidades (países, no caso deste artigo) e t=1,...t é o número de observações para cada unidade; x é o vetor de covariáveis; e ε é o erro. Os resultados obtidos por mínimos quadrados generalizados são dados por: β GLS VAR( β = ( X ' Ω GLS X ) 1 ) = ( X ' Ω X ) X ' Ω 1 y Para mais detalhes, ver Greene (2003) e Baltagi (2001). 4. RESULTADOS A amostra é composta por 34 países ao longo de cinco anos ( ). Espanha apresentou a maior taxa de doação de órgãos, seguida por Áustria, Portugal, EUA e França. Dos cinco países com maior taxa de doação de órgãos por doador cadáver, quatro possuem lei de consentimento presumido e somente um, consentimento informado (EUA). Em 2002, em média, países com lei de consentimento presumido tiveram taxa de doação de órgãos redor de 15 doadores por milhão de habitantes (pmp), enquanto países com lei de consentimento informado tiveram 10,5 doadores pmp. Adicionalmente, foi verificado um aumento de 12% na taxa de doação de órgãos nos países com consentimento presumido e um decréscimo de 12% nos demais, no período de 1998 a Em termos absolutos, a Itália foi o país que mais aumentou a taxa de doação de órgãos, passando de 12,3 pmp em 1998 para 18,1 pmp em O Brasil é um dos países que mais realiza transplantes no mundo, contudo, sua taxa de doação de órgãos é uma das menores (4,16 doadores pmp entre ).
3 Aproximadamente 60% dos países analisados neste trabalho possuem consentimento presumido com lei que regula a doação de órgãos cadavéricos. Dos países com consentimento presumido, 65% são católicos e 10% possuem common law como sistema legal. Seguindo a análise para o mesmo grupo, 40% tiveram PIB per capita acima da média da amostra (US$ ,22). Somente três países gastaram mais que 10% do PIB no setor de saúde: EUA (13,54%), Alemanha (10,7%) e Suíça (10,67%); as menores taxas foram verificadas na Venezuela (5,45%), Letônia (5,54%), República Eslováquia (5.80%), Chile (5,86%) e Polônia (5,92%). O número de mortes por doenças cérebro-vasculares foi maior nos países da OCDE, sendo as mulheres responsáveis pela maioria dos casos. Entretanto, os países latinos possuem maior número de mortes por acidente de trânsito, sendo os homens as principais vítimas. O acesso à internet cresceu em todos os países entre 1998 e 2002, exceto pela Noruega. Metade da população da Suécia e EUA possuem acesso à internet, enquanto que em países latinos essa porcentagem cai para menos de 10%. Pouco mais de 55% dos países analisados neste trabalho são católicos e somente 25% possuem common law como sistema legal. Tabela 1: Efeito da lei de consentimento presumido na taxa de doação de órgãos. Estimativas por dados de painel para 34 países entre 1998 e V. R: ln (DOC) [1] [2] [3] [4] [5] [6] [7] Dummy CP * * * * * * * ( ) ( ) ( ) ( ) ( ) ( ) ( ) ln (DCV) * * * * ( ) ( ) ( ) ( ) ( ) ( ) ln (AT) * * * * * * ( ) (0.0431) ( ) ( ) ( ) ( ) ln (PIB) * * * ( ) ( ) ( ) ln (GTS) * * * ( ) ( ) ( ) ln (internet) * * * ( ) ( ) ( ) ( ) Dummy PC * * ( ) ( ) Dummy LC * * ( ) ( ) Nota: coeficientes em negrito e desvio padrão entre parênteses. * indica significância estatística ao nível de 1%. Os resultados obtidos nesse trabalho sustentam a hipótese de que a lei de consentimento presumido (dummy CP) afeta positivamente a taxa de doação de órgãos. Mesmo controlando por outros fatores que determinam a taxa de doação, o coeficiente da variável consentimento presumido mostrou-se estatisticamente significativo ao nível de significância de 1%. O efeito estimado encontra-se ao redor de 40%, ou seja, países com consentimento presumido tiveram, em média, taxa de doação 40% maior do que países com consentimento informado. Esse resultado se manteve mesmo testando várias
4 especificações do modelo (diferentes arranjos de variáveis, como podem ser vistos na tabela 1). As demais variáveis tiveram os sinais esperados (positivos). As duas proxies para renda (PIB per capita e gasto total em saúde per capita - GTS) afetaram positivamente a variável resposta, sinalizando que residentes de países com maior renda per capita tendem a doar mais seus órgãos. A proxy para informação (internet) também teve impacto positivo na variável resposta, sugerindo que países onde a população tem mais acesso à informação há uma maior propensão à doação de órgãos. Ambas variáveis referentes aos doadores potenciais de órgãos (número de mortes por: doenças cérebro-vasculares - DCV - e acidente de trânsito - AT) tiveram seus coeficientes positivos. Pelas estimativas obtidas, aspectos institucionais parecem influenciar a taxa de doação de órgãos. Países que adotam common law (LC) como sistema legal tiveram um incremento na taxa de doação de órgãos entre 13-20% relacionados aos países que possuem lei civil como sistema legal. A religião católica (PC) também contribuiu para aumentar a taxa de doação de órgãos, em torno de 17-24%. Esse resultado está de acordo com os pronunciamentos oficiais do Vaticano, os quais são favoráveis à doação de órgãos para transplantação, desde que esta seja realizada em um contexto de amor e solidariedade. 5. CONCLUSÃO O objetivo deste trabalho foi investigar a relação entre a lei de consentimento presumido e a taxa de doação de órgãos por doador cadáver. Para tal, foi estimado um modelo econométrico por dados de painel, para uma amostra de 34 países em cinco anos ( ). A virtude deste artigo reside no fato de analisar uma amostra mais heterogênea, incluindo principalmente países latino americanos, os quais são caracterizados por possuírem baixas taxas de doação de órgãos. Nesse sentido, optou-se por adotar o modelo econométrico de dados em painel com erro heteroscedástico. Também foram controladas características individuais dos países, tais como renda, doadores potenciais e aspectos institucionais. O tipo de legislação que regula a doação de órgãos influencia o volume de doações. Nesse sentido, os formuladores de políticas públicas podem aumentar a eficiência do mercado de transplantes aplicando a lei de consentimento presumido, a qual pode aumentar em torno de 40% a taxa de doação de órgãos. REFERÊNCIAS ABADIE, Alberto e GAY, Sebastien (2004). The impact of presumed consent legislation on cadaveric organ donation: a cross country study. National Bureau of Economic Research, Working Paper No ANBARCI, Nejat & CAGLAYAN, Mustafa (2005). Cadaveric vs. live-donor kidney transplants: the interactions of institutions and inequalities. Working Paper Florida International University (department of economics), number
5 BALTAGI, Badi H. (2001). Econometric analysis of panel data. Second edition. GREENE, W. H. (2003). Econometric analysis. Prentice-Hall, 5 Edição. GNANT, M. F. X., WAMSER, P., GOETZINGER, P., SAUTNER, T. STEININGER, R. e MUEHLBACHER, F. (1991). The impact of the presumed consent law and a decentralized organ procurement system on organ donation: quadruplication in the number of organ donors. Transplantation Proceedings, Vol. 23, No. 5 (outubro), p GUNDLE, Kenneth (2004). Presumed Consent for Organ Donation: Perspectives of Health Policy Specialists. SURJ. HEALY, Kieran (2005). The political economy of presume consent. Department of Sociology, UCLA, working paper KAUR, M. (1998). Organ donation and transplantation in Singapore. Transplantation Proceedings, vol. 30, p KENNEDY, I, SELLS, R A, DAAR, A S, GUTTMANN, R D, HOFFENBERG, R, LOCK, M, RADCLIFFE-RICHARDS, J. e TILNEY, N. (1998). The case for presumed consent in organ donation. The Lancet, V. 351, may 30. MATESANZ, R. e MIRANDA, B. (2001). Expanding the organ donor pool: the Spanish model. Kidney International, V. 59. MICHIELSEN, Paul (1996). Presumed consent to organ donation: 10 year s experience in Belgium. Journal of Royal Society of Medicine, vol. 89, p
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