DIÁLOGO INTER-RELIGIOSO E DIREITOS HUMANOS: DESAFIOS E PERSPECTIVAS À LUZ DA ÉTICA DA COMPREENSÃO DE EDGAR MORIN

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1 Anais do V Congresso da ANPTECRE Religião, Direitos Humanos e Laicidade ISSN: Licenciado sob uma Licença Creative Commons DIÁLOGO INTER-RELIGIOSO E DIREITOS HUMANOS: DESAFIOS E PERSPECTIVAS À LUZ DA ÉTICA DA COMPREENSÃO DE EDGAR MORIN Mailson Fernandes Cabral de Souza Mestrando em Ciências da Religião Universidade Católica de Pernambuco mailsoncabral@yahoo.com.br Bolsista CAPES GT 03 ESPIRITUALIDADES CONTEMPORÂNEAS, PLURALIDADE RELIGIOSA E DIÁLOGO Resumo: A nossa pesquisa busca subsidiar a construção do diálogo inter-religioso e a promoção dos Direitos Humanos tomando como base as contribuições da Teoria da Complexidade desenvolvida por Edgar Morin, adotando um dos princípios fundamentais da sua teoria, a ética da compreensão humana, trabalhada como princípio para a reflexão sobre a relação entre Direitos Humanos e diversidade religiosa no campo brasileiro. Objetivamos analisar os desafios e perspectivas da concepção de diálogo inter-religioso adotada pela Assessoria de Política de Diversidade Religiosa da Secretaria de Diretos Humanos da Presidência da República à luz da Ética da Compreensão de Edgar Morin. Pretendemos compreender o fenômeno da religião para repensar a questão do diálogo das religiões no espaço público, procurando contribuir para articulação de políticas públicas na promoção da liberdade religiosa e da laicidade do Estado. Palavras-chave: Diálogo inter-religioso, Direitos humanos, Ética da compreensão.

2 1. Diálogo inter-religioso e espaço público: breves apontamentos A presente comunicação é um desdobramento da pesquisa que vem sendo desenvolvida na Universidade Católica de Pernambuco no Observatório Transdisciplinar das Religiões no Recife 1 sobre novas lógicas para o diálogo interreligioso. O nosso problema de pesquisa partiu da seguinte indagação: a Ética da Compreensão permite a construção de um quadro conceitual transdisciplinar para analisar criticamente o diálogo inter-religioso decorrente da atividade política da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República? Ante os desafios da promoção do debate entre grupos de diversas crenças e convicções e das controvérsias suscitadas na esfera dos Direitos Humanos, como o Pensamento Complexo de Edgar Morin, um dos três pilares da transdisciplinaridade, poderá trazer subsídios para a questão da promoção do diálogo inter-religioso? Historicamente o Brasil foi marcado por relações de intolerância religiosa, sendo elas frequentemente ligadas à discriminação das minorias religiosas, principalmente no que tange à demonização dos cultos das religiões de matrizes africano-ameríndias e a perseguição dos seus praticantes. Na atualidade, diversas organizações humanísticas e religiosas tais como a Comissão Ecumênica Nacional do Combate ao Racismo (CENACORA), Centro Nacional de Africanidade e Resistência (CENARAB), Conselho Nacional de Igrejas Cristã do Brasil (CONIC), Centro de Referência à Discriminação Religiosa (CRDR), Iniciativa das Religiões Unidas (URI) e o Conselho Nacional de Ensino Religioso (CONAR) têm se empenhado no combate às diversas formas de intolerância que surgem em nome da religião, procurando por meio do diálogo inter-religioso promover o respeito às diferentes tradições religiosas. Nesse âmbito, cabe ao Estado, com base na Constituição Federal, assegurar a isonomia das religiões perante a lei e a promoção de políticas públicas que combatam 1 Para mais informações sobre as pesquisas que vem sendo desenvolvidas no Observatório conferir: < Acesso em: 25/05/2015.

3 as situações de desigualdades, injustiças e exclusão geradas pela intolerância religiosa, como pode ser observado no o artigo 5, inciso VI da constituição: É inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de cultos e suas liturgias. (BRASIL, 1988) Tal posicionamento também é corroborado pela Declaração Universal dos Direitos Humanos, da qual o Brasil é signatário, no que tange ao compromisso ético e democrático no combate aos crimes de intolerância religiosa, como se pode constatar no artigo 18 da Declaração: Toda pessoa tem direito à liberdade de pensamento, consciência e religião; este direito inclui a liberdade de mudar de religião ou crença e a liberdade de manifestar essa religião ou crença, pelo ensino, pela prática pelo culto e pela observância, isolada ou coletivamente, em público ou em particular. (ONU, 1948) A fim de assegurar o cumprimento dos direitos assegurados por lei, combater os casos de intolerância religiosa e promover o diálogo inter-religioso foi criada, em 2011, pela Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República a Assessoria da Política de Diversidade Religiosa, que tem como objetivo planejar e articular políticas públicas voltadas para a promoção da liberdade religiosa no país. Em face à complexidade do fenômeno religioso e às demandas desse campo para a administração pública, são múltiplos os desafios e tensões que surgem para a Assessoria da Política de Diversidade Religiosa no sentido de garantir uma contribuição capital para a promoção do diálogo inter-religioso no espaço público. Nesse sentido, a transdisciplinaridade pode trazer contribuições capitais para a promoção desse diálogo e o combate à intolerância religiosa por meio da Teoria Complexidade de Edgar Morin, a partir do conceito da Ética da Compreensão, uma vez que essa teoria baseia-se na intersubjetividade da solidariedade humana pela compreensão da alteridade como um caminho para a superação de preconceitos e intolerâncias (MORIN, 2002). 2. A Ética da Compreensão: uma ponte transdisciplinar para repensar as relações de tolerância e diversidade religiosa.

4 A transdisciplinaridade surge como princípio teórico que postula a intersecção das disciplinas sobre um tema transversal, colocando-as metodologicamente uma sobre o território da outra, o que permite integrar o resultado parcial das diversas disciplinas em uma visão plural sobre o mesmo objeto de pesquisa (MENEZES e SANTOS, 2002). Nesse sentido, a transdisciplinaridade traz um suporte metodológico para a compreensão do fenômeno religioso que proporciona uma reflexão sobre os problemas advindos da hiperespecialização nos conteúdos disciplinares, seus significados e funções (NICOLESCU, 1999). Tal posicionamento fornece subsídios a uma problematização do estudo da intolerância religiosa que possibilita unir em uma pesquisa as contribuições de diversos campos do saber como aporte teórico na compreensão do fenômeno religioso em seu conjunto. A transdisciplinaridade tem como pilares determinantes da sua epistemologia os níveis de realidade, a lógica do terceiro termo incluído e a complexidade (NICOLESCU, 1999). Sob o prisma transdisciplinar, a noção de complexidade desenvolvida por Edgar Morin é tomada como um conceito capital para se pensar e analisar as relações entre o empírico, o lógico e o racional (MORIN, 2011). Assim sendo, a complexidade possibilita a articulação de ideias que à primeira vista são antagônicas, mas, ao mesmo tempo, complementares facilitando a construção de relações das partes com o todo e do todo com as partes, em busca de uma compreensão que não faça um corte arbitrário do real, mas que possa apresentar pertinentemente a sua complexidade (MORIN, 2011). A perspectiva Morin se contrapõe a filosofias que concebem uma visão unidimensional e mutiladora dos fenômenos humanos causada pelo paradigma cartesiano que através de um pensamento disjuntivo simplifica e divide o tecido fenomenológico da realidade sem conceber a conjunção do uno com o múltiplo (MORIN, 2011). Dentro da construção da Teoria da Complexidade desenvolvida por Morin emerge um elemento conceitual capital para uma sabedoria de convivência e análise das relações humanas: a Ética da Compreensão Humana. Trata-se de um princípio de compreensão mútua entre os seres humanos que propõe o diálogo ao invés de excomungar e anatematizar o diferente. A esse respeito Morin afirma que A compreensão humana nos chega quando sentimos e concebemos os humanos como sujeitos; ela nos torna abertos a seus sofrimentos e suas

5 alegrias. Permite-nos reconhecer no outro os mecanismos egocêntricos de autojustificação, que estão em nós, bem como as retroações positivas (no sentido cibernético do termo) que fazem degenerar em conflitos inexplicáveis as menores querelas. É a partir da compreensão que se pode lutar contra o ódio e a exclusão. (2008:51) Para Morin (2002), a Ética da Compreensão constitui um desafio paradigmático nas relações humanas, uma vez que a compreensão constitui também um processo de empatia, de identificação e projeção com o outro, o que vai de encontro com a incompreensão tanto em suas causas (egocentrismo, etnocentrismo, sociocentrismo) como em suas consequências (racismo, discriminação religiosa, xenofobia). Tal conceito ensina-nos a viver na diversidade sem perder de vista a unidade nas relações sociais, possibilitando assim o entendimento das diferenças do outro sem condená-lo, respeitando-as, e abrindo caminho para a formulação de políticas públicas para a promoção da paz. Se soubermos compreender antes de condenar, estaremos no caminho da humanização das relações humanas. (MORIN, 2002: 100) Por tal princípio depreende-se que a compreensão da alteridade pressupõe um dialogar e um modo de pensar não dogmático, paradigma esse que pode ser trabalhado como elemento aglutinador no planejamento de políticas públicas para a tolerância e diversidade religiosa. Sob essa perspectiva, o pensamento de Morin pode contribuir substancialmente para o respeito da alteridade religiosa, uma vez que ele permite considerar o outro não apenas como ego alter, um outro indivíduo sujeito, mas também como alter ego, um outro eu mesmo, com quem comunico, simpatizo, comungo (MORIN, 2008: 123). 3. Desafios e perspectivas na concepção de diálogo inter-religioso da Secretaria de Direitos Humanos Nossa pesquisa tem por objetivo analisar a concepção de diálogo inter-religioso formulada pela Assessoria da Política de Diversidade Religiosa da Secretaria de Diretos Humanos da Presidência da República à luz da Ética da Compreensão de Edgar Morin. E como objetivos específicos: problematizar e delimitar os parâmetros da Ética da Compreensão de Edgar Morin para a relação entre diversidade religiosa e direitos humanos. Apresentar a concepção de diálogo inter-religioso proposta pela Assessoria

6 da Política de Diversidade Religiosa no planejamento de políticas públicas para a liberdade religiosa no país. Avaliar analiticamente a concepção de diálogo inter-religioso formulada pela Assessoria da Política de Diversidade Religiosa à luz dos parâmetros fundamentais da Ética da Compreensão de Edgar Morin. A documentação escolhida como objeto de estudo para essa pesquisa será o material produzido pela Assessoria da Política de Diversidade Religiosa entre os anos de 2011 e 2014, uma vez que corresponde ao período de gestão da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República em que assessoria foi criada e articulada. A documentação corresponderá às cartilhas e atas produzidas pela assessoria. Adotaremos a análise de conteúdo para a sistematização dos dados e, por meio dessa leitura, procuraremos identificar os principais entraves encontrados no conceito de diálogo inter-religioso adotado pela assessoria. Nosso projeto de pesquisa se faz substancial para o fomento na educação em Direitos Humanos em consonância com a diversidade religiosa do Brasil, haja vista possibilitar a união entre respeito à liberdade de consciência e de crença com a construção do diálogo inter-religioso como via para a superação da intolerância religiosa. Destarte, pretendemos refletir criticamente a questão do diálogo inter-religioso no contexto da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República na busca de somar esforços para repensar a questão do diálogo das religiões no espaço público, procurando contribuir para articulação de políticas públicas na promoção da liberdade religiosa e da laicidade do Estado. REFERÊNCIAS BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal: Centro Gráfico, MENEZES, Ebenezer Takuno de; SANTOS, Thais Helena dos."transdisciplinaridade" (verbete). Dicionário Interativo da Educação Brasileira - EducaBrasil. São Paulo: Midiamix Editora, Disponível em:

7 < Aceso em: 16/08/2014. MORIN, Edgar. A cabeça bem feita: repensar a reforma, reformar o pensamento. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, Os sete saberes necessários à educação do futuro. São Paulo: Cortez, Introdução ao pensamento complexo. Porto Alegre: Sulina, NICOLESCU, Basarab. O manifesto da transdisciplinaridade. São Paulo: Triom, ONU. Declaração Universal dos Direitos Humanos Disponível em: <unicrio.org.br/img/declu_d_humanosversointernet.pdf>. Acesso em: 16/08/2014.