RELAÇÕES EXTERIORES DO BRASIL Mudanças na natureza das relações Brasil-Estados Unidos durante e após a Segunda Guerra Mundial
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- Bernardo Varejão Amarante
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1 RELAÇÕES EXTERIORES DO BRASIL Mudanças na natureza das relações Brasil-Estados Unidos durante e após a Segunda Guerra Mundial
2 Ministério das Relações Exteriores Ministro de Estado Secretário-Geral Embaixador Antonio de Aguiar Patriota Embaixador Ruy Nunes Pinto Nogueira Fundação Alexandre de Gusmão Presidente Embaixador José Vicente de Sá Pimentel Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais Centro de História e Documentação Diplomática Diretor Embaixador Maurício E. Cortes Costa A Fundação Alexandre de Gusmão, instituída em 1971, é uma fundação pública vinculada ao Ministério das Relações Exteriores e tem a finalidade de levar à sociedade civil informações sobre a realidade internacional e sobre aspectos da pauta diplomática brasileira. Sua missão é promover a sensibilização da opinião pública nacional para os temas de relações internacionais e para a política externa brasileira. Ministério das Relações Exteriores Esplanada dos Ministérios, Bloco H Anexo II, Térreo, Sala Brasília, DF Telefones: (61) /6034 Fax: (61) Site:
3 Gerson Moura RELAÇÕES EXTERIORES DO BRASIL Mudanças na natureza das relações Brasil-Estados Unidos durante e após a Segunda Guerra Mundial Brasília, 2012
4 Direitos de publicação reservados à Fundação Alexandre de Gusmão Ministério das Relações Exteriores Esplanada dos Ministérios, Bloco H Anexo II, Térreo Brasília DF Telefones: (61) /6034 Fax: (61) Site: funag@itamaraty.gov.br Equipe Técnica: Eliane Miranda Paiva Fernanda Antunes Siqueira Gabriela Del Rio de Rezende Jessé Nóbrega Cardoso Rafael Ramos da Luz Wellington Solon de Souza Lima de Araújo Capa: Encontro em Natal, de Raymond P. R. Neilson Acervo Museu da República/Ibram Programação Visual e Diagramação: Gráfica e Editora Ideal Tradução e revisão: Leandro Moura Priscila Moura Margarida Maria Moura M929 Impresso no Brasil 2012 MOURA, Gerson. Relações exteriores do Brasil : : mudanças na natureza das relações Brasil-Estados Unidos durante e após a Segunda Guerra Mundial / Gerson Moura; apresentação de Letícia Pinheiro; prefácio à nova edição de Leslie Bethell. Brasília: FUNAG, p.; 23 cm. Título original: Brazilian foreign relations : : the changing nature of Brazil-United States relations during and after the Second World War. Originalmente apresentado como tese do autor (doutorado University College London). ISBN: Política internacional da América Latina. 2. Relações Brasil-Estados Unidos. 3. Segunda Guerra Mundial. I. Fundação Alexandre de Gusmão. Ficha catalográfica elaborada pela bibliotecária Talita Daemon James CRB-7/6078 Depósito Legal na Fundação Biblioteca Nacional conforme Lei n , de 14/12/2004.
5 Agradecimentos Muitos professores e amigos contribuíram em diferentes momentos e de diferentes modos para a conclusão deste trabalho. Richard Shaull e Francisco Penha Alves me ensinaram a olhar para o mundo com uma mente questionadora e a lutar por uma nova vida no presente e no futuro, ao invés de recriminar o passado. Devo o gosto pelo estudo da história aos muitos professores da antiga Faculdade Nacional de Filosofia do Rio de Janeiro. Aqui mencionarei apenas os nomes de Manoel Mauricio de Albuquerque e Hugo Weiss, ambos ausentes deste mundo, mas vividamente recordados por seus amigos. Francisco Falcón e Ilmar R. de Mattos do Departamento de História e Geografia da PUC-RJ me lembraram da solidariedade acadêmica durante períodos obscuros de nossa vida política, quando o ensino da história era atividade perigosa. Meu curso de pós-graduação no Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (IUPERJ) foi oportunidade única para meu crescimento intelectual e foi durante este período que se desenvolveu minha vocação para a pesquisa. Já que é impossível agradecer a todo mundo, gostaria de expressar minha gratidão a todos os meus professores através de Maria Regina Soares de Lima, professora e colega na área de relações internacionais. Celina Moreira Franco, Aspásia de Alcântara Camargo e Alzira Alves de Abreu estimularam meu trabalho em muitas ocasiões. Gostaria
6 de agradecê-las e também a meus colegas do CPDOC em especial as equipes dos arquivos, do audiovisual, da biblioteca, da história oral e dos dicionários pelas suas contribuições. Um grande estímulo à conclusão desta tese proveio de uma troca constante de ideias com o grupo de pesquisa do CPDOC, principalmente com Monica Hirst, que comparte comigo as alegrias e dificuldades de se trabalhar com uma área praticamente nova nas ciências sociais brasileiras. Leticia Pinheiro e Adriana Bendikt me ajudaram imensamente com a coleta de documentos em Leslie Bethell orientou meu trabalho cuidadosamente por um período de quase quatro anos. Graças a seu interesse e crítica pude me aprofundar e esclarecer os conceitos e explicações que utilizei. Seu encorajamento me ajudou a terminar o texto a tempo. A ajuda financeira para o programa de doutorado foi fornecida pela Fundação Ford através de seus representantes no Rio de Janeiro. A Fundação Ford financiou duas idas à Inglaterra, a primeira com minha mulher e filhos, e também patrocinou as anuidades da UCL e forneceu duas bolsas de estudo, uma no verão de 1980 e outra no outono de A pesquisa de arquivo e a coleta de documentos nos arquivos e bibliotecas dos Estados Unidos em janeiro/fevereiro de 1980 também foram patrocinadas pela Fundação Ford. Minhas estadias na Grã-Bretanha, de abril de 1979 a junho de 1980 e de setembro a novembro de 1982, foram viabilizadas pela ajuda financeira da Fundação Getúlio Vargas, Rio de Janeiro. A compra das cópias dos documentos nos National Archives de Washington em maio de 1981 também foi patrocinada pela Fundação Getúlio Vargas através de um contrato financeiro com a Financiadora de Estudos e Projetos (FINEP). Como coordenador de um projeto de pesquisa sobre a política externa brasileira entre 1946 e 1950, financiado pelo Itamaraty, tomei conhecimento de uma bibliografia e documentação adicionais deste período. Também sou grato aos diretores e ao pessoal do Public Record Office (Kew, Londres), dos National Archives (Washington), do Arquivo Histórico do Itamaraty e do Arquivo Nacional (Rio de Janeiro), da Princeton University Library (Princeton), da Houghton Library (Cambridge, Massachussets) e do Columbia Oral History Program (Nova Iorque), cujos arquivos consultei. Muitos amigos me deram maior ou menor assistência, incentivo e companheirismo, tanto no Brasil como na Inglaterra nas etapas finais de meu trabalho. Agradeço a todos eles, mas gostaria de mencionar
7 principalmente Judy Perle, que fez este texto ficar mais agradável para o leitor de língua inglesa, Sylvia Greenwood e Frances Brownrigg, que datilografaram esta tese tão competentemente e Leandro, Priscila e Margarida Maria Moura, que encararam minha ausência com coragem e bom senso. Minha mulher, Margarida Maria, foi a força vital que me ajudou a trabalhar neste projeto em muitos momentos difíceis. University College London, novembro de 1982.
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9 Apresentação Letícia Pinheiro Num encontro com o embaixador Gelson Fonseca Jr., há cerca de um ano atrás, conversamos sobre a possibilidade de o Ministério das Relações Exteriores apoiar a reedição de um dos livros de autoria de Gerson Moura - Autonomia na Dependência: a política externa brasileira de 1935 a 1942 (Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, 1980) -, um clássico do campo de estudos da Política Externa Brasileira, cuja única edição encontrava-se esgotada. Seu entusiasmo com essa possibilidade fez com que ele não demorasse a me enviar um falando da grande simpatia com que o embaixador José Vicente Pimentel, presidente da Fundação Alexandre de Gusmão, recebera a sugestão. Foi assim que, em seguida, o embaixador José Vicente estabeleceu contato com a família de Gerson e daí surgiu a proposta de publicar sua tese de doutorado. A publicação desta tese em seu formato integral finalmente traz a público os resultados de uma investigação que integrava um programa de pesquisa desenvolvido por Gerson Moura e alguns de seus contemporâneos que pode ser visto como um divisor de águas na área de estudos da Política Externa Brasileira. Uma de suas principais características era a interpretação de nossa política externa sublinhando o poder da escolha dos homens públicos do país, ainda que sob condições especiais, algumas vezes especialmente adversas. A tese defendida por Gerson Moura neste trabalho em particular, que também aparece em outros trabalhos do autor, resgata a ação política como um dos vetores explicativos centrais da inserção internacional do Brasil. Embora sem
10 LETÍCIA PINHEIRO desconhecer o poder das estruturas, sua tese possui o mérito de sublinhar a existência de escolhas. Num certo sentido esta hipótese de trabalho com que Gerson desenvolveu tão intensamente suas pesquisas sobre períodos pretéritos possuía forte interface com o próprio momento histórico em que essas mesmas reflexões eram feitas. Sem cair em anacronismos que tendem a ver o passado com as lentes do presente, diplomatas, políticos e principalmente acadêmicos também buscavam, neste momento - meados da década de 1970 e fins da década de , as explicações para o comportamento mais autônomo do Brasil no tempo do pragmatismo responsável e da política externa universalista como assim batizaram seus próprios formuladores num período em que ainda vigiam fortes limitações da Guerra Fria e da economia internacional para os países periféricos. A relevância científica e mesmo política de interpretações apoiadas em densa argumentação teórica e empírica que Gerson Moura nos ofereceu com seus livros e artigos, sem dúvida já seriam razão suficiente para nos convidar à leitura desta tese. Mas não se deve esquecer que essas interpretações foram igualmente construídas e refinadas por meio de uma aguçada curiosidade e uma grande paixão sobre a área das relações internacionais e, em particular sobre a política externa brasileira que, mesmo reconhecendo o valor científico que encontramos nas páginas dos livros de Gerson Moura, certamente o ultrapassa. Explico. Aqueles que já cursaram a disciplina de Política Externa Brasileira que costumo oferecer nos cursos de Graduação em Relações Internacionais da PUC-Rio seguramente perceberam o prazer com que inicio o módulo Anos de Guerra no Brasil. A riqueza e complexidade do período seriam, por si só, excelentes motivos para entusiasmar todo professor da área a compartilhar suas leituras com os alunos e a fomentar o debate acerca das escolhas feitas por nossos governantes. Mas algo mais me mobiliza e me entusiasma nessas aulas. É que ao longo deste módulo tenho a oportunidade de reviver os bons tempos em que como aluna, estagiária, assistente ou finalmente como colega de pesquisa de Gerson juntamente com tantos outros colegas, hoje renomados pesquisadores da área -, tive a grata oportunidade de viver o período da história da política externa brasileira sobre o qual Gerson estava pesquisando. Como professor, orientador ou parceiro num projeto, Gerson nos falava dos cenários internacionais, da política doméstica, dos processos de decisão suas tragédias e comédias - como quem tivesse sido, ele próprio, uma testemunha dos mesmos. Sem nunca perder seu refinado senso crítico com um ferino e igualmente muito elegante bom humor - Gerson trazia
11 APRESENTAÇÃO à luz a documentação histórica dando-lhe vida, ao mesmo tempo em que destrinchava suas tramas por meio de sua excelente formação teórica e rigor conceitual. Era com idêntico entusiasmo e senso crítico que ele assim nos ensinava, estagiários ou assistentes de pesquisa, a encontrar nos arquivos privados do CPDOC/FGV, nos Maços do Arquivo Histórico do Itamaraty ou na farta documentação que, junto com sua então colega Monica Hirst, fotocopiara de arquivos públicos e privados nos Estados Unidos, aquilo que não estava explícito, mas apenas sugerido, esboçado. Gerson, enfim, nos ensinava a ler nas entrelinhas e a buscar no cruzamento de fontes aquilo que a documentação oficial guardava em segredo. Nesses momentos, a desconfiança mineira que Gerson orgulhosamente trazia consigo ajudava-lhe a questionar e a ir além das aparências. Era também com seu jeito manso que nos ensinava a levar o leitor pela mão conselho que tantos de nós hoje reproduzimos para nossos orientandos. Mas era preciso fazer isso sem nunca desmerecer a inteligência de nossos leitores. Ao contrário, devíamos convidá-los a se tornar nossos companheiros de viagem, nossos parceiros na busca de interpretações sobre a política externa brasileira. E seria, afinal, o nosso argumento, o uso adequado da teoria, das evidências empíricas trazidas pelas pesquisas, seriam enfim essas as ferramentas a nos eximir de adjetivações desnecessárias sobre os atos e os fatos da História, pois ao formarem um argumento consistente, elas se encarregariam de levar o leitor a compartilhar conosco das qualificações não ditas. Todas essas características podemos encontrar em seus muitos artigos e livros já publicados - O tratado comercial Brasil-EUA de 1935 e os interesses industriais brasileiros, Autonomia na Dependência, Tio Sam Chega ao Brasil, Sucessos e Ilusões, Avanços e Recuos,... Finalmente chegou a hora de relembrar - para uns - e conhecer - para outros os ensinamentos de Gerson Moura, por meio da leitura dessa tese cujo acesso até hoje estava restrito aos leitores de língua inglesa. Com a bem-vinda publicação de Relações Exteriores do Brasil, : mudanças na natureza das relações Brasil-Estados Unidos durante e após a Segunda Guerra Mundial que a Funag hoje nos oferece, podemos novamente ouvir o nosso querido Gerson, aprender com ele e perceber que a Política Externa Brasileira não é para amadores. Outubro de 2012.
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13 Sumário Prefácio - Gerson Moura ( )...15 Leslie Bethell Prefácio...25 Gerson Moura Notas explicativas...29 Capítulo I Introdução...33 A América Latina e a política internacional na década de O Brasil na década de Capítulo II Os anos de neutralidade ( )...57 Iniciativas dos Estados Unidos contra o Eixo...59 A colaboração econômica EUA-Brasil...62 A colaboração política e militar EUA-Brasil...67 Iniciativas culturais dos Estados Unidos...75
14 Capítulo III Da neutralidade à guerra (janeiro a agosto de 1942)...81 A Conferência do Rio...82 A barganha difícil...93 O fim do equilíbrio pragmático Capítulo IV Os anos da guerra (agosto de ) Parte 1: O Brasil em guerra (setembro de ) O período de preparação O período de participação O Brasil em guerra: uma avaliação Parte 2: Paz (1945) Estados Unidos, potência mundial A queda de Vargas Capítulo V Os anos pós-guerra ( ) O Brasil e as Nações Unidas O Brasil e o sistema interamericano O Brasil e os Estados Unidos Relações britânico-brasileiras Ascensão e queda das relações Brasil-URSS Epílogo: o fim da década Conclusões Bibliografia...259
15 Prefácio Gerson Moura ( ) Leslie Bethell 1 Gerson Moura nasceu em Itajubá, Minas Gerais, em 24 de maio de Seus pais eram operários presbiterianos: o pai, um metalúrgico; a mãe, empregada na indústria têxtil. Eles se separaram quando Gerson era muito jovem (mais tarde se reconciliariam) e ele foi criado pelo pai e por algumas tias solteiras, das quais pelo menos duas eram professoras. Disso resultou que ele lia e escrevia muito antes de ir à escola pública primária municipal. Lá, ele ganhou uma bolsa de estudos em uma escola particular de Ensino Secundário. Em 1957, ele se tornou estudante no Seminário Presbiteriano do Sul, em Campinas, onde, mais tarde ele recordaria, foi bastante influenciado pelo progressismo das ideias políticas e sociais do teólogo norte-americano Richard Schaull. Ao se graduar em 1960, contudo, em vez de se tornar pastor presbiteriano, como esperado, ele decidiu trabalhar na Associação Cristã dos Estudantes do Brasil (ACEB), em São Paulo. Em 1963, Gerson se matriculou na Faculdade Nacional de Filosofia da Universidade do Brasil (mais tarde UFRJ), no Rio de Janeiro. Ele decidiu cursar História e os professores que mais o influenciaram foram Manoel Maurício de Albuquerque e Hugo Weiss. Ele era um estudante no Rio, em 1964, quando ocorreu o golpe, ao qual ele se opôs fortemente e acabou por 1 Professor Emérito de História da América Latina na Universidade de Londres; Fellow Emérito do St. Antony s College, Oxford; ex-diretor do Instituto de Estudos Latino-Americanos da Universidade de Londres ( ) e Diretor Fundador do Centro de Estudos Brasileiros da Universidade de Oxford ( ). É membro da Academia Brasileira de Ciências e sócio (um dos vinte membros estrangeiros) da Academia Brasileira de Letras. 15
16 LESLIE BETHELL desempenhar papel central na reconstrução do diretório dos estudantes depois que a liderança pré-1964 foi deposta. Depois de se graduar em 1967, Gerson se mudou para São Paulo como dirigente da ACEB, mas com a promulgação do AI-5 em dezembro de 1968 e o fechamento da Associação, retornou para o Rio de Janeiro. Lá, em 1969, casou-se com a antropóloga Margarida Maria Pourchet Passos, com quem logo teve dois filhos, Leandro (nascido em 1971) e Priscila (nascida em 1973) e mais tarde uma terceira, Marília (nascida em 1985). Ele ganhou a vida no Rio como professor de um curso pré-vestibular até ser incorporado ao Departamento de História e Geografia da Pontifícia Universidade Católica (PUC), onde se revelou ser um talentoso e popular professor de História Contemporânea. Em 1972, Gerson foi preso, sem explicações, por policiais civis da Política Civil, encarcerado no quartel da Polícia do Exército na Tijuca e mantido na maior parte em confinamento solitário por 17 dias antes de ser libertado. Um de seus colegas na PUC-Rio foi Francisco Falcón, com quem escreveu A formação do mundo contemporâneo (Rio de Janeiro: Campus, 1974 e várias reedições) que foi amplamente lido por estudantes de História e Ciências Sociais nas décadas de 1970 e Em 1975, com uma bolsa da CAPES, Gerson entrou para o programa de mestrado do Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (IUPERJ). Fundado em 1969, o IUPERJ era um centro de pós-graduação em Ciências Sociais da Universidade Cândido Mendes. Durante a ditadura militar, era o mais próximo, no Rio de Janeiro, ao CEBRAP, um centro de pesquisa independente de São Paulo, financiado pela Fundação Ford. O IUPERJ se especializou em Ciência Política e Sociologia, mas uma de suas professoras adjuntas, Maria Regina Soares de Lima, oferecia cursos sobre Relações Internacionais e Política Externa Brasileira, dos quais Gerson participou. Pouco depois de entrar no IUPERJ, Gerson também aceitou um cargo no Centro de Pesquisa e Documentação da História Contemporânea do Brasil (CPDOC) da Fundação Getulio Vargas, criado em Sua principal tarefa consistia em organizar os documentos pessoais de Oswaldo Aranha, embaixador brasileiro em Washington de 1934 a 1938 e ministro das Relações Exteriores de 1938 a 1944, enquanto outros pesquisadores estavam trabalhando com os documentos do próprio Getúlio Vargas e de Artur de Souza Costa, ministro da Fazenda ( ). Seu primeiro artigo, O tratado comercial Brasil-EUA de 1935 e os interesses industriais brasileiros (Revista de Ciência Política, v. 21, n. 1, 1978), foi escrito em colaboração com Maria Celina D Araújo, assim como ele, pesquisadora do CPDOC e mestranda do IUPERJ. 16
17 PREFÁCIO Como assunto de sua dissertação de mestrado, Gerson escolheu a política externa brasileira desde a assinatura do tratado comercial com os Estados Unidos, em 1935, até a declaração de guerra do Brasil contra as potências do Eixo, em agosto de Sua dissertação foi orientada por Aspásia Alcântara de Camargo, uma de suas colegas no CPDOC que tinha laços estreitos com o IUPERJ. Ele também se aconselhou com Maria Regina Soares de Lima e com Celso Lafer, que era professor de Direito na Universidade de São Paulo (USP) na época e tinha escrito um artigo importante e pioneiro sobre relações internacionais: Uma interpretação do sistema de relações internacionais do Brasil (Revista Brasileira de Política Internacional, ano X, n , 1967). Gerson terminou seu mestrado em 1979, aos 40 anos, e sua dissertação foi publicada no ano seguinte com o título Autonomia na dependência. A política externa brasileira de 1935 a 1942 (Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, 1980). Sob certos sistemas de poder e sob certas condições internacionais favoráveis, Gerson argumentava, era possível a um aliado subordinado reter um grau de autonomia e negociar com uma grande potência (autonomia na dependência). Embora a relação com os Estados Unidos tenha sido um pilar central na política externa brasileira desde a proclamação da República em 1889, o alinhamento do Brasil com os Estados Unidos na década de 1930 não foi automático. O poder crescente da Alemanha no mundo, a ameaça potencial que os alemães representavam à hegemonia dos EUA na América do Sul, os laços econômicos e militares do Brasil com a Alemanha e, igualmente importante, a existência de afinidades ideológicas e pessoais com o nazismo alemão em alguns setores da sociedade e do governo brasileiros forneceram a Getúlio Vargas a oportunidade de perseguir uma política de equidistância pragmática entre os Estados Unidos e a Alemanha. Havia, no entanto, limites às possibilidades de barganha com os Estados Unidos e os benefícios econômicos e militares a serem ganhos. Nunca se duvidou, principalmente desde o início da guerra na Europa, em setembro de 1939, e especialmente desde a ocupação da França em junho de 1940, que o Brasil seria levado por realidades políticas e econômicas a consolidar sua relação com Estados Unidos. Como os títulos dos capítulos da dissertação sugerem, equidistância pragmática era possível em , difícil em , rompida em e essencialmente descartada entre a Reunião de Consulta dos Ministros das Relações Exteriores das Repúblicas Americanas, no Rio, em janeiro de 1942, após o ataque japonês a Pearl Harbor e a declaração de guerra dos EUA aos países do Eixo, e a declaração do próprio Brasil em agosto de
18 LESLIE BETHELL Quando Autonomia na dependência foi publicado, Gerson já estava trabalhando em seu doutorado na Universidade de Londres. Sua intenção era estender a pesquisa anterior sobre a política externa brasileira para o período em que o Brasil estava em guerra com as potências do Eixo ( ) e o imediato pós-guerra, o governo Dutra ( ). Eu era Professor Associado em História do Brasil e da América Hispânica na University College London na época, e me tornei seu orientador. Gerson sabia que eu estava interessado no período, ainda que mais no impacto da Segunda Guerra Mundial e do começo da Guerra Fria sobre a política doméstica do que nas relações internacionais do Brasil per se. De fato, eu tinha lecionado um curso sobre o assunto no IUPERJ em 1979 e, mais tarde, organizei com Ian Roxborough o livro Latin America between the Second World War and the Cold War, (Cambridge University Press, 1992; tradução para o português, Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1996). Gerson também estava ciente de que meu colega sênior no Departamento da História na University College, R. A. Humphreys, Professor Titular de História da América Latina, estava concluindo sua própria pesquisa sobre América Latina nesse período, publicada em dois volumes: Latin America and the Second World War, Vol. I: , Vol. II: (London: University of London Press, ). Gerson e sua família moraram em Great Shelford, Cambridgeshire, de abril de 1979 a junho de 1980, período durante o qual, além de se deslocar para Londres para trabalhar nas bibliotecas e nos arquivos, ele também visitou bibliotecas e arquivos nos Estados Unidos, com apoio financeiro da FGV e da FINEP. Ele tornou a morar em Londres de setembro a dezembro de No intervalo entre essas duas temporadas na Inglaterra, continuou a trabalhar em seu doutorado no Rio de Janeiro e, ao mesmo tempo, preparou e publicou o longo artigo Brasil-Argentina: fontes bibliográficas (Revista Interamericana de Bibliografía, vol. XXXII, n.º 3-4, 1982) e outros dois em colaboração com Maria Regina Soares de Lima: Relações internacionais e política externa brasileira: uma resenha bibliográfica (BIB/ANPOCS, n. 13, 1º semestre, 1982) e A trajetória do pragmatismo: uma análise da política externa brasileira (Dados, vol. 25, n. 3, 1982). Sua tese de doutorado, intitulada Brazilian foreign relations The changing nature of Brazil-United States relations during and after the Second World War, foi aprovada em novembro de As Relações Internacionais praticamente eram um assunto novo nas universidades e centros de pesquisa brasileiros e Gerson Moura foi um pioneiro no estudo da política externa brasileira, especialmente das relações entre Brasil e Estados Unidos nos períodos imediatamente 18
19 PREFÁCIO anterior, de duração e imediatamente posterior da Segunda Guerra Mundial. Na época, apenas dois outros pesquisadores brasileiros estavam trabalhando nessa mesma área: Mônica Hirst, ex-aluna de Gerson, com quem ele foi um dos fundadores do Instituto de Relações Internacionais (IRI), na PUC-Rio, em 1979, com quem ele estabeleceu um Programa de Relações Internacionais no CPDOC, em 1980, e que completou sua própria dissertação de mestrado O processo de alinhamento da relações Brasil-Estados Unidos, , no IUPERJ, em 1982; e Ricardo Antônio Silva Seitenfus que, sob orientação de José Honório Rodrigues, cujos vários volumes de ensaios históricos incluíam Interesse nacional e política externa (1966), estava trabalhando independentemente no Rio Grande do Sul no que se tornou O Brasil de Getúlio Vargas e a formação dos blocos: O processo do desenvolvimento brasileiro na II Guerra Mundial (Rio de Janeiro: Companhia Editora Nacional, 1985). Nos Estados Unidos, Lawrence F. Hill (Diplomatic relations between the United States and Brazil, Durham: Duke University Press, 1932) e E. Bradford Burns (The unwritten alliance: Rio Branco and Brazilian- -American relations, New York: Columbia University Press, 1966) trataram das relações Brasil-Estados Unidos em períodos anteriores. Em meio à primeira onda de jovens brasilianistas nas décadas de 1960 e de 1970, dois enfocaram a política externa brasileira sob Getúlio Vargas: Frank D. McCann Jr. em The Brazilian-American alliance, (Princeton: Princeton University Press, 1974) e Stanley E. Hilton em Brazil and the great powers, : the politics of trade rivalry (Austin: University of Texas Press, 1975; tradução para o português, 1977) e Brasil e a crise internacional, (Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1977). Daí seguiu-se uma troca de visões entre McCann e Hilton sobre as relações Brasil-EUA durante a Segunda Guerra Mundial que foi amplamente lida e debatida: McCann, Brazil, the United States and World War II: a commentary (Diplomatic History, vol. 3, n. 1, 1979); Hilton, Brazilian diplomacy and the Washington-Rio de Janeiro axis during the World War II era (Hispanic American Historical Review, vol. 59, n. 2, May 1979); e McCann, Critique [of Hilton s article] (HAHR, vol. 59, n. 4, November 1979). Hilton prosseguiu publicando Hitler s secret war in South America, : German military espionage and allied counter- -espionage in Brazil (Baton Rouge: Louisiana State University Press, 1981) e o artigo The United States, Brazil, and the Cold War, : end of the special relationship (Journal of American History, vol. 68, n. 3, 1981) que representou uma primeira tentativa de examinar as relações Brasil- -EUA no período posterior à Segunda Guerra Mundial. 19
20 LESLIE BETHELL Gerações anteriores de historiadores brasileiros escreveram sobre diplomacia brasileira de forma geral, e principalmente sobre a diplomacia brasileira no Rio da Prata no século XIX e a diplomacia do barão do Rio Branco na solução de disputas sobre limites do Brasil com seus vizinhos na América do Sul no final do século XIX e começo do século XX. Mas apenas Moniz Bandeira (Presença dos Estados Unidos no Brasil: dois séculos da história, Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1973) e Victor V. Valla (A penetração norte-americana na economia brasileira, , Rio de Janeiro: Ao Livro Técnico, 1978) haviam publicado livros sobre as relações do Brasil com os Estados Unidos. Sobre a década de 1930 e a Segunda Guerra Mundial, à exceção dos volumes de Hélio Silva sobre O ciclo de Vargas (Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, vol. XI 1939, véspera da guerra, 1972; vol. XII 1942, guerra no continente, 1972; vol. XIII 1944, o Brasil na Guerra, 1974; vol. XIV 1945, Por que depuseram Vargas, 1976) e a obra de Roberto Gambini, O duplo jogo de Getúlio Vargas: influência americana e alemã no Estado Novo (São Paulo: Editora Símbolo, 1977), historiadores brasileiros tinham estudado apenas as relações internacionais financeiras e comerciais e seu impacto no desenvolvimento econômico do Brasil, com destaque para Luciano Martins em sua tese de doutorado Pouvoir et développement économique. Formation et évolution des structures politiques au Brésil (Université de Paris V, 1973; publicada em Paris, 1976), Marcelo de Paiva Abreu em sua tese de doutorado fundamental, Brazil and the world economy, Aspects of foreign economic policies and international economic relations under Vargas (Cambridge University, 1977; inédita em português até 1999), e Pedro S. Malan, Regis Bonelli, Marcelo de P. Abreu e José Eduardo de C. Pereira em Política externa e industrialização no Brasil (1939/52) (Rio de Janeiro: IPEA,1977). Praticamente nada havia sido escrito sobre as relações internacionais do Brasil nos primeiros anos da Guerra Fria. A tese de doutorado de Gerson Moura foi o primeiro estudo sistemático de um acadêmico brasileiro sobre as relações internacionais do Brasil, especificamente das relações com os Estados Unidos, durante a Segunda Guerra Mundial e os anos do imediato pós-guerra. Em vista da ausência de literatura secundária, com notáveis exceções, pelo menos para os anos de guerra (Abreu, McCann, Hilton, Humphreys), era baseada quase inteiramente no uso intensivo de fontes primárias: os documentos pessoais de Vargas, Aranha e Souza Costa no CPDOC, de Góes Monteiro no Arquivo Nacional, de Estevão Leitão da Cunha no Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro e a correspondência diplomática no Arquivo Histórico do Itamaraty, todos no Rio de Janeiro; a correspondência 20
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