PERCEPÇÃO DA COMUNIDADE SOBRE PLANTAS MEDICINAIS NO MUNICÍPIO DE GUARAMIRANGA-CE.

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1 PERCEPÇÃO DA COMUNIDADE SOBRE PLANTAS MEDICINAIS NO MUNICÍPIO DE GUARAMIRANGA-CE. Caroline de Almeida Paiva Universidade Federal do Ceará Edna Santos Vieira Universidade Federal do Ceará Thatiane Maria Souza de Araújo Mestrado Acadêmico em Geografia MAG/UECE Edson Vicente da Silva Laboratório de Climatologia e Recursos Hídricos UFC cacau@ufc.br INTRODUÇÃO Um grande número de espécies de plantas em todo o mundo é usado desde tempos pré-históricos na medicina popular por diversos povos. Eles as utilizavam pela necessidade de sobrevivência e a partir do uso dessas plantas descobriram a cura de determinadas doenças e ferimentos, passando de geração para geração seus conhecimentos empíricos adquiridos. Atualmente as plantas medicinais representam alternativa barata, de fácil manutenção e comprovadamente eficiente, quando corretamente cultivadas, manipuladas e utilizadas. Alguns estudos afirmam que é urgente a orientação da população no uso correto das plantas medicinais e medicamentos fitoterápicos, devido a indicações terapêuticas equivocadas, troca de medicamentos prescritos por plantas medicinais e outras situações de risco a saúde do usuário. (VIEIRA, et al., 2004) Com a crescente industrialização, o uso de medicamentos tornou-se quase que exclusivamente a base de químicos havendo um pouco de esquecimento em relação ao poder medicamentoso das plantas. Mesmo com os avanços tecnológicos, não foi possível afastar a 1

2 humanidade da forte dependência da natureza, pois hoje, cada vez mais, as pessoas estão interessadas em conhecer e fazer uso de plantas para o alívio de suas enfermidades. Para Oliveira (2001) esta prática milenar cedeu espaço aos medicamentos sintéticos, entretanto, ao alto custo destes fármacos e seus efeitos colaterais contribuíram para o ressurgimento da fitoterapia. O retorno ao natural é hoje uma garantia de busca racional de melhores condições de saúde, com base no que os recursos naturais oferecem. O uso deles por populações locais de origem rural é orientado por um conjunto de conhecimentos acumulados resultante da relação direta de seus membros com o meio ambiente, motivada por um modo de vida que ainda guarda acentuada dependência da natureza próxima. A percepção do ambiente designa a tomada de consciência e a compreensão pelo homem do ambiente no amplo sentido. O sentimento manifestado na percepção individual traduz-se psicologicamente como influência do meio ambiente, pois conforme Almeida & Sartori (2008), do ponto de vista biológico a percepção está limitada por condições anatômicas e fisiológicas do homem e é processada dentro de valores culturais, geográficos e históricos. As plantas medicinais são de grande importância por sua capacidade de cura de enfermidades e acessibilidade, sendo assim, escolhemos o município de Guaramiranga por se destacar no uso e cultivo dessas plantas. O objetivo do trabalho é analisar a percepção da comunidade local quanto ao uso de plantas medicinais (como são utilizadas, sua eficiência, freqüência de seu uso e o conhecimento da comunidade em relação ao assunto). METODOLOGIA Caracterização da área A coleta de dados foi realizada junto aos moradores de uma pequena comunidade do município de Guaramiranga, localizada a 4º latitude S e longitude W na microrregião de Baturité e no estado do Ceará. Tem uma população de aproximadamente 6000 habitantes. O clima característico é o Tropical Sub-quente Úmido e Tropical Quente 2

3 Úmido. A vegetação típica é do tipo Floresta Subperenifília Tropical Plúvio-Nebular e Floresta Subcaducifólia Tropical Pluvial. (IPECE, 2010) O clima apresenta uma temperatura média que varia entre a máxima de 22 e a mínima de 17 C, sendo os meses de novembro a fevereiro mais quente e junho a agosto os meses mais frios, e uma pluviometria média de 1.737mm. Sua cobertura vegetal é composta basicamente de Mata seca e Mata Úmida 74,95%. Figura 01: Mapa de localização do município de Guaramiranga. Fonte: OLIVEIRA, 2009 MÉTODO As entrevistas semi-estruturadas combinam perguntas abertas e fechadas, onde o informante tem a possibilidade de discorrer sobre o tema proposto. O pesquisador deve seguir um conjunto de questões previamente definidas, mas ele o faz em um contexto muito semelhante ao de uma conversa informal. O entrevistador deve ficar atento para dirigir, no momento que achar oportuno, a discussão para o assunto que o interessa fazendo perguntas adicionais para elucidar questões que não ficaram claras ou ajudar a recompor o contexto da entrevista, caso o informante tenha fugido ao tema ou tenha dificuldades com ele. Esse tipo de entrevista é muito utilizado quando se deseja delimitar o volume das informações, obtendo 3

4 assim um direcionamento maior para o tema, intervindo a fim de que os objetivos sejam alcançados. (BONI et al, 2005) A principal vantagem da entrevista semi-estruturada é que essa técnica quase sempre produz uma melhor amostra da população de interesse. Ao contrário dos questionários enviados por correio que têm índice de devolução muito baixo, a entrevista tem um índice de respostas bem mais abrangente, uma vez que é mais comum as pessoas aceitarem falar sobre determinados assuntos (SELLTIZ et allii, 1987). Outra vantagem diz respeito à dificuldade que muitas pessoas têm de responder por escrito. Nos dois tipos de entrevista isso não gera nenhum problema, pode-se entrevistar pessoas que não sabem ler ou escrever. Além do mais, esses dois tipos de entrevista possibilitam a correção de enganos dos informantes, enganos que muitas vezes não poderão ser corrigidos no caso da utilização do questionário escrito. (BONI et al, 2005) No caso da comunidade estudada foram entrevistadas 46 pessoas da zona urbana da cidade, abordando aspectos relacionados ao perfil dos indivíduos e a utilização das plantas medicinais. Para a coleta dos dados, foram selecionadas de forma aleatória, 18 propriedades que possuíam quintal cultivado. A obtenção das informações ocorreu mediante entrevistas previamente elaboradas e contidas em um questionário. Nessas fichas de campo, encontravam-se questões de ordem pessoal e sobre o cultivo, confiabilidade e eficiência no poder medicamentoso das plantas, a importância delas sua forma de preparo e indicações terapêuticas. Os dados foram coletados no mês de junho de RESULTADOS E DISCUSSÃO Observou-se que dos 46 entrevistados, 60% eram mulheres e 40% homens. As idades variavam de 15 a mais de 65 anos, onde a faixa etária de 41 a 50 anos predominou. Porém os que detinham maior conhecimento eram os idosos, apesar de todos os entrevistados apresentarem algum entendimento sobre o uso de plantas medicinais, dizendo ter adquirido essas informações através de seus parentes. A maior parte das pessoas tinha baixa escolaridade, porém não influenciando na experiência empírica do entrevistado. Das plantas utilizadas, 56% eram cultivadas nas próprias residências. As plantas citadas foram: malva, eucalipto, boldo, hortelã, malvarisco, quebra-pedra, mastruz, 4

5 erva-cidreira, arruda, confrei, romã, carqueja, alfavaca, cebola branca, capim-santo, anador e babosa, sendo que as mais citadas foram: hortelã, capim-santo, erva-cidreira e boldo. (Tab 1). A forma de chá, feito a partir das folhas e raízes das plantas, foi o meio mais utilizado para a cura das enfermidades, tais como dor de barriga, gripe e dor de cabeça. Dos entrevistados, 70% demonstraram ter maior confiança em plantas medicinais do que em remédios farmacológicos, sendo que 46% dessas pessoas afirmaram que essas plantas teriam maior eficiência diante de remédios farmacêuticos. Desta forma, a pesquisa nos faz concluir que quase a totalidade dos entrevistados (91%) considera comum o uso das plantas medicinais na cidade, dizendo serem acessíveis as informações sobre as plantas, mostrando assim o vasto conhecimento da comunidade sobre medicamentos naturais. Também foi observado que pouco mais da metade dos entrevistados (54%), se automedicavam sem antes fazer uma consulta prévia ao médico. Também foi observado a inexistência de uma farmácia viva no município de Guaramiranga. Tabela 01: Lista de espécies de plantas medicinais citadas pelos moradores do município de Guaramiranga. Família N o m e N o m e Propriedades medicinais Formas de vulgar científico uso Lamiaceae Alfavaca O c i m u m gratissimum Acanthaceae Anador J u s t i c i a pectoralis Carminativas, diuréticas e sudoríferas. adstringente, analgésica, a n t i b a c t e r i a n a, antiinflamatória, afrodisíaca, a n t i - r e u m á t i c a, anti-hemorrágica das vias urinárias, béquica, b r o n c o d i l a t a d o r a, cicatrizante, catamenial, expectorante, febrífuga, peitoral, peitoral, relaxante da musculatura lisa, sedante 5

6 nervoso, tranquilizante sedativa, Rutáceas Arruda R u t a graveolens Asphodelaceae Babosa Aloe vera ( L.) Burm. F. Emenagogo, alivia dores intestinais e reumáticas, abortiva, é antiinflamatória para os olhos (uso externo), vaso constritor e venenosa. Emoliente e resolutivo, quando usadas topicamente sobre inflamações, queimaduras, eczemas, erisipelas, queda de cabelo, etc. A polpa é antioftálmica, vulnerária e vermífuga (uso interno). É ainda utilizada externamente em entorses, contusões e dores reumáticas. Xarope Lamiaceae Boldo Plectranthus barbatus Desintoxicante do fígado, diurético, antidiarréico e estimulante do apetite maceração e Poaceae Capim-sant Cymbopogon Calmante e diurético o densiflorus Asteraceae Carqueja B a c c h a r i s trimera antianêmica, antiasmática, antibiótica, antidiarréica, antidiabética, antidispéptica, antigripal, antiinflamatória, a n t i - r e u m á t i c a, anti-trypanosoma cruzi, depurativa, digestivo, 6

7 diurético, emoliente, eupéptica, estimulante hepática, estomáquica, febrífuga, hepática, h e p a t o p r o t e t o r a, hip o c o le s t e r o lê mic a, hipoglicêmica, laxante, sudorífera, tenífuga, tônico, vermífuga. C e b o l a A l l i u m Vermífuga, diurética, branca ascalonicum expecto-rante, digestiva, l. redutora de colesterol e anti-séptica. Boraginaceae Confrei Sym phyt um adstringente, antianêmica, Banho officinale l. a n t i a s m á t i c a, a n t i c a n c e r í g e n a, antidiabética, antidiarréica, a n t i d i s e n t é r i c a, a n t i- h e mo r r o id á r ia, a n t i i n f l a m a t ó r i a, a n t i l e u c ê m i c a, anti-reumática, calmante, cicatrizante, depurativa, desintoxicante, emoliente, expectorante, hemostática, hidratante, higienizante, laxante, mineralizante, regeneradora celular, tônica, vulnerária. Myrtaceae Eucalipto E u c a lip t u s Anti-séptico, sudorífero, e spp ex-pectorante, febrífugo e xarope 7

8 desin-fetante (óleo essencial). Lamiaceae Erva-cidreir M e l i s s a Digestiva, calmante a officinalis l. relaxante. Lamiaceae Hortelã M e n t h a piperita Malvaceae Malva M a l v a sylvestri Piperaceae Malvarisco Pothomorphe u m b e l l a t a (L.) Miq. Brassicaceae Mastruz C o r o n o p u s didymus Anti-séptico, cardiotônico, clareador do cabelo, digestivo, enrijecedor da pele, estimulante, intestinal, laxante, refrescante da pele, tônica. Diurética, emoliente e expec-torante. antibiótica, colerética, digestivo, expectorante, tônico pulmonar. Lambedor I n g e s t ã o com leite, la mb e d o r da folha, banho Euphorbiaceae Quebra-pe Phyllant hus adstringente, analgésica,, dra niruri anti-séptica, antidiarréica, a n t i e s p a s m ó d i c a, a n t i - h i p e r t e n s o r a, anti-hipercolesterolêmica,, a n t i - h e p a t o t ó x i c a, a n t i i n f l a m a t ó r i a, anti-hidrópica, antilítica, antiinfecciosa das vias urinárias, antinefrítica, antiictérica, antidiabética, 8

9 Punicaceae Romã P u n i c a granatum Fonte: antitumoral, anticancerígena, antivirótica, aperiente, citostática, desobstruente, diurética, estomáquica, febrífuga, hepatoprotetora, hipoglicêmica, litogênica, purgativa, relaxante, sedante, sudorífica, tônica, vermífuga. adstringente, antidiarréica, a n t i d i s e n t é r i c a, antiinflamatório, anti-séptico, antitérmica, antivirótica, diurético, eupéptica, mineralizante, tônico, vermífuga. Lambedor, infusão da casca do fruto A diversidade de espécies de plantas medicinais encontradas na comunidade urbana do município de Guaramiranga é considerável. Foi constatado que 17 espécies de plantas geralmente são as mais requisitadas para a cura das enfermidades. A principal forma de preparo dos medicamentos é através de chás, utilizando-se as folhas e/ou parte aérea das plantas. Portanto, percebe-se que as plantas medicinais são amplamente utilizadas por essa comunidade urbana e o cultivo nos quintais pode ser considerado como uma tradição. BIBLIOGRAFIA ALMEIDA, A. P. & SARTORI, M. G B. A percepção da paisagem urbana de Santa Maria-RS e os sentimentos de topofilia e topofobia de seus moradores. Ciência e Natura, UFSM, v. 30, n. 2, p ,

10 BONI, V.; QUARESMA, S. J. Aprendendo a entrevistar: como fazer entrevistas em Ciências Sociais. Revista Eletrônica dos Pós-Graduandos em Sociologia Política da UFSC Vol. 2 nº 1 (3), janeiro-julho/2005, p DE OLIVEIRA, F.L.S ; CRUZ, M.L.B; SILVA, C.A. Uso de Geotecnologias aplicadas ao mapeamento da vulnerabilidade ambiental no município de Pacoti, Ceará, Brasil. Site: egal2009.easyplanners.info/.../4182_sousa_de_oliveira_francisca_leiliane.doc Acesso em: 20 de junho de IPECE Instituto de Pesquisa e Estatística Econômica do Ceará. Disponível em: Acesso em: 20 de junho de OLIVEIRA, J.E.Z; AMARAL, C.L.F; CASALI, V.W.D., Plantas Medicinais e Aromáticas: avanços no melhoramento genético. Viçosa: UFV, Departamento de Fitotecnia, p. SELLTIZ, Claire et allii. Métodos de pesquisa nas relações sociais. Tradução de Maria Martha Hubner de Oliveira. 2a edição. São Paulo: EPU, VIEIRA, L.A.; MEDEIROS, J.C; CARVALHO,J.G. Projeto Farmácia Viva Implantação da Fitoterapia no SUS/Betim. In: Seminário Mineiro de Plantas Medicinais, São João Del Rei. Anais: São João Del Rei; USFJ/UFV, 2004 p