Apontamentos analíticos sobre o Prelúdio II de Cláudio Santoro para violão
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- Pietra Costa Borja
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1 Apontamentos analíticos sobre o Prelúdio II de Cláudio Santoro para violão Felipe Garibaldi de Almeida Silva Escola de Comunicações e Artes fegaribaldi@gmail.com Resumo: A concentrada obra de Cláudio Santoro para violão, produzida entre 1982 e 1984, insere-se a um contexto muito significativo do repertório do violão de concerto brasileiro: a produção de compositores não-violonistas para o instrumento, formada por um grande número de peças tecnicamente difíceis. As obras de Santoro revelam a maestria do compositor em sua maturidade, porém, também, alguns empecilhos à execução instrumental. No intuito de viabilizar a performance de tais obras, a análise musical mostra-se como ferramenta indispensável. Neste artigo, pretende-se apresentar apontamentos analíticos sobre o Prelúdio II de Cláudio Santoro. Palavras-chave: análise musical, violão, Cláudio Santoro, música do séc. XX, música brasileira. Analytical appointments on the Prelúdio II by Cláudio Santoro for guitar Abstract: The concentrated work of Cláudio Santoro for guitar, written between 1982 and 1984, is concerned in a meaningful segment of the repertoire of brazilian concert guitar: the work of non guitarist composers that wrote very difficult pieces. The works of Santoro indeed reveal the hability and talent of the composer but are very difficult to play. In order to make possible to play those pieces musical analysis is very important. In this essay we seek to present some of our first analytical appontments on the Prelúdio II by Cláudio Santoro. Keywords: musical analysis, guitar, Cláudio Santoro, twentieth-century music, brazilian music. 1. Introdução Este artigo pretende apresentar uma parte do trabalho de pesquisa iniciado pelo autor sobre a obra para violão de Cláudio Santoro. A produção violonística de Santoro consiste em seis peças compostas entre 1982 e Essa obra insere-se a um contexto muito significativo do repertório de concerto do violão brasileiro. Trata-se da produção dos compositores não violonistas para o instrumento, formada por um grande número de peças tecnicamente difíceis. (GLOEDEN, 2002: 34). Devido às dificuldades de execução, e também pelo material musical pós-tonal, as peças de Santoro para violão permanecem praticamente desconhecidas. Um estudo sobre esta obra presta-se a um reconhecimento da contribuição do compositor para com o repertório violonístico e pode ainda viabilizar sua interpretação instrumental. O objetivo é, portanto, construir, através da análise, um entendimento do discurso musical que possibilite a elaboração de soluções técnico-interpretativas adequadas e coerentes para os trechos cuja execução é tecnicamente problemática.
2 2. Metodologia Esta análise musical do Prelúdio II (1982) para violão solo, como uma primeira aproximação analítica à obra violonística de Santoro, orientou-se principalmente pelo livro Materials and Techniques of Twentieth-Century Music, de Stefan Kostka. Assim, abstraiu-se a idéia de que a análise poderia ser organizada a partir dos seguintes âmbitos musicais: forma, material musical, dimensão horizontal, ritmo, timbre e textura. A segmentação do material musical em conjuntos de classes de alturas se deu como proposto por Hasty (1981), pautando-se, sobretudo, pela percepção sonora de idéias musicais e formações harmônicas. Também, no tocante ao estilo de Santoro durante a fase em que escreveu o Prelúdio II, foi considerada a tese de que os anos 1978 a 1989 são um período em que o compositor trabalhou numa aglutinação de todas as suas técnicas e experiências composicionais passadas (MENDES 2009). 3. Análise Musical Sobre a forma As nuances do discurso apontam para uma divisão da peça em três seções, sendo ainda a 1ª seção subdividida em 3 partes. O estabelecimento de centros sonoros, ocorre pela reiteração de algumas alturas. Estes centros apresentam-se coerência com a divisão formal do prelúdio: na 1ª seção, centro Dó b ; na 2ª seção, centro Mi b ; na 3ª seção, centro Dó b (quando, na finalização do prelúdio, é executada a casa 2). As três seções diferenciam-se claramente quanto tratamento rítmico e textural. O exemplo a seguir apresenta a divisão formal do Prelúdio II, as alturas que se estabelecem como centros e, para orientação ao longo da peça, uma numeração por compassos.
3 II Jornada Acadêmica Discente PPGMUS ECA/USP Fig. 1 Segmentação do Prelúdio II em seções. Sobre o material musical A coleção de referência é a escala cromática. O contorno intervalar superficial destaca a sonoridade de certos intervalos como 3m, 3M, 4J e 7m. Assim, é estabelecida uma relação com a disposição intervalar das cordas do violão em sua afinação tradicional. O processo de segmentação, levou à constatação de idéias motívicas que consistem de, predominatemente, três a quatro alturas. O septacorde 7-21, apresentado já no primeiro compasso, possui o conteúdo intervalar que delineará toda a superfície melódica da peça.
4 II Jornada Acadêmica Discente PPGMUS ECA/USP Super-conjunto 7-21 [ ] <424641> Fig. 2 Catalogação de Forte, forma primária e VCI do Conjunto 1 do Prelúdio II. Os demais conjuntos de classes de alturas que perpassam o Prelúdio I são subconjuntos deste septacorde (estão destacados em vermelho na partitura a seguir). Conjuntos que não são subconjuntos do septacorde 7-21 (destacados em verde) tem ocorrência esporádica. Fig. 3 Segmentação do Prelúdio II em conjuntos de classes de alturas.
5 O VCI deste super-conjunto apresenta potencialidade em relação aos intervalos de classe 4, quais sejam, 3M e 6m, que correspondem a 27% dos saltos melódicos na peça. As possibilidades de variações a partir do conjunto 7-21 são diversas. O desenho ondulado com início descendente e término ascendente é explorado em profusão, dentro de diferentes contextos, caracterizando um conjunto que perpassa o todo da peça moldando-se a diversas atmosferas. O septacorde 7-21, além de super-conjunto, traz em si o elemento de estética serial à peça, na medida em que, por vezes, é repetido literalmente como, também, seu conteúdo e disposição intervalar são aludidos em outros trechos. A idéia de que o conjunto 7-21, como apresentado, pode constituir uma espécie de série é presente em toda a peça. Claro que aqui, o uso da estética serial se dá nos termos da apropriação das possibilidades sonoras mais superficiais resultantes da técnica serial, e não de uma aplicação ortodoxa da série. Tal traço estilístico é, na verdade, característico da fase de maturidade do compositor Cláudio Santoro entre os anos 1978 e 1989 (MENDES 2009: 144). Sobre a dimensão horizontal Quanto à dimensão horizontal, nota-se um aspecto melódico fragmentado e sinuoso, abrangendo amplo espectro intervalar com saltos largos é claramente delineado aqui. Alguns dos principais procedimentos melódicos no Prelúdio II, são: o uso de sequências, estabelecimento de pontos culminantes, formação e exploração de determinados padrões melódicos e tratamento de linhas condutoras. Merece destaque, no aspecto melódico, um contorno bem peculiar de padrão ondulado, ou em zig-zag, consistindo na alternância de um movimento descendente com um ascendente, largamente explorada em todo Prelúdio II. Este padrão ocorre, geralmente, conjugado à uma quebra da relação de simetria por ele proposta. Pode-se verificar tal procedimento no exemplo a seguir, ainda abordando o início da peça.
6 Fig. 4 Padrão melódico em zig-zag e sua respectiva quebra no início do Prelúdio II. Sobre textura e timbre O Prelúdio II apresenta textura em camadas. Nota-se, ainda na 1ª Seção, um pequeno trecho de textura estratificada. Alguns procedimentos quanto ao tratamento das camadas despertam especial interesse. A 2ª parte da 1ª Seção sobrepõe uma camada que consiste em terças ritmicamente movimentadas (com marcação em azul escuro na Fig. 6) e a outra, de colcheias acentuadas em registro grave (em azul claro na Fig. 5). Fig. 5 Composição textural em duas diferentes camadas na 2ª parte da 1ª Seção do Prelúdio II. Segue-se a este trecho, um que recebe tratamento textural bastante distinto. O contraste entre os clusters, tocados em fortíssimo, e a figuração arpejada, em pianíssimo, propõe uma textura estratificada, caracterizada pela concomitância de sons extremamente dispares. A Fig. 6 apresenta este trecho contido entre os comp
7 II Jornada Acadêmica Discente PPGMUS ECA/USP Fig. 6 Textura estratificada apresentando convivência de clusters com arpejos em pianíssimo nos comp do Prelúdio II. A textura composta por camadas reaparece na 2ª Seção. As camadas podem ser identificadas como mostra o esquema a seguir: Fig. 7 Textura em camadas na 2ª Seção do Prelúdio II. O padrão de sobreposição de apenas duas camadas, seguido até então, é alterado ainda na 2ª Seção, pela adição de uma terceira camada. Esta terceira camada é constituída pelas notas demarcadas no exemplo abaixo: Fig. 8 Demarcação de uma terceira camada na 2ª Seção do Prelúdio II. No âmbito timbrístico, o Prelúdio II apresenta um ponto de especial interesse. Além dos harmônicos naturais e artificiais, dos clusters e articulações específicas, destaca-se aqui a indicação chorlitazo, termo, aparentemente, ligado à pratica da guitarra flamenca, e consiste num golpe dado com o dedo médio no tampo do violão 1.
8 Conclusões O Prelúdio II para violão, é um exemplo da idéia de uma escrita serial não ortodoxa por parte de Santoro, em sua maturidade. Isso é demonstrado através de utilização de um super-conjunto de classes de alturas cujo conteúdo permeia toda a peça. Considerando também as dificuldades de execução propostas pela peça, a análise musical é ferramenta capaz de fornecer informações e critérios que devem guiar as escolhas do intérprete na elaboração de soluções técnicas. Referências Bibliográficas FORTE, Allen. The Structure of Atonal Music. New Haven: Yale University Press, GLOEDEN, Edelton. As 12 Valsas em forma de estudo para violão de Francisco Mignone: um ciclo revisitado. São Paulo, f. Tese (Doutorado em Artes). Universidade de São Paulo. HASTY, Christopher. Segmentation and Process in Post-Tonal Music. Music Theory Spectrum. California: University of Califórnia Press, Vol. 3, Spring, 54-73, KOSTKA, Stefan. Materials and Techniques of Twentieth Century Music. 3 ed. New Jersey: Prentice Hall, MENDES, Sérgio Nogueira. O percurso estilístico de Cláudio Santoro: ramais divergentes e conjunção final. Capinas, f. Tese (Doutorado em Música) Universidade Estadual de Campinas. SANTORO, Cláudio. Dos Preludios. Partitura. Paris: Max Eschig, SANTORO, Cláudio. Prelúdios e Estudo para violão. Partitura. Brasília: Savart, STRAUSS, Joseph. Introdução à Teoria Pós-tonal. Trad. Ricardo Mazzini Bordini. 2 ed. New Jersey: Prentice Hall, Acesso em 22/11/ Informação procedente de entrevista informal com o guitarrista flamenco Fernando de La Rua em 25 de novembro de 2010.
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