Abordagem dos Chakras em aulas do projeto de extensão Yoga com a Comunidade : reflexões iniciais sobre Corpo e Yoga

Transcrição

1 Abordagem dos Chakras em aulas do projeto de extensão Yoga com a Comunidade : reflexões iniciais sobre Corpo e Yoga Introdução O projeto Yoga com a Comunidade é uma atividade de extensão desenvolvida na Faculdade de Educação Física da Universidade Federal de Goiás. Este projeto desenvolve aulas de yoga semanais com adultos(as) e tem os seguintes objetivos: Contribuir para a formação humana dos(as) estudantes monitores(as). Articular o projeto de extensão com as dimensões de ensino e pesquisa na Universidade. Fomentar o desenvolvimento de propostas pedagógicas para o ensino do yôga. Desenvolver estudos a fim de compreender as relações entre yôga, ciência e cultura e o diálogo entre a Educação Física e as práticas corporais holísticas. Contribuir para ampliação do autoconhecimento, desenvolvimento da percepção e consciência corporal e melhora da respiração, postura, flexibilidade e concentração dos(as) participantes da comunidade. Problematizar junto à comunidade elementos relacionados a práticas corporais, corpo, saúde e educação (FEF/UFG, 2012, p. 03). O projeto atualmente tem sido desenvolvido por uma professora coordenadora e três estudantes dos cursos de licenciatura e bacharelado em Educação Física. As aulas são ministradas pelas estudantes monitoras, uma turma às segundas e quartas e outra às terças e quintas-feiras, das 8h30 às 9h30. O público participante são jovens, adultos e idosos, sendo maioria do gênero feminino. Esse projeto é semestral e tem matrículas com pagamento de uma taxa no valor de cinquenta reais. É aberto à comunidade com caráter público, facilitando o acesso as atividades, pois aulas de yoga costumam ter alto custo e ser desenvolvidas em ambientes privados, limitando o acesso social. Além das aulas com a comunidade, são realizadas reuniões periódicas para estudos e discussão do andamento do projeto. No início do semestre é feito um planejamento, sendo que o cronograma pode ser alterado de acordo com as necessidades. As aulas enfatizam elementos do yoga como respiração, ásanas, mantras, relaxamento e meditação, além de abordar temas considerados relevantes para o entendimento do yoga, tais como: Concepções de corpo; Elementos do yoga; Princípios éticos do yoga; Ásanas e Chakras. Em trabalho anterior (LELIS et al, 2013, p. 12), buscamos compreender as concepções de corpo e as contribuições da prática de yoga mencionadas pelos participantes deste projeto, por meio de análise de respostas de 36 de nossos alunos a um questionário. Observamos que maioria dos(as) participantes compreende o corpo como a estrutura material/física/orgânica do ser humano, apresentando-o como um conjunto de ossos, músculos, órgãos. Os termos máquina e instrumento foram recorrentes. Para outros(as), o corpo é um meio de se comunicar/estar no mundo, indicando também uma perspectiva de busca espiritual por meio de associações corpo/mente.

2 Destacam-se as expressões templo, santuário do espírito e da alma. Para minoria, o corpo é entendido nas dimensões natural e cultural, ou como integralidade biopsicossocial. Os dados deste estudo indicaram a necessidade de ampliação do entendimento de corpo e os objetivos do projeto preveem a problematização de questões acerca do corpo com a comunidade. Neste sentido, desenvolvemos no semestre a proposta de abordar a temática dos chakras nas aulas do projeto. Apresentamos neste texto alguns elementos sobre os chakras e suas relações com concepções de corpo nas aulas do referido projeto. Desenvolvimento: sobre Corpo e Chakras Segundo Kupfer (apud BAIMA, 2010, p. 33), não se sabe ao certo a origem do Yoga, mas sua história está diretamente ligada a história da Índia. Livros antigos e sagrados como os Vedas, escritos como os Upanishads e o Bhagavad Gitá, citam a prática em diversas passagens. O autor ainda afirma que o termo Yoga "deriva da raiz sânscrita yuj e significa união (entre o Eu individual e o Eu universal), integração; é um autoconhecimento que pode levar a repercussões sociais". A prática de Yoga trabalha com o ser humano em sua totalidade e é regido por oito aspectos fundamentais para sua compreensão e prática, os quais são: Yama, que conota controle e domínio e é dotado de cinco preceitos éticos; Niyama, que aborda disciplinas de controle dos sentidos e busca a purificação do corpo interna e externamente; Àsanas são as posturas físicas referidas enquanto perfeitas quando o corpo naturalmente (sem esforço) as realiza; Pránáyáma são os exercícios que envolvem técnicas respiratórias com intuito de adquirir controle da mesma; Pratyáhára é a abstração dos sentidos em que as imagens exteriores passam a não exercer influência na prática; Dháraná é a concentração podendo ser notada em práticas de meditação cujo intuito é controlar os pensamentos abstendo-se de se apegar a qualquer um deles; a meditação propriamente dita é o passo denominado Dhyána e tem a intenção de atingir o Samádhi, o último passo que representa a iluminação (BAIMA, 2010). Estes elementos sinalizam que a concepção de corpo que perpassa o universo do Yoga é diferente da que predomina no ocidente, uma vez que apontam para uma ideia de totalidade. Para Sant anna (2004) as descobertas do corpo possuem uma história vasta, diversa e secular, acentuada pelos avanços e limites do conhecimento humano. A abordagem do corpo e das práticas corporais na sociedade ocidental moderna denota um reducionismo na sua compreensão, enfatizando os aspectos anatomofisiológicos que o constituem e uma noção mecanicista, de corpo desligado da totalidade, da subjetividade e do contexto social. Segundo Sousa (2012), o fato de que na sociedade ocidental prevalece o interesse pelo estudo de músculos pode estar relacionado à ideia de potência, autonomia e individualidade. Já em outros sistemas socioculturais, como na China a na Ásia, o sujeito é considerado dentro

3 de uma perspectiva integrativa em que é uma espécie de microcosmo, intimamente relacionado à natureza, e sua existência só é possível em relação aos outros e ao mundo, diferente da acepção de objeto, instrumento, predominante no ocidente. O corpo no ocidente é predominantemente entendido como uma composição de músculos, ossos e outras estruturas, sendo este, inclusive, o seu entendimento anatômico. Já em outra perspectiva, "a ideia de equilíbrio da natureza humana e não havendo inclusive a dicotomização do sujeito desta, influenciaram a busca da compreensão sobre a anatomia do corpo humano" (SOUSA, 2012, p. 101). Neste sentido, a anatomia chinesa se desenvolvera de forma distinta da anatomia ocidental (percebemos que a diagramação sobre o corpo na visão europeia busca ênfase na constituição muscular - influência do método hipocrático desenvolvido na Grécia - enquanto na visão chinesa este aspecto não se encontra presente, sobressaltando a noção dos pontos energéticos para a aplicação do método acupunturista), onde o corpo era entendido numa abordagem "holística" (LOCK, 1980), já que esta concepção não se encontra separada dos valores e da filosofia espiritual (idem). Do ponto de vista do yoga, Feuerstein (2006, p.427) afirma que "o corpo físico tem um correspondente sutil que não é feito de matéria grosseira, mas de uma substância mais refinada, uma energia", chamada de prâna. A anatomia e fisiologia desta imagem suprafísica do corpo físico descrevem a presença de chakras e nadis, as estruturas básicas do mesmo. "Os nadis são correntes energéticas, padrões de fluxo definidos dentro desse campo luminoso de energia que é o corpo sutil" (FEUERSTEIN, 2006, p. 429). Estima-se que existam nadis no corpo, mas os principais são Sushuma, Ida e Pingala. A palavra nadis significa "conduto", mas não deve ser compreendida como uma estrutura oca, nem como uma espécie de nervo ou veia, mas como uma corrente de energia, interpenetrando todo o corpo sutil. Ida e Pingala controlam as reações do sistema nervoso simpático e parassimpático e é devido a esse fato que os yogins conseguem fazer circular as energias vitais por elas, obtendo feitos extraordinários, como variar os batimentos cardíacos, parar o coração, alterar o peristaltismo digestivo, etc (KALYAMA, 2003). Para Kalyama (2003, p. 187) "a palavra chakra significa roda e se refere às estruturas psicoenergéticas existentes no corpo prânico". Cunha (2013, p. 48) afirma que os chakras são "centros de energia situados no corpo físico, ao longo da coluna vertebral, e representam nosso corpo sutil ou energético". "Existem ao todo sete grandes chakras, que dispõem-se verticalmente ao longo do canal axial. São coágulos de energia vital que vibram em diferentes frequências" (FEUERSTEIN, 2006, p. 430). Os sete chakras principais são: Muladhara, Svadisthana, Manipura, Anahata, Vishuddha, Ajna, Sahasrara. Para cada chakra existe um

4 elemento correspondente, um mantra, uma cor, uma localização, determinadas emoções, uma glândula endócrina, órgãos e sistemas do corpo humano ao qual estão relacionados. Para Cunha (2013) os chakras controlam o fluxo de energia sutil de todo corpo e ao redor do mesmo e as radiações de energia sutil desses centros criam padrões energéticos em volta dos chakras. As radiações de energia criam um fluxo específico de pensamento e todas as emoções e sentimentos geram emanações vibracionais. Cunha (2013, p.49) também afirma que "os chakras controlam os plexos, nervos, glândulas endócrinas e órgãos situados nas suas respectivas regiões". Devido a isso os chakras agem através dos plexos físicos e refletem sua energia sutil no plano físico através de suas glândulas endócrinas correspondentes. O estado ideal seria o equilíbrio de todos os chakras, sendo que existem muitas técnicas para auxiliar nisto, como práticas de mantras, meditação, visualização, massagem, respiração, yoga, etc. Partindo destes entendimentos, inserimos a temática dos chakras nas aulas do projeto de extensão Yoga com a Comunidade. Viu-se a necessidade de estudos mais detalhados, os quais se deram por meio de leituras de textos e discussões nas reuniões pedagógicas do projeto, buscando também a formação das monitoras. Realizamos uma organização do semestre, onde em cada semana seria apresentado um dos chakras. Nas aulas buscamos associar o chakra da semana com seus elementos correspondentes do yoga, na prática de ásanas, pranayamas, meditação, relaxamento e mantras. Realizamos também a apresentação do chakra, na forma de explicações expositivas e materiais didáticos como banners e pequenos textos disponibilizados para os participantes do projeto. Reflexões finais, para continuar... Observamos que a inserção da temática dos chakras nas aulas despertou nos alunos interesse, identificação no plano da experiência e a busca de alguns por aprofundamento. No que se refere à intenção de problematizar questões do corpo, refletimos que: em que pese, a primeira vista, a abordagem do corpo por meio dos chakras propor apenas um olhar diferenciado do ponto de vista da anatomia, abordar o corpo a partir desta outra compreensão anatômica sugeriu um tensionamento da ênfase material e orgânica e uma nova forma de se relacionar com o corpo, inclusive com seus aspectos físicos, a partir de uma necessária integração corpo e mente. Segundo Kuriyama (apud SOUSA, 2012), as divergências entre as formas de conhecimento sobre o corpo não são aspectos meramente intelectuais ou conceituais, mas se relacionam a formas de conhecer o corpo e a si mesmo. Além disso, esta abordagem está associada à relação entre corpo e mente, cuja dicotomia busca ser superada na prática de yoga. Se, no modelo cartesiano, aprofunda-se a fragmentação, o yoga apoia-se na

5 integração corpo e mente a partir da dimensão da experiência, baseada no entendimento do corpo vivo e em ação no mundo, conforme discutido por Sousa (2012). É válido destacar, ainda, que o yoga, ao incentivar elementos relacionados ao treino interno e não apenas externo do corpo (FERNANDES, RODRIGUES E ROCHA, s/d), desafia alguns valores modernos ocidentais, como a produtividade, a velocidade, a aparência física superestimada e a superficialidade das relações, além da própria musculosidade/muscularidade (SOUSA, 2012), muito presente no âmbito das práticas corporais ocidentais. Sabemos que a abordagem dos chakras é insuficiente para ampliação da concepção de corpo e temos muito a avançar, embora possamos destacar elementos interessantes para reflexão, conforme mencionamos acima. Também reconhecemos que esta teoria recebe críticas, por ser considerada em alguns casos não científica, como acontece com várias práticas alternativas, conforme tematizado por Luz (2003). Segundo Feuerstein (2006), alguns consideram esta anatomia pura ficção, outros a veem como mapas da concentração que se criam na forma de visualizações em momentos de meditação. O fato é que esta compreensão tem se difundido a milhares de anos e sustenta uma série de saberes e práticas, sobretudo utilizadas no campo da saúde, a exemplo da acupuntura e outras ações da medicina tradicional chinesa e ayurvedica, as quais tem obtido crescente reconhecimento na atualidade, apesar das tensões que estabelecem com a medicina hegemônica ocidental. Referências BAIMA, L. Yoga: masculino ou feminino? Um estudo investigativo sobre a prática de yoga em Goiânia/GO. Monografia de graduação. FEF/UFG CUNHA, F. Yoga Dance: Manual do professor. São Paulo, FEF/UFG. Projeto de extensão Yoga com a comunidade, Goiânia, FERNANDES, E.; RODRIGUES, F.; ROCHA, V. A Edificação da imagem do Yoga no Brasil, s/d. FEUERSTEIN, G. A tradição do yoga: história, literatura, filosofia e prática. São Paulo: Pensamento, LELIS, A. et al. O corpo e a prática de yoga: reflexões a partir do Projeto de Extensão Yoga para a Comunidade. Anais do Congresso Internacional de Extensão Universitária. Quito/Equador, LUZ, M. T. Novos saberes e práticas em Saúde Coletiva: estudos sobre racionalidades médicas e atividades corporais. São Paulo: Hucitec, KALYAMA, A. Yoga: repensando a tradição. São Paulo, IBRASA, SOUSA, M. F. Reflexões de passagem sobre a corporalidade no mundo oriental. In: SAITO, C. et. al. Japonicidades: estudos sobre a sociedade e cultura japonesa no Brasil central. Curitiba, PR: CRV, p. SANT ANNA, D. É possível realizar uma história do corpo? In: SOARES, C. L. (Org.) Corpo e História. 2a ed. Campinas: Autores Associados, 2004, p Palavras-chave: Yoga; Corpo.