Copos e trava-línguas: materiais sonoros para a composição na aula de música
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- Maria Santos de Sousa
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1 Copos e trava-línguas: materiais sonoros para a composição na aula de música Andréia Veber Rede Pública Estadual de Ensino de Santa Catarina andreiaveber@uol.com.br Viviane Beineke Universidade do Estado de Santa Catarina Udesc/ Universidade Federal do Rio Grande do Sul UFRGS vivibk@uol.com.br Resumo. Esta comunicação relata uma experiência de composição musical desenvolvida com alunos da terceira série do ensino fundamental, utilizando materiais alternativos. A escola faz parte do Programa Escola Integrada, pertencente à Rede Pública Estadual de Ensino de Santa Catarina. A atividade proposta focalizou a criação de músicas utilizando copos e trava-línguas. A realização da atividade contribuiu de forma significativa no processo de desenvolvimento musical dos alunos, que tiveram a oportunidade de experimentar idéias musicais, discuti-las com os colegas e analisar os resultados alcançados, desenvolvendo a autonomia e a confiança seu próprio fazer musical. O trabalho também refletiu na curiosidade dos alunos para a criação de novos tipos de sons, ritmos e composições. Por fim, são feitas algumas considerações sobre o campo de atuação que a Escola Integrada abre aos educadores musicais, sendo possível vislumbrar a possibilidade de espaços para a inclusão da aula de música no currículo escolar. A composição na sala de aula: construindo a autonomia musical A atividade de composição é extremamente importante para o desenvolvimento musical do aluno, à medida que possibilita que os alunos desenvolvam o interesse pela construção do seu próprio discurso musical. A partir dela, a execução e a apreciação musical também podem ser trabalhadas, nos momentos em que os alunos compõem, ensaiam, apresentam e analisam suas músicas. De acordo com Swanwick (2003), este é um dos principais objetivos do ensino de música, partindo do princípio que se aprende música fazendo música de diversas formas: tocando, cantando, compondo e apreciando. Segundo Swanwick (2003), a composição oferece ao aluno a possibilidade de escolher como vai ser a música que ele vai tocar ou cantar. E essa tomada de decisão, segundo o autor, proporciona mais abertura para a escolha cultural. O autor afirma ainda que... ela [a composição] dá ao aluno uma oportunidade de trazer suas próprias idéias à microestrutura de sala de aula, fundindo a educação formal com a música de fora. Os professores, então, tornam-se conscientes não somente das tendências musicais doas alunos, mas também, até certo ponto, dos seus mundos social e pessoal (Swanwick, 2003, p.68). Nessa perspectiva, a composição pode ser desenvolvida em sala de aula segundo diferentes enfoques teórico metodológicos, não excludentes. No trabalho aqui apresentado,
2 2 consideramos a composição fundamental no processo educativo porque ela proporciona muitas possibilidades para a tomada de decisões musicais pelos alunos e visando o desenvolvimento da autonomia (Beineke, 2003). Contextualizando a aula de música no Programa Escola Pública Integrada em Santa Catarina Esta comunicação tem o objetivo de relatar uma experiência de composição musical realizada com crianças da terceira série do ensino fundamental de uma escola de educação básica pertencente à Rede Pública Estadual de Ensino de Santa Catarina. Esta escola é uma das primeiras do Estado a participar do Programa Escola Pública Integrada, que vem sendo gradativamente implantado. Neste Programa, a jornada escolar é de turno integral. Segundo as diretrizes do Plano Estadual de Educação,...este atendimento possibilita novos processos de ensino/aprendizagem, bem como a prática de esportes, o desenvolvimento de atividades artísticas e alimentação adequada, prioriza diminuir as desigualdades sociais, ampliando democraticamente as oportunidades de aprendizagem, sobretudo nos municípios de baixa renda (Santa Catarina, 2004, p. 30). Desde o início de 2004 a escola está funcionando em turno integral da 1ª à 4ª séries do ensino fundamental, sendo ministradas cinco aulas semanais de música para essas séries. O objetivo geral das aulas de música é oportunizar aos alunos um fazer musical significativo, enfocando a produção sonora através da composição, execução e apreciação musical. Este relato é um recorte do trabalho que está sendo desenvolvido, no qual é focalizada uma atividade de composição musical utilizando recursos alternativos presentes no cotidiano dos alunos. Produzimos este artigo em conjunto, Andréia e Viviane, refletindo sobre uma experiência de educação musical na escola, vivida por Andréia, professora da rede estadual de ensino. Essa prática partiu das vivências desta como integrante do projeto Produção de material didático para o ensino de música na escola, coordenado por Viviane, surgindo daí a parceria para o relato de experiência aqui proposto. O projeto, que integra o Programa NEM Núcleo de Educação Musical 1 da Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC) tem o objetivo de produzir material didático para ser utilizado na sala de aula, no cotidiano das escolas, e conta com a participação de alunos e professores do curso de Licenciatura em Música da Udesc. Uma das 1 Projeto em desenvolvimento desde Para conhecer mais sobre o Programa NEM, visite:
3 3 preocupações do grupo vem sendo a falta de recursos disponíveis nas escolas para a realização dos trabalhos. Assim, procuramos encontrar formas alternativas de explorar os materiais disponíveis a serem usados nas aulas e também buscar fontes sonoras que instiguem no aluno a curiosidade de criar e descobrir sons diferentes nos objetos presentes em seu cotidiano 2. Partindo de atividades desenvolvidas nesse projeto na Universidade, Andréia criou e desenvolveu, com uma turma de 31 alunos da 3ª série do ensino fundamental, o trabalho que é apresentado a seguir 3. Desenvolvimento da atividade de composição musical Na primeira etapa do trabalho de composição, cada aluno recebeu um copo de plástico de iogurte para manipulação livre. Inicialmente, os alunos ficaram, de certa forma, sem saber o que fazer, então realizei um ritmo no copo como exemplo. A partir daí continuamos explorando as diferentes sonoridades que podiam ser produzidas com os copos. Em seguida, trabalhamos uma célula rítmica (figura 1), para que eles pudessem perceber as possibilidades de fazer música utilizando este recurso. Depois seguimos fazendo variações rítmicas criando novas células, quando cada um teve a oportunidade de criar seu próprio ritmo. Acompanhamento: Legenda: bater palma Figura 1: acompanhamento para a canção Bate o Monjolo. pegar o fundo do copo e segurar bater as mãos em cima do fundo do copo (alternando as mãos) passar o copo para o colega da direita (sem arrastar) batendo a boca no chão Na aula seguinte, apresentei para os alunos a música Bate o Monjolo 4 com arranjo para copos, utilizando o padrão rítmico executado na aula anterior (figura 2). Todos ficaram fascinados em tocar a música e logo estavam executando o ritmo com o copo, mas tinham ainda 2 É importante ressaltar que a utilização de materiais alternativos tem o objetivo de instigar os alunos a explorar as mais diversas fontes sonoras, incluindo objetos do seu cotidiano, sem pretender substituir a utilização de instrumentos musicais convencionais nas aulas de música. 3 Nessa parte do artigo será utilizada a primeira pessoa do singular, em nome de Andréia, que ministrou as aulas da experiência relatada. 4 Canção tradicional de Minas Gerais, recolhida por Eugênio Tadeu (CD Pandalelê, Selo Palavra Cantada, 2000),com arranjo de Gabriela Flor.
4 4 dificuldade em cantar ao mesmo tempo. Porém, aos poucos, conseguiram realizar a atividade proposta. Figura 2: melodia da canção Bate o Monjolo Na terceira aula distribuí os copos para manipulação livre e passados alguns minutos tocamos juntos a música Bate o Monjolo. Depois dividi a turma em cinco grupos de seis alunos e cada grupo recebeu um trava-língua. A tarefa inicial foi de decorá-lo e fazer uma composição utilizando o trava-língua e os copos no acompanhamento. No primeiro momento, houve muita reclamação, pois os alunos imaginaram que a atividade fosse complexa, e não tinham idéia do que poderiam fazer. Mas logo as idéias despontaram e as composições começaram a tomar suas formas. O momento de produção das composições gerou uma discussão muito rica, na qual cada um defendia suas idéias, com o argumento de serem as melhores. Um dos grupos decidiu fazer uma votação entre as idéias apresentadas e eleger qual seriam o ritmo e a melodia escolhidos para seu trava-língua. Os demais grupos optaram pelo seguinte: cada aluno apresentou sua idéia e eles discutiram uma a uma, chegando conjuntamente à solução do problema: decidiram usar na música um pouco da idéia de cada um, deixando a todos satisfeitos. Para a finalização dessa etapa foram utilizados mais dois dias de aula. Como temos aula de música todos os dias, trabalhamos durante uma semana nessa etapa da atividade. Após esse período inicial de produção das composições, passamos para a fase dos ensaios, na qual ficamos durante uma semana ensaiando todos os dias. É importante ressaltar que nenhuma atividade de grupo pode ser enviada como tarefa para casa, pois os alunos passam o dia inteiro na escola. Assim, reservamos a cada aula vinte minutos para que os grupos pudessem ensaiar suas músicas. A apresentação da atividade para a turma aconteceu ao final dessa semana de ensaios. Vale lembrar que contamos com cinco aulas de 45 minutos por semana. Nesse processo, alguns grupos acabaram modificando seus trabalhos, porém, todos ficaram prontos para serem apresentados à turma na data combinada.
5 5 A sala foi disposta com cadeiras em círculo, onde todos sentaram para assistir ao trabalho dos colegas. Um a um, cada grupo foi apresentando sua composição. Alguns grupos incluíram coreografias, passando o copo por trás do corpo, passando o copo para o colega, etc. Abaixo segue a partitura de dois trabalhos apresentados pelos alunos (figuras 3 e 4) 5. Gato escondido Acompanhamento: Figura 3: composição do grupo 1 O pinto pia Acompanhamento: Legenda: bater a boca do copo na mão esquerda sem passar bater a boca do copo na mão direita sem passar bater a boca do copo na mesa (sem apoiar) bater palma pegar o fundo do copo e segurar bater as mãos em cima do fundo do copo (alternando as mãos) Figura 4: composição do grupo 2 Após as apresentações, cada grupo explicou para os colegas como foi construída sua composição, atingindo assim duas metas importantes: tornou possível a todos a compreensão do processo de composição e também a execução de todas as composições. O que não foi difícil, 5 A partitura foi escrita pela professora Andréia após a apresentação dos trabalhos.
6 6 pois durante os intervalos das aulas eles próprios já estavam ensinando uns aos outros como eram feitas suas músicas. Assim, utilizando-se de copos de plástico como instrumento musical alternativo e travalínguas pertencentes à nossa cultura popular, os alunos desta terceira série construíram suas próprias composições musicais, construindo seus conhecimentos musicais de forma significativa para eles. Algumas considerações A discussão gerada em torno das idéias musicais apresentadas pelos alunos no momento de criação do trabalho foi muito rica e contribuiu para o desenvolvimento musical dos mesmos. Além de instigar a criação musical, também desenvolveu o poder de crítica musical dos alunos, pois foi preciso ir em busca de argumentos para explicar aos colegas porque as suas idéias seriam as mais apropriadas para a composição. Além das aprendizagens musicais percebidas no desenvolvimento dessa atividade, pôde-se observar o crescimento de todos na realização de trabalhos em grupo, pois foram aos poucos aprendendo a colaborar e aceitar as idéias dos outros. A realização dessa atividade refletiu também no desenvolvimento de atividades posteriores, pois instigou nos alunos a curiosidade para a criação de novos tipos de sons, ritmos e novas composições. Nesse sentido, alguns pais relataram que seus filhos estavam se reunindo nos finais de semana para buscar outras fontes sonoras e criar novas músicas. Após essa atividade, alguns alunos também resolveram compor músicas e criar ritmos usando as poesias trabalhadas com o professor de classe. Este professor relatou que os alunos estavam empolgados com a idéia de poder fazer música e criar ritmos com o material que quisessem. Os fatos mencionados demonstram o desenvolvimento da autonomia e confiança dos alunos no seu próprio fazer musical, promovido com o trabalho de criação. O sucesso dos objetivos propostos pela atividade se deve também aos vínculos estabelecidos, pois os alunos passam o dia em contato com os colegas, com os professores, em um ambiente de estudo e aprendizado, tornando-se mais envolvidos com os trabalhos propostos. O Programa Escola Pública Integrada abre, sem dúvida, um novo campo de atuação para os educadores musicais, sendo possível vislumbrar a possibilidade de um espaço mais adequado para a inclusão da aula de música no currículo escolar.
7 7 Referências bibliográficas SANTA CATARINA. Secretaria de Estado da Educação e Inovação. Plano Estadual de Educação. Florianópolis: SWANWICK, Keith. Ensinando música musicalmente. São Paulo: Moderna, BEINEKE, Viviane. A composição em sala de aula: como ouvir as músicas que as crianças fazem?. In: Avaliação em música: reflexões e práticas. São Paulo: Moderna, 2003.
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