Suco de Uva: componentes e benefícios para a saúde. CAROLINE DANI, LIVIA S OLIBONI, JOÃO A. P. HENRIQUES E MIRIAN SALVADOR Tradução: Robin Siteneski

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1 Suco de Uva: componentes e benefícios para a saúde CAROLINE DANI, LIVIA S OLIBONI, JOÃO A. P. HENRIQUES E MIRIAN SALVADOR Tradução: Robin Siteneski RESUMO Dados experimentais têm sugerido que, cada vez mais, o dano oxidativo celular tem um relevante papel fisiopatológico em vários tipos de doenças humanas, tais como aterosclerose e câncer (Ames et al., 1993). Para minimizar o estresse oxidativo, nossas células desenvolveram um complexo mecanismo redox, constituído tanto de componentes enzimáticos quanto de não- enzimáticos (Park et al., 2003). Além disso, a dieta, especialmente o consumo de frutas e vegetais, também tem um papel importante na manutenção do equilíbrio fisiológico de redox. Esses tipos de alimentos provêm vários antioxidantes, entre eles os compostos fenólicos. As uvas são ricas em compostos fenólicos, entre eles os flavonóides (catequina, epicatequina, quercetina, antocianinas, procianidinas), e os não- flavonóides, entre estes o resveratrol (3,5,4'- trihidroxi- estilbeno), que são principalmente encontrados em produtos derivados da uva tinta (Wang et al., 2002; Soleas et al., 1997; Fuleki & Ricardo da Silva, 2003). Neste capítulo analisamos os principais componentes do suco de uva tinta e branca e seus benefícios para a saúde. Todos os resultados sugerem que sucos de uva induzem uma importante atividade antioxidante, antiplaquetária, antitumoral e antimutagênica e este pode ser um assunto importante para investigações adicionais na área de alimentos funcionais. SUCO DE UVA E SEUS COMPONENTES A uva é a variedade de fruta mais cultivada no mundo, a segunda é a laranja, e representa um componente essencial para a dieta e cultura mediterrânea (Olalla et al, 2004). Na América do Norte, o suco de uva tinto comercial é feito principalmente de uva Concord, variedade Vitis labrusca, e os sucos de uvas Niágara, também uma variedade V. labrusca, são responsáveis pelo típico sabor da uva branca comercial. Ambas variedades são extensivamente plantados para produção de suco na região do Niagara na província de Ontário, Canadá (Sun et al, 2001). Vinho, uva e produtos derivados de uva contribuem com $162 bilhões para a economia estadunidense, de acordo com o estudo feito pela MKF Research LCC of Napa Valley, tornado público durante a Convenção Política do Vinho no Capitólio no dia 17 de janeiro de Pesquisas que documentam numerosos benefícios para a saúde associados ao consumo de uva e seus derivados têm aumentado o mercado para estes produtos. Na realidade, existem vários tipos de suco de uva no mercado mundial. A princípio, o suco de uva pode ser feito a partir de qualquer variedade da fruta, desde que tenha atingido maturação apropriada. Sucos de uva produzidos em países com tradição na fabricação de vinho são elaborados com uvas Vitis vinifera, de cultivares branco ou tinta. Por outro lado, os sucos de uva brasileiros

2 são fabricados com uvas Vitis labrusca, conhecidas como americanas ou híbridas, principalmente Bordo e Concord (tintas), Niagara (brancas) e Rose (Goethe) (Rizzon et al., 1998; Dani et al., 2007). A composição química do suco de uva difere ligeiramente da fruta, exceto pelas altas quantidades de fibra crua e óleo encontradas na semente. A tecnologia de preparo, relacionada principalmente com a temperatura e tempo de extração, regula a solubilidade e intensidade da difusão dos compostos, da casca ao mosto. Esta é uma influência importante na composição química e na classe do produto final (Rizzon et al., 1998). Em geral, sucos de uva branca, tinta e rose com diferentes características nutricionais e conteúdo fenólico podem ser obtidos, apesar de existirem poucos estudos sobre o assunto. Além das diferentes variedades de uva, o mercado atual conta com as classes de suco convencionais e orgânicas. Essa última pertence ao cultivo orgânico, que é atualmente praticado no mundo todo, e não usa substâncias químicas, como pesticidas e fertilizantes sintéticos. Alguns estudos relatam diferenças no conteúdo fenólico e nutricional de frutas (morangos, pêssegos e ameixas) administradas pelos métodos convencional e orgânico (Asami et al., 2003; Lombardi- Boccia et al., 2004). Entretanto, não existe um consenso sobre qual método é o melhor, nem sobre como a prática agrícola poderia influenciar na composição final do produto. Um estudo recente com oito tipos diferentes de suco de uva, branca (Niágara) ou tinta (Bordo), produzidos com uvas de cultivo convencional ou orgânico foi usado para avaliar o conteúdo de polifenol de diferentes tipos de sucos (Dani et al., 2007). Avaliando- se a escolha do manejo agrícola, os sucos orgânicos apresentaram conteúdo de polifenol mais alto quando comparados aqueles fabricados a partir de uvas cultivadas de forma convencional (Dani et al., 2007). Esse fato poderia ser explicado porque os compostos fenólicos são metabólitos secundários da plantas produzidos e acumulados nos tecidos das plantas, durante situação de estresse, entre eles fungos, umidade, entre outros. Como pesticidas não são usados na agricultura orgânica, as plantas ficam mais suscetíveis à ação de compostos fitopatógenos, isso faz com que produzam quantidades maiores de compostos fenólicos como um método de auto- defesa (Soleas et al., 1997). Metodologias diferentes são aplicadas na produção de suco. Quando sucos tintos são produzidos, a polpa é aquecida juntamente com a casca e a semente, o que resulta na maior incorporação de compostos fenólicos ao suco (Fuleki & Ricardo da Silva, 2003). Sucos de uva tintos produzidos com aquecimento da casca mostraram teores maiores de compostos fenólicos quando comparados a sucos brancos (Tabela 1), assim como maiores níveis calóricos e de carboidratos (Dani et al., 2007). Componentes fenólicos são muito importantes para a enologia porque estão diretamente ou indiretamente ligados à qualidade de sucos e vinhos, especialmente a sua cor e adstringência, e também apresentam interesse nutricional e farmacológico (Riberéau- Gayon et al., 2003). A estrutura do polifenol tem pelo menos um anel aromático, no qual, pelo menos, um

3 hidrogênio é substituído por um grupo de hidroxila. Eles podem ser classificados como compostos flavonóides e não flavonóides (Riberéau- Gayon et al., 2003; Ferguson, 2001). Flavonóides incluem antocianos, quercetina, catequina, epicatequina e procianidinas (Ferguson, 2001). O suco de uva contém principalmente (+)- catequina, (- )- epicatequina e quatro procianidinas (B1, B2, B3 e B4) (Tabela 1). A concentração desses compostos pode mudar de acordo com o método de elaboração (maceração quente ou fria), com o cultivar e, em menor grau, com a pasteurização e vindima (Fuleki & Ricardo da Silva, 2003). A classe das antocianas é responsável por muitas das cores de frutas e flores observadas na natureza. No suco de uva Concord as principais antocianas são, em ordem de quantidade, delfinidina, cianidina, petunidina, malvidina e peonidina (Wang et al., 2003). Entre os compostos denominados não flavonóides, estilbenos, benzóico e derivados do ácido cinâmico merecem atenção especial. O resveratrol, um estibeno, é o componente principal dos polifenois das uvas e seus derivados (Sun et al., 2001). É uma fitoalexina presente em videiras (Flanzy, 2003), que foi identificado originalmente como o ingrediente ativo de uma erva Oriental (Kojo- kan), é usada para o tratamento de uma grande variedade de doenças, inclusive dermatite, gonorréia, febre, hiperlipidemia, arteriosclerose, e inflamação (Sol et al., 2001). Embora os teores de não- flavonóides, especialmente de resveratrol, sejam conhecidos em vinhos (Fuleki & Ricardo- da- Silva, 2003) existem poucos estudos sobre a quantidade desses compostos em sucos de uva (Tabela 1), o que abre uma possibilidade interessante de novas pesquisas sobre o assunto. O conteúdo fenólico de diferentes variedades de uva, a maioria delas originada de uvas Vitis labrusca, é mostrado na Tabela 1. É possível notar que o conteúdo de polifenol pode ser modificado de acordo com a variedade e o processo de elaboração dos sucos. SUCO DE UVA E SEUS BENEFÍCIOS PARA A SAÚDE Já foi relatado que o suco de uva pode prevenir: (I) agregação plaquetária; (II) oxidação da LDL e dano oxidativo ao DNA; (III) doenças coronárias e aterosclerose (Tabela 2). Os efeitos biológicos mais pesquisados do suco de uva são sua atividade antioxidante, que pode ser observada em análises in vitro ou in vivo. Em análises in vivo e ex vivo, sucos de uva tintos, principalmente os orgânicos, apresentaram maior atividade antioxidante, o que é certamente correlacionado com os teores de resveratrol, catequina, e polifenois totais (Dani et al., 2007; Ferguson, 2001). Por outro lado, em análises in vivo (utilizando o modelo de levedura Saccharomyces cerevisiae), sucos de uva branca apresentam maior proteção contra danos causados pelo hidrogênio peróxido. Entre os sucos de uva tintos, os orgânicos mostraram melhor atividade antioxidante, o que é positivamente correlacionado com o teor de resveratrol (dados não publicados de nosso grupo). As disparidades relacionadas aos resultados obtidos através de análises in vitro e in vivo poderiam ser atribuídas, pelo menos em parte, ao metabolismo fenólico.

4 Os efeitos de antioxidantes in vivo dependem da disponibilidade biológica e metabolismo fenólico (Vinson et al., 2004), que podem ser influenciados por suas estruturas, absorção e interação com outros compostos (Manach et al., 2004). O estresse oxidativo é considerado um importante fator de risco que contribui para o aumento da peroxidação lipídica, que esta relacionada à idade e para o declínio da defesa antioxidante no sistema nervoso central durante o envelhecimento (Balu et al., 2005). Diversos estudos têm mostrado que a suplementação de polifenóis a longo prazo melhora o desempenho cognitivo em ratos Wistar idosos, principalmente por causa da capacidade desses polifenóis de prevenir o dano causado pelo estresse oxidativo (Joseph et al., 1999; Bastianetto & Quirion, 2002). Os resultados de um estudo de Barbara Shukitt- Hale et al. (2006), que avaliou os efeitos do suco de uva Concord na melhora de déficits cognitivos e motores durante o envelhecimento, sugerem que uma maior concentração de suco de uva pode ser necessária para melhorar o desempenho motor, enquanto que concentrações menores podem ser suficientes para alterar o desempenho cognitivo. Um estudo, isolando- se o estriado e a substância nigra de ratos Wistar adultos foi o pioneiro a mostrar que sucos de uva podem reduzir a danos oxidativos em estruturas cerebrais (Dani et al., 2008b). Esse resultado é corroborado por Balu (et al., 2005), que encontrou níveis normais de peroxidação lipídica e defesas antioxidantes em ratos idosos suplementados com extrato de sementes de uva. Além disso, alguns estudos comprovaram que o consumo de aproximadamente ml de suco de uva convencional por dia, preparado a partir de uvas Vitis vinifera, pode aumentar os níveis de antioxidantes em homens (Day et al., 1997; Osman et al., 1998; Freedman et al., 2001; O Byrne et al., 2002). Isso demonstra que a dieta é uma estratégia de defesa para prevenir, interceptar ou reparar o estresse oxidativo causado pelo envelhecimento. Na realidade, todo tipo de consumo de fruta é associado à diminuição do risco de doença degenerativa, ao passo que a falta de consumo adequado de frutas e vegetais é ligada à incidência de câncer (Ames et al., 1993). Também é atribuída ao suco de uva a diminuição de doenças cardiovasculares (Vinson et al., 2001; Singletary et al., 2003; Sanchez- Moreno et al., 1999). A agregação plaquetária pode ser reduzida através do consumo (5-7.5 ml/kg/diários) de suco de uva durante uma semana, o que não acontece com o consumo de suco de laranja ou toranja (Keevil et al., 1999). O suco de uva tinto apresenta uma concentração total de polifenol, três vezes maior do que sucos cítricos, o que aponta o efeito potencial de polifenóis na agregação plaquetária. Este efeito pode consequentemente reduzir os riscos de trombose coronária e de infartos do miocárdio (Keevin et al., 2000). O consumo de uva tinta também melhora a função endotelial em pacientes com doença vascular aterosclerótica (Chou et al., 2001). A inibição de tumorigênese mamária quimicamente induzida em ratos por constituintes de suco de uva Concord foi observada, sugerindo uma potencial prevenção do câncer de mama (Singletary et al., 2003). Park (et al. 2003)

5 comprovou que o consumo do suco de uva resulta em uma pronunciada redução nos níveis de dano ao DNA, quando comprado aos níveis présuplementares. Corroborando, ambos os sucos de uva branco e tinto apresentaram atividade antimutagênica em levedura Saccharomyces cerevisiae, o que foi positivamente correlacionado com o conteúdo fenólico dos sucos. Na verdade, a atividade antimutagênica dos polifenóis (flavonóides ou não flavonóides) já foi relatada na literatura científica (Ferguson, 2001). Resumidamente, esta análise demonstra que sucos de uva, tanto branca quanto tinta, são ricos em compostos bioativos que são capazes diminuir o dano causado pelo estresse oxidativo, auxiliando na prevenção de muitas doenças relevantes, como o câncer, doença cardíaca coronariana, doenças neurológicas entre outras. Além disso, suco de uva pode ser incluído na dieta de crianças e pessoas idosas, casos em que bebidas alcoólicas não são indicadas.