UM POEMA QUE EU AMO as escolhas de Humberto Biu

Transcrição

1 UM POEMA QUE EU AMO as escolhas de Humberto Biu Eu e a Poesia Sentindo-me incapaz de escolher um poema de entre os muitos que amo, prefiro mencionar a minha relação afetiva com os poetas e a sua obra. Foi um professor de História da Escola Comercial Ferreira Borges, o Dr. Magnus Bergstrom, sueco de nascimento mas português por adoção, quem me fez começar a amar a poesia; nas suas lições de história portuguesa incluía comentários sobre literatura nacional, enaltecendo a qualidade da poesia. Depois, tendo de fazer exame de admissão ao Instituto Comercial de Lisboa, estudei, com alguma profundidade, história da literatura portuguesa e tive oportunidade para ler e até decorar alguns belos textos da nossa poesia. Assim conheci os poetas dos cancioneiros, como João Roiz de Castelo Branco (Senhora, partem tão tristes meus olhos por vós, meu bem, que nunca tão tristes vistes outros nenhuns por ninguém/ ), Os trovadores, bem como Sá de Miranda, Rodrigues Lobo, Gil Vicente etc. e, obviamente, Camões (de quem gosto mais da Lírica que da Épica); os Árcades não me escaparam. Apreciei os sonetos de Bocage e as rimas de Tolentino e entrei a fundo nos Românticos. A lista destes é enorme e por isso apenas cito: Antero de Quental (Sonho que sou um cavaleiro andante), Guerra Junqueiro e Florbela Espanca (Tenho ódio à luz e Raiva à claridade) Cesário Verde, um dos mais originais poetas portugueses, pela sua fluência rítmica, apesar da sua escassa produção, merece-me grande afeição. Não resisto a transcrever um dos seus poemas que mais me agrada pela sua simplicidade e beleza: De Tarde Naquele piquenique de burguesas, Houve uma coisa simplesmente bela, E que, sem ter histórias nem grandezas, Em todo o caso dava uma aguarela. Foi quando tu, descendo do burrico, Foste colher, sem imposturas tolas,

2 A um granzoal de grão-de-bico Um ramalhete rubro de papoulas Pouco depois, em cima duns penhascos, Nós acampámos, inda o sol se via; E houve talhadas de melão, damascos, E pão-de-ló molhado em malvasia. Mas todo púrpuro a sair da renda Dos teus dois seios como duas rolas, Era o supremo encanto da merenda O ramalhete rubro das papoulas! Naturalmente, foram e são os modernos e os contemporâneos que me mereceram mais atenção. E são também muitos os poetas de quem gosto; e sendo a lista infindável, refiro alguns: Fernando Pessoa, José Régio, Miguel Torga. Teixeira de Pascoais, Manuel da Fonseca, Alexandre O Neil, Gedeão e Sofia sem esquecer Jorge de Sena. Atualmente sou um Idoso reformado e, como tal, tenho o privilégio de administrar o meu tempo de acordo com os meus desejos e necessidades, sem seguir, porém, o conceito que Fernando Pessoa explicitou no poema Liberdade que se inicia assim: Ai que prazer Não cumprir um dever, Ter um livro para ler E não o fazer! E termina:

3 O mais do que isto É Jesus Cristo, Que não sabia nada de finanças Nem consta que tivesse biblioteca Quanto a saber de finanças, o meu passado profissional falará por mim e, já agora, asseguro que tenho biblioteca em que abundam livros de poesia A referência a Jesus Cristo fez-me lembrar um poema de Armindo Rodrigues que muito aprecio (o poeta e o poema); trata-se de uma pequena poesia de combate que me parece que poderia servir como base e objetivo de um programa político: abre os olho e verás Em cada outro homem um irmão. As paixões que te consomem Não são boas nem más, São a tua condição. A paz, Porém só a terás Quando o pão que os outros comem, For igual ao teu pão. Anoto que para descrever os poemas anteriores, que em tempos sabia de cor, tive de recorrer a alguns livros da minha biblioteca, entretanto já reduzida pois que ofereci ao meu neto Fernão que também escreve boa poesia, a obra completa de José Gomes Ferreira, (Chove mas isso que importa um belo poema de amor) e obras de Ary dos Santos e de Armindo Rodrigues, além de outras. Agora, leio poesia quando o meu estado de espirito sente a sua necessidade; tiro à toa um livro da prateleira, abro o livro ao calhar e procuro um poema que me satisfaça e vá ao encontro do meu estado de espírito no momento. Ainda recentemente fui ao lançamento de um livro de um amigo que também é poeta. Diamantino Marques. Sentia-me bastante constrangido por, na véspera, ter tido conhecimento de que tinha falecido uma amiga italiana,

4 Giulia Lanciani, professora na Universidade de Roma III, considerada pelos poetas portugueses como sua embaixadora. Abrindo o livro daquele meu amigo deparou-se-me um poema que retrata o meu sentimento. Transcrevo um pequeno excerto: Amizade Os laços da amizade intensa Devem cultivar-se Em navegação à vista Mas não se destroem pela ausência. Que me perdoem todos os poetas que não cito, embora os tenha lido e apreciado. Por isso termino com um poema de um poeta brasileiro Manuel Bandeira que tal como Drummond de Andrade, Jorge Lima, João Cabral de Melo Neto e Thiago de Melo, também merecem a minha admiração: Improviso Glória aos poetas de Portugal, Glória a D. Dinis. Glória a Gil Vicente. Glória a Camões. Glória a Bocage, a Garrett, a João de Deus (mas todos são Deus, e há um santo: Antero de Quental). Glória a Junqueiro. Glória ao sempre Verde Cesário. Glória a António Nobre, Glória a Eugénio de Castro, A Pessoa e seus heterónimos. O Camilo Pessanha. Glória a tantos mais, A TODOS MAIS. Glória a Teixeira de Pascoais Faço minhas as palavras deste grande poeta!

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