ANÁLISE DO DUPLO GRAU DE JURISDIÇÃO: AP 470

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1 UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA FACULDADE DE DIREITO TEORIA GERAL DO PROCESSO 2 DOCENTE: PROF. VALLISNEY DE SOUZA OLIVEIRA ANÁLISE DO DUPLO GRAU DE JURISDIÇÃO: AP 470 PEDRO PAULO LIMA E SILVA 12/ BRASÍLIA 2014

2 2 1. Ementa do Acórdão EMENTA: AÇÃO PENAL ORIGINÁRIA PERANTE O SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. CABIMENTO DE EMBARGOS INFRINGENTES QUANDO HAJA QUATRO VOTOS FAVORÁVEIS À ABSOLVIÇÃO. 1. O art. 333, inciso I, do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, que prevê o cabimento de embargos infringentes na hipótese, jamais foi revogado de modo expresso pela Lei nº 8.038/1990. Tampouco existe incompatibilidade, no particular, entre os dois diplomas normativos. 2. Embora se pudesse, em tese, cogitar da revogação do dispositivo em razão de a Lei nº 8.038/1990 haver instituído normas sobre o processamento da ação penal originária, este nunca foi o entendimento do Supremo Tribunal Federal. Ao contrário, há mais de uma dezena de pronunciamentos do Tribunal em decisões monocráticas e acórdãos, de Turma e do Plenário no sentido de que o art. 333 se encontra em vigor, inclusive no que diz respeito à ação penal originária. Tais pronunciamentos correspondem à razão de decidir expressamente adotada pela Corte e não podem ser simplesmente desconsiderados, como se nunca tivessem existido. 3. Ademais, Projeto de Lei enviado pelo Executivo ao Congresso Nacional, em 1998, com o fim específico de suprimir os embargos infringentes, foi expressamente rejeitado pela Casa Legislativa. Vale dizer: não só o STF, mas também os Poderes Executivo e Legislativo manifestaram o entendimento de que os embargos infringentes não foram revogados pela Lei nº 8.038/1990. Em deliberação específica e realizada sem a pressão de um processo rumoroso, o Congresso Nacional tomou a decisão expressa de manter esse recurso na ordem jurídica. 4. Embora se possa cogitar da revogação dos embargos infringentes para o futuro, não seria juridicamente consistente a pretensão de fazê-lo na reta final de um processo relevante e emblemático como a Ação Penal Incidência dos princípios do Estado de Direito, da segurança jurídica, da legalidade e do devido processo legal, que impedem o Tribunal de ignorar dispositivo que sempre se considerou vigente a fim de abreviar o desfecho de processo penal determinado. (26 o Ag. Reg. na AP 470, Relator: Min. JOAQUIM BARBOSA, Tribunal Pleno, 18/09/2013).

3 3 2. Comentários 2.1 Do duplo grau de jurisdição O princípio do duplo grau de jurisdição presente na maioria dos países ocidentais busca garantir uma solução ideal para a lide, possibilitando que o litigante se submeta ao reexame das decisões proferidas em primeiro grau, de acordo com os requisitos previstos em lei. Duplo grau de jurisdição é o princípio jurídico-processual pelo qual o sistema processual admite conhecimento e decisão de todos os aspectos da mesma causa por dois órgãos jurisdicionais distintos, consecutivamente, o segundo hierarquicamente superior ao primeiro. O duplo grau de jurisdição, para Nelson Nery Júnior: Consiste em estabelecer a possibilidade de a sentença definitiva ser apreciada por órgão de hierarquia superior à daquele que a proferiu, o que se faz de ordinário pela interposição do recurso. (NERY JÚNIOR, 2005) 1. O duplo grau está intimamente relacionado com o princípio da igualdade entre as partes da lide, proporcionando que as mesmas desfrutem dos mesmos ônus e deveres. O art. 125, inciso I, do Código de Processo Civil, determina que a igualdade de tratamento das partes é um dever do juiz e não uma faculdade. As partes e os seus procuradores merecem tratamento equânime, com ampla possibilidade de fazer valer em juízo as suas alegações. O princípio do duplo grau de jurisdição promove inúmeros debates, sendo considerado bastante controverso, levando-se em conta a sua natureza jurídica e as suas implicações. O duplo grau de jurisdição não está expressamente previsto na Constituição da República de Contudo, é considerado, doutrinariamente, uma garantia constitucional relacionada ao devido processo legal. No parágrafo 2º do artigo 5º da norma constitucional 2, lê-se: 1 JÚNIOR, Nelson Nery et alli. Código de processo civil comentado e legislação extravagante. 7 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, p BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de São Paulo: Saraiva, 2005.

4 4 2 Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte. O Decreto n.º 678, de 06/11/1992, incorporou a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica) ao Direito brasileiro. Tal pacto foi promulgado em 22/11/1969 e assegura a toda pessoa o direito de recorrer da sentença para juiz ou tribunal superior. Conjugando essa incorporação ao parágrafo 2º do artigo 5º, citado anteriormente, podese afirmar que o princípio do duplo grau de jurisdição passou a ser considerado um verdadeiro direito fundamental. O fato da ratificação do Pacto de São José da Costa Rica ter ocorrido antes da Emenda Constitucional 45/2004 não descaracteriza o fato do duplo grau de jurisdição estar enquadrado na categoria dos direitos fundamentais implícitos. 2.2 Da questão A controvérsia do duplo grau de jurisdição voltou à tona com AP 470 e a figura dos embargos infringentes. Embargos infringentes são um recurso exclusivo da defesa, que se fundamenta pela falta de unanimidade na decisão colegiada. Possui referência legal no artigo 530 do Código de Processo Penal 3 : Cabem embargos infringentes quando o acórdão não unânime houver reformado, em grau de apelação, a sentença de mérito, ou houver julgado procedente ação rescisória. Se o desacordo for parcial, os embargos serão restritos à matéria objeto da divergência. O art. 333 do Regimento Interno do STF também dispõe sobre o tema ao considerar que cabem embargos infringentes à decisão não unânime do Plenário ou da Turma que julgar procedente a ação penal. Para tal cabimento, exige que haja divergência de pelo menos quatro votos. Entretanto a Lei 8.038/1990, que regulamentou 3 JESUS, Damásio E. de. Código de Processo Penal Anotado. 24 ed. São Paulo: Saraiva, 2010.

5 5 o trâmite da ação penal originária perante as Cortes Superiores, ignorou completamente o tema dos embargos infringentes. Esse silêncio foi considerado por muitos como uma revogação tácita do artigo 333 do RISTF. Esse último argumento foi utilizado pelos Ministros Joaquim Barbosa, Luiz Fux, Cármen Lúcia, Gilmar Mendes e Marco Aurélio Mello. Já para os Ministros Celso de Mello, os ministros Luís Roberto Barroso, Teori Zavascki, Rosa Weber, Dias Toffoli e Ricardo Lewandowski, a Lei 8.038/1990 não revogou o art. 333 do RISTF. Ou seja, no caso de quatro votos divergentes, seria cabível a interposição de recurso de embargos infringentes, nos exatos termos da norma regimental. Para tais ministros, a Lei 8.038/1990, ao invés de revogar, reforçou o poder normativo do RISTF, dado que no art. 12 da referida, foi expressamente estabelecido que: ao término da instrução, o Tribunal procederá ao julgamento, na forma determinada pelo regimento interno. Dessa forma, o art. 333 do RISTF permanece absolutamente válido. Para a Ministra Rosa Weber: A lei 8.038/1990 nada dispõe sobre eventuais recursos admissíveis na ações penais de competência desta Corte. Acabamos de julgar inúmeros embargos de declaração que, como sabemos, são recursos. Não haveria incompatibilidade, portanto, na norma do regimento interno interno que prevê infringentes em decisões condenatórias não unânimes. [...] Ainda que se trate de recurso arcaico, anacrônico, excessivo ou contraproducente, como muitos respeitáveis doutrinadores entendem e também a jurisprudência, entendo eu que o emprego da técnica jurídica não autoriza a concluir pela sua revogação. Já em relação à questão do duplo grau de jurisdição, houve unanimidade de que os embargos infringentes não estão relacionados ao duplo grau de jurisdição, dado que há a consolidação que tal princípio não é ilimitado, não se aplicando a decisões originárias da Suprema Corte. Assim o embate de que o dispositivo do Regimento Interno sobre os embargos infringente teria suporte no direito fundamental consitucional implícito de duplo grau de jurisdição não seria plausível. O Min. Celso de Mello manteve a coerência com a Ação Penal 409, que condenou o ex-deputado federal José Gerardo (PMDB-CE) por crime de responsabilidade, na qual, o ministro reconheceu a existência dos infringentes,

6 6 ressaltando, entretanto, de não se tratar de um duplo grau de jurisdição. Segundo o ministro: De outro lado, a partir dessa própria construção jurisprudencial, a partir dessa própria visão doutrinária, não me parece, com toda vênia, que haja, aqui, uma possibilidade de ofensa ou de transgressão às cláusulas da Convenção Americana de Direitos Humanos. E mais: sabemos que o Regimento Interno do Supremo, e, no ponto, o Regimento Interno do Supremo tem força de lei; por quê? Porque foi editado em 1980, quando vigorava a Carta Federal de 69 que atribuía, exclusivamente, no âmbito do Poder Judiciário, ao Supremo Tribunal Federal, poder normativo primário para legislar materialmente em sede regimental; tanto que vedou-se, naquele momento, ao Congresso Nacional a possibilidade de legislar sobre processos de competência originária, de competência recursal ordinária e de competência recursal extraordinária do Supremo Tribunal Federal; e outorgou-se, a esta Corte, essa competência normativa primária. Por isso mesmo é que a Lei nº 8.038/90 foi editada para alterar algumas regras pertinentes à ordem do processo penal originário no Supremo Tribunal Federal. E, em função disso, o Supremo Tribunal Federal, em normas que não foram derrogadas e que ainda vigem, reconhece a possibilidade de impugnação de decisões emanadas do Plenário desta Corte, em sede penal, não apenas os embargos de declaração, como aqui se falou, mas também embargos infringentes do julgado, que se qualificam como recurso ordinário dentro do Supremo Tribunal Federal, na medida em que permitem a rediscussão de matéria de fato e a reavaliação da própria prova penal. 2.3 Considerações finais Diante do exposto nesta análise, considera-se que foi acertada a decisão de validade dos embargos infringentes pelo STF como mecanismo de manutenção da segurança jurídica e atendendo a diversos princípios processuais, como os princípios do devido processo legal e o princípio da isonomia. Contudo, considera-se que há sim características do princípio do duplo grau de jurisdição em relação aos embargos infringentes, em virtude da possibilidade de um novo julgamento e, consequentemente, de um resultado diverso ao anterior.

7 7 3. Referências BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de São Paulo: Saraiva, JESUS, Damásio E. de. Código de Processo Penal Anotado. 24 ed. São Paulo: Saraiva, Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria Geral do Processo. 14ª ed. São Paulo: Malheiros, BARBOSA MOREIRA, José Carlos. O novo Processo Civil Brasileiro. 26ª ed. São Paulo: Forense, JÚNIOR, Nelson Nery et alli. Código de processo civil comentado e legislação extravagante. 7 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003.