AGRAVO INTERNO NA APELAÇÃO CÍVEL Nº

Transcrição

1 Gabinete Desembargador Stenka I. Neto 1 AGRAVO INTERNO NA APELAÇÃO CÍVEL Nº ( ) COMARCA AGRAVANTE AGRAVADOS RELATOR MONTES CLAROS DE GOIÁS BRADESCO VIDA E PREVIDÊNCIA S/A WALDENY DOS SANTOS PERES E OUTROS JOSÉ CARLOS DE OLIVEIRA Juiz de Direito Substituto em Segundo Grau RELATÓRIO E VOTO Trata-se de agravo interno interposto por BRADESCO VIDA E PREVIDÊNCIA S/A, pessoa jurídica de direito privado, inconformada com a decisão de fls. 213/224 que deu provimento a recurso de apelação, com fulcro no artigo 557, 1º-A, do Código de Processo Civil. Em suas razões, insurge-se a agravante contra o decisum sob o argumento de que, uma vez tendo sido reconhecida a licitude da estipulação da cláusula de carência, deveria ter sido julgado improcedente o pedido inaugural, já que não estamos discutindo a boa fé da parte, até porque o óbito da segurada ocorreu de forma involuntária, todavia, não se pode deixar de lado a previsão que existia no Regulamento do Plano, ou seja, o cumprimento da carência de 02 (dois) anos, em caso de morte de qualquer causa. (fl. 231 original com grifos e destaques). Defendeu a manifesta licitude da cláusula de

2 Gabinete Desembargador Stenka I. Neto 2 carência, asseverando que não se pode, contra um questão contratual clara, querer utilizar o Código de Defesa do Consumidor de forma indiscriminada como fez o juiz monocrático, alegando falta de destaque da cláusula referente à carência. (fl. 232). A seguir, discorreu sobre a força obrigatória dos contratos bem como transcreveu diversos julgados para a comprovação do alegado. Ao final, pugnou seja o agravo submetido a julgamento pelo órgão colegiado a fim de obter a total reforma da decisão e a consequente manutenção da sentença proferida na instância singela. Preparo à fl É o sucinto relatório. Passo ao voto. recurso, dele conheço. Presentes os pressupostos de admissibilidade do O caso concreto envolve rediscussão a respeito da legalidade da estipulação de prazo de carência em seguro de vida bem como a sua aplicação no caso concreto à luz do Código de Defesa do Consumidor. De uma análise acurada dos autos, verifica-se

3 Gabinete Desembargador Stenka I. Neto 3 que a irresignação da recorrente não procede. Assim, logo de início, cumpre-me ratificar que a decisão atacada foi exarada de acordo com os ditames do caput do artigo 557 do Código de Processo Civil, guardando escorreita consonância com entendimento jurisprudencial dominante. Comentando o dispositivo de lei, Nelson Nery Jr. e Rosa Maria de Andrade Nery 1, com muita propriedade lecionam: O sistema permite ao relator, como juiz preparador do recurso de competência do colegiado, que decida como entender necessário, de acordo com o seu livre convencimento motivado (CPC 131). O que a norma reformada quer é a economia processual, com a facilitação do trâmite do recurso no tribunal. O relator pode decidir tudo, desde a admissibilidade do recurso até o seu próprio mérito, sempre sob o controle do colegiado a que pertence, órgão competente para decidir, de modo definitivo, sobre a admissibilidade e mérito do recurso. Observo que a empresa seguradora inicia a sua digressão destacando a legalidade da estipulação do prazo de carência nos contratos de seguro de vida, nos moldes da lei civil. Com efeito, a possibilidade de estipulação da 1 In Código de Processo Civil Comentado e legislação extravagante, 9ª ed., Ed. Revista dos Tribunais, São Paulo: 2006, p. 815.

4 Gabinete Desembargador Stenka I. Neto 4 referida cláusula restou incontestavelmente reconhecida no bojo da própria decisão vergastada, ocasião em que destaquei a plena vigência e aplicabilidade do artigo 797 do Código Civil. Não obstante, em que pese ter reconhecido a licitude de estipulação de prazo de carência em contrato de seguro, entendi por bem reconhecer a sua ilegalidade no caso concreto, por ter verificado que a sua estipulação configurou um limitador do direito da consumidora/segurada, nos moldes do artigo 51, inciso IV e seu parágrafo 1º, inciso III, todos do Código de Defesa do Consumidor. Sobre a questão, assim me pronunciei: Não se pode negar o caráter de contrato de adesão do instrumento em tela com espeque no artigo 54 do Código de Defesa do Consumidor. Pergunta-se: seria possível à consumidora assinar o referido contrato com a ressalva de que discordava de uma ou algumas das cláusulas insertas no pacto? É claro que não! ( ) Poderá a seguradora alegar que a cláusula relativa ao período de carência encontra-se em destaque (negrito) no pacto celebrado. É bem verdade. Mas também encontramse em destaque várias outras cláusulas (vide pacto à fl. 28) circunstância que, sem sombra de dúvida, acaba por

5 Gabinete Desembargador Stenka I. Neto 5 igualar a referida cláusula com todas as demais: é que, com tantos destaques, a referida ressalva deixa de chamar a atenção do consumidor. ( ) Ora, é certos que vários destaques, feitos exatamente da mesma forma, em vários trechos diferentes, versando sobre os mais variados assuntos, deixam de cumprir a sua finalidade: alertar o consumidor acerca das limitações que prescrevem. Vale ainda frisar que, à míngua da assinatura da segurada na Proposta de Inscrição Vida e Previdência de fl. 27 e na Habilitação de Benefícios de fls. 29/31, não se pode afirmar que esta tenha tido conhecimento da limitação imposta pelo período de carência ora em comento, notadamente em virtude da ausência de qualquer assinatura e rubrica justamente na parte do pacto que prescrevem as limitações impostas ao consumidor. (fls ). Conforme se observa da leitura dos trechos retro transcritos, foram, sim, devidamente apreciadas as teses defendidas pela ora agravante. Ocorre que pautei entendimento em sentido diametralmente oposto àquele por ela perseguido, razão pela qual esta apresenta os seus fundamentos para que sejam apreciados pelo órgão

6 Gabinete Desembargador Stenka I. Neto 6 colegiado. Ressalte-se, uma vez mais, que não se questionou a possibilidade de as seguradoras estipularem prazo de carência nos contratos de seguro de vida, notadamente porque tal estipulação possui expressa previsão legal. Apesar disso, no caso dos autos, este julgador optou por afastar a referida cláusula por verificar que a sua aplicação no caso concreto consubstanciou desvantagem exagerada em detrimento da consumidora. A bem da verdade, o que ocorre na espécie é o manifesto inconformismo da insurgente com o resultado do julgamento, com o qual discorda, por lhe ter sido desfavorável. Com efeito, se a parte discorda da aplicação do direito ao caso concreto consubstanciada na efetiva entrega da prestação jurisdicional, poderá fazer uso dos meios recursais disponíveis perante as instâncias superiores ocasião em que, se for o caso, terá acolhida a sua pretensão. De tal arte, entendo que a irresignação exposta pela recorrente não logrou êxito em demonstrar equívoco na decisão atacada, de modo que inexiste motivos para exercer o juízo de reconsideração. Sob tal ordem de ideias, permaneço convicto da correção da decisão recorrida e que, portanto, não merece vingar a

7 Gabinete Desembargador Stenka I. Neto 7 pretensão colimada no presente impulso recursal. Assim, a decisão ora agravada não merece qualquer reparo por ausentes novidades factuais ou argumentações suficientes para acarretar sua modificação, o que não discrepa do entendimento adotado neste Sodalício, verbis: EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL EM APELAÇÃO. JULGAMENTO MONOCRÁTICO. APLICAÇÃO DO CPC, ART. 557, CAPUT. AUSÊNCIA DE FATO NOVO. REEXAME DA MATÉRIA. PREQUESTIONAMETO. DESPROVI- MENTO. I- É autorizado ao relator julgar monocraticamente o recurso, nos termos do art. 557, caput, do CPC, quando a decisão recorrida estiver em consonância com a jurisprudência dominante firmada nas Cortes Superiores e do Tribunal de Justiça local, como no presente caso. II- Diante da inexistência de motivo plausível para a reforma, vez que ausentes novos elementos capazes de modificar a convicção inicial do relator, deve ser mantido o decisum combatido, máxime quando o agravo regimental limita-se em repetir os mesmos argumentos expendidos por ocasião da apresentação das razões ao recurso de apelação. III- Segundo orientação do STJ, é irrelevante a referência expressa aos dispositivos legais e constitucionais tidos por violados, pois o exame da controvérsia, a luz dos temas

8 Gabinete Desembargador Stenka I. Neto 8 invocados, é suficiente para caracterizar o prequestionamento da matéria. Agravo regimental conhecido e desprovido. (TJGO, 1ª Câmara Cível, AgRg na AC nº , Rel. Des. Luiz Eduardo de Sousa, DJ nº 1037 de 03/04/2012). Forte em tais razões, CONHEÇO DO RECURSO E LHE NEGO PROVIMENTO a fim de manter incólume a decisão recorrida por seus próprios e jurídicos fundamentos. É como voto. Goiânia, 24 de abril de José Carlos de Oliveira Juiz de Direito Substituto em Segundo Grau Relator

9 Gabinete Desembargador Stenka I. Neto 9 AGRAVO INTERNO NA APELAÇÃO CÍVEL Nº ( ) COMARCA AGRAVANTE AGRAVADOS RELATOR MONTES CLAROS DE GOIÁS BRADESCO VIDA E PREVIDÊNCIA S/A WALDENY DOS SANTOS PERES E OUTROS JOSÉ CARLOS DE OLIVEIRA Juiz de Direito Substituto em Segundo Grau EMENTA: AGRAVO INTERNO EM APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE COBRANÇA. APLICAÇÃO DO ARTIGO 557, 1º-A, DO CPC. INEXISTÊNCIA DE FATO NOVO. SEGURO DE VIDA. PRAZO DE CARÊNCIA. AUSÊNCIA DE CIÊNCIA INEQUÍVOCA DA SEGURADA. ABUSIVIDADE DA CLÁUSULA. INTERPRETA-ÇÃO SISTEMÁTICA. BOA-FÉ. 1. De acordo com reiterados julgados deste Tribunal de Justiça, o Agravo Interno não se presta à rediscussão de teses apreciadas no recurso principal, sem demonstração de elemento novo apto a ensejar a reconsideração do entendimento constante de decisão monocrática proferida com fulcro no art. 557, 1º-A, do CPC. 2. Em que pese a estipulação de prazo de carência em contrato de seguro ser considerada lícita, nos moldes da lei civil, deverá também

10 Gabinete Desembargador Stenka I. Neto 10 harmonizar-se aos ditames do código consumerista, o que não ocorreu no caso dos autos, já que não se pode reconhecer que a consumidora teve ciência inequívoca da referida cláusula limitadora de direitos. 3. A interpretação do art. 797 do Código Civil deve realizar-se de forma sistemática de modo a compatibilizar o seu ditame ao disposto nos arts. 113 e 422 do mesmo diploma legal, que evidenciam a boa-fé como um dos princípios norteadores da nova codificação civil. AGRAVO INTERNO CONHECIDO E DESPROVIDO. ACÓRDÃO VISTOS, relatados e discutidos os presentes autos do Agravo Interno na Apelação Cível n ACORDAM os integrantes da Quarta Turma Julgadora da Terceira Câmara Cível do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de Goiás, à unanimidade, em conhecer do recurso e negar-lhe provimento, nos termos do voto do Relator. Custas de lei. VOTARAM, além do Relator em substituição, os Desembargadores Floriano Gomes e Rogério Arédio Ferreira. Neto. Presidiu a sessão o Desembargador Stenka I.

11 Gabinete Desembargador Stenka I. Neto 11 Presente o Dr. Luiz Gonzaga Pereira da Cunha, Procurador de Justiça. Goiânia, 24 de abril de José Carlos de Oliveira Juiz de Direito Substituto em Segundo Grau Relator ar