A CONTRIBUIÇÃO DO COOPERATIVISMO DE CRÉDITO PARA A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E EFICÁCIA SOCIAL



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Transcrição:

1 A CONTRIBUIÇÃO DO COOPERATIVISMO DE CRÉDITO PARA A EFICIÊNCIA ECONÔMICA E EFICÁCIA SOCIAL Cristiane Mesquita Franz Prof Orientador Fábio Melo de Azambuja 1 RESUMO Neste trabalho buscamos, além de definir o cooperativismo, demonstrar suas origens, princípios e natureza jurídica, classificando-o nos seus diversos ramos de atividades, dentre eles, o crédito, objeto principal do presente estudo. Nesse tocante, abordamos o histórico do cooperativismo de crédito, sua evolução normativa e a diferenciação quanto às demais instituições financeiras e por fim, o reflexo deste na sociedade onde atua. Palavras-Chave: Direito Cooperativo. Cooperativismo. Cooperativa de crédito. SUMÁRIO 1 Introdução; 2 Origem do Cooperativismo; 2.1 Princípios do Cooperativismo; 2.2 Definição do Cooperativismo; 2.3 Classificação das Cooperativas; 2.3.1 Classificação quanto ao Objeto; 2.4 Natureza Jurídica das Cooperativas; 2.5 Responsabilidade dos Associados; 3 Origem do Cooperativismo de Crédito; 3.1 Cooperativismo de Crédito no Brasil; 3.2 Definição do Cooperativismo de Crédito; 3.3 Evolução Normativa; 3.4 Diferenciação entre Cooperativas de Crédito e Bancos; 3.5 Sistemas de Crédito Cooperativo; 3.5.1 SICREDI; 3.5.2 SICOOB; 3.5.3 UNICRED; 3.5.4 Sistema de Crédito Cooperativo Solidário; 5 Considerações Finais e Referências. 1 INTRODUÇÃO Tendo como tema a contribuição das cooperativas de crédito para a eficiência econômica e eficácia social, desenvolveremos o estudo com a pretensão de analisar a definição do cooperativismo, abordando sua evolução histórica, sua natureza jurídica e sua diferenciação perante as demais instituições financeiras. A partir de então, teremos a base para desenvolvermos a problemática enfrentada pelo nosso estudo, qual seja, a dificuldade interpretativa do cooperativismo - principalmente do cooperativismo de crédito - em evidenciar a aplicabilidade do mesmo como instrumento para promover o desenvolvimento econômico e social. Apesar de o tema não ser de conhecimento geral, o cooperativismo de crédito vem assumindo um lugar de destaque no Sistema Financeiro Nacional, em função do seu significativo crescimento nos últimos anos. Fato esse, que nos leva ao aprofundamento do estudo, a fim de que se torne possível uma melhor compreensão e análise dos seus diferenciais. 1 Composição da banca: Fábio Melo de Azambuja (orientador), João Paulo Veiga Sanhudo (argüidor) e Marcelo Vicentini (argüidor).

2 Assim, o estudo será desenvolvido a partir da técnica de pesquisa bibliográfica e documental, baseada na Constituição Federal, Lei Cooperativista, doutrina, além de normativos do Banco Central do Brasil e do Conselho Monetário Nacional. Para tanto, no primeiro capítulo relataremos a origem do cooperativismo, juntamente com seus princípios, que são primordiais para a compreensão do cooperativismo de crédito. Trataremos da classificação das cooperativas, onde o crédito é classificado como um de seus ramos e também abordaremos a natureza jurídica das cooperativas, a responsabilidade dos associados e algumas entidades que representam as sociedades cooperativas. A partir do segundo capítulo, analisaremos a origem do cooperativismo de crédito no Brasil, a evolução normativa de forma cronológica, a distinção entre cooperativas de crédito e bancos, bem como os sistemas de crédito mais representativos no Brasil e a importância destes para o desenvolvimento da sociedade onde atuam. 2 ORIGEM DO COOPERATIVISMO A cooperação 2 sempre esteve presente na história do homem. Desde seu primitivismo, utilizavam-se da cooperação para alcançar seus objetivos. Entretanto, a partir da evolução do homem, sua natureza acabou sendo modificada, dando evasão do sentimento coletivo, tomando conta a ganância, que estabelece a figura do intermediário, do explorador de patrimônio e de força de trabalho alheio. Desde os primórdios, a cooperação tem se mostrado presente. Entretanto, o modelo de cooperativa 3, na forma como hoje são conhecidas as sociedades cooperativas, surgiu em 28 de outubro de 1844, na cidade inglesa de Rochdale, época em que o Estado passava por uma séria crise social, agravada pelas repercussões da Revolução Industrial. Diante da crise, 28 tecelões de Rochdale, movidos pelo espírito de ajuda mútua, constituíram uma cooperativa (primeira cooperativa organizada formalmente) de consumo para viabilizar a aquisição ao menor custo, de bens e suprimentos diretamente dos produtores, de forma a eliminar o intermediador da relação comercial. Cabe ressaltar, que o ingresso na sociedade acontecia pelo pagamento da subscrição, dando direito a compartilhar o estoque. Estes tecelões submeteram-se a alguns princípios, tais como: suprir necessidades deixadas pelo desemprego, possuir neutralidade política e religiosa, controlar a diretoria eleita pelos membros, efetuar negócios em dinheiro, restituir os dividendos de acordo com o capital rendido 4. Diante do sistema econômico da época, o cooperativismo foi considerado o caminho do meio, sendo a intermediação entre o capitalismo 5 e 2 Ato ou efeito de cooperar para um fim comum. HOLANDA, Aurélio Buarque. Novo dicionário Aurélio. Rio de Janeiro. Editora Nova Fronteira, 1997. 3 Sociedade ou empresa constituída por membros de determinado grupo econômico ou social, e que objetiva desempenhar, em benefício comum, determinada atividade econômica. HOLANDA, op. cit. 4 BULGARELLI, Waldirio. O regime jurídico das sociedades cooperativas. São Paulo: Pioneira, 1965. 5 O capitalismo é um sistema gerador e propulsor de riqueza onde o fator determinante de seu apogeu é a remuneração efetiva do capital. Busca-se o lucro como primeiro e único conceito de

3 socialismo 6, valendo-se do capitalismo como base de sustentação, e do socialismo como base de equilíbrio harmonioso de distribuição de riqueza. O cooperativismo trouxe uma sociedade mais justa, mais humana e mais comprometida consigo mesma, sendo que, através do ato dos tecelões de Rochdale, denominado marco do cooperativismo, outras cooperativas foram surgindo, como por exemplo, na França, onde iniciou o movimento com a fundação de uma cooperativa de produção. 2.1 PRINCÍPIOS DO COOPERATIVISMO Os princípios do cooperativismo expressam o sentimento social do sistema cooperativo através de uma inspiração democrática, onde os associados são os dirigentes, recebem os excedentes da cooperativa de forma proporcional às suas operações, mantém a neutralidade político-religiosa, visam o capital como mero instrumento e não como fator determinante, não perseguem lucros e acima de tudo visam o desenvolvimento e aperfeiçoamento do ser humano 7. Os princípios cooperativos, apresentados a seguir, são as linhas orientadoras através das quais as cooperativas levam os seus valores à prática. 8 a) 1 princípio - adesão voluntária e livre: as cooperativas são organizações voluntárias, abertas a todas as pessoas aptas a utilizar os seus serviços e assumir as responsabilidades como membros, sem discriminação de sexo, idade, raça, preferências políticas e religiosas; b) 2 princípio - gestão democrática e livre: as cooperativas são organizações democráticas, controladas pelos seus membros, que participam ativamente na formulação das suas políticas e na tomada de decisões. A Diretoria eleita agirá por delegação e com responsabilidade para com os associados. Os membros têm igual direito de voto (um membro, um voto). Segundo Bulgarelli 9 todo associado tem direito a um voto, seja qual for o valor de suas quotas de capital, todo associado pode desta forma votar e ser votado, participando da gestão da sociedade ; c) 3 princípio - participação econômica dos sócios: os sócios contribuem eqüitativamente para o capital das suas cooperativas e controlam-no democraticamente. Parte desse capital é, normalmente, propriedade comum da cooperativa. Os sócios riqueza. Para se conseguir o lucro, não se considera obstáculos, não se restringe a barreiras, não recua diante das dificuldades. 6 O socialismo propõe a estatização dos meios de produção, o que implica a distribuição mais justa e eqüitativa da renda nacional e a eliminação do caráter antagônico das contradições entre as classes sociais e, num estágio superior, apropria eliminação das classes sociais. No Sistema Socialista, o Estado ordena e comanda as ações do povo e, este, através dos tributos, dá ao Estado o suporte financeiro. 7 BULGARELLI, Waldirio. As sociedades cooperativas e a sua disciplina jurídica. Rio de Janeiro: Renovar, 2000. p. 12. 8 Norteiam as cooperativas, os princípios aprovados no Congresso de Manchester, em 1995, pela Aliança Cooperativa Internacional (ACI). 9 BULGARELLI, op. cit., p. 13.

4 recebem, habitualmente, se houver, uma remuneração limitada ao capital integralizado, como condição de sua adesão. O destino dos excedentes visa sempre o desenvolvimento da cooperativa, seja por meio da criação de reservas legais, em benefício dos sócios nas transações com a sociedade ou, através de apoio a outras atividades, sendo imprescindível a aprovação via assembléia; d) 4 princípio - autonomia e independência - as cooperativas são organizações autônomas, de ajuda mútua, sob controle de seus membros. As relações das cooperativas com outras organizações, sejam públicas ou privadas, devem ser exercidas de modo a preservar seu controle democrático e autônomo; e) 5 princípio - educação, formação e informação: as cooperativas promovem a educação e a formação dos seus membros, dos representantes eleitos e dos colaboradores, de forma que estes possam contribuir, eficazmente, para o desenvolvimento das suas cooperativas. Informam o público em geral, particularmente os jovens e os líderes de opinião, sobre a natureza e as vantagens da cooperação. É dever das cooperativas prestar assistência técnica, educacional e social para os seus associados, devendo, constituir um fundo, previsto em estatuto, para garantir a realização desse princípio; f) 6 princípio intercooperação: além de suas atividades específicas de atendimento aos associados, as cooperativas trabalham juntas, regidas por estruturas locais, regionais, nacionais e internacionais, que permitam manter o desenvolvimento, o fortalecimento e a sustentação do movimento cooperativo. g) 7 princípio - interesse pela comunidade as cooperativas buscam o conhecimento além do mercado onde atuam, conhecendo a comunidade onde se inserem, trabalham para o desenvolvimento sustentado das suas comunidades através de políticas aprovadas pelos membros. Esses são os Princípios Cooperativistas que dão grandioso sentido social e democrático a esse tipo de organização, visando o capital como instrumento para realização de seus objetivos e não elemento determinante de sua constituição. 2.2 DEFINIÇÃO DO COOPERATIVISMO Diante das peculiaridades da sociedade cooperativa, os doutrinadores têm mostrado dificuldades em defini-la com precisão, sendo assim, poucos autores brasileiros escrevem sobre o tema. Waldirio Bulgarelli assim adverte: As dificuldades iniciais dessa conceituação decorrem, em grande parte, de terem sido as definições formuladas por economistas e com o sentido de realçar a supressão do intermediário e o aspecto não lucrativo da atividade cooperativa, elementos que por si só não eram capazes de conferir originalidade à cooperativa, deixando margem de confusão com outras sociedades. [...] Por outro lado, essas dificuldades eram agravadas pelo fato de as cooperativas, atuando nos mais variados setores da atividade humana, se dividirem e subdividirem em inúmeros tipos e categorias. 10 10 BULGARELLI, Waldirio. Elaboração do direito cooperativo. São Paulo: Atlas, 1967. p. 30.

5 A definição e o modus operandi da sociedade cooperativa, subordinamse à regência da legislação de cada país. No Brasil, sociedades cooperativas são sociedades de pessoas, com forma e natureza jurídica própria, constituída para prestar serviços aos associados, cujo regime jurídico, atualmente, é instituído pela Lei 5764, de 16 de dezembro de 1971. Já na Alemanha, As Cooperativas são sociedades com número de sócios variável, que pretendem fomento das economias de seus sócios através de um negócio administrado em comum. Na definição da Lei Argentina As cooperativas prestam serviços a seus associados e aos não associados sob certas circunstâncias. 11 Mesmo havendo dificuldades para defini-la, certeiro é seu objetivo, no que tange a proporcionar vantagens econômicas a seus membros através da racionalização de gastos comuns; do reforço ao poder de barganha com o mercado; da eliminação de intermediários, etc. De forma mais abrangente, Walmor Franke assim define: A palavra cooperativismo pode ser tomada em duas acepções. Por um lado designa o sistema de organização econômica que visa a eliminar os desajustamentos sociais oriundos dos excessos da intermediação capitalista; por outro, significa a doutrina corporificada no conjunto de princípios que devem reger o comportamento do homem integrado naquele sistema. 12 Deste modo, a sociedade cooperativa vem ser a intermediária entre os associados e suas relações com o mercado. 13 Além das peculiaridades que a distingue das demais sociedades, as cooperativas são caracterizadas, conforme expresso em Lei, pelas seguintes propriedades: 14 a) adesão voluntária, com número ilimitado de associados, salvo impossibilidade técnica de prestação de serviços; b) variabilidade do capital social representado por quotas-partes; c) limitação do número de quotas-partes do capital para cada associado, facultado, porém, o estabelecimento de critérios de proporcionalidade, se assim for mais adequado para o cumprimento dos objetivos sociais; d) inacessibilidade das quotas-partes do capital a terceiros, estranhos à sociedade; e) singularidade de voto, podendo as cooperativas centrais, federações e confederações de cooperativas, com exceção das 11 LUZ FILHO, Fábio. Apud IRION, João Eduardo. Cooperativismo e economia social. São Paulo: STS, 1997. p. 182. 12 FRANKE, Walmor. Direito das sociedades cooperativas. São Paulo: Saraiva, 1973. p. 1. 13 Nas palavras de Walmor Franke, op. cit. p. 11, O contato que o sujeito econômico cooperativado estabelece com o mercado mediante a organização empresarial cooperativa dá lugar, por isso mesmo, ao afastamento de um tertius, que será conforme o caso, o comerciante atacadista ou varejista, o industrial, adquirente da matéria-prima, o banqueiro, prestador de crédito, o patrão, empregador de mão-de-obra, com os quais o cooperado necessariamente entraria em relação jurídica negocial se não existisse a sociedade cooperativa. 14 Art. 4 da Lei 5.764/71, que define a Política Nacional de Cooperativismo, institui o regime jurídico das sociedades cooperativas, e dá outras providências.

6 que exerçam atividade de crédito, optar pelo critério da proporcionalidade; f) quorum para o funcionamento e deliberação da Assembléia Geral baseado no número de associados e não no capital; g) retorno das sobras líquidas do exercício, proporcionalmente às operações realizadas pelo associado, salvo deliberação em contrário da Assembléia Geral; h) indivisibilidade dos fundos de Reserva e de Assistência Técnica Educacional e Social; i) neutralidade política e indiscriminação religiosa, racial e social; j) prestação de assistência aos associados, e, quando previsto nos estatutos, aos empregados da cooperativa; k) área de admissão de associados limitada às possibilidades de reunião, controle, operações e prestação de serviços. Nota-se que as características principais do cooperativismo, fixadas pelo legislador brasileiro, refletem as normas estabelecidas pelos pioneiros de Rochdale. 2.3 CLASSIFICAÇÃO DAS COOPERATIVAS As sociedades cooperativas são classificadas como: a) Cooperativas singulares, ou de 1 grau: destinadas a prestar serviços diretamente aos associados; b) Cooperativas centrais e federações de cooperativas, ou de 2 grau: constituídas por cooperativas singulares e que objetivam organizar, em comum e em maior escala, os serviços econômicos e assistenciais de interesse das filiadas, integrando e orientando suas atividades, bem como facilitando a utilização recíproca dos serviços; c) Confederação de cooperativas, ou de 3 grau: constituídas por centrais e federações de cooperativas e que têm por objetivo orientar e coordenar as atividades das filiadas, nos casos em que o vulto dos empreendimentos transcenderem o âmbito de capacidade ou conveniência de atuação das centrais ou federações. 2.3.1 Classificação quanto ao objeto As cooperativas poderão adotar qualquer ramo de conhecimento negocial humano, desde que lícitos, morais e possíveis, respeitando o disposto no art. 5 da Lei 5764/71. Existem diferentes formas de classificação das cooperativas. A OCB (Organização das Cooperativas do Brasil), considera a divisão das cooperativas por ramos: agropecuário, consumo, crédito, educacional, especial, infra-estrutura, habitacional, mineral, produção, saúde, trabalho, turismo e lazer, transporte (cargas e passageiros). São treze ramos que, na visão de alguns autores confundem-se, como por exemplo, a cooperativa de saúde e trabalho médico, por isso, grande parte dos autores as classificam em três tipos: recebimento, fornecimento e produção, que não as confundem. Abaixo, podemos perceber a representatividade no Brasil, de cada um dos ramos citados, principalmente quanto ao número de empregos diretos

7 gerados na economia e o número de cooperados. Importante destacar, que em países como o Canadá 15, por exemplo, o percentual de cooperados em relação à população adulta é de aproximadamente 80%, infinitamente superior em relação à realidade brasileira. Quadro 1 - Composição do Sistema Cooperativo Brasileiro 16!" #$% & ' () *+," -,., /01+ 2342%3." Diante da classificação apresentada, aprofundaremos nosso estudo no ramo do cooperativismo de crédito, também enquadrado no tipo recebimento, uma vez que, recebe valores para administrar. 2.4 NATUREZA JURÍDICA DAS COOPERATIVAS A lei 5764/71, em seu art. 3, prevê que celebram contrato de sociedade cooperativa as pessoas que reciprocamente se obrigam a contribuir com bens ou serviços para o exercício de uma atividade econômica, de proveito comum, sem objetivo de lucro. Uma vez que a lei fala em contrato de sociedade cooperativa, cuja finalidade é o exercício de atividade econômica, deixa claro de que se trata de sociedade e não de associação, vez que esta não admite fins econômicos (art. 53 do CC). 17 As cooperativas adotaram como fundamento a cooperação, tendo como finalidade a melhoria das condições econômicas através da criação de uma sociedade de interesse comum, destinada a prestar serviços aos seus associados 18 afastando os intermediários. 15 ACI. Disponível em: <http://www.ica.coop/icfo/index.html>. Acesso em: 4 set. 2005. 16 COAMO AGROINDUSTRIAL. Cooperativismo no Brasil. Disponível em <http://www.coamo.com.br/coopbrasil.html>. Acesso em 04 de outubro de 2006. 17 ALMEIDA, Marcos Elidius; ALMEIDA, Michelli de (org). Cooperativas à luz do código civil. São Paulo: Quartier Latin do Brasil, 2006. p. 20. 18 Dicionário Houaiss de Língua Portuguesa, define associado como aquele 1 que se associou [...] 3 integrante de uma coligação; coligado [...] 4 integrante de uma sociedade empresarial ou de um clube; sócio 5 que ou o que colabora com outrem; parceiro [...] 18. Já cooperado, é definido como aquele sujeito que é membro de uma cooperativa; cooperativado 18, ou seja, o associado colabora, auxilia ou trabalha junto com os outros, tendo por objetivo um mesmo fim. Entende-se que cooperado é espécie do gênero associado.

8 Conforme expressa disposição legal, constante no art. 982, parágrafo único do CC, as sociedades cooperativas são consideradas sempre simples 19, isto é, não-empresárias, independentemente de seu objeto. Assim, não estão sujeitas à falência, a teor do que dispõe o art. 4 da Lei 5764/71 e art. 94 da Lei de Falências 20. Não obstante sua natureza não-empresária, os atos constitutivos e demais documentos societários estão sujeitos a registro nas juntas comerciais, por força do art. 18, parágrafo 6, da Lei 5764/71, que, por ser norma especial, deverá prevalecer sobre a regra geral estabelecida no art. 1150 do novo Código Civil. 21 Nota-se a singularidade e o hibridismo das cooperativas, pois são sociedades (exercem atividade econômica), mas não visam o lucro; são nãoempresariais, mas registram-se nas juntas comerciais. Diante da existência de normas e princípios próprios, verifica-se que as cooperativas não se enquadram em nenhum dos ramos tradicionais do direito (direito civil, direito comercial ou empresarial, direito administrativo, direito do trabalho, etc), tornando-se possível falar-se de um novo ramo, o direito cooperativo. Assim se manifesta Waldirio Bulgarelli sobre o direito cooperativo: Baseados na idéia de que o cooperativismo, como um sistema econômico característico, com filosofia e técnica própria, criou seu próprio direito, passaram os autores cooperativistas à não se conformarem com o enquadramento das cooperativas ao Direito Civil ou ao Direito Comercial, ou a ambos, apontando as falhas desse falso enquadramento e as conseqüências danosas, na ordem prática que ele implica. Da mesma forma como outros ramos do Direito vêm aspirando a dignidade de ciência autônoma, tais como o direito social, o Direito Agrário, o Direito Tributário, - o Direito Cooperativo quer encontrar e ver reconhecida a sua verdadeira posição no quadro da ciência do direito. As alegações fundamentais que levaram aos autores a pretender a autonomia do Direito Cooperativo podem ser assim resumidas: - não se enquadra no sistema do Direito Civil nem no sistema do Direito Comercial; possui princípios, extensão e métodos próprios; - já ter sido reconhecido por quase todos os direitos positivos, (com leis distintas do Direito Civil e do Direito Comercial); pela necessidade de ser dotado de regime jurídico apto a propiciar-lhe o desenvolvimento de acordo com as suas verdadeiras características. 22 Todavia, apesar de serem definidas como sociedades simples, as cooperativas têm forma própria, segundo o art. 4 da Lei 5764/71 e por ressalva no parágrafo único do art. 983 do Código Civil, não se enquadrarão em nenhum dos tipos societários previstos no Código Civil, obedecendo às normas que lhe são próprias. 19 O novo código civil emprega o termo simples com dois significados diversos: a) para designar as sociedades não empresariais (art. 982), e b) para designar um tipo de sociedade (art. 997 e seguintes), causando confusões e enganos por parte dos operadores do Direito. Ver, a propósito: MACHIONI, Jarbas Andrade. Novos Fundamentos do Direito Comercial sob o Código Civil de 2002. In: SIMÔES FILHO, Adalberto; LUCCA, Newton (coord.). Direito Empresarial Contemporâneo. São Paulo: Juares de Oliveira, 2004. p. 360. 20 Lei n. 11.101 de 09 de fevereiro de 2005 que regula a recuperação judicial, a extrajudicial e a falência do empresário e da sociedade empresária. 21 ALMEIDA, Marcos Elidiu set al. Cooperativas à luz do Código Civil. São Paulo: Quartier Latin do Brasil, 2006. p. 21. 22 BULGARELLI, Waldírio. As sociedades cooperativas e a sua disciplina jurídica. Rio de Janeiro: Renovar, 2000. p. 105.

9 Não obstante, conforme dispõe o art. 1096 do Código Civil, serão aplicadas às Cooperativas as regras da sociedade simples, nos casos omissos, quando compatíveis com as características previstas no art. 1094. 23 Para BULGARELLI 24, este dispositivo não tem maiores implicações, porque a aplicação da legislação especial cooperativista tornará bastante difícil a configuração de omissão na regulamentação das sociedades cooperativas. 2.5 RESPONSABILIDADE DOS ASSOCIADOS A responsabilidade do associado poderá ser de forma limitada, quando responder pelos compromissos da sociedade até o valor do capital subscrito por ele, ou ilimitada, quando responder pelos compromissos da sociedade de forma pessoal, solidária e sem limites. Essa matéria está regulamentada nos arts. 11 e 12 da Lei 5764/71 e também no art. 1095 do Código Civil. Independentemente da escolha, ela deverá constar no estatuto social da cooperativa. Importante ressalvar que a redação do art. 1094, I trazida pelo novo Código Civil, possibilita à cooperativa a dispensa do capital social, sendo assim, caso a sociedade cooperativa opte por não ter capital social, necessariamente a responsabilidade dos sócios será ilimitada. Diante do princípio da igualdade entre os associados, parece não ser possível a previsão estatutária de categorias diferentes de sócios, ou seja, alguns com responsabilidades limitadas e outros com responsabilidade ilimitada, pois, tal duplicidade causaria insegurança as relações jurídicas com terceiros 25. Entretanto, conforme dispõe o art. 13 da Lei 5764/71, a responsabilidade dos associados será sempre subsidiária em relação à própria cooperativa. No caso de desligamento do associado, independentemente da forma como ocorreu (demissão, eliminação ou exclusão), sua responsabilidade perante terceiros, em decorrência de compromissos assumidos pela sociedade, perdura até a data de aprovação das contas do exercício que tenha ocorrido o desligamento, previsto no art. 36 da Lei 5764/71. A legislação passada chegou a prever em até cinco anos o tempo em que perdurava a responsabilidade dos associados retirantes (Decreto n 1637 de 05.01.1907, art. 20), sendo reduzida para dois anos esse limite (Decreto-lei n 5893 de 19.10.1943) e, finalmente até a data da aprovação das contas do exercício em que ocorreu o desligamento, conforme redação do art. 36 da Lei 5764/71. 26 3 ORIGEM DO COOPERATIVISMO DE CRÉDITO 23 ALMEIDA, Marcos Elidius et al. Cooperativas à luz do Código Civil. São Paulo: Quartier Latin do Brasil, 2006. p. 22. 24 BULGARELLI, Waldírio. As sociedades cooperativas e a sua disciplina jurídica. Rio de Janeiro: Renovar, 2000. p. 88. 25 ALMEIDA, Marcos Elidius Michelli de Almeida (Org). Cooperativas à luz do código civil. São Paulo: Quartier Latin do Brasil, 2006. p. 35. 26 POLONIO, Wilson Alves. Manual das sociedades cooperativas. São Paulo: Atlas, 1998. p. 43.

10 Através do ato dos tecelões de Rochdale, denominado marco do cooperativismo, outras cooperativas foram surgindo. A primeira cooperativa de crédito, entretanto, veio a surgir 03 anos depois, em 1847 na Alemanha, fundada por Friedrich Wilhelm Raiffesen 27. Natural da Remânia, criou no povoado de WeyerbuschWesterwald a primeira associação de apoio a população rural, embora não fosse ainda uma cooperativa, serviria de modelo para futura atividade cooperativista de Raiffeisen. As cooperativas fundadas por Raiffesen, eram vinculadas às comunidades rurais, tinham como principais características a responsabilidade ilimitada e solidária dos associados, a singularidade de votos dos sócios, independentemente do número de quotas-partes, a área de atuação restrita, a ausência de capital social e a não distribuição de sobras, excedentes ou dividendos. O pioneirismo dos alemães permanece com o surgimento das cooperativas de crédito urbanas, fundadas por Herman Schulze, em 1850. Schulze foi o responsável pela constituição de uma cooperativa de crédito na cidade de Delitzch. Os bancos populares, como ficaram conhecidos, diferenciavam-se do modelo Raiffeisen por apresentar uma área de ação nãorestrita, remunerar os dirigentes e prever o retorno das sobras líquidas proporcionalmente ao capital. Inspirado nos modelos alemães, em 1865, na cidade de Milão, o italiano Luigi Luzzatti, organiza a constituição da primeira cooperativa, cujo modelo herdaria seu nome, passando a ser conhecida como cooperativa do tipo Luzzatti, cujo capital era dividido em cotas-partes de pequeno valor, responsabilidade limitada ao valor da cota-parte e área de atuação circunscrita ao município da sede da cooperativa. Nas Américas, o jornalista Alphonso Desjardins idealizou a constituição de uma cooperativa com características distintas, embora inspirada nos modelos preconizados por Raiffeinsen, Schulze e Luzzati. A primeira cooperativa criada por Dejardins foi a da província canadense de Quebec, em 06 de dezembro de 1900. Esse tipo de cooperativa, que no Brasil hoje é conhecida como cooperativa de crédito mútuo, tinha como principal característica a existência de alguma espécie de vínculo entre os sócios, reunindo grupos homogêneos como os de clubes, trabalhadores de uma mesma categoria, funcionários públicos, etc. 3.1 COOPERATIVISMO DE CRÉDITO NO BRASIL O cooperativismo de crédito chegou ao Brasil em 1902, trazido pelo Padre Theodor Amstad, desenvolvendo-se na localidade de Linha Imperial, município de Nova Petrópolis, no Rio Grande do Sul. 28 Theodor Amstad, ordenado sacerdote na Inglaterra e posteriormente enviado para o Brasil, precisamente para o interior do Rio Grande do Sul, 27 PINHEIRO. Marcos Antonio Henriques Pinheiro. Cooperativas de crédito. Brasília: Banco Central do Brasil, 2006. p. 25. 28 SANTOS. João Carlos de Los. Os 25 anos da retomada do Cooperativismo de Crédito Brasileiro. Porto Alegre: Imprensa Livre, 2005. p.13.

11 trabalhava como missionário, desenvolvendo trabalhos sociais nas colônias alemãs. O pároco foi responsável pela difusão do cooperativismo, fundando em Linha Imperial a primeira cooperativa de crédito do Brasil, denominada Caixa de Economia e Empréstimos Amstad, posteriormente batizada de Caixa Rural de Nova Petrópolis. Essa cooperativa continua em atividade até hoje, sob a denominação de Cooperativa de Crédito Rural de Nova Petrópolis. O cooperativismo de crédito se tornou viável, diante da situação econômica e social que se encontravam os imigrantes. Com o desemprego que assombrou a Europa, os imigrantes chegaram ao Brasil com muito entusiasmo e disposição para trabalhar, entretanto, encontraram no território brasileiro situação diversa daquela prometida, pois as terras ofertadas localizavam-se longe dos centros urbanos, os terrenos localizavam-se em pequenos vales, dificultando o plantio agrícola, não havia incentivo estatal na concessão de crédito, tanto no estímulo para investir nas terras, adquirindo insumos, quanto na estruturação, para construção de estradas, pontes, etc. 29 A dificuldade também se estendia na busca de incentivos nos bancos privados, que viam a concessão de crédito como risco de investimento, sendo assim, como última instância, os colonos recorriam aos financistas mais abastardos da região, que acrescentavam juros exorbitantes sobre valor emprestado, fazendo com que os colonos vendessem suas terras para honrar com as dívidas. Após conquistar a confiança dos colonos e implementar a primeira cooperativa, Amstad permaneceu difundindo o cooperativismo, ajudando a fundar mais cooperativas. Além disso, fortaleceu o espírito de cooperação pelo desenvolvimento sustentado, harmônico e democrático. Em 1906, foi constituída no município de Lajeado, no Rio Grande do Sul, a primeira cooperativa de crédito do tipo Luzzatti, denominada Caixa Econômica de Empréstimos de Lajeado, como tal inspirada no modelo do italiano Luigi Luzzatti, tendo como principal característica a não exigência de vínculo para associação, ou seja, qualquer pessoa, mesmo sem vínculo ao ramo rural poderia associar-se a cooperativa. Essa cooperativa permanece em atividade, sob a denominação de Cooperativa de Crédito de Lajeado SICREDI VALE DO TAQUARI RS, integrada ao Sistema SICREDI. Entre 1902 e 1964, surgiram 66 cooperativas de crédito no Rio Grande do Sul, baseadas pelo modelo Raiffeisen. 3.2 DEFINIÇÃO DO COOPERATIVISMO DE CRÉDITO As Cooperativas de Crédito têm como objetivo eliminar o intermediário na captação de recursos, nos investimentos e na concessão de empréstimos, fazendo do tomador e do investidor uma só pessoa. De forma mais satisfatória, Alcenor Pagnussatt assim define: Cooperativas de crédito são sociedades de pessoas, constituídas com o objetivo de prestar serviços financeiros aos seus associados, na forma de ajuda mútua, baseada em valores como igualdade, 29 SANTOS. João Carlos de Los. Os 25 anos da retomada do Cooperativismo de Crédito Brasileiro. Porto Alegre: Imprensa Livre, 2005. p. 14.

12 eqüidade, solidariedade, democracia e responsabilidade social. Além de prestação de serviços comuns, visam diminuir desigualdades sociais, facilitar o acesso aos serviços financeiros, difundir o espírito de cooperação e estimular a união de todos em prol do bem-estar comum. 30 John T. Croteau afirma que a cooperativa de crédito é um instrumental econômico que diligencia em desenvolver entre os seus participantes uma abordagem de eficiência empresarial na operação de suas respectivas realizações. 31 Por ser considerada uma instituição financeira por equiparação 32, essas sociedades são controladas e fiscalizadas pelo Banco Central do Brasil, conforme dispõe o art. 92, I da Lei 5764/71. O Cooperativismo de crédito, se aplicado em escala nacional, como acontece em países como a Alemanha, Canadá, Holanda, França e Estados Unidos, por exemplo, traz consigo a possibilidade de maximizar um conjunto de fenômenos de natureza sócio-econômica úteis para o desenvolvimento sustentável de um país. 33 O cooperativismo de crédito desempenha um importante papel que lhe caracteriza como propulsor do desenvolvimento econômico-social, pois: a) O cooperativismo de crédito, como os demais ramos do cooperativismo, proporciona ao associado vivenciar um processo democrático, onde boas decisões alavancam as finanças individuais e de toda comunidade envolvida. Por exemplo: A poupança de um determinado segmento da sociedade, que se organiza em torno de uma cooperativa de crédito, é revertida em forma de crédito para o desenvolvimento da própria comunidade, aspecto fundamental, principalmente no que se refere aos pequenos empreendimentos urbanos e rurais; b) As decisões sobre as operações de crédito a serem realizadas nessas entidades são tomadas por representantes da própria entidade local, uma vez que, as diretorias das cooperativas são formadas pelo seu quadro de associados; c) Outra característica importante, própria de cooperativas de crédito, é a humanização do crédito, decorrente do conhecimento pessoal existente entre o tomador e o doador do crédito. Soma-se a isso, o fato de que, inúmeras cooperativas prevêem no próprio estatuto social a responsabilidade destes associados no cumprimento da suas obrigações junto à cooperativa, fazendo com que os índices de inadimplência sejam bastante reduzidos; d) Um dos principais motivos observados na mobilização de pessoas em torno de uma cooperativa de crédito é a possibilidade de obtenção de linhas de crédito mais adaptadas às suas demandas, 30 PAGNUSSATT, Alcenor. Guia do cooperativismo de crédito. Porto Alegre: Sagra Luzzatto, 2004. p. 13. 31 CROTEAU, John T. A economia das cooperativas de crédito. São Paulo: Atlas, 1968. 32 As cooperativas de crédito equiparam-se a instituições financeiras, conforme dispõe a Lei 4595/64. 33 PINHO. Diva Benevides. O Cooperativismo de Crédito no Brasil. São Paulo. Confebrás, 2004. p. 106

13 principalmente no que se refere às taxas de juros, tarifas, prazos e garantias; e) Por sua natureza, as cooperativas de crédito não visam lucro, no entanto têm a necessidade de gerar sobras como elemento de sustentabilidade econômica. Por ser uma organização de pessoas, e não de capital, as sobras são distribuídas com base na movimentação financeira dos associados e não no aporte de capital; f) Devido ao compromisso das cooperativas com seus associados, esforços sistemáticos são feitos no sentido de levar às comunidades desassistidas linhas de crédito governamentais, não repassadas em larga escala pela iniciativa bancária convencional, uma vez que esta alega baixa relação entre o custo e benefício na realização desses repasses, sobretudo os de pequeno valor. À medida que as cooperativas de crédito assumem esta atribuição, o poder público em suas três esferas, passa a contar com um novo canal de distribuição de crédito cujas características tendem a conferir alta eficiência às políticas públicas. g) Outra forma de dar retorno ao investimento feito pelos seus associados é através do Fundo de Assistência Técnica, Educacional e Social, que conforme previsto em Lei 34, é destinado a prestação de assistência aos associados, seus familiares e, quando previstos nos estatutos, aos empregados da cooperativa, constituídos de 5% das sobras líquidas apuradas no exercício. Essas são algumas características das cooperativas de crédito, que já possibilitam analisar o importante papel que estas desempenham nas sociedades onde atuam. Além disso, o cooperativismo de crédito passou por diversos aperfeiçoamentos regulamentares que influenciaram no seu crescimento, conforme trataremos no próximo item. 3.3. EVOLUÇÃO NORMATIVA Segundo Ênio Meinen et al. 35. A legislação deverá sempre buscar a satisfação da necessidade societária, nenhuma norma sobrevive sozinha, sua dinâmica evolução é condição máxima, para que não ocorra engessamento do instituto que regula. Para entendermos melhor como ocorreu esse desenvolvimento no ramo das cooperativas de crédito no Brasil, vejamos de forma cronológica: 1891 Decreto datado de 1891, segundo Carvalho de Mendonça 36 foi o marco regulatório que permitiu a constituição das cooperativas de crédito. Esse decreto regulava as sociedades anônimas, o qual concedeu a autorização para ser organizada uma Sociedade Cooperativa, sob a forma anônima. 1903 O Decreto do Poder Legislativo n. 979, de 06 de janeiro de 1903, também norteou o cooperativismo de crédito. Facultou aos profissionais 34 Art. 28, II da Lei 5764/71. 35 MEINEN, Ênio et al. Aspectos jurídicos do cooperativismo. Porto Alegre: Sagra Luzatto, 2002. p. 51. 36 MENDONÇA, Carvalho de. Tratado de direito comercial brasileiro. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1957, v. 7. p. 243.

14 da agricultura e industriais rurais a organizarem sindicatos para o estudo, custeio e defesa dos seus interesses. Baseado na organização livre, sem qualquer restrição ou ônus, teve seus atos constitutivos levados ao cartório de registros. 1907 A primeira norma que permitiu o funcionamento de sociedades cooperativas foi o Decreto do Poder Legislativo n. 1637, de 05 de janeiro de 1907, baseado na Lei Belga de 1873. Esse Decreto permitiu às cooperativas a organizarem-se sob a forma de sociedade anônima, sociedade em nome coletivo ou em comandita, sendo regidas pelas leis específicas. Permitia-se, ainda, às cooperativas, receberem dinheiro a juros não só dos associados, como de pessoas estranhas à sociedade 37. 1907 O Decreto n. 6532, de 20 de junho de 1907, deu ampla liberdade de funcionamento às cooperativas, bastando o depósito dos atos constitutivos na Junta Comercial, tendo como obrigação, a prestação semestral da lista de sócios e as alterações estatutárias promovidas. Segundo Waldírio Bulgarelli 38, a liberdade operacional de que gozavam as cooperativas que podiam entre outras, emprestar sob hipoteca de imóveis, penhor agrícola e warrant estabelecendo para este fim armazéns gerais na forma das leis em vigor. Podiam estabelecer em depósito dinheiro a juros, não só dos sócios como de pessoas estranhas à sociedade. 1925 Nesse ano, foi publicada a Lei n. 4984 que eliminou as cooperativas de crédito do tipo Raiffeisen e Luzzatti da exigência de expedição de carta patente e de pagamento de quotas de fiscalização, atribuindo ao Ministério da Agricultura a incumbência da fiscalização, ao contrário dos Bancos, que eram fiscalizados pelo Ministério da Fazenda. 39 Diante da fiscalização do Ministério da Agricultura, despreparado para inspecionar matéria do sistema financeiro, acabou por permitir a ocorrência de irregularidades na gestão das cooperativas de crédito. Por haver facilidade, abriam-se cooperativas para conseguir a carta bancária e, posteriormente montavam um banco mercantil ou vendiam a um banco já existente, pois para conseguir essa liberação como banco, havia mais controle, visto que as cartas patentes ou cartas bancárias eram concedidas pelo Ministério da Fazenda. Um fato como esse ocorreu, por exemplo, com a Sociedade Cooperativa de Crédito de Responsabilidade Limitada Banco Popular e Agrícola Norte do Paraná, constituída em 17 de janeiro de 1929, no município de Tomazina, que posteriormente transformou-se em Banco Bamerindus, um dos bancos mercantis privados de bastante expressão no mercado financeiro brasileiro, que nos anos 90 foi vendido para o grupo multinacional The Hongkong and Shanghai Banking Corporations, mais conhecido como HSBC 40. 1926 Diante desse processo distorcido, as cooperativas do tipo Luzzatti quase desapareceram. Então, em 02 de junho de 1926, o governo expediu o Decreto n. 17.339, o qual determinou a obrigatoriedade de fiscalização por parte do Ministério da Agricultura nas Cooperativas de Crédito 37 PINHO, Diva Benevides. O cooperativismo no Brasil: da vertente pioneira à vertente solidária. São Paulo: Saraiva, 2004. p. 22 38 BULGARELLI, Waldírio. As sociedades cooperativas e a sua disciplina jurídica. Rio de Janeiro: Renovar, 2000. p. 64. 39 PINHEIRO, Marcos Antônio Henrique. Cooperativas de crédito. Brasília: Banco Central do Brasil, 2006. p. 53. 40 PINHO, Diva Benevides. O cooperativismo de crédito no Brasil. São Paulo: Editora Confebrás, 2004. p. 46.

15 do tipo Raiffeisen e Luzzatti. 41 Coube ao Serviço de Inspetoria e Fomento Agrícola a tarefa de fiscalizar as cooperativas de crédito, dando maior credibilidade às mesmas, pois estas deviam remeter à Diretoria da Inspetoria, diversos documentos, tais como o balanço anual, lista nominativa de sócios e cópia do estatuto. 1932 Dois anos após assumir o poder, o então presidente Getúlio Vargas baixou o Decreto n 22.239, que estabeleceu o cooperativismo Rochdaleano no País, o que se deve ao fato do Presidente Getúlio ter sido governador do Rio Grande do Sul, Estado que apresentava um cooperativismo bem desenvolvido naquela época 42. Segundo Fábio Luz Filho 43, o Decreto n 22.239, foi a terceira lei na América Latina a dar uma caracterização jurídico-doutrinária da sociedade cooperativa. O Decreto n 22.239 reformou as disposições do Decreto 1637, na parte referente às sociedades cooperativas. Esta nova norma trouxe como referência o art. 30, onde as cooperativas de crédito foram definidas como aquelas que têm por objetivo principal proporcionar aos seus associados, crédito e moeda, por meio de mutualidade e da economia, mediante uma taxa módica de juros, auxiliando, de modo particular, o pequeno trabalho em qualquer ordem de atividade em que se manifeste, seja agrícola, comercial ou profissional e, acessoriamente, podendo fazer, com pessoas estranhas à sociedade, operações de crédito passivo e outros serviços conexos ou auxiliares ao crédito. 1934 Em 10 de julho de 1934, o Decreto 24.647 revoga o Decreto 22.239, com isso todas as cooperativas de crédito passam a necessitar de autorização do governo para funcionar. O normativo ainda estabelece que as cooperativas devem ser formadas por pessoas de mesmo profissão ou de profissões afins, exceto nos casos de cooperativas de crédito formadas por industriais, comerciantes ou capitalistas que poderiam ser formadas por pessoas de profissões distintas. 44 1938 Em regime de exceção, o governo promulgou o Decreto-Lei n. 581 que revoga o Decreto 24.647 e revigora o Decreto 22.239 de 1932. Finalmente a democracia cooperativista foi implantada, pela força da lei da espada, acabando com a idéia de transformação de cooperativas em sociedades anônimas 45. Outra alteração relevante trazida por este Decreto foi a transferência da incumbência de fiscalização das cooperativas de crédito urbanas para o Ministério da Fazenda, mantendo as cooperativas rurais sob a fiscalização do Ministério da Agricultura. 1941 - Nesta época as cooperativas de crédito passavam por um período conturbado, devido aos desvios de valores e também as atitudes viciadas dos dirigentes das cooperativas. Esta situação vinha ocorrendo há tempos, mas piorou no período dos anos 40 e 50. 41 PINHO, op. cit., p. 46. 42 PINHO, Diva Benevides. O cooperativismo de crédito no Brasil. São Paulo: Editora Confebrás, 2004. p. 49. 43 LUZ FILHO, Fábio. O direito cooperativo. Rio de Janeiro: Irmãos Pongetti, 1962. p. 46. 44 PINHEIRO, Marcos Antônio Henrique. Cooperativas de crédito. Brasília: Banco Central do Brasil, 2006. p. 54. 45 LUZ FILHO, Fábio. O direito cooperativo. Rio de Janeiro: Irmãos Pongetti, 1962. p. 46.

16 Em resposta aos acontecimentos, o governou federal determinou, através do Decreto n. 6980, de 19 de março de 1941, que o Ministério da Fazenda fiscalizasse as cooperativas de crédito 46. 1943 Ao entrarmos nos anos 40 do século XX, notamos a presença do Estado Novo sobre o cooperativismo. Com essa influência houve a promulgação do Decreto-Lei n 5893, de 10 de outubro de 1943, dispondo sobre a organização, funcionamento e fiscalização das cooperativas. Cria a Caixa de Crédito Cooperativo, destinada ao financiamento e fomento do cooperativismo. Este Decreto revogou novamente o Decreto 22.239, assim como o Decreto-Lei 581. 1944 O Decreto-lei de 14 de fevereiro de 1944, alterações disposições do Decreto-Lei 5893. 1945 Através do Decreto-Lei n 7293, de 02 de fevereiro de 1945, criou-se a Superintendência da Moeda e do Crédito SUMOC, como sendo órgão do Ministério da Fazenda, com a atribuição de fiscalizar bancos, casas bancárias, sociedades de crédito, financiamento e investimento e cooperativas de crédito, processando os pedidos de autorização de funcionamento, reforma de estatutos, aumento de capital, e abertura de agências, etc. Porém, as medidas legais não conseguiram estabelecer uma fiscalização efetiva e saneadora no seguimento de crédito 47. 1945 Em 19 de dezembro de 1945, o Decreto-Lei 8401, revoga os Decretos-Leis 5893 e 6274, e revigora mais uma vez, o Decreto 22.239, juntamente com o Decreto-Lei 581, mantendo a fiscalização das cooperativas sob incumbência do Ministério da Agricultura. 1951 A Lei 1412, de 13 de agosto de 1954, transformou a Caixa de Crédito Cooperativo no Banco Nacional de Crédito Cooperativo (BNCC), com objetivo de assistência e amparo às cooperativas. 1957 O Decreto 41.872, de 16 de julho de 1957, esclarece que as cooperativas de crédito sujeitam-se à fiscalização da SUMOC, no que relacionar com as normas gerais reguladoras da moeda e do crédito, baixadas pelo governo 48. 1961 A Portaria 1098 de 11 de dezembro de 1961, expedida pelo Ministério da Agricultura, reafirma que as cooperativas de crédito estavam sujeitas à prévia autorização do Governo para se constituírem, exceto as caixas rurais raiffeisen, as cooperativas de crédito agrícolas, as cooperativas mistas com seção de crédito agrícola, as centrais de crédito agrícola e as cooperativas de crédito mútuo. As cooperativas do tipo Luzzatti vinham passando por séria crise, devido aos indivíduos fraudulentos que fundavam cooperativas de crédito e fugiam com o dinheiro dos associados. Diante dessa triste realidade, o presidente João Goulart baixou normas que restringiam ainda mais a abertura de cooperativas de crédito, principalmente do tipo Luzzatti. Iniciou-se então um controle mais rígido por parte do governo 49. 46 PINHO, Diva Benevides. O cooperativismo no Brasil: da vertente pioneira à vertente solidária. São Paulo: Saraiva, 2004.p. 30. 47 PINHEIRO, Marcos Antônio Henrique. Cooperativas de crédito. Brasília: Banco Central do Brasil, 2006. p. 55. 48 PINHEIRO, op. cit., p. 56. 49 PINHO, Diva Benevides. O cooperativismo de crédito no Brasil. São Paulo: Editora Confebrás, 2004. p. 53.

17 A situação ficou ainda pior com o golpe militar de março de 1964 e a grande pressão dos banqueiros sobre o novo regime autoritário, o governo começou a exterminar as cooperativas de crédito. Este foi o período de profunda crise para sistema cooperativo brasileiro 50. Todas as cooperativas de crédito caíram em descrédito. 1964 As cooperativas já vinham sofrendo mudanças, mas a mais significativa foi com a Lei n 4595 de 1964, mais conhecida como Lei da Reforma Bancária, que reformou o sistema bancário e estabeleceu normas da política financeira do Governo Federal, acabando quase totalmente com as cooperativas de crédito no país raiffeiseanas, luzzattianas, de crédito urbano e rural 51. Esta lei equiparou as cooperativas de crédito às demais instituições financeiras, passando a ser fiscalizadas pelo Banco Central do Brasil BACEN. O Banco Central do Brasil BACEN, foi constituído em 1964 em substituição à Superintendência da Moeda e do Crédito SUMOC. Passou a tratar as cooperativas de crédito como instituições financeiras, atendendo ao disposto na Lei 4595/64 52. Assim, as cooperativas de crédito saíram definitivamente do controle do Ministério da Agricultura e passaram a ser controladas pelo Ministério da Fazenda. 1965 Sob a nova fiscalização, surgiram com a Resolução 11 do Conselho Monetário Nacional CMN, de 20 de dezembro de 1965, as primeiras restrições às cooperativas de crédito, determinando a extinção das atividades creditícias exercidas por sucursais, agências, filiais, departamentos, escritórios ou qualquer outra espécie de dependência existente em cooperativas de crédito e cria diversas vedações, conforme apresentado a seguir: IV - É vedado às cooperativas de crédito: a) usar em sua denominação a palavra "Banco"; b) realizar operações de crédito com pessoas jurídicas (ressalvandose, em relação às cooperativas que efetuem operações de crédito agrícola, associados admitidos em conformidade com o 2º do Art. 7º do Decreto nº 22.239: "pessoas jurídicas cuja existência tenha por fim a prática da agricultura ou da pecuária"); c) conceder empréstimos ou adiantamentos sem observância do prazo de carência de 90 dias de inscrição do associado; d) negociar, ou receber em garantia de empréstimos, títulos que não sejam emitidos diretamente a seu favor pelo associado, exceto conhecimentos de embarque, "warrants" e os respectivos conhecimentos de depósito, e promissórias rurais representativas do transporte, armazenamento ou venda de produção rural própria do cooperado; e) adquirir imóveis não destinados ao próprio uso, salvo os recebidos em liquidação de empréstimos de difícil ou duvidosa solução, caso em que deverão vendê-los dentro do prazo de um ano, a contar do recebimento; 50 BULGARELLI, Waldírio. Regime jurídico das sociedades cooperativas. Rio de Janeiro: Pioneira, 1965. p. 68. 51 PINHO, Diva Benevides. O cooperativismo no Brasil: da vertente pioneira à vertente solidária. São Paulo: Saraiva, 2004. p. 34. 52 BANCO CENTRAL DO BRASIL. História do Banco Central. Disponível em: <http://www.bcb.gov.br/?historiabc>. Acesso em: 11 set. 2006.

18 f) manter aplicações em imóveis de uso próprio que, somadas ao seu ativo em instalações e móveis e utensílios, excedam o valor do capital realizado e reservas livres; g) outorgar aceites, avais, fianças ou outras garantias com a finalidade de facilitar o levantamento de empréstimos ou obtenção de recursos junto a terceiros, exceto em estabelecimentos oficiais de crédito; h) admitir saques a descoberto em contas de depósitos ou de empréstimos, e nestas, ainda, além do limite contratual; i) participar do capital de sociedades outras que não o do Banco Nacional de Crédito Cooperativo e o de cooperativas centrais V - As cooperativas de crédito não poderão concentrar em um só devedor mais de 5% do total dos empréstimos, nem importância superior a 20% do capital realizado da sociedade, norma que se aplica inclusive aos eventuais empréstimos a administradores, membros do Conselho Fiscal e seus parentes. 53 A Resolução torna a autorizar a constituição e funcionamento de cooperativas de crédito, sob as modalidades de cooperativas de crédito de produção rural com o objetivo de operar em crédito e cooperativas de crédito com o quadro social formado unicamente de empregados de determinada empresa ou entidade pública 54. 1966 Após um mês da publicação da Resolução n 11, o Conselho Monetário Nacional CMN volta a restringir a atuação das cooperativas de crédito, através da Resolução n 15, de 20 de janeiro de 1966, que estabelece que as cooperativas de crédito e as seções de crédito das cooperativas mistas devem receber depósitos à vista exclusivamente de seus associados. Estabelece, ainda, a vedação de distribuição de eventuais sobras apuradas entre seus associados. Após 06 meses, a Resolução n 27 do Conselho Monetário Nacional CMN estabelece que as cooperativas de crédito e as seções de crédito das cooperativas mistas devam receber depósitos à vista exclusivamente dos seus associados pessoas físicas, funcionários da própria cooperativa e instituições de caridade, religiosas, científicas, educacionais e culturais, beneficentes ou recreativas. 1966 Em 21 de dezembro de 1966, com a edição do Decreto-Lei 59, determinou-se que as atividades creditórias das cooperativas somente pudessem ser exercidas em entidades constituídas exclusivamente com esta finalidade. Estabelece que as seções de crédito existentes podem passar a constituir cooperativas de crédito autônomas, cujo restrito estava assegurado, desde que cumpridas as exigências do Banco Central, ou limitar-se a fazer adiantamentos aos associados, através de títulos de crédito acompanhados de documentos que assegurasse a entrega da respectiva produção, vedando o recebimento de depósitos até mesmo de seus associados. 55 53 Lei 5764/71. Define a Política Nacional de Cooperativismo, institui o regime jurídico das sociedades cooperativas, e dá outras providências. 54 PINHO, Diva Benevides. O cooperativismo de crédito no Brasil. São Paulo: Editora Confebrás, 2004. p 34. 55 PINHEIRO, Marcos Antônio Henrique. Cooperativas de Crédito. Brasília: Banco Central do Brasil, 2006. p. 58.

19 Este Decreto-Lei criou o Conselho Nacional do Cooperativismo (CNC), criando um exagerado controle estatal 56. O Decreto definia a política cooperativista entendendo-a como: [...] as atividades decorrentes de todas as iniciativas ligadas ao sistema cooperativo, sejam originárias do setor privado ou público, isoladas ou coordenadas entre si, e incumbindo o Governo Federal de orientar esta política, coordenando as iniciativas que se propusessem a dinamizá-la para adaptá-las às reais necessidades de economia nacional e seu processo de desenvolvimento. 57 O Decreto-Lei n 59 sobreveio definindo a política nacional de cooperativismo e modificando a respectiva legislação. Os requisitos tipificadores da sociedade cooperativa foram mantidos nesse diploma, de conformidade com a ortodoxia doutrinária, mediante a consagração das regras de adesão voluntária, variabilidade do capital social, da inacessibilidade das quotas-partes, da singularidade do voto, do retorno das sobras líquidas na proporção das operações realizadas pelo sócio, da indivisibilidade dos fundos de reserva e da indiscriminação religiosa racial 58. 1967 Com a promulgação do Decreto n 60.597, de 19 de abril de 1967, que regulamentava o Decreto-Lei n 59, o regime jurídico das cooperativas de crédito ficou completo. Segundo Bulgarelli 59 Talvez a única parte positiva do Decreto-lei 59 e seu regulamento residia no fato atentado pela primeira vez, para a parte operacional das cooperativas. Em conseqüência, vários foram os dispositivos que esclareceram as características operacionais das cooperativas, até então confundidas em grande parte com a atividade dos outros tipos de empresa não cooperativas. 1971 O presidente Emílio Garratazu Médice assinou a Lei n. 5764. Esta lei, denominada a Lei Cooperativista, revogou o Decreto n. 59, instituindo o regime jurídico vigente das sociedades. Definiu as cooperativas como sociedade de pessoas, de natureza civil, mantendo a fiscalização e o controle das cooperativas de crédito e das seções de crédito das agrícolas mistas com o Banco Central do Brasil. 60 As mudanças econômicas da época eram vistas como milagre econômico 61. O governo conseguia dinheiro fácil no exterior e endividava a Nação. Parte dos recursos financeiros subsidiava, inclusive, os agricultores. Dessa forma, o governo conseguiu desviar a atenção dos agricultores na fundação de cooperativas de crédito, o que levou ao esvaziamento do movimento. Ocorreu uma destruição maciça, tanto de cooperativas do tipo Raiffeisen, quanto às do tipo Luzzatti, sendo que, em relação à primeira, o esmagamento foi total com a retirada das seções de crédito nas cooperativas mistas. 56 PINHO, Diva Benevides. O cooperativismo de crédito no Brasil: da vertente pioneira à vertente solidária. São Paulo: Saraiva, 2004. p.37. 57 BULGARELLI, Waldírio. As sociedades cooperativas e a sua disciplina jurídica. Rio de Janeiro: Renovar, 2000. p. 69-70. 58 FRANKE, Walmor. Direito das sociedades cooperativas. São Paulo: Saraiva, 1973. p. 141. 59 BULGARELLI, Waldírio. Regime jurídico das sociedades cooperativas. Rio de Janeiro: Pioneira, 1965. p.70. 60 PINHEIRO, Marcos Antônio Henrique. Cooperativas de crédito. Brasília: Banco Central do Brasil, 2006. 61 PINHO, Diva Benevides. O cooperativismo de crédito no Brasil. São Paulo: Editora Confebrás, 2004. p. 54.

20 Durante este período, o interesse do governo estava voltado para a exportação. Com isso, entravam dólares no país e injetavam dinheiro na área rural através dos bancos, esgotando ainda mais as cooperativas de crédito. Ao final dos anos 70, quando acabou o milagre econômico, as cooperativas de crédito da área rural estavam praticamente extintas e o setor agropecuário do país passou a sentir dificuldades em virtude da falta de financiamentos adequados ao desenvolvimento rural. 1982 Diante da caótica situação em que se encontravam as cooperativas de crédito pós-ditadura militar, um cooperativista brasileiro, chamado Mário Kruel Guimarães 62 iniciou a reorganização do sistema cooperativo rural. Foram constituídas 13 cooperativas e a Cooperativa de Crédito do Rio Grande do Sul COCECRER. O modelo institucional da COCECRER foi a base para implantação ou reestruturação das federações de crédito de outras regiões do país 63. Ainda hoje está em funcionamento, sob a denominação Cooperativa Central de Crédito do Rio Grande do Sul CENTRAL SICREDI RS. Esta Central começou a organizar-se e expandir, servindo de exemplo para que fossem organizadas centrais em outros Estados. Porém, somente em 1984, esta Central obteve a autorização para funcionamento pelo BACEN. A evolução das cooperativas acompanhou o movimento político de cada época, sendo que a década de 80 foi a descompressão política do Brasil, havendo uma abertura política lenta e gradual. 1988 A matéria jurídica sobre as cooperativas surgiu com a Carta Magna de 1988, pois até então, nenhuma Constituição havia feito referência ao assunto. Os dispositivos que aludem o cooperativismo são abordados de forma a incentivar a atividade e estão expostas na seguinte ordem. Art. 5 Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: [...] XVIII a criação de associações e, na forma da lei, a de cooperativas independem de autorização, sendo vedada a interferência estatal em seu funcionamento. 64 Ficou evidente o apoio à livre iniciativa, onde a sociedade poderia livremente organizar-se, sem intervenção do governo, podendo este, no máximo atuar como agente normativo e regulador da atividade econômica, conforme podemos ver a seguir: Art. 174 Como agente normativo e regulador da atividade econômica, o Estado exercerá, na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este determinante para o setor público e indicativo para o setor privado. [...] 62 Mário Kruel Guimarães, como membro da Federação de Cooperativas Agrícolas do Rio Grande do Sul (FECOTRIGO), liderou o movimento de renascimento do Cooperativismo de Crédito Rural. Segundo PINHO, Diva Benevides. O cooperativismo de crédito no Brasil. São Paulo: Editora Confebrás, 2004. p. 67. 63 PINHO, op. cit., p. 68. 64 BRASIL. Constituição Federal. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 5.