Universidade Federal do Rio de Janeiro Micropolítica do Trabalho e o Cuidado em Saúde Atenção Domiciliar no Âmbito do SUS no Município de Belo Horizonte Roseni Rosângela de Sena Clarissa Terenzi Seixas Kênia Lara Silva Laura Macruz Feuerwerker Emerson Elias Merhy Contextualização do cenário Belo Horizonte (BH), capital de Minas Gerais, é a quinta cidade do Brasil em população, com 2.399.920 habitantes (IBGE, 2006). Localizada na região Sudeste, em ponto geográfico estratégico do país, BH é cercada pelas montanhas da Serra do Curral que lhe servem de moldura natural e referência histórica. A Região Metropolitana de Belo Horizonte é a terceira em importância econômica e demográfica do Brasil, possuindo cerca de 5,3 milhões de habitantes (IBGE, 2006), e atraindo um volume cada vez maior de investimentos destacando-se como centro de excelência em biotecnologia e informática e como sede de importantes eventos nacionais e internacionais. A Secretaria Municipal de Saúde (SMSA-BH), órgão da administração direta da Prefeitura Municipal, tem por missão institucional estruturar a atenção à saúde no município, orientando-se pelos princípios legais e finalísticos do SUS. Para permitir a efetivação de uma nova consciência sanitária em implantação no país, a SMSA-BH optou pela reorganização dos serviços de saúde em base territorial, com a definição de nove Distritos Sanitários. Cada Distrito Sanitário tem definida sua abrangência geográfica, populacional e administrativa. Em média, 15 a 20 unidades ambulatoriais fazem parte de um Distrito, constituído de unidades básicas (Centros de Saúde), unidades secundárias como os PAMs (Postos de Assistência Médica) e CERSAMs (Centros de Referência em Saúde Mental), unidades de urgência/emergência (UPAs - Unidades de Pronto-Atendimento), além da rede hospitalar pública e contratada. 1
Atualmente, a Rede Municipal de Saúde de Belo Horizonte conta com 139 Unidades básicas, 14 portas de Urgência do SUS, incluindo 7 UPAs e o SAMU, 6 PAMs e mais de 40 hospitais conveniados. Conta, ainda, com 8 unidades de serviço de atenção domiciliar (PADs) e 10 Residências Terapêuticas de Saúde Mental (PBH, 2006). De acordo com dados do DATASUS (2006), o município possuía no cadastro do SIH, leitos que resultavam numa cobertura de 4,3 por 1000 habitantes. Quanto às internações, a taxa por 100 habitantes chegou a 9,6 em 2004, mas, considerando-se apenas os residentes do município, ficou em 5,7. Em 2003, a despesa em saúde por habitante foi de R$ 297,79, sendo que 66,97% provindas de transferências SUS. A Prefeitura aplicou, naquele ano, 19,3% de seu orçamento em atividades de saúde (DATASUS, 2006). O Programa de Saúde da Família, denominado BH Vida: Saúde Integral foi implantado em 2002, inicialmente, com o credenciamento de 169 equipes de Saúde da Família (ESF), baseadas nos centros de saúde dos nove Distritos Sanitários. Atualmente 506 equipes estão em atividade, atendendo a quase 1,5 milhão de pessoas (PBH, 2006). Atenção Domiciliar no Município de Belo Horizonte A história da Atenção Domiciliar em instituições públicas de saúde, em Belo Horizonte, teve início na década de 60, com ações isoladas do hospital público universitário. Em 1995, o Hospital de Infectologia do Estado iniciou seu Programa de Atendimento Domiciliar Terapêutico. Em 1999, foi implantado o Programa de Atenção Domiciliar (PAD) Estadual, para desospitalização precoce de pacientes internados no Hospital João XXIII por seqüelas de trauma e outras patologias. No mesmo ano foi implantado o serviço de desospitalização e internação domiciliar no Hospital das Clínicas da UFMG. Em 2000, surgiu o PAD Municipal, para desospitalização de pacientes crônicos acamados no Hospital Municipal Odilon Behrens HOB, essencialmente voltado para pacientes com feridas crônicas e, em 2001, pela Portaria SMSA/ SUS BH n 03/ 2001, o Programa tornouse oficial (PBH, 2004). Em 2002, iniciou-se o processo de regionalização do PAD Municipal, com 3 equipes e projeto de sua própria distritalização. No mesmo ano, começou a funcionar o PAD/AIDs, dentro da estrutura de funcionamento dos demais PADs municipais. Atualmente, no município, é possível identificar 5 núcleos de modalidades de atenção domiciliar, com diferentes experiências, cada qual com características e conformações próprias, o que implica a necessidade de analisá-los separadamente: 2
I) Programas de Atenção Domiciliar (PAD) vinculados à Secretaria Municipal de Saúde 1. PAD HOSPITAL ODILON BEHRENS 2. PAD ESMERALDA 3. PAD AMETISTA 4. PAD TOPÁZIO 5. PAD DIAMANTE (HIV/AIDS) 6. PAD BARREIRO 7. PAD NORDESTE (Em fase de implantação) 8. PAD PAMPULHA (Em fase de implantação) II) Residências Terapêuticas em Saúde Mental vinculada à Secretaria Municipal de Saúde No total de 10 Residências Terapêuticas no Município, recebendo em geral 7 a 10 usuários de serviços de saúde mental sem moradia fixa. III) Programas vinculados à rede hospitalar estadual (Rede FHEMIG) 1. PAD HOSPITAL JOÃO XXIII atende a clientela de modo geral e representa a característica do Hospital: a maior clientela é de pacientes portadores de comprometimentos físicos pós-trauma, de longa permanência. 2. PAD CENTRO GERAL DE PEDIATRIA além desse, tem um programa específico denominado VENTILAR (destinado a pacientes portadores de Distrofia Muscular). 3. PAD HOSPITAL EDUARDO DE MENEZES organizado para atendimento aos pacientes do próprio hospital, especialmente acometidos por HIV/Aids 4. PAD HOSPITAL JÚLIA KUBITSCHEK o programa destina-se exclusivamente a portadores de Distrofia Muscular. IV) Programas vinculados a outros hospitais 1. PID HOSPITAL SOFIA FELDMAN Destinado exclusivamente a atendimento neonatal. Existe uma proposta de ampliar o atendimento para gestantes, mas ainda não está sistematizada. 2. PID HOSPITAL DAS CLÍNICAS atende a clientela de modo geral, sendo a maior parte composta por idosos e crianças. V) Programas vinculados à iniciativa privada. A pesquisa no campo Belo Horizonte foi realizada por Roseni Sena, Kênia Silva, Clarissa Seixas, Mariana Dias e Tatiane Caetano. 3
Aspectos Metodológicos A análise dos documentos disponíveis nos serviços de AD e a possibilidade de acesso aos serviços para obtenção dos dados necessários definiram os cenários deste estudo. A descrição e a análise dos diferentes serviços e a definição dos casos traçadores. Foram orientadas pelos critérios de factibilidade, expressão do perfil da clientela, caso em curso e equipe em análise. As entrevistas e a verificação in loco dos casos traçadores foram gravadas em fitas K7, respeitando-se os procedimentos éticos da pesquisa envolvendo seres humanos, com discussão sobre os objetivos e finalidades do estudo e anuência no Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. O projeto de pesquisa foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da UFRJ. Descrição dos Cenários de Pesquisa I) PROGRAMAS DE ATENÇÃO DOMICILIAR (PAD) VINCULADOS À SECRETARIA MUNICIPAL DE SAÚDE 1. PAD HOSPITAL ODILON BEHRENS O Programa foi implantado em março de 2000 e é voltado principalmente à desospitalização de pacientes, prioritariamente a portadores de feridas agudas ou crônicas agudizadas. Essa característica deve-se, em grande parte, à finalidade de desospitalizar pacientes crônicos que permaneciam por longo período na internação hospitalar e portadores de patologias passíveis de tratamento no domicílio. O PAD HOB está organizado para atender a desospitalização de pacientes internados no HOB provenientes dos 9 distritos de Belo Horizonte. Para tanto, realizam busca ativa dentro do próprio Hospital e recebem encaminhamentos da equipe médica e de enfermagem. A equipe básica é composta por 11 profissionais e conta com a equipe do hospital para suporte. As modalidades de atendimento são assistência domiciliar para adultos e internação domiciliar para pacientes pediátricos, sendo prevalente a assistência domiciliar. 4
A previsão de atendimento era, em média, de 12 pacientes por mês no primeiro ano de funcionamento do programa. Hoje, o PAD atende, em média, 38 pacientes por mês (HOB, 2006). O programa é regulamentado pela Portaria SMSA/SUS-BH N 03/2001 de 03 de abril de 2001 (BRASIL, 2001) e financiado pelo Fundo Municipal de Saúde por meio do repasse das AIHs. No cenário em foco, foram analisados dois casos traçadores: FMS, 29 anos e portadora de uma fasceíte necrotizante e TKPS, 9 meses, sexo feminino, com diagnóstico de Síndrome de Edwards. Na entrevista com a equipe percebeu-se uma compreensão do objeto do PAD como serviço de desospitalização e extensão de cobertura. O Programa do HOB propõe-se a um trabalho de inversão da demanda de permanência prolongada do paciente no hospital, para dar continuidade a seu tratamento no domicílio, de forma humanizada e sem risco de infecção hospitalar. 2. PAD AMETISTA e PAD TOPÁZIO Os serviços dos PADs Ametista e Topázio são vinculados às UPAs Unidades de Pronto Atendimento - da Secretaria Municipal de Saúde. Têm, como público-alvo, pacientes atendidos nas UPAS com quadro agudo cuja internação hospitalar é indicada, mas passível de ser evitada por meio de atendimento domiciliar sob a orientação da equipe de AD da UPA. Assim que possível, os usuários são contra-referenciados para acompanhamento pelas equipes do PSF. Não há critério de elegibilidade por patologias. As equipes são compostas por 1 médico generalista, 1 enfermeira, 1 auxiliar de enfermagem, 1 assistente social. O perfil/capacidade de atendimento das equipes é diferenciado, sendo a média de 20 a 30 pacientes/ mês. O tempo médio de permanência dos usuários no PAD diminui de 20 dias em 2005 para 10 dias em 2006 (dados referentes aos primeiros trimestres de 2005 e 2006). Nos cenários em questão foi analisado o caso traçador de um paciente de 56 anos, hipertenso, portador de gota extensa severa e recidivante, etilista. 3. PAD DIAMANTE (HIV/AIDS) A abordagem de atendimento no domicílio a pacientes portadores de HIV/ AIDS iniciou-se no Hospital de Infectologia da FHEMIG (Eduardo Menezes), em 1995. Em 2001, a Prefeitura aprovou um projeto de implantação de outra equipe de AD com financiamento do Programa 5
Nacional de AIDS. Essa equipe iniciou seu funcionamento em 2003, dentro da proposta do PADs/UPAs. As propostas desse programa são a desospitalização e a pré-hospitalização, evitando-se internações de pacientes que podem ser atendidos no domicílio (Ex: infecção, hidratação). Há uma regionalização do atendimento com o Hospital Eduardo Menezes (HEM), dividindo a demanda do município por área geográfica e pela origem do encaminhamento do paciente hospitalizado. No intuito de ampliar a capacidade de atendimento e cobrir melhor a área geográfica que lhe coube, o PAD/ AIDS tem utilizado os PADs das outras UPAS ficando a equipe específica da AIDs como retaguarda. Para tanto, as equipes passaram por um processo de capacitação de acordo com a especificidade. A equipe básica é composta por 1 médico, 1 enfermeiro, 1 assistente social, 1 fisioterapeuta, 1 psicólogo e 1 auxiliar de enfermagem, com carga horária de 4 horas diárias, 5 vezes por semana. Contam com outros profissionais na rede (Centro de Saúde) quando necessário, embora isso não funcione, ainda, a contento. A coordenação está, no momento, promovendo um processo de identificação de recursos, para montagem de uma rede de cuidados que assegure a integralidade da atenção ao paciente com AIDS. A média de pacientes atendidos é de 15 por mês. tibial. Foi analisado o caso traçador de LERR, portador de SIDA, demência mista e com fratura II) PROGRAMAS VINCULADOS A OUTROS HOSPITAIS 1. PID HOSPITAL SOFIA FELDMAN O Programa de Internação Domiciliar Neonatal PID Neo do Hospital Sofia Feldman iniciou suas atividades em junho de 2005 com o objetivo de liberar leitos na neonatologia para ampliação do acesso. O Programa tem como propósito a desospitalização dos Recém-nascidos estáveis que se encontram na Unidade Canguru para ganho de peso; Recém-nascidos ictéricos que necessitam de fototerapia, sem risco de exsanguineotransfusão e lactentes com déficit neurológico, traqueostomizados ou gastrotomizados, revelando a característica de atendimento a grupos 6
específicos (no caso RN) pela peculiaridade da instituição como Maternidade de referência para atendimento neonatal de alto risco. O Programa visa facilitar a integração do binômio mãe-filho no contexto social em que vivem de modo a favorecer o aleitamento materno exclusivo, diminuir o risco de infecção hospitalar, integrar a família nos cuidados com o Recém-nascido, otimizar os leitos da Unidade de Cuidados Intermediários e da Unidade de Terapia Intensiva, garantir ao Recém-nascido e à família uma assistência integral e humanizada. Também considera que a criança estaria menos exposta a procedimentos invasivos e ao risco de infecção hospitalar. Tendo como propósito a desospitalização e sendo um hospital público de referência para recém-natos de alto risco, recebe pacientes de toda Região Metropolitana e até do interior do estado de Minas Gerais. Mas a área de abrangência do PID é a Região Metropolitana de Belo Horizonte. É destinado exclusivamente a atendimento neonatal. Existe uma proposta da instituição de ampliar o atendimento para a gestante e a parturiente, mas ainda não sistematizada; segundo o diretor da instituição, por resistência de alguns profissionais e por dificuldade de se articular com os demais serviços da rede de Saúde. ao nascer. No cenário em questão foram analisados dois casos traçadores: EE e A. com baixo peso Categorias Analisadoras Foram utilizadas, para a análise dos cenários deste estudo, as seguintes categorias empregadas em todos os campos pesquisados no projeto geral: 1. Arranjos e composição da equipe 2. Articulação do PAD com o Sistema Local de Saúde 3. Cuidador 4. Cuidado 5. Racionalidade 6. Avaliação do PAD. Durante a análise dos dados do campo de BH, a articulação do PAD com a rede municipal de Saúde emergiu como categoria comum a todos os cenários. 7
Nessa categoria, alguns pontos centrais foram destacados como analisadores: a decisão política, a integralidade do Sistema, a normatização e regulação, a composição e o trabalho da equipe. A análise permitiu perceber que a implantação, a ampliação e a consolidação da Atenção Domiciliar no Município de Belo Horizonte depende fortemente do gestor municipal e da incorporação dessa modalidade como estratégia da política pública municipal. Percebe-se a necessidade de se assumir a AD, tanto pelo gestor quanto pelos próprios serviços, como modalidade substitutiva de cuidado e não apenas como uma forma de desospitalização, de extensão de cobertura e de redução dos gastos hospitalares. Ao analisar a integralidade da rede, que trata da questão do acesso à AD, formas de entrada nos programas, garantia de continuidade da assistência e articulação entre os diversos serviços de forma a garantir uma assistência integral ao paciente da AD, percebeu-se um esforço do gestor municipal e dos gestores locais nesse sentido. No entanto, não existe ainda um fluxo sistematizado que permita um acesso oportuno e um caminhar mais fluido dos pacientes pela linha de cuidado. A dificuldade de articulação dos PADs com outras estações da rede de cuidados devese a diversos fatores, mas principalmente à insuficiência da política pública que normatiza as modalidades de atenção no domicílio no Município (Portaria SMSA/SUS-BH N 03/2001, de 03 de abril de 2001) e à disputa de projetos entre os vários atores envolvidos no cuidado. A AD vem se estabelecendo como um programa especial, não-articulado à rede e submetido à lógica organizacional e administrativa de cada instituição. Assim, apesar do reconhecimento de práticas e resultados positivos no interior dos programas de AD, permanece a desarticulação dos programas na rede, limitando as potencialidades das modalidades de cuidado domiciliar e dificultando seu caráter substitutivo do modelo de atenção. A abertura de portas de diálogo entre os diversos atores envolvidos no cuidado, a conciliação de interesses dos executores dos planos de cuidado com as demandas e necessidades dos usuários e a construção de espaços compartilhados de gestão fazem-se necessários para que essas modalidades possam existir em toda a sua capacidade e colaborar na reversão do modelo. Quanto à composição e ao trabalho das equipes, notam-se a reprodução das relações e a utilização das tecnologias hospitalares no domicílio, ocorrendo a transferência do espaço do cuidado e permanecendo a lógica do modelo de atenção hegemônico centrada nos procedimentos e nas patologias ou nas seqüelas. Nota-se também a centralidade do cuidado nas decisões dos profissionais e não nos usuários, mesmo na ausência dos primeiros, determinando a lógica do cuidado. No entanto, algumas experiências apontam para uma mudança nas relações, no 8
compartilhamento de saberes e na elaboração conjunta do plano de cuidado. Desse modo, fica evidente a necessidade de profissionais com perfil adequado ao trabalho da AD. Essa discussão pretende estimular o interesse pela AD e ser um detonador de discussões e reflexões que terão lugar no Seminário Geral. 9